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A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PRECARIEDADE: ESTADO E HABITAÇÃO POPULAR NO AGLOMERADO URBANO DE FLORIANÓPOLIS
Luís Fugazzola Pimenta
Professor do
Departamento de Arquitetura e Urbanismo e da Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal de Santa Catarina.
E-mail: luisfpimenta@uol.com.br
Margareth
de Castro Afeche Pimenta
Professora
do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e da Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal de Santa Catarina.
E-Mail:afeche@uol.com.br
A institucionalização da precariedade: Estado
e habitação popular no Aglomerado Urbano de Florianópolis (Resumo)
A persistente crise brasileira e as políticas
econômicas adotadas nas últimas décadas reduziram drasticamente os recursos
aplicados em habitações sociais. O quase desaparecimento dos programas federais
que, ainda que marginalmente, financiaram populações de baixas rendas e
construíram conjuntos de moradias, deu lugar a um vazio no campo das políticas
habitacionais que produziu inúmeros movimentos de ocupações de áreas urbanas
precárias. Os antigos conjuntos habitacionais populares assistem a uma
constante elevação no nível médio de renda exigido para as populações ali
permanecerem. Os novos programas habitacionais financiados pelo Estado são
quantitativamente irrisórios e exigem níveis de renda mais elevados e situação
trabalhista estável, o que exclui a grande maioria da população. A ausência de
políticas fundiárias progressistas promove a exclusão dos pobres pelo mercado
de terras. As intervenções públicas nas áreas ocupadas, quando acontecem,
consolidam a penúria. Passadas quatro décadas desde a construção dos primeiros
conjuntos habitacionais na região de Florianópolis, várias realidades apontam
para uma nova condição de institucionalização da precariedade.
Palavras chave: pobreza urbana; habitação social;
Florianópolis SC Brasil.
Instituting precariousness: State and popular
housing in Florianópolis Urban Agglomeration (Abstract)
The persistent Brazilian crisis and economical
policies adopted in the last decades drastically reduced the budget for social
housing. Brazilian Federal programs
which previously had financed property acquisition for the low income
population and had built housing complexes were drastically reduced. The original housing complexes now require a
much higher minimum income and therefore serve a minority or only a fraction of
the population in need. The new housing
programs financed by the State are quantitatively insignificant and also
require individual or familial high income and stable employment, therefore
excluding the vast majority of the population. The absence of innovative and
adequate land planning and allocation policies promotes the exclusion of lower
income classes from the housing market. The absence of housing plan policies
triggered several social movements leading to illegal occupation of precarious
urban areas. Public interventions in such illegally occupied areas are rare and
when applied ratifies penury. Four
decades has passed since the building of the initial social housing projects in
the Florianópolis area, a reality that strongly imposes a new condition of
institutionalized precariousness and
call for immediate and adequate strategies.
Key
words: urban
poverty, social housing,
O Banco Nacional da
Habitação e seus conjuntos habitacionais em Florianópolis
Os primeiros conjuntos
habitacionais.
Os primeiros conjuntos habitacionais populares
da região de Florianópolis começaram a ser construídos na segunda metade da
década de 1960, no âmbito das políticas da ditadura militar para o setor de
financiamento e construção de imóveis, com recursos do Banco Nacional de
Habitação. Este organismo foi fundado em 1964 para implementar uma política
habitacional capaz de dinamizar o mercado de imóveis para um amplo espectro de
camadas sociais, principalmente as classes médias, para quem foram destinados
aproximadamente três quartos dos recursos mobilizados pelo banco em toda sua
curta história de pouco mais de 20 anos.
Os conjuntos populares locais, em sua maior
parte foram conjuntos habitacionais compostos por unidades unifamiliares, que
utilizavam grandes glebas de terra em áreas muito periféricas, seguindo o mesmo
padrão do que se implantava pelo Brasil afora. Espelhavam a tendência de uma
política extremamente conservadora, calcada no discurso ilusório e demagógico
de fornecer a cada brasileiro uma casa própria, em geral nos padrões de
pequenas unidades isoladas em lotes. Assim construíram-se bairros periféricos
formados pela repetição de pequenas casas de duas águas, em quadras que se
repetiam, sem qualquer preocupação com composições urbanas que pudessem
favorecer o aparecimento de espaços públicos dotados de qualquer qualidade de
congregação das populações moradoras. Este mesmo padrão repetiu-se desde as
grandes regiões metropolitanas até as pequenas cidades, passando pelas cidades
médias, privilegiando assim um crescimento com tecidos urbanos de densidades
extremamente baixas. Reforçavam estas características o fato dessas
implantações não se fazerem exatamente nos limites da área urbana ocupada, mas
além, muito além dela, deixando para trás vazios urbanos a serem preenchidos
posteriormente por processo especulativos.
Nas cidades de maior porte, conjugaram-se as
edificações unifamiliares com pequenos blocos de apartamentos em geral de
quatro pavimentos, muito padronizados e repetidos. Não contavam, em qualquer
grau, com elementos de maior de qualidade na elaboração de seus projetos, tanto
no que dizia respeito às edificações, quanto à composição geral dos conjuntos e
áreas comuns.
No Aglomerado Urbano de Florianópolis, devido a
este predomínio de conjuntos tipologicamente formados por casas, os novos
bairros assim constituídos se espraiaram pelas periferias continentais, onde o
preço da terra era muito mais barato do que na parte insular do conjunto
urbano, onde a concorrência pelo uso do solo por residências secundárias, junto
às praias e às áreas próximas, já encarecia a terra e, evidentemente, encarecia
também a terra estocada das grandes planícies nas partes centrais da ilha,
entre as praias.
O lugar dos pobres não
é mais nos antigos conjuntos habitacionais.
As habitações populares assim realizadas, eram
edificadas sobre terrenos que variavam entre 250 m2 e 360 m2,
dispostos em quadras regulares, com arruamentos realizados segundo as normativas
municipais, resultando em ruas do mesmo padrão do restante do espaço da cidade.
O tamanho dos lotes, compatíveis com os padrões
praticados usualmente pelo mercado, propiciava taxas de ocupação baixas na
origem das edificações. Estas características destes bairros propiciaram o
aparecimento de dois fenômenos inter-relacionados: a melhoria das edificações e
a melhoria dos bairros.
O crescimento do aglomerado urbano provocava a diminuição
do isolamento das áreas ocupadas pelos conjuntos, e o distanciamento inicial
destes bairros de casas populares se rompia pela expansão da malha urbana, pela
melhoria dos transportes, das vias de ligação e dos serviços e equipamentos
citadinos. Concomitante a este processo, a poupança familiar podia ser dirigida
à expansão da área edificada, melhorando sensivelmente o tamanho e a qualidade
das casas. elevando-se o padrão dos bairros. Assim, muitos moradores tinham
suas rendas elevadas pela melhor inserção da família no mercado de trabalho,
como resultado da permanência na cidade. Aqueles moradores que considerassem
tentadores os novos preços mais elevados de suas casas, quando comparados à sua
renda, vendiam os imóveis para, com a renda obtida, procurarem melhorar sua
condição social em outra localização. A quase totalidade dos bairros edificados
desta maneira, abriga hoje populações cuja situação econômica se distancia
muito daquela dos mais necessitados dentro do espaço urbano. Muitas edificações
reformadas tornaram-se casas grandes, muitas vezes assobradadas, multiplicando
a área construída, de tal maneira que alguns desses bairros nem permitem mais a
identificação de suas origens em casas populares.
As intervenções do
Estado nas ocupações irregulares
Intervenções
provocadas por interesses privados
Partidos e políticos muito conservadores
sucederam-se no executivo e no legislativo dos municípios componentes da Grande
Florianópolis, constituindo-se em raras exceções os mandatos com algum vínculo
mais popular. No município de Florianópolis, as administrações dos últimos 40
anos foram dirigidas por representantes das oligarquias regionais pertencentes
a partidos nacionais conservadores, com exceção de dois mandatos de quatro
anos, um do PMDB e outro de uma Frente Popular, com o PPS tendo o cargo de
Prefeito. Desta forma, a presença do Estado realizando obras ou dando
assistência às populações mais pobres, moradores de áreas ocupadas
irregularmente, sempre foi ínfima, exceção feita aos dois períodos mencionados,
onde algumas melhorias foram realizadas, mas nada que permitisse mudar
significativamente e duravelmente as condições dos assentamentos.
Nos últimos oito anos, entretanto, algumas
intervenções dos poderes públicos em áreas de ocupações irregulares fizeram-se
necessárias, por razões bem distintas das necessidades sociais dos moradores.
Foram os casos de remoções de populações moradoras em locais necessários para
complementar sistemas viários e, assim, modificar áreas onde investimentos privados
estavam sendo realizados, na criação de grandes estabelecimentos comerciais,
junto a eixos de acesso do aglomerado urbano.
São poucas obras habitacionais, mas revelam o
caráter das novas intervenções que vêm ocorrendo. Trata-se de um processo de remoção
de população e outro de regularização de uma área de grandes dimensões ocupada
irregularmente, ambas localizadas no mesmo setor da cidade.
Remoções e relocações:
o caso do Conjunto Habitacional Abraão
O primeiro caso foi o processo de remoção de populações
que haviam se assentado na faixa de domínio da BR 282, via expressa de acesso
ao centro urbano e demais áreas da ilha de Santa Catarina. A BR 282 localiza-se
na parte continental do município e constitui-se na principal ligação entre a
ilha e a BR 101, estrada litorânea de ligação nacional. O assentamento era
extremamente precário e não apresentava melhoras ao longo do tempo, pois os
moradores conheciam sua fragilidade e a impossibilidade de permanecer na área,
por se tratar de faixa de domínio de via expressa onde deveriam ser construídas
pistas marginais para o tráfego local.
A remoção fez-se para duas áreas. A primeira,
muito próxima do assentamento original, foi a construção de alguns blocos de
apartamentos no bairro do Abraão, entre 1997 e 2000, que constituem-se hoje em
um dos piores conjuntos habitacionais da Grande Florianópolis. A segunda área
escolhida para alocar os removidos localiza-se em bairro muito distante da
ocupação original, situado na parte insular do município, no bairro do Saco
Grande. Os poderes públicos locais encontraram-se frente à necessidade de
realizarem aquilo que nunca havia sido sua intenção nem sua prática: a
construção de moradias para populações muito pobres. Tratou-se, em verdade, de
um processo revelador, pela explicitação do caráter das administrações
municipais locais. Os imóveis construídos, devido a uma série de
características dos projetos, realizaram uma precarização de novo tipo no
contexto local, por se tratar de obra realizada pelo Estado.
Os apartamentos do conjunto habitacional Abraão
são minúsculos, contando com 32,84 m2, e os detalhes de sua
construção chamam a atenção pela forma de tratar os pobres. Os alojamentos
foram entregues sem revestimentos nos pisos e sem paredes internas divisórias.
Os moradores é que deveriam realizar estas melhorias, na medida em que
conseguissem constituir alguma poupança para a compra dos materiais necessários
e utilizando sua própria mão-de-obra. Assim, os habitantes foram transferidos
para estes apartamentos, improvisando as suas condições de permanência dentro
daqueles míseros 30 m2, sem divisórias e sem revestimentos, permanecendo,
famílias inteiras, sem espaços mínimos e sem qualquer privacidade entre seus
membros e entre as funções da habitação. Os motivos alegados para construção de
imóveis com condições tão precárias foi o custo de cada unidade, que deveria
ficar em patamares muito baixos. Os moradores pagam prestações que supõem o
reembolso em vinte anos, do capital investido pelo Estado. Como não poderia deixar
de ocorrer em situação de tal gravidade social, os moradores têm muita
dificuldade em pagar as prestações, mesmo sendo muito baixas, e deixam
sistematicamente de pagar as pequenas taxas de condomínio, o que impede a
manutenção do conjunto habitacional.
Este conjunto, que se constitui, assim, no pior
exemplar local de habitação popular multifamiliar, impinge à população moradora
um destino de insatisfação, pois, mesmo que realizem melhorias, terminando
internamente as obras para finalizar os apartamentos, o seu tamanho é um
impeditivo para a melhoria social do conjunto como um todo. O tamanho das
unidades é absolutamente incompatível com o seu uso por famílias, e
principalmente por famílias que em média compõem-se de 5 membros como são as
famílias de renda mais baixa na região. Aqueles moradores que melhorarem sua
renda preferirão deslocar-se para moradias maiores, que resolvam o seu problema
de superpopulação.
Remoções e relocações:
o caso do Conjunto Habitacional Vila Cachoeira
No bairro do Saco Grande a Prefeitura Municipal
de Florianópolis relocou a outra parte da população removida. O bairro fica
junto à via que liga a parte mais central da Ilha de Santa Catarina às praias
de sua porção Norte. Trata-se de um bairro muito diversificado socialmente, com
áreas ocupadas por antigos conjuntos habitacionais populares, áreas de
ocupações irregulares nas encostas dos morros e novas ocupações por condomínios
residenciais de classes médias nas áreas mais próximas à rodovia. O conjunto
Vila Cachoeira, construído para abrigar os removidos, localizou-se na parte
mais distante do bairro, próximo às encostas dos morros. Inicialmente a
população sofreu o impacto de ver-se distanciada de seus locais de atividades
anteriores, o que, de súbito, fez com que muitas famílias perdessem suas
minguadas fontes de renda, pois o deslocamento diário para a área anteriormente
ocupada inviabilizava-se pelo custo do transporte. Foi um duro processo de
adaptação até conseguirem novos pequenos serviços junto ao novo local de moradia.
Sofreram também com a discriminação por serem considerados ex-favelados
chegando a um bairro que já tinha uma certa conformação social, o que
dificultou sua inserção.
O Conjunto Vila Cachoeira é formado por
unidades habitacionais unifamiliares, dispostas em fita, em terrenos
extremamente exíguos. A determinação de realizar o assentamento desta forma foi
repleta de conseqüências nefastas para as populações ali residentes. Novamente,
a política de realizar o mínimo possível de gastos com estas populações foi o
fator responsável pelo comprometimento presente e futuro das condições
habitacionais locais. A casas construídas foram feitas em dois pavimentos,
acrescidos de um pequeno sótão no vão do telhado, inclinado para permitir esta
finalidade. As casas têm área total de 40 m2, sendo geminadas
lateralmente. Duas minúsculas áreas de terreno foram deixadas livres em cada
imóvel: um pequeno quintal na parte posterior do imóvel e um pequeno jardim à
frente. As casas foram entregues sem revestimentos nos pisos. Também neste caso
a área das residências é muito pequena para abrigar as famílias. As
conseqüências de tal projeto, de muito má qualidade em todos os seus aspectos,
não tardaram a aparecer. Os moradores, diante da necessidade de aumentarem a
área construída, buscando maior conforto para a família, têm iniciado a
ocupação das pequenas áreas deixadas livres no terreno, levando à deterioração
do conjunto como um todo por taxas de ocupação que ultrapassarão todos os
limites do aceitável e que chegarão próximas aos 100%, comprometendo todo o
espaço do novo bairro. Degrada-se a paisagem construída, impedindo-se assim a
possibilidade de melhoria social da população. Os que obtiverem melhores rendas
não tardarão a buscar novos locais de moradia que garantam espaços privados e
públicos mais adequados para suas famílias.
Nestes dois casos observamos, nitidamente, a
quebra de padrões mínimos de condições habitacionais nas construções, condições
pelas quais, pela retórica oficial, o Estado deveria zelar, em lugar de ser o
agente da precarização das condições das habitações sociais.
Precarizando a
regularização: o caso do Assentamento Chico Mendes
O terceiro caso a ser aqui mencionado,
constitui a última das três ações da Prefeitura Municipal de Florianópolis no
campo da habitação popular. Trata-se da operação de intervenção em uma das
maiores áreas de ocupação irregular realizada por populações pobres. O conjunto
de ocupações conhecido como Monte Cristo teve início com a invasão organizada
de uma grande área pertencente à COHAB-SC, órgão estadual responsável pela
execução de moradias populares. Esta área destinava-se à construção de
conjuntos habitacionais multifamiliares, dos quais apenas um havia sido
construído.
A crise do Sistema Financeiro da Habitação, que
nos anos oitenta levou à extinção do Banco Nacional da Habitação, provocou uma
queda acentuada nas realizações das COHAB por todo o Brasil. Em Florianópolis,
esta situação levou, em 1986, à ocupação organizada da maior gleba de terras da
COHAB por populações carentes, migrantes do interior do Estado.A localização
desta grande área encontra-se junto ao principal acesso à capital do Estado,
constituindo-se em passagem obrigatória de todos que se dirigem à ilha de Santa
Catarina. Não é pois de se estranhar que esta operação tenha se iniciado, em
1998, pela construção de uma fiada de pequenas casas coloridas junto à via
expressa, que esconde atrás de si a irregularidade das edificações
constituintes do assentamento chamado Chico Mendes. Este projeto, o maior da
Prefeitura, é realizado com verbas do Projeto Habitar Brasil, com recursos do
BID. Tratou-se, portanto de uma captação de recursos externos, disponíveis para
habitação popular, e que não implicava em retirar verbas municipais de outros
projetos voltados para as áreas mais privilegiadas do espaço da cidade, que
foram o foco central da administração municipal do PPB, partido
ultra-conservador que administrou a cidade por oito anos entre 1997 e 2004.
No âmbito das unidades habitacionais, a
intervenção nesta área possui as mesmas características das edificações já
analisadas no caso da Vila Cachoeira. Em realidade o mesmo projeto
arquitetônico aplicado no bairro Chico Mendes foi usado na construção da Vila
Cachoeira, sem qualquer alteração, realizando-se modificações na topografia do
terreno, ligeiramente acidentado da área do Saco Grande, para adaptá-lo ao
projeto já existente desenvolvido para uma área plana.
É incontornável a constatação de que, em pelo
menos oito anos de administração, a Prefeitura Municipal de Florianópolis
desenvolveu um único projeto arquitetônico de uma única casa, repetindo esta
unidade residencial em todas as suas intervenções, impermeável a qualquer
avaliação das péssimas características deste projeto. Revela-se também neste
detalhe, o descaso no tratamento das populações pobres da cidade, quando
milhares de pessoas a serem alojadas não merecem o esforço de mais do que um
pequeno projeto de uma casinha, repetida em seguida à exaustão.
As populações do Bairro Chico Mendes
ressentiram-se do tamanho reduzido das edificações, construídas com 32 m2
em aproximadamente um terço da unidades, passando numa segunda etapa a 40 m2,
pois, em muitos casos, as suas casas originais, muito precárias sem dúvida,
eram, entretanto, maiores do que as construídas pela Prefeitura. Os terrenos
são igualmente exíguos e deve-se supor que aqui venha a ocorrer o mesmo
processo já em curso na Vila Cachoeira, de aumento da taxa de ocupação dos
lote,s com o aumento da área construída dos imóveis, conduzindo à degradação
das condições de moradia das casas e do bairro.
Institucionalizando a
precariedade
Passadas quatro décadas desde a construção dos
primeiros conjuntos habitacionais no Aglomerado Urbano de Florianópolis, é
forçoso apontar a deterioração das condições habitacionais que se agravaram
muito a partir dos anos 90. As migrações se intensificaram pela expulsão de
populações rurais no Estado de Santa Catarina onde a pequena agricultura vê-se
atrelada ao grande agro-negócio voltado para a exportação de carnes frigorificadas
e soja. A seletividade crescente dos pequenos agricultores que podem permanecer
em atividade no campo, expulsa famílias que buscam na capital do estado as
condições de sua sobrevivência.
Coincide o aumento da migração de populações
pobres com o aumento muito grande dos preços da terra na região, onde o turismo
e a construção de residências secundárias disputa o mercado de terras com as
demais atividades. Muitas áreas cujo uso se fazia pela construção de
residências de populações de baixas rendas começam a ser disputadas por classes
médias que não têm mais acesso às zonas mais privilegiadas. Os mais pobres são
assim compelidos a ocupar as franjas e os interstícios mais indesejáveis do
espaço da cidade. As periferias continentais onde o preço dos lotes ainda é
acessível tornam-se tão longínquas que o custo dos transportes tende a
inviabilizar o trabalho, agravando a pobreza pela redução da renda.
Muitas populações optam pelas localizações mais
próximas à zona central do aglomerado urbano. Os morros mais centrais já haviam
sido ocupados por populações mais antigas. Os novos migrantes dirigem-se então
para as áreas mais elevadas, mais íngremes e mais instáveis dos morros para
permanecer no centro, enquanto parcelas mais numerosas voltam-se para uma coroa
de morros num raio de distâncias intermediárias com relação ao centro, criando
novas ocupações em áreas até então preservadas.
A presença do Estado no campo da habitação
social no Aglomerado Urbano de Florianópolis decresce brutalmente quando escasseiam
os recursos federais baratos, oriundos das poupanças populares voluntárias
(Cadernetas de poupança) e compulsórias (Fundo de garantia por tempo de serviço
- FGTS). Destas verbas, índices nacionais apontam que aproximadamente 25%
destinaram-se a habitações populares, indo os três quartos restantes para
imóveis destinados às rendas mais elevadas da sociedade, alimentando a
industria da construção civil e o sistema financeiro correspondente. Com estes
25% os políticos conservadores fizeram conjuntos habitacionais nas épocas de
fartos recursos, com verbas federais de alocação praticamente vinculada, que
não podendo ser usadas para outras finalidades, constituíam parte da construção
da política clientelista de sustentação das oligarquias locais. A crise que se
inicia em 1973 e que se aprofundando nos anos 1980 e 90 perdura até hoje, faz
desaparecerem os recursos financeiros baratos para a habitação. Desde então,
praticamente desaparecem os investimentos estatais nesta área social, agravando
muito as condições de vida urbana.
As políticas econômicas seguidas
incessantemente desde o início dos anos 90 até hoje privilegiaram os setores
exportadores para garantir o pagamento da dívida externa, e os juros internos
elevados para atrair recursos internacionais, levando o país a taxas de
crescimento muito baixas e ao estrangulamento do mercado interno. Esvaneceu-se
qualquer perspectiva de investimento estrutural em serviços públicos urbanos e
construção de habitações em massa como fatores de crescimento econômico
sustentado e criação de empregos.
O que se observou no Aglomerado Urbano de
Florianópolis foi um reflexo das condições das políticas sociais no país,
agravado e amplificado pelas condições de predomínio de partidos muito
conservadores na política local e regional. Sucederam-se administrações que
nada fizeram diante do agravamento das condições sociais em geral e
habitacionais em particular.
As poucas realizações empreendidas no campo da habitação
popular refletem, longinquamente, o ideário de focalizar algumas ações na
margem da extrema pobreza provocada pela inserção submissa da nação no processo
de globalização e financeirização. Ainda assim, estas ações foram forçadas por
circunstâncias derivadas de projetos de remodelações urbanas voltadas para
acomodar investimentos de grandes capitais.
Os resultados observados provocam a reprodução
ou o agravamento da pobreza e das condições de penúria habitacional. O Estado
recusa-se a pensar a integração das habitações populares ao espaço urbano
através de políticas fundiárias mais justas e de investimentos na indústria da
construção civil voltados ao atendimento dos setores populares. A alternativa
encontrada pelos pobres tem sido, assim, o processo de instalação por ocupação
irregular de terra urbana e a lenta melhoria de seus imóveis pelo investimento
da minguada poupança, por anos a fio, na auto-construção. Na realização de seus
projetos, o Estado ao privar de espaço e de terra as populações pobres,
limitando a possibilidade de ocorrência de investimentos próprios na melhoria
das condições habitacionais e sociais, institucionaliza a precariedade sob o
manto da pretensa inclusão social e urbana.
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© Copyright Luís Fugazzola Pimenta, 2005
© Copyright Scripta
Nova, 2005
Ficha
bibliográfica:
FUGAZZOLA, L. A institucionalização da precariedade: estado e
habitação popular no aglomerado urbano de Fflorianópolis. Scripta
Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona:
Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2005, vol. IX,
núm. 194 (49). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-194-49.htm> [ISSN:
1138-9788]
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