Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona.
ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. IX, núm. 194 (76), 1 de agosto de 2005


A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E  SEUS IMPACTOS NO MERCADO DE TRABALHO URBANO (REFLEXÕES PRELIMINARES)

 

Maria Terezinha Serafim Gomes

Pós-Graduação em Geografia Humana - FFLCH – USP – São Paulo - Brasil

E - mail: tserafim@usp.br

 


Reestructuración productiva y sus impactos en el mercado de trabajo urbano (reflexiones preliminares) (Resumen)

El proceso de la reestructuración productiva en Brasil comenzó en el final de los años 1970, con la crisis del patrón de desarrollo basada en la industrialización conocido como "la substitución de importaciones". Sin embargo, fue en los años 1990 que la reorganización productiva gana la dimensión con la apertura comercial y financiera, las políticas neoliberales y la necesidad de reestructurar para competir en el mercado global llevaron a las compañías a una búsqueda de nuevas formas de producción y organización de trabajo, representandas por un carácter sistémico, alcanzando todos los sectores de actividades económicas como la industria, el comercio, los servicios y la agricultura. Ese proceso tuvo consecuencias significantes para el mercado de trabajo, como el aumento del desempleo, la precariedad de las condiciones y relaciones de trabajo; la reducción del trabajo industrial; la reducción de los obreros asalariados; el aumento de trabajo informal y temporario. El este texto se trata de la reestructuración productiva y las consecuencias para el mercado de trabajo urbano.

 

Palabras clave: reestructuración productiva, mercado de trabalho, urbano.


The productive reorganization and its impacts in the market of urban work (preliminary reflections) (Abstract)

 The process of productive reorganization in Brazil has initiated in the end of 1970’s, with the crisis of the development pattern based in industrialization known as “substitution of importations”. However was in the 1990’s that the productive reorganization gains dimension with the commercial and financial opening, the politic of new liberalism and the necessity of reorganization to concur in the global market compelled the companies to search new forms of production and labor organization, representing by a systemic mark, reaching all the sectors of economic activities such as industry, commerce, services and agriculture. It had significant consequences for the labor market, as the increase of unemployment; the fragility of the labor conditions and relations; the reduction of the industrial job; the reduction of the salaried workers; the increase of informal and temporary work. This text deals with the productive reorganization and the consequences to the urban labor market.

 

Keywords: productive reorganization, labor market, urban.


 

 

Introdução

 

O presente texto busca discutir a reestruturação produtiva e suas implicações para o mercado de trabalho urbano.

 

No Brasil, a reestruturação produtiva começa a se manifestar a partir da crise do modelo de desenvolvimento nos anos 1970. Todavia, é nos anos 1990, que ela ganha amplitude, com as inovações técnicas e organizacionais num caráter mais sistêmico, em todos os setores de atividades econômicas (indústria, comércio, serviços e agricultura), tendo conseqüências significativas para classe que-vive-do-trabalho1.

 

A reestruturação produtiva tem suas implicações na dinâmica espacial, no processo produtivo e na organização do trabalho, bem como no mercado de trabalho.

 

Essa temática vem sendo discutida por diversos pesquisadores, na economia, na sociologia do trabalho, na engenharia da produção desde o final dos anos 1970 quando se observa os primeiros indícios da reestruturação produtiva no setor automobilístico. Nos anos 1990, quando ela se intensifica passa a ser discutida também pelos geógrafos.

 

 

A reestruturação produtiva no Brasil

 

 

No final da década de 1970 e início da década de 1980, entra em crise o padrão de desenvolvimento baseado no desenvolvimentismo, no modelo de substituição de importações e, também o fordismo periférico caráter que assume o Brasil. Esse processo reflete a crise do padrão fordista no plano mundial e a gestação de um novo padrão de acumulação e regulação, processo esse que se desenvolve diferencialmente em cada país ou região do globo. A partir de então se inicia um processo de reestruturação produtiva ainda tímido com a implementação de algumas práticas sob a inspiração do toyotismo.2  

 

 Os Círculos de Controle de Qualidade - CCQs foram as primeiras práticas implantadas nas subsidiárias das multinacionais do setor automobilístico.

 

Esse processo de reestruturação produtiva no Brasil ocorre pari passu aos novos padrões de competitividade internacional e as mudanças econômicas que ocorrem no país, a recessão, ao desemprego, a crise do padrão industrial baseado no desenvolvimentismo e, também, a política de abertura econômica, inspirada no neoliberalismo.

 

Dessa forma, a crise e retração do mercado interno e as necessidades de incremento de superávit da balança comercial para o pagamento da dívida externa implicaram em pressão por exportações, obrigando as empresas a buscar novos padrões de qualidade, inovações tecnológicas e a nova gestão da mão-de-obra, ou seja, “novos requerimentos de qualificação para os trabalhadores, novas técnicas organizacionais, associados a uma estratégia de maior integração entre concepção e execução da produção e, ainda, estimulada por estratégias que permitam maior envolvimento dos trabalhadores e compromisso com os interesses específicos dos clientes e, portanto, da empresa”, conforme Carleial (1997: 297), visando a busca de qualidade e produtividade.

 

A implantação de métodos japoneses se dá numa “versão brasileira” e não significava o fim do fordismo, mas sim o reforço das características tayloristas-fordistas. Compartilhamos com a idéia de alguns autores que asseveram que o fordismo ainda está vivo no Brasil, como Salerno (1990), Carvalho e Schmitz (1990) e Peliano et al (1987). Nesse sentido, nos anos 1980, as mudanças tecnológicas e organizacionais ao invés de substituir o padrão fordista, reforça-o, já que aumentaria o grau de controle do capital sobre o trabalho.

 

Não obstante, da crise do fordismo brasileiro, compartilhamos com essa idéia dos autores supracitados acima, já que nem todos os setores foram reestruturados por completo tanto no ponto de vista da produção como na organização do trabalho. A adoção e difusão do modelo japonês não ocorrem de forma homogênea em todos os setores e empresas, ou mesmo no interior de uma mesma empresa. Assim, as velhas formas de gestão de produção e do trabalho convivem com as novas formas, muitas vezes no mesmo setor ou até na mesma empresa.

 

Além disso, o simples fato da implementação de um equipamento ou técnicas e sistemas na empresa, não significa que houve uma reestruturação tanto no âmbito da organização da produção quanto na organização do trabalho.

 

Leite (1993) ao tratar da reestruturação produtiva, identifica três períodos de modernização tecnológica: O primeiro período refere-se ao final dos anos 1970 e o início dos 1980, quando as propostas inovadoras se concentrava na adoção dos CCQs, sem que as empresas se preocupassem em alterar de modo significativo as formas de organização do trabalho ou em investir mais efetivamente em novas equipamentos microeletrônicos .

 

O segundo período inicia em 1984-85, a partir da retomada de crescimento econômico (que sucede a profunda recessão dos primeiros anos da década) e vai até o final dos anos 1980, caracteriza por uma rápida difusão dos equipamentos.

 

O terceiro período inicia nos anos 1990, quando as empresas concentram seus esforços nas estratégias organizacionais, bem como na adoção de novas formas de gestão de mão-de-obra, mais compatíveis com as necessidades de flexibilização do trabalho e com o envolvimento dos trabalhadores com a qualidade e a produtividade.

 

Nessa direção, nos anos 1980, ocorreram os primeiros impulsos do processo de reestruturação produtiva no Brasil, levando as empresas a adotarem, inicialmente de modo restrito, novos padrões organizacionais e tecnológicas, inspirados no “toyotismo”e nas formas flexíveis de acumulação. Observou-se a ampliação da informatização produtiva, principiaram-se os usos do sistema de just in time, da produção baseada em team work, nos programas de qualidade total, ampliando também o processo de difusão da microeletrônica, nos setores metal-mecânico, automobilístico, petroquímico e siderúrgica. Além disso, ainda preliminar observa-se os métodos participativos, mecanismos que procuram o envolvimento dos trabalhadores nos planos das empresas, conforme salienta Antunes (2004).

 

Sendo assim, nos anos 1980, foi possível vivenciar as mudanças organizacionais no interior do processo produtivo. Todavia, muito diferenciado do observado nos países centrais, onde a reestruturação produtiva e as políticas neoliberais    manifestavam acentuadamente.

 

Nos anos 1990, a reestruturação produtiva ganha dimensão no país com crise no mercado interno, a abertura econômica e os desígnios neoliberais, que levaram as empresas a buscar novas formas de produção e organização do trabalho, passando a implantação de vários receituários oriundos da acumulação flexível e do modelo japonês, como a intensificação do lean production, novos equipamentos de base microeletrônica, como os CLPs (Controle Lógico de Processo), robôs, máquina-ferramenta CNC, sistema JIT, Kanban, a introdução de inovações de produto e de processo sistema CAD/CAM, CEP (Controle Estatístico de Processo), células de produção, desverticalização, TQC (total quality control), tecnologia de grupo, sistema de qualidade total, normas ISO, redução do tamanho da planta, redução de cargos hierárquicos, terceirização da mão-de-obra, trabalho em “ilhas” no chão da fábrica, trabalhador mais polivalente, qualificado, participativo e criativo, maior treinamento dos empregados e CCQ (Círculo de Qualidade Total)3.

 

Tais mudanças visavam atender às novas exigências de competitividade, o aumento da produtividade e a melhoria da qualidade de seus produtos para, assim, competir com os produtos importados e para garantir sua presença na nova configuração do mundo globalizado.

 

Essas mudanças promoveram a desintegração/desarticulação da cadeia produtiva, acarretando a "destruição" de parte significativa da estrutura produtiva e do emprego, ao invés de gerá-los. De um lado, houve falência, fusões, aquisições de empresas, privatizações contribuindo para redução dos postos de trabalhos, do outro lado, as empresas buscam se adaptar às novas exigências de competitividade, para aumentar a produtividade e qualidade dos produtos.

 

A reestruturação produtiva, também, tem implicações espaciais, ocorrendo assim a descentralização produtiva ou relocalização industrial, em que as empresas passam a buscar lugares onde a mão-de-obra seja mais barata e não tenha  “deseconomias de aglomeração”4.

 

Observa-se assim um processo de descentralização produtiva caracterizada pela relocalização industrial, em que muitas empresas tradicionais, dos ramos de calçados e têxteis deslocaram para Rio Grande do Sul, Ceará e Bahia e também do setor metal-mecânico migraram para os Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia. 

 

Nos anos 1990, uma verdadeira “sopa de siglas”, JIT, CCQs, CEP, TPM, ISO 9000, CAD/CAM tomou conta do cenário empresarial. É nesse período, sobretudo a partir da política de abertura econômica do governo Collor, que a reestruturação produtiva intensificou, atingindo vários setores de atividades econômicas. As novas formas de gestão e organização industrial tende a se difundir, mesmo que em alguns casos convivendo com padrões mais tradicionais de gestão do trabalho, como aponta Gitahy (1994).

 

Antunes (1998) afirma que esse processo de reestruturação produtiva intensificado a partir de 1990 teve conseqüências significativas. “Combinam-se processos de enorme enxugamento da força de trabalho, com mutações no processo produtivo. A flexibilização, a desregulamentação e as novas formas de gestão da força de trabalho estão presentes em grande intensidade, indicando que o fordismo ainda predominante também aqui mescla-se com novos processos produtivos” (p.80).

 

Nessa direção, Navarro (2003) salienta que:

 

o processo de reestruturação produtiva intensificado com a globalização e abertura econômica dos anos 90, a inserção na economia mundial, exigia produtos variados, de melhor qualidade e preços competitivos. Somados a isso, levou a promoção, por parte das empresas, de profundas transformações em seus processos produtivos. Tais mudanças na organização e nos processos do trabalho que buscam aumento da produtividade, melhoria, de qualidade do produto e dos serviços, e a redução dos custos de produção, também resultado, em última instância, em uma maior intensificação do trabalho, na diminuição dos postos de trabalho, no aviltamento do valor de salários e no aumento da informalidade do emprego, em um quadro que aponta uma precarização das condições e das relações de trabalho de uma parcela significativa da força de trabalho do país. (Navarro, 2003: 81)

 

Também se observa uma preocupação em treinamento da força de trabalho, redução dos níveis hierárquicos, difusão dos métodos denominados participativos, mecanismos que procuram o envolvimento dos trabalhadores no âmbito da empresa.

 

 

A Reestruturação Produtiva e suas conseqüências no mundo do trabalho

 

A reestruturação produtiva ocasionou conseqüências significativas para o mundo do trabalho, tanto na materialidade como na subjetividade da classe trabalhadora.

 

Esse processo de reestruturação produtiva ocorre num contexto de recessão, desemprego, instabilidade econômica e abertura comercial provocando alterações na estrutura e na dinâmica do mercado de trabalho levando ao aprofundamento do desemprego, redução do emprego industrial, redução do trabalho com carteira assinada, o aumento do trabalho sem carteira assinada e do trabalho temporário e terceirizado.

 

No período de 1950-70, tivemos um aumento dos empregos, nos anos 1980 e 1990 tivemos uma queda acentuada levando a desestruturação do mercado de trabalho, conforme salienta Pochmann (1999). Já entre as décadas de 1980 e 1990, mais de milhões de empregos do setor industrial foram obliterados da economia brasileira.

 

Sendo assim, Pochmann (1999) ressalta que

 

Entre as décadas 40 a 80, o mercado de trabalho apresentou fortes sinais de estruturação em torno do emprego assalariado regular e dos segmentos organizados da ocupação. Há uma presença de taxas elevadas de expansão dos empregos assalariados com registro formal em segmentos organizados e a redução da participação relativa das ocupações sem registro, sem remuneração e por conta própria, e ainda o desemprego, possibilitaram a incorporação crescente de parcela da PEA ao Estatuto do Trabalho Brasileiro (Pochmann, 1999: 67).

 

Ainda, segundo Pochmann (1999), neste mesmo período, de cada dez ocupações geradas, oito eram assalariadas, sendo sete com registro e um sem registro. As ocupações por conta própria, os sem remuneração e os empregadores representavam apenas 20% do total dos postos de trabalho criados para o mesmo período (Pochmann, 199: 68 ).

 

Já nos anos 1990, de cada dez ocupações geradas, apenas duas eram assalariadas e oito não-assalariadas sendo, quase cinco, por conta própria e três de ocupação sem remuneração, como ressalta Pochmann (1999).

 

No Brasil, a década de 1990, foi marcada pelo fim da capacidade de produzir postos de trabalho suficientes para atender a demanda das pessoas que atingem a idade de trabalhar (PIA). Somando-se a isso, a diminuição dos postos de trabalho no setor industrial e na agricultura, esta pode ser chamada de “década do desemprego”. Nessa década, há uma aguçamento da crise do emprego, “o país gerou 3,3 milhões de desempregados ao ritmo de um desocupado a cada 1,1 minuto”, como afirma Pochmann (1998)5. 

 

 


Figura Nº1

Brasil: Evoluçao de desemprego (1989-1999)

 

 

 

Fonte: PED/SEADE-DIEESE;PME/IBGE, 1999 Mattoso, (1999: 12). Org. Maria Terezinha Serafim Gomes

                       

 

O figura Nº1 mostra a evolução do desemprego no Brasil, no período entre 1989-1999.  De 1989 até 1992, observou-se a elevação do desemprego. Em 1994, com a recuperação da economia através da implantação do Plano Real verificou-se queda no desemprego. A partir de 1996, o desemprego voltou a crescer, atingindo em 1999 a taxa de 7,8%. Pode-se dizer que é resultado da abertura econômica, da reestruturação produtiva e da onda de privatizações, que levou à redução dos postos de trabalho.

 

Considerando as regiões metropolitanas, a taxa de desemprego continua a crescer, em 2001, era de 11,7% passando para 12,90%, em 2003. Em janeiro de 2005 houve uma pequena redução passando para 10,2%.

 

Além do aumento do desemprego nos últimos, tem-se observado uma queda do emprego industrial, uma redução do contrato com carteira assinada e um aumento do trabalho por conta própria, do contrato sem carteira assinda, ou seja, da informalidade, conforme apontam os dados do IBGE.

 

Quadro Nº 1

Empregos nas regiões metropolitanas (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre) – 1985-1990-1995-2000-2002

 

Tipos de ocupados

1985

1990

1995

2000

2002

Ocupados na indústria de transformação

3.565.952

4.006.360

3.054.570

2.757.451

2.775.717

Ocupados por conta própria

2.389.385

3.423.763

3.659.537

4.060.231

4.043.761

Ocupados com carteira assinada

8.172.536

9.526.475

7.324.352

7.709.519

7.989.905

Ocupados sem carteira assinada

3.074.421

3.366.362

4.043.594

4.659.138

4.825.043

 

Fonte: PME/IBGE – IPEADATA, 2005

 

 

Pode-se dizer, que esse aumento da informalidade deve-se em parte da redução do emprego industrial. A título de exemplo, em 1991, a indústria era responsável por 22% dos postos de trabalhos nas regiões metropolitanas, segundo PME/IBGE. Em 2002, esse número era de 15,9% dos empregos. Em contrapartida, houve um aumento dos setores de serviços passando de 35,7% para 42,8%, em 2002.  Neste período, indústria passou a realizar um enxugamento dos seus quadros de funcionários, além de terceirizar algumas atividades, como serviços de limpeza, segurança ou alimentação.

Neste aspecto, se por um lado, o setor de serviços passa a absorver a mão-de-obra, por outro lado, não compensou as perdas da indústria, contribuindo para o aumento do desemprego

 

Ruas e Antunes (1997) ao falar da reestruturação dos anos 90 ressalta que

 

 [...] impactos sobre o trabalho industrial, tanto no âmbito do mercado  de trabalho quanto do perfil do trabalhador e das relações de trabalho. Em conseqüência, a forma de gestão do trabalho têm apresentado algumas mudanças importantes em termos de estratégias e procedimentos: uma das correntes emergentes prega a necessidade de envolver, incentivar e motivar a participação dos trabalhadores, comprometendo-os com os objetivos organizacionais e com seu próprio trabalho. É justamente aí que a abordagem da administração de recursos humanos para a qualidade se desenvolve, propondo bases distintas das praticadas até então, na busca da constituição de uma força de trabalho flexível e cooperativa. (Ruas e Antunes, 1997:42)

 

Soares (1990) salienta que “A participação dos trabalhadores como prática  de gestão é considerada uma estratégia  de racionalização da empresa  no contexto das novas tecnologias automatizadas e representa papel fundamental na chamada “fábrica flexível”.

 

Ruas (1994) ao tratar da reestruturação produtiva no Brasil ressalta que: outro elemento a ser destacado na conjuntura da reestruturação produtiva é a participação da mulher na força de trabalho e o incremento do trabalho em domicílio em vários setores produtivos. A título de exemplo, o setor de calçados6 e confecções.

 

No trabalho em domicílio, os encargos sociais são transferidos para esses trabalhadores, já que eles não possuem carteira assinada.

 

Além da participação da mulher e o trabalho em domicílio, acrescenta-se a terceirização leva a redução dos custos e aumento da competitividade, multiplicam o número de subempregados e trabalhadores temporários, de prestadores de serviços que atuam muitas vezes atuam em seus próprios domicílios ou mesmo de desempregados, como já salientamos. Nesse sentido, a terceirização leva a precarização do trabalho, e conduz ao agravamento das condições de trabalho e um aumento do grau de informalidade do mercado de trabalho.

Nesse contexto, tais mudanças resultante do complexo da reestruturação produtiva, se por um lado, passam a exigir um trabalhador mais polivalente, qualificado, participativo e criativo, enfim novas qualificações de trabalho (que vão desde habilidades cognitivas e comportamentais, capacidade de decisão, comunicação até responsabilidade), por outro lado, surgem novas e embrionárias relações de trabalho (muitas vezes precárias ou não-organizadas) e outras profissões desaparecem

 

E ainda, tais mudanças implicam na captura da subjetividade do trabalho pela lógica do capital. O savoir-faire  intelectual e cognitivo do trabalho (saber operário)7 é apropriado pelo capital através de canais de comunicação, do trabalho de equipe no chão de fábrica sem qualquer ônus para as empresas. Nesse sentido, as inovações organizacionais que versam o envolvimento do trabalhador, a participação no desempenho da empresa, acabam por contribuir para uma exacerbação do controle e manipulação do trabalho. Sendo assim, seria um novo patamar de subsunção real  do trabalho ao capital.

 

Nessa perspectiva, essas mudanças aprofundam a exploração do trabalho, a captura da subjetividade do operário, conforme Antunes (1999), Alves (2000) e também a renovação da relação de subordinação capital/trabalho.

 

Esse processo de gestão do trabalho (trabalho em grupo, canais de comunicação e sistemas participativos) camufla a subordinação do trabalhador, em virtude da participação na discussão de suas necessidades e do processo de trabalho. Isso se dá de modo fetichizado e despolitizado, voltado para o interesse da produção (Salerno, 1987). Através dos grupos de trabalho é passada uma aparência de autocontrole do trabalhador, o que na verdade, é uma subordinação, já que estas tarefas coletivas, seguem metas de produtividade previamente planejadas conforme interesses da empresa.

 

A título de exemplo, dessas alterações no mercado de trabalho urbano, Araújo (2001, p,25) ao discutir sobre a reestruturação produtiva e transformações econômicas na Região Metropolitana de São Paulo, assevera que: 

 

As principais alterações ocorridas no mercado de trabalho da RMSP, no período 1988-99 compreendem:

 

·        redução dos ocupados no setor industrial, que representavam cerca de 32% da estrutura ocupacional da RMSP, em 198, passando para cerca de 20%, em 1999.

 

·        ampliação de ocupações no setor de serviços (com destaque para os serviços relacionados à produção e os pessoais/domésticos). As ocupações do setor terciário, que respondiam por cerca de 60% de estrutura ocupacional metropolitana, em 1988, passaram para cerca de 74%, em 1999.

 

·        Baixa capacidade de geração ocupações assalariadas com carteira de trabalho assinada.

 

As transformações resultantes do processo reestruturação produtiva alteraram substancialmente a organização do trabalho contribuindo para com a degradação do trabalho8 e para surgimento de um “novo e precário mundo do trabalho” (Alves, 2002). Além disso, contribuiu para a crise do sindicalismo, pois a classe trabalhadora fragmentou-se e precarizou-se.

 

Essas mudanças vêm promovendo alterações na estrutura e na dinâmica do mercado de trabalho, tendo como conseqüência: 1) aumento do desemprego; 2) a precarização das condições e relações de trabalho; 3) a diminuição do emprego industrial; 4) a redução do trabalho assalariado com registro e aumento do trabalho sem registro em carteira, e trabalho temporário, e 5) diminuição de salários. Conseqüentemente, temos: a) um aumento da participação do setor informal; b) mudanças nas formas de produção para o trabalho denominado flexível; e c) o agravamento da exclusão social.

 

As mudanças resultantes da reestruturação produtiva ocorrem em intensidade diferente em cada lugar e setores de atividades econômicas. Os indícios dessas transformações parece serem maiores em grandes centros industriais e regiões metropolitanas do que em outras áreas.

 

 

Notas

 

1     Termo utilizado por Antunes (2000)

 

2     Sobre o toyotismo no Brasil, ver Oliveira, Eunice. Toyotismo no Brasil: desencantamento da fábrica envolvimento e resistência. 1° ed. São Paulo: Expressão Popular, 2004.

 

3     Mais detalhes, ver Alves (2000), Gitahy e Rabelo  (1991)

 

4 Pacheco e Negri (1994,p.62) elucida que:“Em geral, sob a rubrica de “deseconomias de aglomeração”, reúne um conjunto variado de causas que vão desde os maiores custos de transporte, de terrenos, salariais, e dos serviços públicos ou da infra-estrutura, até condicionantes que se refletem sobre a produtividade ou sobre  a organização  da produção, como congestionamentos, maiores tempos de transporte, aumento do poder sindical dos trabalhadores, redução da produtividade do trabalho associada à queda da qualidade de vida nas grandes cidades etc.

 

5 Jornal Folha de São Paulo, 1º de maio de 1998, p.3.

 

6 Trabalho realizado por Navarro, 2003, sobre a Reestruturação Produtiva no setor de calçados em Franca apontou essa tendência. Outros casos em especial destaca o setor calçadista na região Sul do país.

 

7 Mais detalhes consultar: Antunes (1995, 2000) e Alves (2000)

 

8 Termo utilizado por Braverman (1981) ao referir-se às mudanças na organização de produção e do trabalho provenientes da Segunda Revolução Industrial.

 

 

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Ficha bibliográfica:

SERAFIM, M. Reestructuración productiva y sus impactos en el mercado de trabajo urbano (reflexiones preliminares). Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2005, vol. IX, núm. 194 (76). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-194-76.htm> [ISSN: 1138-9788]

 

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