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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona.
ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. IX, núm. 194 (110), 1 de agosto de 2005

 

O PROCESSO DE AGLOMERAÇÃO URBANA: UM ESTUDO SOBRE PRESIDENTE PRUDENTE E ÁLVARES MACHADO NO ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL[1]

 

 

Vitor Koiti Miyazaki

E- mail: vitorkm@yahoo.com.br

 

Arthur Magon Whitacker

E- mail: whitacker@uol.com.br

 

Faculdade de Ciências e Tecnologia – FCT  Universidade Estadual Paulista – UNESP

Departamento de Geografia Presidente Prudente - SP – Brasil

 


O processo de aglomeração urbana: um estudo sobre Presidente Prudente e Álvares Machado no Estado de São Paulo, Brasil (Resumo)

A aglomeração urbana é um processo de expansão de núcleos urbanos distintos com produção e intensificação de fluxos que extrapolam os limites políticos/administrativos dos municípios. O estudo do processo de aglomeração urbana é importante porque contribui para o planejamento e a gestão pública. Assim, pretendemos contribuir para pesquisas sobre este tema através do estudo das cidades de Presidente Prudente e Álvares Machado, no Estado de São Paulo, Brasil. Foram realizadas pesquisas bibliográficas, levantamento de dados e visitas à área. Os resultados mostram que o processo de aglomeração urbana não se limita somente aos aspectos espaciais, pois inclui também elementos socioeconômicos, já que este processo ocorre em bairros com população de baixa renda. Estes resultados reforçam a importância do planejamento urbano como instrumento para a administração pública.

 

Palavras chaves: Aglomeração urbana, expansão urbana, fluxos, planejamento urbano.

 


The urban agglomeration process: a study of Presidente Prudente and Alvares Machado cities, São Paulo State, Brazil (Abstract)

The urban agglomeration is expansion process of distinct urban nucleus with production and fluxes intensification overstepping the political/administrative limits of the counties. The study of the urban agglomeration process is important as it contribute to planning and public management. So it is intended to contribute on the researches about this theme through studying Presidente Prudente and Alvares Machado cities, in the São Paulo state, Brazil. It was carried out bibliography research, data search and visits to the areas. The results had shown that the urban agglomeration process includes not only spatial aspects but also social and economic ones for the reason that this process occurs in districts with lowering income people. These results enhance the importance of the urban planning as a instrument to public management.

 

KeyWords: Urban agglomeration, urban expansion, flows, urban planning.


 
Introdução

 

As transformações socioeconômicas ocorridas no Brasil, principalmente a partir da década de 1970, contribuíram para a aceleração do processo de urbanização, gerando profundas transformações espaciais resultantes de novas lógicas territoriais.

 

Neste contexto, dentre inúmeros outros aspectos, destaca-se o surgimento e crescimento das cidades médias, além da presença de processos como a aglomeração urbana nestes centros.

 

Assim, a partir do estudo realizado nas cidades de Presidente Prudente e Álvares Machado, localizados no interior do estado de São Paulo-Brasil, pretende-se contribuir nas pesquisas e debates sobre o processo de aglomeração urbana em cidades de porte médio e pequeno, de caráter não metropolitano. Vale lembrar que são realizados muitos estudos a respeito dos processos de aglomeração urbana e/ou conurbação. Mas, na maioria dos casos, estes estudos tratam de grandes cidades e regiões metropolitanas.

 

Para a realização deste estudo, analisamos os diferentes fluxos presentes entre as duas cidades, como número de veículos e passageiros. Além disso, realizamos o levantamento do uso e ocupação do solo entre as duas cidades, desde loteamentos urbanos, instalações comerciais e industriais a propriedades rurais.

 

Na primeira parte deste texto, realizaremos uma breve discussão teórica sobre o processo de aglomeração urbana, além de algumas considerações sobre fluxos e expansão urbana.

Em seguida, realizamos uma breve apresentação dos municípios de Álvares Machado e Presidente Prudente, a partir de informações referentes à população urbana e rural.

 

Já na terceira parte, apresentamos os resultados alcançados, analisando as informações obtidas em campo e de instituições como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, Departamento de Estradas de Rodagem – DER, Prefeituras Municipais de ambos os municípios e empresa de transporte coletivo intermunicipal.

 

A seguir, realizamos uma discussão sobre a importância do tema e suas implicações para o planejamento urbano. Por fim, a partir dos resultados obtidos até o momento, realizamos alguns apontamentos sobre tema.

 

 

O processo de aglomeração urbana

 

As informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE revelam que mais de 80 por cento da população brasileira reside nas cidades. Porém, vale lembrar que esses dados consideram como urbanas até mesmo pequenas cidades e vilas com características de aglomerados rurais. De qualquer forma, o “Brasil é realmente um país predominantemente urbano e que se urbaniza mais e mais” (Souza, 2003:16).

 

Além disso, graças às facilidades de transporte e também às novas formas de organização do trabalho agrícola, um número considerável de trabalhadores na agricultura vive na cidade, que se torna um reservatório de mão-de-obra (Santos & Silveira, 2001: 205).

 

A partir dessas constatações, Motta & Ajara (2000) consideram o crescimento das cidades médias e a formação/consolidação de aglomerações urbanas de caráter metropolitano e não-metropolitano como manifestações do processo de urbanização.

 

Atualmente, muitos estudos a respeito das aglomerações urbanas em regiões metropolitanas e grandes cidades são realizados no país, não ocorrendo o mesmo quando se trata de cidades médias e pequenas. É nesse contexto que o presente trabalho pretende contribuir nos estudos sobre aglomeração urbana de caráter não metropolitano, analisando, como já foi citado anteriormente, a realidade de Presidente Prudente e Álvares Machado, no Estado de São Paulo.

 

As cidades médias e pequenas podem apresentar características específicas que as diferem das metrópoles e grandes cidades. O processo de produção do espaço urbano, entendida como resultante da ação de vários agentes sociais, pode ocorrer diferentemente nas cidades grandes, médias e pequenas, variando (ou não) de acordo com os jogos de interesses, em cada contexto histórico e regional, podendo implicar em relações interurbanas diferenciadas para cada situação.

 

É nesse contexto que se reforça a importância dos estudos sobre aglomerações urbanas e relações interurbanas, já que não podemos “estudar isoladamente uma cidade” (Santos, 1996: 81).

 

A Constituição Federal Brasileira de 1988 conferiu autonomia aos estados brasileiros para a criação de entidades regionais[2], como regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas, com o objetivo de promover a gestão das funções urbanas de interesse comum. Assim, a criação de aglomerações urbanas como instrumento de planejamento integrado dos municípios compete a cada estado.

 

Assim, a Constituição do Estado de São Paulo de 1989, prevê a criação de aglomerações urbanas[3], denominando-as como agrupamento de municípios limítrofes que apresente relação de integração funcional de natureza econômico-social e urbanização contínua entre dois ou mais municípios ou manifesta tendência nesse sentido, que exija planejamento integrado e recomende ação coordenada dos entes públicos nela atuantes.

 

Corrêa (1989) destaca que toda a dinâmica da sociedade, através de seus movimentos e no contexto de estruturas sociais, pressupõe uma demanda por funções urbanas que se materializam nas formas espaciais, levando a fenômenos como a aglomeração urbana.

 

Dessa forma, o fenômeno da aglomeração urbana não se limita apenas ao processo de expansão urbana, através do avanço da malha, constituindo numa contigüidade da mancha de ocupação. O processo de aglomeração urbana deve ser compreendido também no contexto da circulação, ou seja, dos diferentes fluxos presentes entre as cidades. Villaça (1998), através do estudo de casos metropolitanos e utilizando-se do termo conurbação, chama atenção para essa questão, considerando que os fluxos materiais e imateriais levam à uma intensa vinculação socioeconômica entre as cidades.

 

Ainda nesse sentido, Moura & Ultramari (1994) apresenta a aglomeração urbana como o espaço de comutação diária entre as cidades, com uma relação de dependência entre centro-periferia. Pierre George (1983) já apontava que uma cidade e sua periferia constituem uma aglomeração, frente à sedimentação resultante da relação entre a expansão urbana e o reajustamento dos limites administrativos.

 

Outro aspecto importante, apontado por Davidovich & Lima (1975), refere-se à consideração dos aspectos sócio-econômicos no processo de aglomeração urbana. De acordo com essas autoras, são identificadas como aglomerações de caráter urbano aquelas áreas que apresentam de fato problemas sociais e econômicos comuns. Este fato reforça a necessidade da implementação de ações conjuntas entre os municípios de uma mesma aglomeração.

 

Após estas breves considerações, o fenômeno da aglomeração urbana pode ser compreendido como o processo em que há uma expansão espacial de núcleos urbanos distintos, gerando fluxos e um avanço da malha urbana que acabam por extrapolar os limites político-administrativos dos municípios. Ou seja, uma única cidade passa a corresponder em mais de um município, mas não havendo necessariamente uma contigüidade da malha urbana, já que os fluxos também devem ser considerados neste processo.

 

 

Contextualização histórica e espacial da área de estudo

 

Os municípios de Presidente Prudente e Álvares Machado, de acordo com o IBGE, pertencem à Microregião Geográfica de Presidente Prudente, no interior do estado de São Paulo (figura 1).

 

Figura Nº 1

Localização dos municípios de Presidente Prudente e Álvares Machado na Microrregião Geográfica de Presidente Prudente

 

 

 

 

 

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE  Org.: Vitor Koiti Miyazaki, 2005.

 

 

O surgimento do município de Presidente Prudente deve ser compreendido no contexto da marcha do café pelo extremo oeste paulista, facilitada pelo prolongamento da Estrada de Ferro Sorocabana até o Rio Paraná. A partir de 1919, com o início do tráfego normal de trens, intensificou-se o povoamento e ocupação da região[4].

 

Com o passar do tempo, surgiram alguns núcleos urbanos, às margens da ferrovia, como pontos de apoio para a exploração econômica da região. Presidente Prudente surgiu a partir da união de dois núcleos urbanos, criados para desempenhar o papel de “um centro de ligação entre o sertão e o mundo povoado que ficava à retaguarda” (Abreu, 2001: 13). Assim, em 1917, Presidente Prudente é fundada e passa a amparar as vendas de terras da região, constituindo-se em um centro de abastecimento de produtos e instrumental para o trabalho.

 

Atualmente, Presidente Prudente mantém o seu caráter de centro polarizador da região, contando com 189.186 habitantes, de acordo com o Censo Demográfico do IBGE de 2000. Álvares Machado, por sua vez, foi fundada em 1922 e elevou-se a município pelo desmembramento do município de Presidente Prudente, em 1944. O município possui 22.661 habitantes, também de acordo com Censo Demográfico 2000, do IBGE. No entanto, vale lembrar que Álvares Machado, mesmo constituindo-se em um município de porte pequeno, conta com mais de 88 por cento da população residentes na área urbana.

 

Já o município de Presidente Prudente conta com mais de 97 por cento da população vivendo na cidade. No quadro Nº1 podemos observar esse predomínio da população nas áreas urbanas, além da evolução do número de habitantes a partir de 1970.

 

Quadro Nº 1

Evolução da população (urbana e rural) de Álvares Machado e Presidente Prudente (1970-2000)

 

Município

Álvares Machado

Presidente Prudente

Ano

População

Pop. (nº abs.)

Pop. (%)

Pop. (nº abs.)

Pop. (%)

1970

Urbana

6.016

35,56%

91.188

87,31%

Rural

10.904

64,44%

13.250

12,69%

Total

16.920

100%

104.438

100%

1980

Urbana

8.522

59,80%

127.986

94,67%

Rural

5.729

40,20%

7.210

5,33%

Total

14.251

100%

135.196

100%

1991

Urbana

15.387

81,56%

160.227

96,82%

Rural

3.478

18,44%

5.257

3,18%

Total

18.865

100%

165.484

100%

2000

Urbana

20.096

88,68%

185.229

97,91%

Rural

2.565

11,32%

3.957

2,09%

Total

22.661

100%

189.186

100%

 

Fonte: Censo Demográfico 2000, IBGE.   Org.: Vitor Koiti Miyazaki, 2004

 

Ainda de acordo com o quadro Nº1, nota-se que, em 1970,  Presidente Prudente já concentrava mais de 90 mil habitantes, afirmando o seu caráter polarizador. Além disso, nota-se que na década de 1970, Álvares Machado contava com a maior parte de sua população residindo na zona rural, situação que se reverteu somente na década seguinte.

Através da figura 2 podemos observar que a malha urbana de ambos os municípios, em alguns casos, já se encontram bem próximos. A distância entre Presidente Prudente e Álvares Machado (tendo como referência os  centros das cidades) é de aproximadamente 12 km.

 

Ainda na figura Nº2, podemos destacar as duas vias mais importantes que ligam as cidades de Álvares Machado e Presidente Prudente: Estrada intermunicipal Arthur Boigues Filho (conhecida popularmente como Estrada da Amizade) e Rodovia Raposo Tavares (SP-270).

 




Figura Nº 2

Malha urbana de Presidente Prudente e Álvares Machado

 

 

Fonte: Prefeitura Municipal de Presidente Prudente e Álvares Machado. Org.: Vitor Koiti Miyazaki, 2005.

 

 

Podemos destacar também o avanço da malha urbana dos bairros Jardim Cobral e Leonor (pertencentes à Presidente Prudente) e Parque dos Pinheiro/Jardim Panorama (pertencentes à Álvares Machado).

 

 

A Aglomeração urbana entre Presidente Prudente e Álvares Machado: alguns resultados empíricos

 

Como vimos, a ocupação da região de Presidente Prudente se deu no contexto do avanço do café, por meio do surgimento de núcleos de apoio ao longo da Estrada de Ferro Sorocabana. Assim como Presidente Prudente, Álvares Machado surgiu nas margens da ferrovia, distando cerca de 15 quilômetros da estação ferroviária prudentina.

 

No entanto, com o passar dos anos, principalmente no final da década de 1970, novos loteamentos foram aprovados no município de Álvares Machado, de forma que a malha urbana avançou consideravelmente em direção à Presidente Prudente. De acordo com os levantamentos realizados junto à Prefeitura Municipal de Álvares Machado, foram aprovados nove loteamentos, entre 1980 e 1994, somente na zona leste da cidade, que se constitui na área próxima ao limite municipal com Presidente Prudente.

 

A cidade de Presidente Prudente, por sua vez, expandiu sua malha urbana para oeste, norte e sul, frente às dificuldades encontradas para a ocupação em direção à zona leste.

 

Como já citamos anteriormente, Presidente Prudente e Álvares Machado encontram-se interligadas pela Estrada Intermunicipal Arthur Boigues Filho. Esta via constitui-se em um “importante corredor diário da população de Álvares Machado para Presidente Prudente em razão de trabalho, saúde, comércio, lazer e educação” (Kahale, Rafael & Rodrigues, 1996: 35). De acordo com as informações obtidas junto à Secretaria de Planejamento e Habitação da Prefeitura Municipal de Álvares Machado, o fluxo médio diário nesta via é de aproximadamente 5 mil veículos.

 

A Estrada Intermunicipal Arthur Boigues Filho constitui-se em uma das áreas em que o avanço da malha urbana se encontra em um estágio mais avançado, tendo suas margens ocupadas por inúmeras atividades, desde loteamentos residenciais a estabelecimentos comerciais e industriais.

 

Recentemente, esta via passou por algumas obras, recebendo melhorias como canteiro central e iluminação pública. Os investimentos públicos nessa área foram importantes para o surgimento de novas atividades. Os primeiros resultados podem ser observados no trecho de Presidente Prudente, onde novos loteamentos residenciais foram implantados após as obras de duplicação e iluminação da via.

 

É nesse contexto também que surgiram os Bairros Maré Mansa, Parque Imperial e o Residencial Portinarri. Os dois primeiros casos se referem a loteamentos populares. Já o segundo, fruto da iniciativa de uma incorporadora de capital local, constitui-se em um loteamento de alto padrão, mas ainda se encontra na fase de comercialização dos lotes. Cabe ressaltar também que o surgimento do Bairro Maré Mansa e Parque Imperial fez com que novas linhas de transporte coletivo urbano fossem implantadas para atender os moradores desses loteamentos.

 

Além da Estrada Intermunicipal Arthur Boigues, outra importante via de ligação entre Álvares Machado e Presidente Prudente é a Rodovia Raposo Tavares – SP-270, que também concentra fluxos interestaduais, já que liga a capital São Paulo a Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Ao longo desta via está localizado o núcleo industrial e um loteamento residencial de alto padrão (no município de Álvares Machado) e atividades de serviços e comércio (no município de Presidente Prudente). Nas margens desta rodovia, ainda em Presidente Prudente, localiza-se uma universidade, cujo campus ultrapassa o limite político-administrativo, ocupando uma área que abrange ambos os municípios.

 

As informações sobre o fluxo diário médio na Rodovia Raposo Tavares, obtidas junto ao Departamento de Estradas de Rodagem – DER, apontam um aumento significativo do fluxo de veículo nos trechos próximos a Álvares Machado e Presidente Prudente. No entanto, desses números devem ser descontados os veículos que trafegam na rodovia, cujo destino não se refere a nenhuma das cidades citadas anteriormente.

 

Apesar disso, as informações são relevantes para demonstrarmos a vinculação existente entre Presidente Prudente e Álvares Machado, principalmente quando consideramos esses mesmos dados de acordo com o tipo de veículo (Quadro Nº 2).

 

Quadro Nº 2

Fluxo diário médio de veículos na SP-270 – Rodovia Raposo Tavares

 

Ponto

 

Trecho

Tipo de veículo

 

Total

Leves

Médios

Pesados

Reboque e semi-reboque

Ônibus

1

SP-457 a

Regente Feijó

1287

196

573

1205

126

3387

2

Regente Feijó a Distrito de Espigão

6109

663

939

1940

332

9983

3

Distrito de Espigão a Presidente Prudente

10559

886

1231

1845

525

15046

4

Presidente Prudente a Álvares Machado

9916

830

1203

2315

648

14912

5

Santo Anastácio a Presidente Venceslau

3616

604

1039

2212

263

7734

 

Fonte: Departamento de Estradas de Rodagem. Org.: Vitor Koiti Miyazaki, 2004

 

 

Logo, constata-se que o aumento do fluxo de veículos leves, no trecho próximo ao município de Presidente Prudente, é muito mais significativo do que os fluxos de veículos reboques e semi-reboques. Somente a título de exemplo, no trecho entre os pontos 1 e 3, há um aumento de 720,4 por cento no fluxo de veículos leves, sendo que o tráfego de veículos reboque e semi-reboque aumentam apenas 53,1 por cento no mesmo trecho. Ou seja, a intensificação dos fluxos nas proximidades de Presidente Prudente pode estar mais vinculada ao aumento do tráfego local, já que os veículos reboques e semi-reboques estão vinculados, na maioria dos casos, a transportes de longa distância.

 

Outra informação importante para a compreensão do processo de aglomeração urbana é o fluxo de passageiros de transportes coletivos interurbanos. O quadro Nº 3 apresenta o número de linhas/horários disponíveis entre Álvares Machado e Presidente Prudente. Nota-se que o fluxo de ônibus está concentrado nos horários da manhã, no sentido Álvares Machado - Presidente Prudente, oferecendo 11 opções de horários/linhas no intervalo das 5:30h às 7:30h.

 

Quadro Nº 3

Número de linhas de ônibus oferecidas durante a semana entre Álvares Machado e Presidente Prudente (segunda-feira a sexta-feira)

 

Intervalos

               Número de linhas de ônibus

 

De Álvares Machado para Presidente Prudente

De Presidente Prudente para Álvares Machado

Das 5:30h às 7:30h

11

6

Das 7:30h às 9:30h

4

4

Das 9:30h às 11:30h

3

4

Das 11:30h às 13:30h

3

3

Das 13:30h às 15:30h

4

4

Das 15:30h às 17:30h

6

8

Das 17:30h às 19:30h

6

7

Das 19:30h às 21:30h

2

2

Após 21:30h

1

2

 

Fonte: Jandaia Transporte e Turismo Ltda, 2004.  Org.: Vitor Koiti Miyazaki, 2004

 

 

Ainda de acordo com o quadro Nº 3, o número de linhas de ônibus oferecidos pela empresa no horário de retorno (de Presidente Prudente para Álvares Machado, das 17:30h às 21:30h) é expressivo, totalizando 9 opções nesse intervalo de tempo.

 

Assim, a análise do tráfego de veículos de transporte coletivo, de acordo com os diferentes horários do dia, permite compreender os fluxos diários da população, constituindo-se em movimentos pendulares. Sposito (1982), em sua dissertação de mestrado, apontou que a mobilidade pendular da população está geralmente ligada ao setor terciário.No caso em estudo, a mão-de-obra “machadense” procura empregos em Presidente Prudente, o que é facilitada pelo fluxo constante de ônibus. Esses movimentos pendulares reforçam a relação centro-periferia que constitui uma aglomeração urbana, como já foi apontado anteriormente.

 

Já no quadro N º 4 apresentamos o número de passageiros transportados entre Álvares Machado e Presidente Prudente, durante o mês de maio de 2004. Na tabela revela-se que o fluxo de passageiros entre o Jardim Panorama (pertencente à Álvares Machado) e Presidente Prudente representa mais de 80 por cento do  volume transportado entre a sede do município de Álvares Machado e Presidente Prudente. Esta constatação reforça a forte ligação presente entre os bairros “machadenses” Jardim Panorama e Parque dos Pinheiros com o município vizinho, já que o número de passageiros é tão intenso quanto aquele referente às linhas que partem da sede do município.

 

Estas informações reforçam as constatações de estudos já realizados por Oliveira (1992) e Prado (1991), que apontam para uma maior vinculação socioeconômica dos bairros Jardim Panorama e Parque dos Pinheiros com o município de Presidente Prudente.

 

Quadro Nº 4

Número de passageiros de transporte coletivo intermunicipal, entre Álvares Machado e Presidente Prudente (maio/2004)

 

 

Linha/itinerário

Número de passageiros

De Álvares Machado (sede do município) para Presidente Prudente

37.595

De Presidente Prudente para Álvares Machado (sede do município)

37.573

De Álvares Machado (Jardim Panorama) para Presidente Prudente

30.811

De Presidente Prudente para Álvares Machado (Jardim Panorama)

30.801

 

Fonte: Jandaia Transporte e Turismo Ltda, 2004. Org.: Vitor Koiti Miyazaki, 2004

 

 

Esses bairros constituem-se em mais uma área onde o processo de aglomeração se encontra em um estágio mais avançado, já que há certa contigüidade da malha urbana entre o Jardim Panorama e Parque dos Pinheiros (em Álvares Machado) e Jardim Cobral e Leonor (em Presidente Prudente).

 

No entanto, mesmo com a presença desta certa contigüidade da malha urbana entre os bairros dos dois municípios, o Jardim Panorama e o Parque dos Pinheiros distam oito quilômetros da sede do município, não havendo uma contigüidade em relação à Álvares Machado.

 

Além disso, os vínculos sócio-econômicos desses bairros estão fortemente ligados à Presidente Prudente. Levantamentos realizados por Kahale, Rafael & Rodrigues (1996) mostram que 70,5 por cento da população do Jardim Panorama e Parque dos Pinheiros trabalham em Presidente Prudente. Ainda de acordo com esse trabalho, apenas 44,3 por cento dos moradores desses bairros votam em Álvares Machado e 60 por cento utilizam serviços e comércio de Presidente Prudente.

 

Frente a essa forte vinculação dos bairros “machadenses” a Presidente Prudente, surgem alguns problemas referentes à gestão e administração pública. Em visita realizada à Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Sabesp, constatamos que todo o abastecimento de água do Jardim Panorama e Parque dos Pinheiros é realizado pela Estação de Tratamento de Água de Presidente Prudente.

 

 

A importância do planejamento urbano

 

Após a década de 1970, com o avanço do processo de urbanização no país, a preocupação com o planejamento acentuou-se e passou a adquirir maior atenção nas administrações públicas municipais, na busca de um desenvolvimento mais equilibrado das cidades.

 

No entanto, as primeiras concepções de planejamento pensadas na década de 1970 baseavam-se na idealização de uma cidade do futuro, na qual elaborava-se um modelo que deveria ser alcançado ao final de todo o processo. Assim, constituía-se em uma visão tecnocrática, pautada nos sistemas de planejamento da época. É nesse contexto que Rolnik (2000) lembra das dificuldades encontradas por este modelo de planejamento, frente às limitações do poder legislativo e a desarticulação da sociedade civil nesse período.

 

Esse receituário tecnocrático acabou desgastando a questão do planejamento no país, passando a ser alvo de muitas críticas. Um dos principais problemas apontados refere-se à desarticulação do planejamento da gestão. Não basta planejar e elaborar políticas públicas se estas ações dificilmente são aplicadas, ou seja, não chega à esfera da gestão.

 

Assim, Souza (2002) busca resgatar a importância do planejamento urbano, sob uma visão crítica, apresentando os desafios que precisam ser superados, como: valorização crítica simultânea das dimensões política e técnico-científica do planejamento e gestão, análise e aproveitamento do arsenal de instrumentos atualmente disponíveis para o planejamento e gestão, necessidade de uma crítica da racionalidade instrumental com base na reflexão habermasiana sobre a razão e o agir comunicativos, reflexão sobre participação popular e pensar no planejamento frente à produção teórica do conjunto das ciências sociais, como as teorias sobre desenvolvimento.

 

Dessa forma, o autor reforça a necessidade de se associar o planejamento à gestão, destacando que são termos, ao mesmo tempo distintos e complementares, já que o planejamento é a preparação para a gestão futura.

 

O planejamento pode ser apreendido como um instrumento importante para a execução de ações futuras, em uma escala temporal e espacial. Dessa forma, o planejamento constitui-se em um processo permanente e dinâmico, com acompanhamento contínuo que, no decorrer dos acontecimentos, irá ser submetido a ajustes e correções (Kahale, Rafael, Rodrigues, 1996).

 

No caso das aglomerações urbanas, o planejamento urbano deve ser tratado de forma integrada, para que atenda aos interesses dos diferentes municípios envolvidos, assim como nas regiões metropolitanas. Porém, o crescimento das cidades médias e, conseqüentemente, o surgimento de novos processos como a aglomeração urbana, lançam novos desafios quanto às políticas públicas de interesse comum em espaços não-metropolitanos. Ações consorciadas devem ser pensadas e debatidas coletivamente, de forma a não prejudicar ou favorecer apenas uma cidade.

 

Como já foi destacada anteriormente, a Constituição Federal permite que os estados instituam regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, através da junção de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.

 

No entanto, Braga (2005), a partir da análise das legislações estaduais, aponta que poucos estados brasileiros tratam deste tema com relevância, sendo que os casos de institucionalização de aglomerações urbanas são ainda menores.

 

Mesmo considerando que Álvares Machado e Presidente Prudente ainda não constituem oficialmente uma aglomeração urbana[5], o presente estudo pretende contribuir para o planejamento e gestão/administração conjunta, já que em alguns casos, estes municípios já enfrentam problemas que envolvem os interesses de ambos.

 

No entanto, esse tipo de ação integrada enfrenta dificuldades, já que as “(...) considerações políticas locais contribuem para cristalizar as diversas representações locais, cada uma em sua posição, receosas de serem sufocadas por uma fusão administrativa (...)” (George, 1983: 84). Dessa forma, o planejamento e a gestão integrada ficam distantes da realidade frente aos jogos de interesses locais, tornando-se um desafio para o poder público municipal.

 

As tentativas de ações integradas entre Álvares Machado e Presidente Prudente apontam para a necessidade de maior diálogo. Algumas experiências vivenciadas no passado, como a tentativa de utilização do Balneário da Amizade para área de lazer, constituem-se em exemplos da falta de planejamento integrado.

 

No caso do Balneário da Amizade, localizado no limite entre os dois municípios, as leis referentes ao uso e ocupação do solo nas margens da represa poderiam ser discutidas e elaboradas conjuntamente. No entanto, a legislação municipal de Presidente Prudente permitiu o avanço da ocupação da área, gerando problemas como assoreamento e poluição da represa.

 

Vale mencionar também o caso dos loteamentos Jardim Panorama e Parque dos Pinheiros, aprovados pela Prefeitura Municipal de Álvares Machado, sem nenhuma consulta ao município vizinho, já que estes bairros localizam-se mais próximos a Presidente Prudente. Atualmente, como já foi apresentado anteriormente, esses bairros encontram-se com vínculos mais intensos em relação ao município vizinho.

 

A partir destes apontamentos, reforça-se a importância do planejamento urbano integrado da área, através de ações consorciadas que envolvam os interesses da população dos dois municípios. A falta de planejamento urbano, aliado ao rápido crescimento das cidades e ao imediatismo nas tomadas de decisões (Souza, 2001), gera, cada vez mais, inúmeros problemas. É nesse cenário que o planejamento urbano, compreendido em seu sentido amplo e através de uma visão crítica, surge como uma ferramenta importante para a busca de um desenvolvimento urbano com qualidade de vida e justiça social.

 

 

 Considerações finais

 

Frente aos resultados apresentados anteriormente, nota-se que Álvares Machado e Presidente Prudente estão ligadas através de duas importantes vias que proporcionam um intenso relacionamento sócio-econômico, no contexto do que já foi destacado por Tavares (2001: 106) “A densidade do sistema viário regional evidencia a importância das relações que as cidades estabelecem com suas áreas de influência e/ou dependência”. O estudo dos fluxos contribui para a análise desse relacionamento.

 

Já quando se relacionam as informações sobre o fluxo de veículos e de passageiros de transporte coletivo interurbanos, os movimentos pendulares e o intenso relacionamento de bairros machadenses com a cidade de Presidente Prudente, constata-se que o processo de aglomeração urbana, neste caso, está relacionado à idéia de dependência entre centro e periferia, já apresentada por Moura & Ultramari (1994).

 

Além disso, as duas cidades encontram-se no estágio em que a contigüidade da malha urbana ainda não está consolidada, mas aponta fortes tendências para esta junção. Kahale, Rafael & Rodrigues (1996) já destacaram a importância dos estudos da área, frente à tendência de urbanização contínua entre os dois municípios e pela complementaridade das funções.

 

Assim, constata-se que o processo de aglomeração urbana, no caso de Álvares Machado e Presidente Prudente, ocorre com maior intensidade ao longo dos eixos viários, como nos casos da Estrada Intermunicipal Arthur Boigues e da Rodovia Raposo Tavares. Por outro lado, o processo de aglomeração tem avançado através dos bairros de baixa renda, por meio da expansão urbana resultante da criação de novos loteamentos. No caso do Jardim Cobral e Leonor (pertencentes a Presidente Prudente), a renda média do chefe de família varia entre 2 a 3 salários mínimos. Já no Parque dos Pinheiros e Jardim Panorama (no município de Álvares Machado), as informações de Kahale, Rafael & Rodrigues (1996) mostram que 68,4 por cento das famílias ganham até 3 salários mínimos por mês.

 

Portanto, o fenômeno da aglomeração urbana envolve também os aspectos sociais e econômicos. Como já apresentamos anteriormente, Davidovich & Lima (1975) relaciona a aglomeração urbana com os problemas sociais e econômicos vivenciados pelo conjunto das cidades. É nesse sentido que o processo de aglomeração urbana envolve diferentes fatores, dentre eles espacial, social e econômico.

 

 

Notas

 



[1] Referente ao projeto de pesquisa intitulado “Produção do espaço urbano: o caso do processo de aglomeração urbana entre as cidades de Presidente Prudente-SP e Álvares Machado-SP”, desenvolvido no contexto do Grupo “Produção do Espaço e Redefinições Regionais” – GAsPERR e com o apoio do Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP.

 

[2] Artigo 25, § 3º da Constituição Federal Brasileira.

 

[3] Artigo 153, seção II, Capítulo 2 da Constituição do Estado de São Paulo.

 

[4] Sobre o assunto, indica-se ao leitor a Tese de doutoramento de LEITE, J. F. “A Alta Sorocabana e o espaço polarizado de Presidente Prudente”. Presidente Prudente, 1972 e a dissertação de ABREU, D. S. “Formação histórica de uma cidade pioneira paulista”, Presidente Prudente, 1972.

 

[5] No estado de São Paulo, apesar da legislação prever a criação de entidades regionais, ainda não há nenhuma aglomeração urbana criada institucionalmente.

 

 

 

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© Copyright Vitor Koiti Miyazaki y Arthur Magon Whitacker, 2005

© Copyright Scripta Nova, 2005

 

Ficha bibliográfica:

KOITI, V.; MAGON, A. O processo de aglomeração urbana: um estudo sobre Presidente Prudente e Álvares Machado no Estado de São Paulo, Brasil. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2005, vol. IX, núm. 194 (110). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-194-110.htm> [ISSN: 1138-9788]

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