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AGENTES E NORMAS NA
TRANSFORMAÇÃO DO ESPAÇO URBANO: A EMBRAER
Mirlei Fachini Vicente Pereira
Professor Substituto do Curso de Geografia, DAH,
CCHLA, Universidade Federal de Viçosa-MG. Mestre em Geografia pela UNESP, Campus
Rio Claro.
E mail: mirleipereira@yahoo.com.br
Agentes y normas en la transformación del espacio urbano:
Las grandes
compañías han constituido los principales agentes de la organización del
territorio y han puesto sus normas y estrategias para la producción,
reorganizando así la dinámica de los lugares.
Palabras clave: Grandes compañías, Normas, Relaciones urbanas, Gavião Peixoto SP-Brasil.
Agents and norms in the
transformation of the urban space: The Embraer in Gavião Peixoto, SP,
The great companies have constituted
the main organization agents of the territory, imposing its norms and
strategies for the production, and reorganizing like this the dynamics of the
places. The Embraer, brazilian
producing of airplanes, serves as example of this process, where we can stand
out the installation of a new productive unit of the
company in the municipality district of Gavião Peixoto, SP,
Key-words: Great companies, Norms, Urban
relationships, Gavião Peixoto
SP-Brazil.
O território entre agentes e normas
O território, entendido aqui como o espaço geográfico usado pela sociedade, ou ainda, como propõe Milton Santos – simplesmente “território usado”, é a instância social e material onde as relações sociais se expressam organicamente, e justamente por isso se revela como objeto privilegiado da análise geográfica.
Unindo materialidade e ação, o território oferece a nós geógrafos um laboratório vivo e renovado para a compreensão dos problemas que envolvem a vida cotidiana das sociedades, em suas mais distintas esferas. Assim, e como propõem Santos e Silveira (2001), o território pode, e deve ser compreendido por nós geógrafos como a fala privilegiada da nação.
Na geografia tradicional, e de certa forma até os dias de hoje como resultado da influenciada do pensamento de Ratzel (fundador da Geografia Política Clássica no século XIX), a categoria território tem normalmente acolhido a idéia de espaço apropriado e de poder, delimitado principalmente pelo Estado, o qual seria o seu principal agente controlador e normatizador. A idéia que aqui pretendemos desenvolver, baseados na proposta de Milton Santos et al (2000), é de tomar o território simplesmente como espaço usado, onde a ação social é produzida e se revela como produto de uma série de ações e intenções dos distintos agentes sociais que ao mesmo tempo o produzem e o integram.
Estes distintos agentes territoriais procuram, através e por seus interesses divergentes e conflitantes, criar as condições plenas de uso do território para que as suas ações possam ser realizadas da forma mais adequada possível, concretizando desta forma a (re)produção das suas ações/intenções no espaço geográfico.
Neste trabalho, pretendemos destacar, de forma particular, o papel das normas como elementos constituintes do território, que nos dias de hoje se revelam de extrema importância para a ação, orientando a estratégia de diferentes agentes territoriais no período atual. Assim, norma é aqui entendida como as ações políticas e institucionais, implementadas para uma nova regulação das ações e do trabalho no território.
Exemplo de normas que atuam como reguladores, e mesmo como componentes que integram o território, são as estruturas jurídicas agregadas a porções específicas do espaço geográfico, que normatizam os fazeres no seu interior, viabilizam formas distintas de uso, conferindo desta forma, uma maior concretude ao território [1] (Silveira, 1997).
As normas são, deste modo, estruturas de regulação territorial implementadas no mais das vezes pelo poder público, em suas distintas esferas de ação, que, regulando a natureza das ações e o funcionamento dos objetos no espaço geográfico, funcionam como subsídios para a ação, principalmente das grandes empresas, no território usado para a produção.
Como exemplo empírico, destacaremos neste trabalho o caso de Gavião Peixoto, município do interior do Estado de São Paulo – Brasil, onde a ação da Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica S. A.) redefine o conjunto do território conforme as suas necessidades de produção, fato este que se dá, entre outras formas, com a adição de nova normatização do território usado pela empresa para as suas atividades industriais no lugar.
As grandes empresas como agentes transformadores do espaço urbano: a
Embraer
Ao procurar um local para a
instalação de uma nova unidade produtiva que envolveria, a contratação de três
mil empregos diretos num período de dez anos para as atividades de fabricação
de peças e montagem final dos aviões do segmento militar (aviões de defesa) e
corporativo (jatos particulares), uma pista de pouso e decolagem especial para
testes com cinco quilômetros de extensão (a maior do hemisfério sul), onde os
produtos são avaliados e homologados, e ainda um condomínio industrial que
pudesse receber empresas estrangeiras que participam da sua rede, a Embraer
empreende um novo projeto técnico no município de Gavião Peixoto, que viabiliza
um melhor meio de realizar a sua produção.
O município de Gavião Peixoto, que
conta com cerca de 4.120 habitantes (2000) e desde a década de sessenta do
século passado apresenta como principal atividade econômica a produção de
gêneros agrícolas para os circuitos produtivos de citrus e
cana-de-açúcar, passa a partir do ano
Em funcionamento desde o final de
Ainda são realizadas atualmente no
pólo as atividades de reforma e modernização dos caças F-5, e a partir do
início de 2005 serão desenvolvidas as atividades de reforma dos caças AMX A-1,
ambos da Força Aérea Brasileira (FAB), mediante contrato firmado entre a
empresa e o governo federal.
Até o momento, apenas uma empresa
parceira de risco da Embraer mantém em funcionamento uma unidade produtiva no
empreendimento. Trata-se da empresa japonesa Kawasaki Heavy Industries,
fabricante das asas para os jatos da família EMB, que são montados na unidade
de São José dos Campos.
Em estudo anterior (Pereira,
2003), apontamos os principais motivos da escolha do local para implantação da
nova unidade da empresa
Nesse sentido, com rapidez o território é localmente transformado, resultado das novas densidades do meio técnico que são adicionadas para conferir êxito à produção moderna, e encontramos desta forma um esforço de organização do território pela empresa, visando a adequação deste às suas atividades, na procura por uma produtividade espacial maior.
Com a implantação da nova unidade
produtiva no interior de São Paulo, a Embraer acaba por tornar mais denso e ao mesmo
tempo também mais distribuído o seu circuito espacial de produção, promovendo
uma renovação dos fluxos materiais e imateriais no Estado de São Paulo, área core
da região concentrada do território nacional, que acolhe a maior parte das
ações e dos objetos que envolvem a produção de aviões no país.
Desta forma, apesar de determinada parcela da
produção ser deslocada do município de São José dos Campos, onde localiza-se a
sede da Embraer, a empresa conseqüentemente cria novos laços de proximidade com
a unidade de Gavião Peixoto, que agora participa de uma hierarquia das ações de
comando da produção, atividade esta que continua concentrada na sede da
empresa.
É possível encontrarmos neste exemplo a ocorrência de um acontecer
hierárquico, ou seja, aquele que resulta das ordens e da informação
provenientes de um lugar, mas que são realizas em um outro, especificamente na
forma de trabalho; ou seja, o acontecer
hierárquico “(...) é um dos resultados da tendência à racionalização das
atividades e se faz sob um comando, uma organização, que tendem a ser
concentrados” (Santos, 1997: 132).
Assim,
enquanto as tomadas de decisão e o repasse de informações na rede produtiva têm
como centro de difusão a cidade de São José dos Campos, a parcela técnica do
trabalho é distribuída no circuito produtivo e a orientação e funcionamento
desta divisão de tarefas é possibilitado a partir de uma solidariedade de
sistemas técnicos que trabalham em conjunto, interligando as unidades da
empresa e promovendo assim uma nova proximidade organizacional no território
(Santos, 1997: 133), visto que a unidade de Gavião Peixoto funciona de forma integrada e solidariamente
complementar às ações da empresa em outros pontos do território brasileiro e no
exterior. É a ação vertical e controladora da produção que se dá em espaços
complementares à lógica de uso do território pela empresa.
Cria-se
desta forma um espaço racional [3] e
especializado às atividades da Embraer, que participa de nova forma na
hierarquia nos espaços utilizados pela empresa, e assim, a organização e o uso
desta porção do território se renovam. Conforme
destaca Adriana Bernardes,
Os espaços da racionalidade seriam os espaços
produzidos e organizados segundo as lógicas do acontecer hierárquico,
sob a égide das técnicas informacionais, de verticalidades, de razões globais,
que impõem uma ordem alheia, instrumental e pragmática ao funcionamento dos
lugares (...). São, pois, os espaços mais produtivos para as redes hegemônicas.
Daí a força com que o meio técnico-científico-informacional, em suas escalas
local, regional e nacional, atrai capitais e designa hierarquia entre lugares
(Bernardes, 2001: 429).
Para que o fazer, ou seja, para que as atividades da
Embraer se realizem de forma mais adequada, e para que o território se
transforme localmente num espaço funcional à suas ações, a empresa, juntamente com o poder
público, empreende todo um esforço de modernização e normatização que acaba
também por gerar nova especialização produtiva no município.
Como destaca Silveira, “(...) os lugares são mais ‘exitosos’ quanto
maior a sua carga de modernidade. Suas virtualidades decorrem, então, da sua densidade
técnica – o conjunto de objetos modernos que abriga -, da sua densidade
informacional – o acesso à informação hegemônica – e da sua densidade
normativa – o império das normas do mundo num lugar” (Silveira, 2002: 45).
Assim, pela e para as atividades do novo agente no lugar, são empreendidos
tanto por parte da empresa, como do Estado e município, novos esforços de
renovação e organização do território, visando tornar o lugar mais adequado,
conferindo maior êxito ao território e às ações de produção.
Um primeiro estágio de adaptação do meio local para
as ações da empresa resulta do esforço técnico empreendido para a construção da
nova unidade produtiva. Se a Embraer investe na construção das instalações
físicas da nova unidade, o governo do Estado de São Paulo atua como o principal
agente de organização e preparação técnica do território. São investidos pelo
Estado R$ 37 milhões para a aquisição do terreno, composto originalmente por
áreas onde eram desenvolvidas principalmente atividades de plantio de cana-de-açúcar
e laranja – uma área de 14,4 Km2, que foi desapropriada e cedida à
Embraer por um período de trinta e cinco anos, renováveis por mais trinta e
cinco.
Mas a preparação pelo governo do Estado das infraestruturas
territoriais para o funcionamento do “pólo” aeronáutico é expressa
principalmente na implantação dos acessos rodoviários à nova unidade produtiva,
nas instalações de água e energia elétrica para uso no empreendimento e na
recuperação da rodovia SP 331, que dá acesso ao município vizinho de Araraquara
e à rodovia Washington Luís (SP 310), por onde são escoados os componentes da
produção. Desta forma, é principalmente através das ações do poder público
estadual que a nova configuração do território para as atividades de produção é
viabilizada.
O município, que apresenta uma série de carências e
uma pequena arrecadação de impostos, não pôde arcar com o repasse de muitas
verbas para o custeio das infraestruturas para a empresa. Um primeiro apoio do
governo municipal ao projeto da Embraer foi estabelecido em um acordo, onde a
prefeitura se responsabilizou pelos gastos com a recolocação das cercas que
haviam sido retiradas das propriedades ao longo da estrada que dá acesso ao
pólo, visto que o governo do Estado custeou as obras de alargamento da via para
facilitar o fluxo dos veículos que transportam os equipamentos para a unidade
de produção. O governo do Estado também executa outras obras que viabilizam o
projeto da empresa no lugar, tal como foi o caso da instalação de redes para o
fornecimento de energia elétrica e água para a nova fábrica.
É só a partir da instalação da nova unidade da
empresa que o município de Gavião Peixoto começa a receber maior atenção dos
investimentos públicos e também privados, e a partir destas ações o lugar
conhece uma modernização de suas infraestruturas territoriais. Além das
melhorias na principal rodovia que dá acesso à cidade, o governo do Estado
financia a construção de uma estação de tratamento de esgoto no município. A
Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), investe em 2004 mais de 11 milhões de
reais na modernização dos equipamentos da Usina Hidrelétrica de Gavião Peixoto,
aumentando em 35 por cento a capacidade
de geração de energia (de 4,16 MW/h para 5 MW/h), com capacidade para abastecer
uma cidade com 57 mil habitantes, visualizando um possível aumento da demanda
por este serviço.
É nesse sentido que o território ganha maior concretude (Silveira, 1999) e se torna mais preciso, ganhando quantitativa e qualitativamente em técnica para dar conta das ações da empresa. O moderno, em determinado lugar, é tudo aquilo que se impõe como novo, e que, ganhando localmente um caráter de proeminência em relação às outras ações ou objetos tornados residuais, acaba por arrastar toda a atenção dos atores políticos e mesmo da sociedade, invertendo e distorcendo as atenções do poder público em todas as esferas para a racionalidade das ações privadas que se impõem, num determinado tempo, a um lugar também determinado. Assim, revelam-se as diversas formas de cooperação do setor público para a produção privada, ou seja, de uma política pública “mascarada”, porque produz uma drenagem dos recursos públicos gastos com uma modernização corporativa, visto que esta é voltada aos interesses de um agente específico e não atende a população como um todo.
Novas formas, nova densidade normativa do território
Juntamente com os novos objetos técnicos adicionados
para facilitar a produção, o lugar conhece também uma adequação uma normativa,
que funciona de forma complementar, mas não menos importante, à adequação
técnica. Como destaca Santos, “As formas técnicas são indicativas da maior ou
menor rentabilidade do capital e do trabalho. Mas, como as formas não trabalham
sozinhas, há uma exacerbação da necessidade de normas” (Santos, 2003: 60).
É o que acontece por exemplo com a Lei Complementar
N.o 013, de 26 de março de 2001, que cria o “Programa de
Desenvolvimento Econômico, Social e de Viabilização de Investimento no Pólo
Aeronáutico e Aeroespacial de Gavião Peixoto”. Com esta nova normatização, o
poder público municipal, visando, como destaca o seu texto, a “(...)
incrementação de receitas e a geração de empregos” (Artigo 1o),
isenta o pagamento de todos os impostos e taxas municipais das empresas que,
até o ano de 2006 (Artigo 2o, parágrafo único) se instalarem dentro
dos limites do referido “Pólo”, isenção esta que terá vigor até o final do ano
2015.
As deliberações desta lei, criando o Pólo
Aeronáutico e isentando as empresas que nele se instalarem de todos os impostos
e taxas municipais, já haviam sido acordadas entre o Estado de São Paulo, o
município de Gavião Peixoto e a própria Embraer no chamado “Protocolo de
Intenções”, assinado em 28/06/2000, designando o município de Gavião Peixoto
como o local de instalação do “Pólo”. Foi por intermédio deste “Protocolo” que
a empresa negociou com o Estado a plena instalação das condições que tornarão o
lugar mais atrativo e rentável.
Novas normas constituem, ao mesmo tempo, a emergência
de novas formas no território. Como destaca María Laura Silveira, “(...) a
norma é geneticamente uma ação e morfologicamente uma densidade, uma forma”
(Silveira, 1999: 257). Ao mesmo tempo em que o território conhece a adição
destas novas normas, estão criadas, efetiva e potencialmente, as possibilidades
para as novas densidades materiais no território. É o que acontece
Um primeiro aspecto seria a própria fragmentação do
território, com a delimitação de um perímetro ou “polígono” territorial, que corresponde
ao traçado das “fronteiras” do empreendimento. A
Lei Complementar destaca, no seu
parágrafo 2.o, a delimitação e a forma do “Pólo” no território
municipal:
O
polígono inicia-se no ponto "A", de coordenadas UTM (x=769.500,00 e
y= 7.594.283,21), localizado no alinhamento da Rodovia Deputado Victor Maida
(SP- 331), que dista
Esta área, composta por mais de 700 alqueires no território
municipal, desapropriada pelo Estado e destinada para o uso da Embraer (e
possivelmente de demais empresas que integram a sua rede produtiva), passa a
funcionar como um novo atrativo local, uma porção do território que possibilita
às empresas uma produtividade espacial maior, justamente pela sua densidade
normativa – isenção de uma série de encargos e taxas públicas, e técnica – pelo
provimento das infraestruturas adequadas à produção.
O governo de
São Paulo também atua em outras direções para que o novo empreendimento da
Embraer encontrasse, em território paulista, as condições mais favoráveis às
suas ações. Apesar de não ter isentado a empresa do pagamento das taxas
públicas estaduais, através da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo – FAPESP o governo disponibilizou uma soma de R$ 60 milhões para custear,
num período de seis anos, tanto as
atividades de pesquisa e desenvolvimento, realizadas na maioria das vezes nos
institutos de pesquisa das universidades públicas do Estado e também nos
laboratórios da empresa, como também para apoiar o desenvolvimento do novo
empreendimento da Embraer
Desta
forma, os investimentos dos novos projetos, e mesmo para a adequação das suas
estruturas de produção no pólo, estariam praticamente garantidos se este se
localizasse no Estado de São Paulo, e
mais uma vez o poder público transforma o território segundo interesses específicos da empresa [4]. Estas
novas normas e formas locais são em última análise, os elementos que tornam o
território “viável” e funcional às ações das grandes empresas no atual período.
Densidade informacional e novas relações urbanas
Com
a instalação de mais uma unidade de produção da Embraer, o município de Gavião
Peixoto conhece uma nova fluidez de materiais e de informações, e a cidade
passa a integrar tanto as redes que conformam o circuito produtivo dos aviões,
como a rede de pontos envolvidos na produção da Embraer. Este processo marca a
existência de uma rede de “cidades-chaves” que se associam à produção da
empresa, tornando estes centros funcionalmente especializados às suas
atividades, tal como destaca Roberto Lobato Corrêa (2001: 228). Nesse sentido,
Gavião Peixoto também conquista uma nova posição na hierarquia urbana regional.
A partir de uma nova densidade técnica, o lugar também conhece uma nova densidade informacional (Santos,1997), porque as estruturas produtivas agora adicionadas e em funcionamento no lugar requerem um intercâmbio de ordens e ações para a efetivação do uso do território pela empresa. De certa forma, tanto o lugar quanto o funcionamento do território para a produção se expõem a comandos e objetivos que lhes são externos, e uma dependência entre diferentes pontos na rede de produção também reforça a dependência dos diferentes espaços geográficos por ela envolvidos. Como destaca Milton Santos,
A densidade informacional nos indica o grau de exterioridade do lugar e a realização de sua propensão a entrar em relação com outros lugares, privilegiando setores e atores. A informação unívoca, obediente às regras de um ator hegemônico, introduz, no espaço, uma intervenção vertical, que geralmente ignora o seu entorno, pondo-se ao serviço de quem tem os bastões de comando (Santos, 1999a: 17).
Este processo é fruto e mais uma vez caracteriza a especialização de
caráter exógeno e hierárquico que as ações verticais da Embraer acabam por
ocasionar
Tanto a especialização induzida pelas atividades da
Embraer, como os novos intercâmbios e fluxos inerentes ao processo produtivo da
empresa no lugar, acabam por dotar o município de novas características no que
diz respeito às suas relações e conexões com outros lugares no território.
Ocorre desta forma significativas transformações na
vida de relações do município, pois enquanto Gavião Peixoto apenas participava
dos circuitos locais de produção do álcool, açúcar e suco de laranja, que é
finalizada nos municípios vizinhos, a esfera das relações urbanas e
principalmente das relações entre campo e cidade, estavam circunscritas ao
entorno regional, ocorrendo entre as cidades próximas maiores, principalmente
com o município de Araraquara [5], para
onde a produção de laranja é remetida à indústria e onde grande parte da
produção de cana-de-açúcar é beneficiada, além do suprimento de serviços como
os de saúde, educação e comércio.
No entanto, após a presença da Embraer,
estabelece-se uma nova hierarquia funcional e uma ampliação da vida de relações
do município, embora apresentem um caráter extremamente privado e seletivo,
porque dizem respeito somente às ações da empresa. Participando agora da rede
internacional de produções e do circuito espacial de produção aeronáutica,
Gavião Peixoto ganha papel de destaque no que diz respeito às atividades de
produção da Embraer e também dos parceiros que compõem a sua rede, e
estrutura-se no lugar um circuito muito mais amplo de trocas de matérias
primas, mercadorias e informações. Assim, com a instalação da unidade produtiva
da Embraer
(...)
as empresas, isoladamente ou associadas, estabelecem redes privadas, cuja
geografia e funcionalização correspondem ao seu próprio interesse mercantil. É por
onde circulam – não raro de forma exclusiva – as informações, os dados
especializados e as ordens que estruturam a produção. Quando se fala em
fluidez, deve-se, pois, levar em conta essa natureza mista (e ambígua) das
redes e do que elas veiculam (Santos, 1997: 220).
É a partir destas possibilidades de comunicação
entre empresas e lugares que as formas
de produção no meio técnico-científico-informacional se renovam, ganhando mesmo
uma nova natureza. As possibilidades de comunicação e de intercâmbio,
principalmente no que diz respeito às informações e ao controle da parcela
política da produção, são agora facilitadas pelos sistemas técnicos modernos, e
estes mecanismos adicionados ao território, produzidos e utilizados
principalmente pelos agentes hegemônicos, representam sobremaneira a essência
das verticalidades e do controle vertical dos lugares. Ao mesmo tempo, é
preciso destacar que estas possibilidades de fluidez da comunicação e dos
contatos, são, em verdade, praticadas de forma corporativa, visto que estas
facilidades se não estendem a maioria dos que habitam o lugar. Assim, da mesma
forma que as verticalidades redefinem as hierarquias dos lugares e as
possibilidades de conexão entre os subespaços articulados para a produção, as
antigas hierarquias e mesmo as relações de dependência são por vezes
reforçadas, quando o que se leva em conta é a sociedade e o território
encarados como um todo.
Agentes, normas e a alienação do território
Como pudemos observar a partir do exemplo da Embraer e de suas ações no município de Gavião Peixoto, o território é hoje uma instância de fundamental importância às atividades dos agentes produtivos, e o mesmo acaba sendo encarado por estes agentes como uma extensão das suas estratégias de produção e acumulação de capital. Desta forma, o território, localmente regulado e normatizado para determinados fazeres, surge como elemento central que defini o comportamento dos agentes no espaço geográfico.
Como nos dias de hoje as estratégias de ação se pretendem cada vez mais precisas e perfeitas, os agentes de produção acabam por dotar o território com as infraestruturas técnicas mais bem adaptadas para o exercício de suas atividades (tal é o caso das renovação do meio local para a produção através da construção de estradas, redes de energia, da doação de terrenos às grandes empresas, etc.), e ainda mais uma adequação normativa que viabiliza e confere caráter de maior rentabilidade às ações das grandes empresas (criação de espaços especializados para a produção e normas territoriais para isenção se impostos para as empresas).
É pelo fato de cada vez mais os lugares enxergarem os agentes do circuito superior de produção (grandes empresas da produção moderna) como a verdadeira “salvação” para os problemas do território, que mais este é entregue aos interesses do grande capital. O poder público cria as condições normativas que tornam cada vez mais o território o substrato mais produtivo às grandes empresas, e assim o território cada vez mais se aliena porque os interesses e projetos comuns a população que habita estes lugares se tornam distantes de sua concretização. É a instalação de uma ordem no espaço, presidida pelos interesses dos agentes mais proeminentes da produção e da política, colaborando sobremaneira para a constituição de um território cada vez mais anárquico e ingovernável para tudo o mais.
© Copyright Mirlei Fachini Vicente Pereira, 2005
© Copyright Scripta Nova, 2005
Ficha bibliográfica:
VICENTE, M. Agentes e normas na transformação do espaço urbano: a embraer em gavião peixoto,
SP, Brasil. Scripta
Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona:
Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2005, vol. IX, núm.
194 (35). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-194-35.htm> [ISSN: 1138-9788]
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número 194
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