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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. 
ISSN: 1138-9788. 
Depósito Legal: B. 21.741-98 
Vol. X, núm. 218 (32), 1 de agosto de 2006 

UM QUEBRA-CABEÇA (QUASE) RESOLVIDO: OS ENGENHOS DA CAPITANIA DO RIO DE JANEIRO - SÉCULOS XVI E XVII [1]

Mauricio de Almeida Abreu

Professor Titular e Coordenador do Núcleo de Pesquisas de Geografia Histórica 
Departamento de Geografia 
Universidade Federal do Rio de Janeiro.  
Pesquisador do CNPq. 




Um quebra cabeça (quase) resolvido: os engenhos da capitania do Rio de Janeiro, séculos XVI e XVII (Resumo)

Dada a importância da cultura canavieira nos primeiros séculos da colonização do Brasil, é paradoxal que tenhamos hoje tão poucas informações a seu respeito.  O problema é ainda mais grave quando se trata da Capitania do Rio de Janeiro, em função do incêndio que atingiu o arquivo municipal carioca em 1790.  Esses obstáculos não impedem que nos aproximemos do antigo mundo rural fluminense.  A partir de uma pesquisa minuciosa da documentação primária ainda existente, este trabalho (a) apresenta os debates que vêm sendo travados sobre as conjunturas econômicas do período colonial; (b) revela quão grande é desconhecimento que hoje temos sobre a cultura canavieira fluminense; (c) resolve um difícil quebra-cabeça, pois identifica e localiza os engenhos fluminenses dos séculos 16 e 17, e (d) apresenta, em detalhe, a metodologia que possibilitou a recuperação desse antigo mundo dos engenhos.

Palavras-chave:  Rio de Janeiro (Séculos 16 e 17) – Geografia histórica – Engenhos de açúcar


A puzzle almost solved: the sugar mills at the Rio de Janeiro Region, 16-17th centuries (Abstract)

Given the importance of sugar cane production for colonial Brazil, it is surprising that we have so little information about it today.  Due to the fire that destroyed the municipal archives in 1790, this ignorance is even more serious with regard to the captaincy of Rio de Janeiro.  Despite these drawbacks, it is still possible to shed light upon Rio’s early rural life.  Based on an detailed analysis of existing primary sources, this work (a) reviews the debates on the economy of Brazil in the seventeenth-century; (b) proves that our knowledge about sugar cane production in colonial Rio is indeed very poor; (c) solves a part of this historical puzzle by identifying and locating the captaincy’s sugar mills in the 16th and 17th centuries; and (d) presents and discusses the methodological steps that were taken to uncover this important dimension of Rio’s colonial times.

Key-words: Rio de Janeiro (16th and 17th centuries) – Historical geography – Sugar mills


Dada a importância da cultura canavieira nos primeiros séculos da colonização brasileira, é paradoxal que tenhamos hoje tão poucas informações sobre ela.  O fato é que os dados com que contamos - sejam eles de produção, de preços, de utilização de força de trabalho ou de qualquer outra natureza - são bastante fragmentários e jamais constituem séries históricas prolongadas.  Por essa razão, os que se aventuram a estudar esse antigo mundo do açúcar são obrigados a ser bastante criativos no trato das questões que pretendem investigar.  Mesmo Mauro (1989) e Schwartz (1988), que se debruçaram sobre os preciosos registros do engenho jesuítico de Sergipe do Conde, na Bahia, milagrosamente salvos da ação do tempo, viram-se obrigados a fazer interpolações e a conjecturar.

O problema é ainda maior no Rio de Janeiro.  Embora os engenhos fluminenses contassem com livros de registro, que detalhavam a produção, receita, despesa e o pagamento dos dízimos, conforme atestam alguns testamentos e inventários, a verdade é que essa documentação simplesmente desapareceu. [2]   Esse desconhecimento, por sua vez, se torna ainda mais grave quando sabemos, por meio de autores coevos, ou mesmo de historiadores modernos, que lograram ter acesso a informações salvas da destruição, que a cultura canavieira assumiu importância crescente na vida econômica e social da capitania no século XVII.  Frei Vicente do Salvador (1982, p. 334), por exemplo, afirmou que o Rio de Janeiro, onde antes “se tratava mais de farinha para Angola que de açúcar”, já possuía, em 1627, quarenta engenhos.  Boxer (1973, p. 173), por sua vez, demonstrou que, de 1638 a 1642, partiram anualmente da baía de Guanabara, em direção a Portugal, uma média de 20 a 25 caravelas carregadas de açúcar, o que atesta a plena integração da capitania ao sistema da grande lavoura canavieira.  Ao exaltar a grandeza do Brasil por suas drogas e minas, Antonil (1982, p. 140) apontou igualmente para a prosperidade canavieira do Rio de Janeiro ao afirmar que a capitania já possuía, em 1711, 136 engenhos de açúcar.

Os números fornecidos por Frei Vicente do Salvador e por Antonil são bons indicadores da importância crescente do Rio de Janeiro no cenário canavieiro colonial e constituem citações obrigatórias de todos aqueles discutem o século XVII.  A verdade, entretanto, é que, além da constatação óbvia do crescimento da lavoura canavieira na capitania, muito pouco se tem avançado na produção de novos conhecimentos sobre a agricultura fluminense naquela centúria.  É certo que a escassez de informações contribuiu para isso, pois a maioria dos registros produzidos nos primeiros tempos desapareceu para sempre, boa parte deles em conseqüência do incêndio que atingiu o arquivo da Câmara Municipal, em julho de 1790.  Todavia, é também verdadeiro que muitos outros ainda sobrevivem, podendo, pois, lançar luz sobre esse antigo mundo do açúcar.  Há que se reconhecer, entretanto, que o acesso a esses registros é precário, seja em virtude de seu mau estado de conservação, seja por causa de sua dispersão por diferentes acervos documentais.

As dificuldades são semelhantes quando tratamos das representações gráficas do Rio seiscentista: a imagem mais antiga que conhecemos da paisagem da cidade é de autoria do viajante francês François Froger e foi produzida em 1695, ou seja, cento e trinta anos após a sua fundação; a planta urbana mais recuada é a do Brigadeiro Massé, levantada em 1713, e, se quisermos trabalhar na escala regional, não contamos com bases cartográficas confiáveis anteriores a 1767, ano em que foi produzido a conhecida “Carta Topográfica da Capitania do Rio de Janeiro”, de autoria do Sargento-mor Manoel Vieira Leão.  Esse mapa também é o documento cartográfico mais antigo que possuímos do Rio canavieiro, pois indica, claramente, os engenhos que então estavam em funcionamento na capitania.  Todavia, ele nos serve pouco quando queremos discutir o século XVII: nada nos garante que as moendas ali representadas já estivessem erguidas na centúria anterior e o documento, obviamente, nada nos informa sobre os engenhos seiscentistas já então desaparecidos.  Portanto, se quisermos avançar o conhecimento sobre os primórdios açucareiros da capitania, pecisamos não apenas ser criativos no tratamento da documentação que ainda subsiste, como também produzir nossas próprias representações cartográficas.

Com este trabalho, pretendemos trazer um pouco mais à luz esse Rio pouco conhecido, anterior ao século XVIII.  Sustentados por uma minuciosa análise de fontes que chegaram aos nossos dias, que incluiu todos os livros cartoriais ainda existentes (e que podem ser objeto de pesquisa, já que alguns deles se transformaram em verdadeiras massas disformes de papel), além de outros documentos dispersos por diversas instituições de memória, fomos capazes, não apenas de penetrar nesse passado distante, como também de identificar e localizar os engenhos que o constituíram, de nomear seus proprietários e de resgatar, minimamente que seja, o papel que nele desempenharam lavradores de cana, partidistas e escravos.  Conseguimos também acompanhar a trajetória das moendas através do tempo, o que permitiu a incorporação da diacronia à nossa análise.  É preciso reconhecer, entretanto, que pouco avançamos na determinação dos quantitativos da produção açucareira.

Devido às limitações das fontes utilizadas, fomos obrigados a adotar, no decorrer do trabalho, uma série de procedimentos de pesquisa.  Como essas trilhas metodológicas orientaram todos os percursos que seguimos, privilegiamos aqui a sua discussão, o que resultou, evidentemente, na necessidade de limitar as questões a serem discutidas.  Por essa razão, a análise empírica que apresentamos neste trabalho se restringe à identificação e localização dos engenhos fluminenses dos primeiros dois séculos da colonização.


Conjunturas econômicas seiscentistas: breve contextualização

Diversos autores que analisaram o Brasil seiscentista (cf. Godinho, 1953; Ferlini, 2003) apontam para a existência de quatro conjunturas econômicas distintas.  A primeira, bastante favorável ao desenvolvimento da lavoura canavieira, teve início em meados do século XVI e se estendeu até a terceira década do século XVII; foi uma época em que o preço do açúcar tendeu a manter-se em patamares relativamente elevados, o que estimulou o crescimento da cultura da cana nas capitanias brasileiras.  A essa conjuntura favorável teria sucedido uma época de transição, que apresentou flutuações no preço do açúcar e se prolongou até a década de 1650.  A partir de então, teve início um período de grandes dificuldades econômicas, que alguns consideram mesmo de crise aguda, que foi caracterizado, sobretudo, pela queda acentuada do preço do açúcar e pela intensificação da tributação das capitanias brasileiras, chamadas a contribuir amplamente para a satisfação dos compromissos firmados pelo Reino com a Inglaterra e a Holanda.  Essa época de dificuldades teria se estendido até o início da década de 1690, que marcaria, por sua vez, o início de um período de retomada de preços e de crescimento da lavoura canavieira, que adentraria o século XVIII.

Ainda que as explicações dessas conjunturas variem de autor para autor, há uma certa concordância em relacionar as instabilidades ocorridas a partir da década de 1630 a uma série de acontecimentos políticos e econômicos, que afetaram tanto a Europa quanto as capitanias brasileiras.  Destaca-se, em primeiro lugar, o conflito entre a Espanha e as Províncias Unidas, com a conseqüente ocupação holandesa de Pernambuco (1630-1654), que embora tenha estimulado a produção açucareira das capitanias mais distantes, como o Rio, levou à perda de inúmeros navios que transportavam açúcar para Portugal e exigiu, ademais, um esforço notável de fortificação das praças sob controle luso, que só pôde ser efetivada mediante a crescente imposição de tributos.  Em segundo lugar, a restauração portuguesa de 1640, com o conseqüente estado de beligerância que se instaurou na península ibérica até 1668, não só exauriu os cofres reais, como fez cessar o lucrativo e clandestino comércio que se efetuava com Buenos Aires e Potosi; determinou, ademais, que as necessidades da colônia tivessem que ser providas, em grande parte, por ela mesma.  Em terceiro, a tomada de Luanda pelos batavos, em 1641, cortou o suprimento de escravos africanos para o Brasil e praticamente isolou as capitanias brasileiras de sua principal fonte de suprimento de mão-de-obra africana até 1648, quando Angola foi reconquistada por uma expedição comandada por Salvador Correia de Sá e Benevides, em grande parte financiada pelos moradores do Rio de Janeiro.  Em quarto, a entrada das Antilhas no mercado açucareiro, a partir de 1650, não só levou à perda de importantes consumidores europeus, outrora supridos pelo açúcar brasileiro, como elevou a demanda por mão-de-obra servil e baixou os preços do açúcar.  Por último, com o intuito de garantir rendas aos comerciantes metropolitanos e proteger o transporte do açúcar colonial para o Reino, a Coroa baixou, ao final da década de 1640, diversas normas que reorganizaram o comércio com a colônia e acabaram por aumentar as dificuldades dessa última.

Há discordância na historiografia, entretanto, quanto à magnitude e extensão da conjuntura desfavorável da segunda metade do século XVII.  A maior parte dos autores a equaciona a um período de crise generalizada da agricultura, com reflexos na Europa e no Brasil.  Sampaio (2000), entretanto, defendeu recentemente que essa crise teria se restringido à lavoura canavieira e durado muito menos tempo do que é geralmente propalado.  Sem negar a importância fundamental das culturas de exportação para a economia colonial, esse autor defende que a vida econômica das capitanias possuiria alguma autonomia, e que esta teria sido crescente através do tempo. [3]   No caso do Rio de Janeiro, essa autonomia relativa teria se iniciado ainda no século XVII, quando uma economia mercantil de alimentos teria encetado seus primeiros passos, o que teria amenizado, inclusive, os efeitos da “grande crise econômica da segunda metade do século XVII”, que Sampaio (2000, p. 23) acredita ter afetado menos a colônia do que geralmente se afirma; limita, inclusive, seus efeitos perversos no Rio de Janeiro às décadas de 1660 e 1670.


Névoas que permanecem

A produção acadêmica sobre o Brasil colonial tem crescido bastante ultimamente.  No que diz respeito ao Rio de Janeiro, esse esforço de pesquisa resultou na realização de trabalhos de grande qualidade, que têm ampliado bastante nosso conhecimento sobre a cidade e da capitania. [4]   Há que se reconhecer, entretanto, que esse esforço intelectual tem privilegiado, sobretudo, o século XVIII.  O século XVII ainda permanece escondido por brumas, que precisam ser urgentemente eliminadas – ou, pelo menos, parcialmente dissipadas – se quisermos obter uma visão mais completa do processo de formação histórica e territorial do Rio de Janeiro.

Fragoso tem sido uma exceção a essa regra, pois vem contribuindo bastante para o entendimento do processo de constituição da sociedade e da economia do Rio de Janeiro seiscentista (cf. Fragoso, 2000, 2001).  Todavia, não obstante a riqueza das proposições oferecidas por esse autor - e também por Sampaio, conforme já assinalado - muitas indagações ainda permanecem sem resposta, ou precisam ser melhor esclarecidas, para que compreendamos melhor como se estruturou esse antigo mundo dos engenhos, a saber: É possível ir além dos totais relatados por Frei Vicente do Salvador e por Antonil e demonstrar como ocorreu, efetivamente, o crescimento dos engenhos do Rio de Janeiro no século XVII, visualizando ritmos e tendências?  Que tamanho tinham essas moendas?  Quem eram seus proprietários e que relações sociais exerciam na capitania?  Qual a importância de lavradores e partidistas na produção canavieira?  Que força de trabalho era utilizada no processo de produção?  Quais os quantitativos da produção açucareira fluminense?  Quem eram seus financiadores?   Será verdadeira a afirmação, lançada por alguns autores, de que os engenhos do Rio de Janeiro especializavam-se mais na produção de aguardente, utilizada no comércio negreiro com Angola, do que na produção de açúcar?  Houve, realmente, uma grande crise econômica na segunda metade do século XVII, como querem alguns autores, ou teria sido essa crise muito menos grave, como querem outros?

Outros obstáculos dizem respeito à dimensão espacial desses mesmos processos:  Onde estavam localizados os engenhos do Rio de Janeiro?  Formavam eles áreas de produção claramente identificadas?  Qual a participação dessas áreas produtoras na economia regional?  Como se deu a construção da paisagem agrária fluminense nos primeiros tempos da colonização?  Que impactos ambientais causaram as moendas e as relações sociais que lhes sustentavam?  Como se constituiu e como se materializou, na paisagem, a relação campo-cidade?  Até que ponto a materialidade da cidade e seu quotidiano foram influenciados pelas exigências e pelo ritmo da economia canavieira?

As indagações de natureza espacial são, portanto, inúmeras.  Todavia, ao contrário daquelas que dizem respeito ao processo social strito sensu, nesse caso trilhamos território realmente virgem, ainda por desbravar.  Dado que processos sociais e formas espaciais são dois lados de uma mesma moeda, pois as sociedades não transformam a natureza como se agissem no vácuo, e ao fazê-lo criam formas, materiais ou não, que influenciam o desenvolvimento desses mesmos processos, o descaso para com a dimensão espacial só dificulta a obtenção de um conhecimento mais completo das realidades que pretendemos estudar.

Devido à carência das fontes documentais, muitas das questões levantadas acima jamais serão respondidas a contento.  Mesmo assim, é imperioso que se desvende um pouco mais o que foi esse Rio de Janeiro açucareiro dos primeiros dois séculos da colonização, muito esquecido e pouquíssimo estudado, pois só assim será possível avaliar o que representou a cultura canavieira fluminense no contexto da colônia como um todo e qual o papel que ela exerceu na estruturação da economia da capitania e na vida quotidiana de seus habitantes.  É preciso, em suma, imergir mais a fundo nesse passado longínquo, para extrair dele informações preciosas para a história e para a geografia da cidade.

Para dar conta dessa tarefa, verdadeiramente difícil, contamos não apenas com as fontes documentais já trabalhadas por outros autores - que precisam, entretanto, ser confrontadas com outras para que produzam efeitos multiplicadores -, mas também com a imensa base de dados que fomos capazes de construir sobre o Rio de Janeiro dos séculos XVI e XVII, fruto de levantamentos exaustivos realizados durante doze anos em arquivos do Brasil, de Portugal e do Vaticano. [5]   Essa pesquisa de fontes primárias possibilitou que encontrássemos, aqui e ali, peças esparsas desse Rio açucareiro, fragmentos que, em grande parte, fomos capazes de encaixar uns com os outros, ainda que não tenhamos logrado completar o quebra-cabeça com perfeição.

Essa base de dados possibilitou que enfrentássemos as questões enunciadas acima com variável grau de sucesso, dependendo a qualidade da resposta que oferecemos da maior ou menor sorte que tivemos na descoberta das informações que procurávamos e da maior ou menor habilidade que demonstramos em concatená-las de forma adequada.  Tais questões vêm sendo discutidas em trabalho de síntese sobre a geografia histórica do Rio de Janeiro dos séculos XVI e XVII, ora em vias de conclusão.  Dadas as limitações desta comunicação, optamos por discutir aqui apenas duas delas, referentes ao número e à localização das moendas, a saber:

(1)   É possível ir além dos totais relatados por Frei Vicente do Salvador e por Antonil e demonstrar como ocorreu, efetivamente, o crescimento dos engenhos do Rio de Janeiro no século XVII, visualizando ritmos e tendências?

(2)   Onde estavam localizadas as moendas fluminenses?

Será com o apoio das informações contidas na base de dados que construímos que enfrentaremos essas indagações.  Por essa razão, é importante que esclareçamos agora os passos metodológicos que foram seguidos na sua elaboração.



A construção da base de dados dos engenhos fluminenses

A base de dados dos engenhos fluminenses é constituída de inúmeros quadros agregadores de informação.  Cada um desse quadros, em sua forma final, corresponde a um engenho que logramos identificar e resultou de um longo e penoso processo de agrupamento de dados dispersos no tempo e nas próprias fontes documentais.

O trabalho teve início com a decisão de que cada informação encontrada sobre engenhos deveria constituir o embrião de um quadro.  Assim, por exemplo, uma informação sobre a venda, em 1664, de um partido de canas situado nas terras de um engenho não identificado, mas que estava localizado em Irajá, foi inicialmente considerada como um dado independente e deu origem a um quadro que intitulamos, provisoriamente, de “Engenho em Irajá, 1664”.  Da mesma forma, a arrematação em praça pública, em 1683, de um engenho sem localização declarada, mas que soubemos ser “de invocação Nossa Senhora do Rosário”, constituiu nova informação isolada e deu origem a outro quadro intitulado “Engenho Nossa Senhora do Rosário, 1683”.  Aos poucos, entretanto, foi sendo possível detectar, por indícios os mais diversos, que muitas dessas informações “independentes” referiam-se, na realidade, à mesma moenda, o que possibilitou que todas as informações referentes a ela fossem reagrupadas num quadro único.  Foi o que aconteceu, por exemplo, com o engenho citado acima.  O remembramento permitiu que descobríssemos que o engenho de Nossa Senhora do Rosário, localizado em Irajá, já estava erguido em 1664, quando pertencia a fulano de tal, e continuava a existir em 1683, ano em que foi arrematado em praça pública por beltrano de tal.  Esse agrupamento de informações num quadro único possibilitou, por outro lado, que introduzíssemos a diacronia na análise e resgatássemos a trajetória da moenda no tempo.

As informações que fazem parte dos quadros foram extraídas, em sua maioria, de escrituras lavradas nos cartórios da cidade, sobretudo de venda, doação e hipoteca de engenhos e de partidos de canas.  Esses documentos fazem parte do universo de 45 livros de notas que ainda restam do século XVII, quase todos guardados no Arquivo Nacional e interditados ao público, cuja consulta só foi possível mediante autorização especial. [6]   É importante observar que muitos dos livros ainda existentes apresentam imensas dificuldades de leitura, tamanhos foram os danos ocasionados pelo tempo e pela incúria.  Note-se, por outro lado, que o levantamento dos livros cartoriais não se limitou ao século XVII, tendo tido prosseguimento, na realidade, até o fim do período colonial.  Devido a isso, foi possível encaixar, com precisão, algumas peças do quebra-cabeça seiscentista, pois logramos obter, em documentação produzida posteriormente, informações preciosas sobre os engenhos do passado.

Aos dados fornecidos pelos livros cartoriais, agregamos, a seguir, informações obtidas em inventários, verbas testamentárias, livros de tombo das ordens religiosas, autos de medição de terras, autos de demandas judiciais, etc., muitas das quais faziam referência à existência de moendas ou partidos de canas.  Com cada informação preenchendo uma linha de algum quadro, foi possível recuperar, gradativamente, a trajetória temporal que cada engenho identificado percorreu.  Para alguns, conseguimos determinar, inclusive, quem os ergueu e quando desapareceram.  Como muitos engenhos passaram de mão por herança, apoiamo-nos também (e muito!), para o preenchimento dos quadros, nas preciosas genealogias das famílias fluminenses dos séculos XVI e XVII, obra de inestimável valor que Carlos G. Rheingantz legou a todos aqueles que se interessam por esse passado distante (cf. Rheingantz, 1965, 1967, 1993-1995).

As seqüências de informação contidas nos quadros deram origem a três tipos de trajetória de engenhos.  O primeiro refere-se às sucessões temporais sobre as quais temos certeza absoluta, já que são seguidamente comprovadas por documentação (escrituras de venda, por exemplo).  Para nossa satisfação, essa trajetória foi a mais comum e é ilustrada, por exemplo, pelo Engenho São Miguel, localizado em Taitimana, às margens do rio Meriti (Quadro 1).
 

 
Quadro 1 
Engenho São Miguel, localizado em Taitimana
Engenho 80
Nome: São Miguel
Localização: Taitimana, Jacutinga
 
ANO
INFORMAÇÃO
FONTE
1652
Informação sobre o engenho, que pertence a Francisco de Araújo Caldeira
AGCRJ, 42-3-55, p. 57.
1669
Venda de um partido de canas “sito no engenho do Capitão João de Araújo Caldeira, [filho de Francisco de Araújo Caldeira e de Francisca de Araújo] na paragem onde chamam Jacutinga, distrito desta cidade”.
AN, 1ON, 48, f. 155v; AGCRJ, 42-3-56, p. 98; Rheingantz, I, 130.
1678
Francisco de Araújo Caldeira recebe sesmaria de sobejos junto de seu engenho em Taitimana
Pizarro 
1681
Falecimento de Francisco de Araújo Caldeira
Rheingantz, I, 130.
1685
Hipoteca de um partido de canas sito no engenho da viúva Francisca de Araújo [Caldeira]
BN, 4ON, Mss 12,3,14, f. 9v.
1690
Hipoteca de um partido de canas sito no engenho de Francisca de Araújo, viúva de Francisco de Araújo Caldeira, em Taitimana 
AN, 1ON, N° 57, f. 215v.
1692
Referência a esse engenho, que parte pelo sertão com terras de José de Andrade Souto Maior e fica perto de terras do Sargento-mor Martim Correia Vasques
AN, 1ON, 59, f. 52.
1694
Francisca de Araújo, viúva de Francisco de Araújo Caldeira, vende metade do engenho a João Gonçalves Viana, informando que era “de invocação São Miguel, sito em Taitimana ... havido por folha de partilha, por falecimento do dito seu marido”
AN, 4ON, 1, f. 6.
1697
Hipoteca de um partido no engenho de Bartolomeu de Araújo [Caldeira], sito em Taitimana 
AN, 1ON, 61, f. 82v; AGCRJ, 42-4-90, p. 1130.
1705
Testamento de Bartolomeu de Araújo Caldeira, filho de Francisco de Araújo Caldeira e casado com Ana Cabral, diz que ele possuía esse engenho, comprado das legítimas de sua mãe e irmãos
AMSBRJ, Seção 13.2, Nº 844.
1718
Capitão Miguel de Araújo Caldeira e sua mulher Brízida da Guarda vendem terras e um engenho velho e desfabricado ao Alcaide-mor Tomé Correia Vasques, informando que se localizavam em Taitimana, comprado em praça pública por execução que fez José de Souza Barros a Ana Cabral de Melo, viúva de Bartolomeu de Araújo Caldeira, seu irmão
AN, 2ON, 26.
Fonte: Base de dados da Linha de Pesquisa de Geografia Histórica do Rio de Janeiro

O segundo tipo diz respeito a engenhos cuja trajetória incluiu, aqui e ali, algumas ausências de informação, que puderam ser preenchidas com grande possibilidade de acerto; é o caso, por exemplo, de um engenho que, num determinado momento, está associado ao nome de um proprietário e, anos depois, após seu falecimento, ao nome de um filho ou genro, indicando sucessão por herança.  Pode também ser o caso de uma moenda que, num determinado ano está associada ao nome de um proprietário e, anos mais tarde, ao nome de outro, sem laços familiares com o anterior, mas que pôde ser identificada como sendo o mesmo engenho, tanto por sua localização como pela manutenção do orago anterior, provavelmente indicando sucessão por venda.  Em situações como as que acabamos de descrever, optamos sempre por incluir, no quadro desse engenho, o símbolo ? , que denota que não temos certeza absoluta da sucessão indicada e que estamos fazendo uma conjectura.  Um bom exemplo de quadro dessa natureza é aquele referente ao engenho São Bento, localizado em Mutuá (ver Quadro 2).
 

 
 
Quadro 2 
Engenho São Bento, localizado em Mutuá
Engenho 125
Nome: São Bento
Localização: Mutuá
 
ANO
INFORMAÇÃO
FONTE
1645
Bento Pinheiro de Lemos é citado no rol dos fregueses de São Gonçalo de Amarante
AN, Códice 61, Livro 1, f. 219v.
1645-1653
Capitão Bento Pinheiro de Lemos possui o engenho
AGCRJ, 42-3-57, p. 309; AN, 1ON, 39, f. 14; AN, 1ON, 41, f. 8; AGCRJ, 42-3-57, p. 8.
1662
Dona Catarina Antunes, viúva de Bartolomeu Ferreira de Morais, vende a Claude Antoine Besançon uns sobejos de terras em Mutuá, partindo de uma banda com terras do engenho do Capitão Bento Pinheiro de Lemos e da outra com terras do comprador, e nos fundos com a estrada que vai de São Gonçalo para Guaxindiba, fazendo a testada pelo rio de Maragoí 
AN, 1ON, 44, f. 208v.
1666
Capitão Bento Pinheiro de Lemos vende o engenho ao Capitão Francisco de Moura Fogaça, indicando que tinha invocação de São Bento, mas escritura não teve efeito
AN, 1ON, 47, f. 105.
1668
Bento Pinheiro de Lemos vende metade do engenho a seu genro Francisco Homem Del Rei
AN, 1ON, 54, f. 246.
1680
Bento Pinheiro de Lemos dá quitação a seu genro Francisco Homem Del Rei da quantia de 5.000 cruzados, pagos em açúcar branco, fazendas e dívidas, que por ele pagou a vários credores, a qual quantia lhe devia do preço da metade da compra que lhe fez da metade do seu engenho, sito no distrito de São Gonçalo
AN, 1ON, 54, f. 246.
1684
Francisco Homem Del Rei falece em 4/11/1684.  Em sua verba testamentária diz “que vendeu a metade do engenho que possuía, de meias com Pedro da Bessa(?), ao Capitão Baltazar de Abreu Cardoso, entrando tudo o que possuía, por preço e quantia de 9.000 cruzados, boa parte dos quais serão pagos nas próximas safras
1º Livro de Óbitos da Freguesia de São Gonçalo
?
   
1686
Venda de um partido de canas “sito em Mutuá, no engenho de Pedro da Costa Ramiro”; Pedro hipoteca seu engenho
BN, 4ON, Mss 12,3,14, ff. 200, 218.
1687
Pedro da Costa Ramiro hipoteca “o engenho que possui na banda d’além, em São Gonçalo, de invocação São Bento, com toda a sua fábrica” 
BN, 4ON, Mss 12,3,14, f. 358.
1689
Pedro da Costa Ramiro hipoteca o engenho que possui, de invocação São Bento, sito em São Gonçalo, com todas as suas pertenças, o qual já foi hipotecado em outras escrituras 
AN, 1ON, 57, f. 35.
1702
Dona Páscoa Barbalho, viúva de Pedro da Costa Ramiro, em dote de casamento a José Vieira da Costa, para casar com sua neta Dona Páscoa, doa “três safras livres do partido que tem em seu engenho” 
AN, 1ON, 67, f. 130.
1705
José Vieira Veiga, arrematante, e seu fiador José Antunes de Matos fazem fiança relativa aos pagamentos do engenho que foi de Pedro da Costa Ramiro, sito onde chamam Mutuá, que o primeiro arrematou no Juízo dos Órfãos por 14.000 cruzados
AN, 1ON, 71, f. 224.
1706
Hipoteca de terras em Mutuá, “que partem de uma banda com terras do engenho do Licenciado José [Antunes] de Matos e da outra com terras de Amaro dos Reis Tibau 
AN, 1ON, 73, f. 131.
1709
Venda de parte de uma ilha em Mutuá, em São Gonçalo, “junto à testada das terras do engenho do Licenciado José Antunes de Matos” 
AN, 1ON, 77, f. 89v.
1709
José Antunes de Matos, fiador, hipoteca o engenho que possui, “sito na outra banda, com toda a sua fábrica de terras, bois, cobres e escravos” 
AN, 1ON, 77, f. 166v.
1715
Licenciado José Antunes de Matos, fiador, hipoteca “um engenho que possui, sito em São Gonçalo, com todas as suas benfeitorias de terras, cobres, peças e bois” 
AN, 1ON, 83, f. 45v.
Fonte: Base de dados da Linha de Pesquisa de Geografia Histórica do Rio de Janeiro

Finalmente, houve situações em que conseguimos recuperar a trajetória de um engenho apenas para determinado período, não tendo sido possível estendê-la mais no tempo, seja para adiante ou para trás.  Nestes casos, foi necessário tomar uma decisão, que acabou seguindo duas direções distintas.  A primeira foi a de considerar aquela seqüência “solta” de informações como a trajetória particular de um engenho, que teria surgido em algum ano anterior à primeira informação obtida sobre ele e desaparecido a partir de um determinado momento, conclusão a que chegamos, na maioria das vezes, por lógica de exclusão, isto é, pela impossibilidade de ela vir a estar relacionada com os demais engenhos identificados naquele período para aquela área; esta decisão levou à inclusão de mais um quadro no universo de moendas identificadas para aquela área e é bem exemplificada por um engenho sito em Sarapuí, cujo orago não conseguimos descobrir, sobre o qual só obtivemos informações para a década de 1670 (Ver Quadro 3).  A segunda opção foi a de considerar que aquela seqüência “solta” preenchia, na realidade, um hiato da trajetória de um dos engenhos já identificados de uma determinada área; neste caso, aquele vazio foi preenchido pela dita seqüência de informações, mas tivemos novamente o cuidado de indicar claramente esse artifício metodológico nos quadros, pela utilização do símbolo ? , que indica conjectura.  Isto pode ser verificado, por exemplo, no quadro do engenho São José, sito em Maruí (Ver Quadro 4). [7]
 

 
 
Quadro 3 
Engenho sem identificação, localizado em Sarapuí
Engenho 59
Nome: Sem identificação
Localização: Sarapuí
 
ANO
INFORMAÇÃO
FONTE
1670
Francisco de Araújo Caldeira vende um partido de canas a Francisco Dias Medonho, sito em Sarapuí, no engenho de Jerônimo de Azevedo
AN, 1ON, 50, f. 55v; AGCRJ, 42-3-56, p. 133.
1673
Capitão Domingos Pereira, senhor de engenho, e sua mulher Paula Gonçalves, vendem ao Capitão José de Barcelos Machado umas terras sitas no distrito de Sarapuí, que partem ... por travessão(?) com as terras do engenho que hoje é de Jerônimo de Azevedo ... e pelas mais partes com terras do Capitão José de Barcelos (Engenho do Carrapato)
AN, 1ON, N° 53, f. 162.
Ca. 1676
Por ordem do Provedor Pedro de Souza Pereira, o engenho é arrematado por Mateus de Moura [Fogaça?], com toda a sua fábrica, por 12.000 cruzados, embora valesse, segundo denúncia feita por Antônio Mendes de Almeida, mais de 20.000
AHU, RJ-Avulsos, Caixa 5, Nº 74.
Fonte: Base de dados da Linha de Pesquisa de Geografia Histórica do Rio de Janeiro

 
Quadro 4 
Engenho São José, localizado em Maruí
Engenho 104
Nome: São José
Localização: Maruí, Barreto
 
ANO
INFORMAÇÃO
FONTE
1645
Sebastião Pinto é citado no rol dos fregueses de São Gonçalo de Amarante
AN, Códice 61, Livro 1, f. 219v.
1652
Felipa Delgada, filha de Sebastião Pinto e viúva de Francisco Gonçalves, dá em pagamento de herança à sua filha Domingas Dias, que de presente é casada com Nicolau ..., “a casa do engenho, a casa de caldeiras e a casa de purgar com suas pertenças e outros bens”  A localização do engenho não é indicada, mas sabe-se que é por Maruí, pois a “defunta Felipa Delgada” é citada na medição das terras dos índios de São Lourenço, realizada em 1659
AN, 1ON, 40, f. 113; Cadernos do Instituto Histórico de Niterói, 3, p. 26.
?
   
1673
Dona Isabel de Mariz, viúva do Almirante Rodrigo Muniz da Silva, pede autorização para a venda de um engenho que seu marido deixou na Capitania do Rio de Janeiro
AHU, RJ-CA, Nº 1184.
1681
Dona Isabel de Mariz informa que havia vendido o engenho a seu pai Francisco Barreto, por 9.000 cruzados, mas que ele não lhe enviara o dinheiro por ser a viagem perigosa.  Pede que seja dada autorização para que ele possa fazer isso por meio de letras
AHU, RJ-CA, Nº 1412.
?
   
1692
Engenho pertence ao Capitão José Barreto de Faria, outro filho de Francisco Barreto de Faria
AN, 1ON, 58, f. 145v; AGCRJ, 42-4-89, p. 898.
1701
Capitão José Barreto de Faria e sua mulher Dona Paula Rangel doam terras “junto às terras de seu engenho” a Jorge Pinto de Barredo, que as institui como patrimônio de seu filho Jorge Pinto de Barredo
AN, 1ON, 65, f. 18v.
1710 
Capitão José Barreto de Faria, fiador, hipoteca “um engenho de açúcar, de invocação São José, sito na freguesia de São Gonçalo”
AN, 2ON, 12, f. 112v..
1713
Engenho ainda pertence ao Capitão José Barreto de Faria, que ali tem capela de Nossa Senhora das Neves.  A mesma santa é reverenciada em outro engenho contínuo, de propriedade de seu irmão Capitão Diogo Rodrigues de Faria
Santuário Mariano, p. 38.
1715
Uma escritura é lavrada “no engenho velho do Capitão José Barreto de Faria, na freguesia de São Gonçalo” 
AN, 1ON, 82, f. 278.
Fonte: Base de dados da Linha de Pesquisa de Geografia Histórica do Rio de Janeiro


Dos quadros de moendas à base de dados espaço-temporal de engenhos

Elaborados os quadros individuais das moendas, passamos à etapa da interpretação das informações agregadas em cada um deles.  Na falta de dados de produção, e com o intuito de melhor dar conta da inserção da capitania do Rio de Janeiro no sistema da grande lavoura canavieira através do tempo, optamos por adotar metodologias que pudessem dar conta, de alguma forma, dessa importante questão.  Decidimos então estruturar a análise do longo período que se estende do aparecimento do primeiro engenho, na década de 1570, até ao final do século XVII, segundo uma lógica binária.  Assim, a existência de informação sobre um engenho numa determinada década, não raro adjetivada pela explicação de que a moenda era “moente e corrente”, foi considerada indicadora de sua presença como unidade produtora naquela década.  Se não conseguíamos saber quanto produzia, pelo menos poderíamos indicar que o engenho estava em produção.  Em tabela especialmente elaborada para esse fim, foi então assinalada a presença ativa daquela moenda naquela década.  Seqüências de informações sobre esse mesmo engenho em décadas sucessivas foram consideradas como reveladoras da permanência em produção da moenda, conclusão que foi também assinalada, através da lógica binária, nas células correspondentes da mesma tabela.  A inexistência de informação sobre um dado engenho numa determinada década indicou, por sua vez, que ele ainda não havia sido erguido ou que já havia desaparecido.  Todavia, quando a ausência de informação sobre um engenho, numa determinada década, era antecedida e/ou seguida de informações sobre essa mesma moenda em década imediatamente anterior ou posterior àquela da ausência de dados, optou-se por considerar que a moenda permanecera em produção por todo esse tempo.

Raramente foi possível identificar o momento exato em que uma moenda foi erguida ou “desfabricada”, isto é, quando deixou de existir.  Por isso, adotamos o artifício de considerar como tendo surgido (ou desaparecido) na década anterior (ou posterior) todo engenho para o qual a primeira (ou última) informação obtida fosse referente a até três anos do início (ou fim) de uma determinada década.  Assim, um engenho cuja primeira informação obtida dissesse respeito, por exemplo, à sua venda em 1653, foi considerado como tendo surgido durante a década de 1641-1650; da mesma forma, um engenho que tivesse sido vendido em 1668, e sobre o qual nunca mais tivemos notícia, foi considerado como tendo permanecido como unidade produtiva, pelo menos, até a década de 1671-1680.  É bem possível que, com essa decisão, tenhamos encurtado a “vida útil” de alguns engenhos, que podem ter surgido (desaparecido) muito antes (depois) do que a primeira (última) informação sobre eles nos indicam.  Todavia, dadas as carências de dados, não foi possível agir de outra forma.  É também provável que haja alguma tendenciosidade na análise das épocas mais remotas, que teriam tido mais engenhos do que os resultados irão demonstrar.  Como os documentos referentes à primeira metade do século XVII são pouco numerosos, as referências que fazem a engenhos são, da mesma forma, mais escassas.  Por essa razão, é bem possível que os numerosos engenhos que tiveram sua primeira datação atribuída à década de 1641-1650, como veremos mais adiante, tenham sido erguidos, na realidade, antes disso.  Para exemplificar melhor a utilização da lógica binária e do artifício metodológico que acabamos de explicar, apresentamos abaixo (ver Quadro 5) a trajetória recuperada do já citado Engenho São Miguel, para o qual temos informações a partir de 1652, conforme indicou o Quadro 1:
 

 
 
Quadro 5
Trajetória temporal do Engenho São Miguel
 
1571-1580
1581-1590
1591-1600
1601-1610
1611-1620
1621-1630
1631-1640
1641-1650
1651-1660
1661-1670
1671-1680
1681-1690
1691-1700
Engenho 80 São Miguel
 0
0
0
0
0
0
0
1
1
1
1
1
1
Fonte: Base de dados da Linha de Pesquisa de Geografia Histórica do Rio de Janeiro

O processo de agrupamento de informações em quadros individualizados para cada moenda possibilitou, igualmente, que localizássemos cada engenho com relativa precisão, seja porque a localização foi citada em escritura incorporada ao quadro, seja porque os proprietários confrontantes puderam ser identificados, seja também porque encontramos, em algum documento, alusões feitas a capelas, caminhos reais e/ou acidentes geográficos ainda hoje reconhecíveis ou possíveis de recuperação.  Tivemos, outrossim, grande preocupação em não confundir topônimos atuais com seus antigos significados, como é o caso, por exemplo, de Inhaúma ou Irajá, que denotavam, no século XVII, áreas muito mais extensas do que aquelas que hoje constituem esses bairros.  Da mesma forma, utilizamos com cuidado os trabalhos de cronistas do passado e/ou de memorialistas de tempos mais recentes, pois essas fontes são, muitas vezes, ricas no fornecimento de detalhes sobre um dado município ou região, mas nem sempre cuidadosas na recuperação das trajetórias históricas, não sendo raro que simplifiquem demasiadamente os processos sociais, que dêem grandes pulos no tempo, concatenando fatos que não necessariamente estão relacionados, ou que discutam as eras mais remotas das áreas que descrevem a partir de trabalhos de “autores consagrados”, que nem sempre nos oferecem a precisão metodológica que lhes é atribuída.

Finalmente, para melhor dar conta da dimensão espacial da análise, segmentamos o território da capitania do Rio de Janeiro em oito áreas produtoras, [8] que foram individualizadas a partir de critérios de configuração geomorfológica e, principalmente, da constância de sua designação toponímica nos documentos consultados.  Alocamos a seguir, a cada uma dessas oito áreas, os engenhos que dela faziam parte.  A soma dos resultados binários fornecidos pelos quadros das moendas de cada área produtora forneceu, a seguir, o total de engenhos que estavam em funcionamento naquela área em cada década; a soma dos totais de cada área produtora possibilitou, por sua vez, que chegássemos ao total de moendas em produção na capitania em cada década.

As áreas produtoras, aqui apresentadas com a ajuda de topônimos atuais, foram as seguintes:

(1)   Os “arredores da cidade”, que compreendem toda a área imediatamente adjacente ao núcleo urbano, isto é, a estreita faixa de terra situada entre o maciço da Tijuca e a baía ou o oceano, estendendo-se do vale do Maracanã, incrustado em plena sesmaria jesuítica “de Iguaçu”, até a lagoa Rodrigo de Freitas, em terras foreiras à municipalidade;

(2)   A Baixada de Jacarepaguá, ou seja, toda a área compreendida entre os maciços da Tijuca e da Pedra Branca e o oceano Atlântico;

(3)   Inhaúma/Ilha do Governador, área que compreende todas as terras que se estendem do litoral da baía ao divisor de águas do maciço da Tijuca, estendendo-se, grosso modo, desde o rio Faria, limite aproximado das antigas terras jesuíticas “de Iguaçu”, aos atuais bairros da Penha, Vila da Penha e Cascadura, assim como a fronteira ilha do Governador;

(4)   Irajá/Meriti, área que compreende os terrenos banhados pelos rios Pavuna, Meriti e Sarapuí e que se estende, pelo litoral da baía, desde o atual bairro de Brás de Pina até o distrito sede do município de Duque de Caxias, prolongando-se pelo interior até a antiga Piraquara (Realengo), no município do Rio de Janeiro, e até o distrito sede de Nova Iguaçu; engloba terras que hoje pertencem aos municípios do Rio de Janeiro, Duque de Caxias, Belford Roxo, São João de Meriti, Nilópolis, Nova Iguaçu e Mesquita;

(5)   Campo Grande/Guaratiba, área situada além de Piraquara e entre os maciços hoje conhecidos como da Pedra Branca e do Gericinó/Mendanha, um dos confins do termo da cidade àquela época, limítrofe ao território vicentino;

(6)   A “banda d’além”, topônimo que se referia, nos séculos XVI e XVII, a todas as terras localizadas à frente da cidade, do outro lado da baía, desde a foz do rio Guaxindiba, no atual município de São Gonçalo, até a oceânica Ponta Negra, em Maricá, limite do termo do Rio de Janeiro na direção da capitania de Cabo Frio, penetrando pelo interior, pelo vale do Guaxindiba, até o lugar conhecido como Ipiíba;

(7)   Tapacurá/Cacerebu, área que compreende, grosso modo, as terras servidas pelos tributários da margem esquerda do baixo Macacu, excluído o vale do Guaxindiba, estendendo-se por grande dos atuais municípios de Itaboraí e Tanguá;

(8)   A área que denominamos de Guaguaçu/Guapimirim, situada ao fundo da baía de Guanabara, que compreende, integral ou parcialmente, as bacias dos atuais rios Iguaçu (antigo Guaguaçu), Inhomirim, Suruí, Guapimirim e Guapiaçu, estendendo-se do litoral da baía até o divisor de águas da Serra do Mar.

Os engenhos do Rio de Janeiro dos séculos XVI e XVII
O Quadro 6 mostra o resultado final de todo o esforço empreendido.  Nela estão apresentados, de forma agregada, os somatórios das informações que obtivemos sobre um total de 156 engenhos cuja existência conseguimos identificar.  A tabela indica os totais de moendas que estavam em funcionamento na Capitania do Rio de Janeiro e em cada área produtora pelas treze décadas estudadas.

 
 
 
Quadro 6 
Engenhos em funcionamento na Capitania do Rio de Janeiro nos séculos XVI e XVII, por década, segundo as áreas produtoras 
Áreas Produtoras
1571- 1580
1581-1590
1591- 1600
1601- 1610
1611- 1620
1621- 1630
1631- 1640
1641-1650
1651-1660
1661-1670
1671-1680
1681-1690
1691 - 1700
Arredores da Cidade
1
1
1
4
7
8
7
7
6
6
4
4
5
Baixada de Jacarepaguá    
1
1
1
2
4
8
10
10
10
11
11
Inhaúma 
1
1
1
1
4
4
6
9
12
12
16
17
16
Ilha do Governador
Irajá      
2
2
5
11
28
29
32
35
37
38
Meriti 
Campo Grande     
1
1
3
4
3
6
7
9
10
8
10
Guaratiba
Banda d' além      
3
4
9
12
22
22
22
26
29
30
Tapacurá              
4
4
8
9
11
10
Cacerebu
Guaguaçu
1
1
1
1
2
3
6
14
16
15
11
12
11
Guapimirim 
Total
3
3
5
13
23
35
49
98
106
114
121
129
131
Fonte: Base de dados da Linha de Pesquisa de Geografia Histórica do Rio de Janeiro


Ao analisar esses dados, enfim exumados do esquecimento em que permaneceram por tanto tempo, a primeira conclusão a que chegamos é que houve um crescimento contínuo do número de engenhos por todo o período estudado, conforme indica a Figura 1.  Esse incremento foi notável na década de 1640, e pode, inclusive, ter tido início no decênio anterior, pois, como já explicado, é a partir dos anos quarenta que contamos com maior disponibilidade de informações.  Note-se, por outro lado, que o crescimento das moendas também ocorreu nas décadas que a historiografia considera como “de baixa do açúcar” (pós-1640) ou “de crise aguda” (1660 e 1670), o que nos leva a concluir, reforçando o que já disseram outros autores, que as teses que atrelam o desempenho das economias coloniais exclusivamente aos preços externos do açúcar e que apregoam uma decadência generalizada da agricultura canavieira na segunda metade do século XVII precisam, efetivamente, ser melhor discutidas.


Figura 1
Engenhos de açúcar em funcionamento na Capitania do Rio de Janeiro, por décadas - Séculos XVI e XVII

Fonte: Base de dados da Linha de Pesquisa de Geografia Histórica do Rio de Janeiro



Se analisarmos o número de moendas em funcionamento em cada década, vemos também que os totais a que chegamos são bastante próximos daqueles relatados por autores coevos.  Assim, as 35 moendas identificadas como unidades produtivas, ao final da terceira década do século XVII, se aproximam bastante dos 40 engenhos que Frei Vicente do Salvador afirmou estarem em funcionamento em 1627. [9]   A sintonia é ainda maior em relação aos totais apresentados por Antonil: apesar de não termos estendido a análise até o século XVIII, é muito provável que os 131 engenhos que identificamos para a última década do século XVII estejam incluídos nos 136 relatados pelo jesuíta para 1711. [10]

Se desagregarmos os dados pelas oito áreas produtoras, constatamos, por outro lado, que sua participação no conjunto da capitania fluminense foi diferenciada não apenas em termos espaciais como temporais.  Para tanto, contamos com o auxílio da Figura 2, que indica o comportamento de cada região produtora em relação à tendência geral da capitania, e da Figura 3, que mostra, de forma mais detalhada, o comportamento de cada região produtora em relação às demais.  Ao observarmos com atenção esses gráficos, chegamos a duas conclusões.  Em primeiro lugar, vemos que o crescimento ininterrupto do número de engenhos da capitania não foi acompanhado por todas as regiões produtoras, que tiveram seus próprios comportamentos através do tempo; todavia, como o crescimento de algumas áreas produtoras sempre superou o decréscimo de participação de outras, o resultado final foi sempre positivo.

Figura 2
Engenhos de açúcar em funcionamento na Capitania do Rio de Janeiro nos séculos XVI e XVII, por décadas, segundo as áreas produtoras

Fonte: Base de dados da Linha de Pesquisa de Geografia Histórica do Rio de Janeiro



Em segundo – e como era de se esperar - verifica-se uma relação direta entre a marcha do povoamento e o aparecimento de moendas.  Assim, até a segunda década do século XVII, os engenhos se concentram nos arredores da cidade (lagoa Rodrigo de Freitas, Catumbi) ou em áreas produtoras bastante acessíveis a ela pela baía de Guanabara (Inhaúma/Ilha do Governador e Banda d’além).  Todavia, com a progressão do povoamento e a melhoria das comunicações por terra, as moendas não apenas crescem em número como se interiorizam cada vez mais; só irão surgir na área de Tapacurá/Cacerebu, a mais distante da cidade, a partir da década de 1640.

Figura 3
Engenhos de açúcar em funcionamento na Capitania do Rio de Janeiro nos séculos XVI e XVII, por décadas, segundo as áreas produtora


Fonte: Base de dados da Linha de Pesquisa de Geografia Histórica do Rio de Janeiro



Entre as áreas produtoras, Irajá/Meriti constituiu, sem dúvida alguma, a maior zona açucareira da capitania no século XVII, seguida de perto pela Banda d’Além.  Com efeito, a concentração de engenhos nessas duas áreas produtoras se afirma desde a década de 1630.  Observe-se, por outro lado, que o crescimento de moendas ocorreu aí de forma constante.  Ao final do século XVII, localizavam-se em Irajá/Meriti e na Banda d’Além mais da metade dos engenhos fluminenses, a primeira concentrando 38 dos 131 engenhos em funcionamento (29% do total) enquanto que a Banda d’Além congregava outras 30 moendas (22,9%).  Note-se, por outro lado, que duas áreas produtoras perderam importância durante o período estudado.  A primeira foram os arredores da cidade, que concentravam boa parte das moendas nos primeiros tempos da capitania, mas que viram essa participação declinar sistematicamente a partir da terceira década do século XVII.  A outra foi a área produtora de Guaguaçu/Guapimirim, que apresentou movimento ascendente até a década de 1660, declinando a partir daí, tudo indicando que, se alguma área foi seriamente afetada pelas turbulências econômicas da segunda metade do século XVII, certamente foi esta.


Considerações finais

É imprescindível que sejam realizados maiores esforços de pesquisa sobre o Rio de Janeiro do século XVII.  Embora a documentação ainda existente seja reduzida, em comparação àquela do século XVIII, é certo que ela não foi explorada o suficiente e que ainda pode revelar muitos segredos sobre o processo histórico de formação da sociedade e do território fluminense.  Isso exige, entretanto, que o investimento em pesquisa de base, isto é, em pesquisa que vai direto às fontes primárias, seja intensificado.  Trata-se de esforço considerável, não apenas pelo que significa em tempo alocado à coleta de dados, mas também no que concerne à reunião ordenada dessas informações, que estão hoje dispersas por diversas fontes documentais e precisam ser relacionadas umas com as outras para que possam fornecer as respostas que buscamos.

Com este trabalho, esperamos ter contribuído para preencher algumas das lacunas que ainda existem sobre o Rio de Janeiro seiscentista.  Sustentados por uma rica base de dados, que demandou mais de uma década para ser concluída, logramos ir além da mera citação dos quantitativos de moendas, fornecidos por Frei Vicente do Salvador e por Antonil, e conseguimos reconstituir o notável processo de crescimento de engenhos que teve lugar na capitania durante o século XVII.  Fomos capazes também de identificar onde e quando esse processo se materializou no espaço.  Todavia, muitas outras questões desse antigo mundo dos engenhos ainda restam para ser discutidas e exigem esforços adicionais de investigação.

Ao apresentar detalhadamente a metodologia utilizada para a construção da base de dados que logramos produzir, que será publicada em breve sob a forma de instrumento de pesquisa, acreditamos ter também oferecido os elementos que venham a permitir o seu futuro aprimoramento, que dependerá, entretanto, da continuidade do esforço de levantamento de fontes primárias e de sua correta interpretação.


Notas


[1] Trabalho realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação Carlos Chagas Filho do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

[2] Sabe-se que, até 1644, não havia obrigatoriedade de escrita contábil, pois data daquele ano a carta em que o provedor da fazenda do Rio de Janeiro, Francisco da Costa Barros, sugeriu à Coroa que obrigasse os senhores de engenho a “ter livro de assentamento da produção, com folhas numeradas e assinadas, para maior controle da arrecadação dos dízimos”.  Não sabemos, entretanto, quando essa prática efetivamente se iniciou. Cf. AHU-RJ, Caixa 2, Nº 42.

[3] A tese de que as realidades econômicas da colônia não devem ser explicadas exclusivamente pelas conjunturas externas vem sendo defendida já há algum tempo por Fragoso e por Florentino.  Ver Fragoso, 1992; Fragoso e Florentino, 1993; Florentino, 1991.

[4] Ver, entre outras contribuições: Bicalho, 1997; Soares, 1997; Cavalcanti, 1997; Almeida, 2000.

[5] No Brasil, o levantamento foi realizado, sobretudo, no Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional, Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Arquivo da Cùria Metropolitana do Rio de Janeiro, Arquivo do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, Arquivo da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro e Arquivo Público do Estado de São Paulo.  Em Portugal, o levantamento foi realizado no Arquivo Histórico Ultramarino e no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.  A consulta no Vaticano limitou-se ao Archivum Romanum Societatis Iesu (Companhia de Jesus).

[6] Ao final do século XVII, o Rio de Janeiro possuía quatro ofícios de notas.  Dos livros cartoriais que ainda existem, 39 pertenceram ao 1º Ofício (mas três deles estão hoje completamente destruídos), um livro pertenceu ao 3º Ofício e os cinco restantes foram originalmente produzidos pelo 4º Ofício.  Nenhum livro do 2º Ofício, anterior ao século XVIII, logrou chegar aos nossos dias.  Alguns dos livros do 1º Ofício foram transcritos, no início do século XX, por paleógrafos do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, que fizeram extratos sumários das escrituras neles contidas.

[7] É também possível que, em alguns poucos casos, informações de épocas distintas, referentes à mesma moenda, tenham sido computadas separadamente, como se pertencessem a engenhos diferentes.  Esse problema, entretanto, se existiu, só afetou o histórico dominial do engenho e não a tabela de freqüência que será utilizada mais adiante, pois esta última irá computar corretamente a existência da moenda, tanto no período anterior como no posterior.

[8] Utilizamos como base cartográfica de análise o território da capitania que efetivamente existiu no século XVII, isto é, excluídas as áreas que foram incorporadas à capitania de Cabo Frio depois da criação dessa última.

[9] Identificamos, na realidade, 36 engenhos em funcionamento na década de 1620-1630.  Todavia, excluímos desse total o engenho erguido nessa década por Martim de Sá em Mangaratiba, que sabemos ter estado em produção, pelo menos, até 1645, por estar ele claramente inserido na capitania vicentina, e não na do Rio de Janeiro.  Cf. AHU-RJ, Caixa 2, Nº 57.  Note-se, por outro lado, que os totais identificados para a década de 1650 indicam a existência de um número de engenhos bem maior do que as moendas relatadas por Joost Vrisbeger von Cassel, soldado holandês que fora enviado ao Rio de Janeiro depois da convenção celebrada em 26/1/1654, que pôs fim ao domínio holandês.  Ao voltar à Holanda, prestou um depoimento em 10/5/1655, ocasião em que afirmou ter residido  “no engenho de Antonio Verbados (sic), coronel das ordenanças”, que não conseguimos identificar, e que havia nas redondezas do Rio “67 fábricas de açúcar”.  Cf. Fazenda, 1924, p. 379.

[10] No total apresentado por Antonil devem estar incluídos três engenhos que não foram considerados por nós.  O primeiro é o que pertencia, em 1698, a Francisco Fernandes Dorlando (ou Drummond), que não incluímos em nossa análise por estar localizado em Araruama.  Os outros dois, por sua vez, só teriam surgido no século XVIII: trata-se do engenho de Nossa Senhora do Pilar, localizado em Guaratiba, propriedade do Tenente-General Antonio Carvalho de Lucena, cuja primeira informação obtida é de 1713, e de um engenho sem identificação, erguido na ilha da Madeira, junto a Itaguaí, e pertencente em 1708 a Maria da Fonseca. Cf. AN, 1ON, 62, f. 10v; AN, 1ON, 81, f. 46v; AN, 1ON, f. 143v.



Fontes Primárias

AHU-RJ – Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa.  Avulsos do Rio de Janeiro.  Caixa 2, Nº 42; Nº 57.

AN, 1ON – Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.  Cartório do 1º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, Livros Nº 62, Nº 81.

Bibliografia

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de Almeida.  Os índios aldeados no Rio de Janeiro colonial - Novos súditos cristãos do Império Português.  Campinas, Unicamp, 2000 (Tese de doutorado).  Publicada como Metamorfoses indígenas: identidades e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro.  Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.

ANTONIL, André João Antonil (João Antônio Andreoni, S.J.). Cultura e opulência do Brasil.  3ª edição. Belo Horizonte e São Paulo: Editora Itatiaia e Editora da Universidade de São Paulo, 1982 [1711].

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Ficha bibliográfica:

ABREU, M. de A. Mauricio de Almeida Abreu.  Um quebra cabeça (quase) resolvido: os engenhos da capitania do Rio de Janeiro, séculos XVI e XVII. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales.  Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2006, vol. X, núm. 218 (32). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-218-32.htm> [ISSN: 1138-9788]