Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. 
ISSN: 1138-9788. 
Depósito Legal: B. 21.741-98 
Vol. XI, núm. 245 (36), 1 de agosto de 2007
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana
]

Número extraordinario dedicado al IX Coloquio de Geocritica


PolÍticas pÚblicas de conservaÇÃo sÓcio-ambiental na AmÉrica Latina. os casos da BolÍvia e do MÉxico
1


Wagner Costa Ribeiro
Departamento de Geografia
Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental - PROCAM
Universidade de São Paulo
wribeiro@usp.br


Políticas públicas de conservação sócio-ambiental na América Latina : os casos da Bolívia e do México (Resumo)

Países como Bolívia e México dispõem de elevada diversidade biológica. Outra característica comum a eles é a presença de um importante contingente de povos indígenas entre sua população, muitos dos quais vivem em áreas protegidas. Este trabalho objetiva demonstrar as políticas ambientais desenvolvidas pelos dois países para a conservação da biodiversidade antes e depois da Convenção sobre Diversidade Biológica. Para tal, analisa as principais políticas implementadas nos países latino-americanos. Conclui-se que a Bolívia priorizou com mais sucesso a manutenção das comunidades tradicionais nas áreas naturais protegidas.

Palavras-chave: políticas públicas, conservação sócio-ambiental, América Latina.


Políticas públicas de conservación socioambiental en América Latina : los casos de Bolívia y México (Resumen)

Los países como Bolivia y México disponen de elevada diversidad biológica. Otra característica común en ambos países es la presencia de un contingente importante de los indígenas entre sus poblaciones, muchas de quienes vives en áreas de protección. Este trabajo objetiva demostrar la política ambiental desarrollada por los dos países para la conservación de la biodiversidad antes y después de la Convención sobre Diversidad Biológica. Para tales, analiza las principales políticas puestas en ejecución en estos países latinoamericanos. Concluye que Bolivia dio la prioridad con más éxito al mantenimiento de las comunidades tradicionales en las áreas naturales protegidas.

Palabras-clave: políticas públicas, convervación socioambiental, América Latina.


Public policies of social and environmental conservation in Latin América: cases of Bolívia and México (Abstract)

Countries as Bolivia and Mexico make use of high biological diversity. Another common characteristic in both countries is the presence of an important contingent of Indians people between its populations, many of which live in protecting areas. This work objective demonstrates the environmental politics developed by the two countries for the conservation of biodiversity before and after the Convention on Biological Diversity. For such, it analyzes the main politics implemented in these Latin American countries.  It concludes that Bolivia prioritized with more success the maintenance of the traditional communities in the protected natural areas.

Key-words: public policies – social and environmental convervation – Latin America.



Países da América Latina, como a Bolívia e o México, são considerados megadiversos, ou seja, estão entre os que dispõem de elevada diversidade biológica em seus territórios. Este acervo de informação genética gera interesses diversos, que podem atender suas realidades sociais e de outros países (Santos, 2001). Este estoque de informação confere e estes países uma posição estratégica na geografia política dos recursos naturais (Ribeiro, 2004). Além disso, apresentam outra peculiaridade comum: a presença de muitos povos indígenas.

Estas características os tornam atraentes para uma análise de suas políticas de conservação ambiental. Trata-se de dois casos que não podem ser comparados, mas que devem ser conhecidos por conseguirem conciliar conservação biológica e o papel de suas comunidades locais. Na perspectiva de Martinez-Alier (2004), a Bolívia, mais que o México, deu voz à população local em suas políticas públicas ambientais.

A análise de políticas de conservação ambiental aplicadas à realidades latino-americanas indica caminhos que podem resultar em ganhos para a população marginalizada  destes países. Mas é preciso ser realista e ter claro que o sucesso das políticas conservacionistas podem também atender apenas a interesses de países centrais, que buscam apenas e tão somente matrizes para novas descobertas de materiais, alimentos e remédios. Neste caso, as ações dos governos endossaram o regime de acumulação desigual em curso e se perdeu nova oportunidade de promover a inclusão social em países pobres.

Este trabalho analisa as principais políticas públicas ambientais voltadas à conservação ambiental na Bolívia e no México. Como marco temporal, se adotou a Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB, para avaliar seu impacto nas instituições dos dois países. Para tal, se baseou em documentos disponíveis na rede mundial de computadores e em análises de autores dos países estudados.

A Bolívia

A Bolívia é um país complexo que dispõe de vários sistemas naturais em seu território2. Isso propicia a ocorrência de uma elevada diversidade biológica. A tabela 1 destaca a participação boliviana em espécies endêmicas em relação ao mundo. Verifica-se a segunda posição mundial da Bolívia na ocorrência de Cactaceae, e a quinta entre as aves endêmicas.

Tabela 1
Bolívia: espécies endêmicas


Espécies

Quantidade
aproximada

Taxa de
Endemismo ( por cento)

Participação no total mundial

Anfíbios

155

15 - 20

-

Aves

1.385

-

5º - 6º

Cactaceae

320

74

Mamíferos

319

4 - 5

10º

Orchidaceae

1.330

20 - 25

7º - 9º

Peixes

500

-

-

Plantas vasculares

18.000 - 19.000

20 - 25

10º - 11º

Répteis

229

7 - 8

15º - 16º

Fonte: MINISTERIO DE DESARROLLO SOSTENIBLE Y PLANIFICACIÓN, 1997: 4.
Organização: Maria Angela Comegna, 2006.

A presença da biodiversidade boliviana decorre da diversidade geográfica do país. Destacam-se quatro grandes sistemas naturais: Amazônia, Andes, Chaco e Cerrado. Além disso, a variação de altitudes, que vão de próxima ao nível do mar no pantanal boliviano até mais de 5000 m em alguns pontos nos Andes, oferece uma ampla gama de variação de temperatura que colabora na ocorrência de várias formas de vida.

Entre os cultivares, o destaque fica para a batata. São listadas mais de 300 espécies na Bolívia, adaptadas às mais diversas condições de produção. Elas são cultivadas no altiplano andino, onde se adaptaram ao frio, mas também em áreas mais baixas com temperaturas mais elevadas e maior oferta hídrica.

Outro aspecto singular àquele país é a quantidade de população indígena. Os cerca de 4.200.000 bilíngues (nativo-espanhol), que caracterizaria tanto os indígenas quanto os que se afirmam seus descendentes, correspondem a mais de 50 por cento da população total da Bolívia. A distribuição geográfica dessas pessoas é desigual. Metade está em áreas indígenas tradicionais, cerca de 3 por cento em áreas de colonização e 47 por cento vivem em cidades (Comunidad Andina de Naciones a, 2001:16).

Estima-se que existam povos indígenas vivendo em 90 por cento das áreas protegidas da Bolívia. Eles estão tanto no interior de unidades de conservação quando em zonas de amortecimento. Porém, muitos acabam migrando às cidades ou mesmo para outras partes do território. As conseqüências são drásticas:

La realidad actual es que la población indígena sobrevive al margen del desarrollo en una sociedad que no promueve politicas adecuadas para los grupos étnicos. En los últimos 15 años han desaparecido al menos cuatro grupos indígenas que vivian en las tierras bajas (los simonianos, los toromonas, los bororos y los joras). Además, otros grupos, como los chimanes, los mojos y los movinas están enfrentando actualmente las amenazas de la colonización por parte de emigrantes de zonas andinas (Yasarekomo, s.d.:3).

Estas condições permitem a autores como José Martínez (2002), o poeta quíchua e especialista em cultura latino-americana Ariruna Maldonado (2005) e o sociólogo Andrés Aranda (2002), afirmarem que a Bolívia é um país multicultural. Porém, existem divergências entre eles que se espelham na forma como se autodenominam.

O termo 'indígena' na Bolívia se refere principalmente aos habitantes das regiões Amazônica e do Chaco. Os povos do Altiplano, devido às suas características culturais e produtivas, sua organização política e percepção da própria identidade étnica, são classificados e se autodenominam como 'campesinos' (Yasarekomo, s.d.:1) (Comegna, 2006:70).

A biodiversidade a a socio-diversidade da Bolívia fazem com que a regulação internacional do acesso à biodiversidade e ao conhecimento tradicional interesse diretamente ao país. Por isso a Bolívia ratificou a CDB em 25 de julho de 1994, que se relaciona à

Constituição Política do Estado, nos artigos 136 e 170, principalmente, na Ley del Medio Ambiente, lei n. 1333, artigos 29, 46, 52 e 68 (de 23 de março de 1992 e promulgada em 27 de abril do mesmo ano (Comegna, 2006:52).

Pode-se claramente apreender a influência da CDB no país desde 1993, quando foi realizada uma reforma ministerial que criou o Ministerio de Desarrollo Sustenible y Medio Ambiente. O nome desse ministério já evidencia o quanto a CDB repercutiu no país por meio do uso do polêmico desenvolvimento sustentável3. Aliás, essa em si já é uma justificativa para se estudar as implicações dessa expressão, que acabou norteando diversas políticas públicas ambientais. Entre as atividades desse Ministério estava a conservação da diversidade biológica, que acabou destinada a um órgão: a Dirección General de Biodiversidad (Comegna, 2005).

A instabilidade política que assolou a Bolívia levou a outra reforma ministerial, em 1997, da qual resultou o Ministerio de Desarollo Sostenible y Planificación. Porém, foi mantida a Dirección General de Biodiversidad que deve aplicar a CDB no país, que também deve “promover a participação das comunidades locais e a iniciativa privada voltada ao uso sustentável dos recursos da biodiversidade” (e) estabelecer “mecanismos para a distribuição justa e equitativa dos benefícios originários do uso de recursos da biodiversidade associados aos conhecimentos e práticas tradicionais de comunidades locais” (Comegna, 2006:58). Fica explícita a preocupação com as comunidades tradicionais do país.

É difícil definir com exatidão o que é conhecimento tradicional. Muitas vezes ele está associado a valores espirituais das comunidades e não podem simplesmente ser associado e/ou apropriado pela ciência Ocidental. A ausência de uma definição clara do conhecimento tradicional fornece argumento para muitos que o interpretam como um bem comum que estaria alheio aos regimes de patentes. Essa interpretação demonstra o cinismo de alguns, que não hesitam em usar a fragilidade da ciência Ocidental, incapaz de definir uma maneira de gerar conhecimento coletiva, para se apropriar de instrumentos sociais desenvolvidos por muitos seres humanos ao longo de séculos.

A Comunidad Andina de Naciones – CAN, que congregou Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela4, estabeleceu um Regime Comum Andino de Acesso aos Recursos Genéticos, por meio da Decisión 391, de 1996. Porém, ela preconiza que cabe a cada Estado estabelecer a regulamentação e implementação daquela Decisão.

O Decreto 24676, de 1997, que está em conformidade com a CDB, foi o instrumento criado pela Bolívia para regulamentar a Decisión 391 no país. Este documento preconiza que o acesso a recursos genéticos e ao conhecimento associado a ele deve ser consolidado por contrato entre o Estado, por meio da Autoridade Nacional Competente e o solicitante do acesso. Ou seja, as comunidades tradicionais ficaram à margem, fato que gerou mobilização e a revisão do Decreto 24676 por meio do Decreto n. 25929, de outubro de 2000. Além disso, os artigos 1 e 171 da Constituição boliviana, originalmente promulgada em 02 de fevereiro de 1967 e reformada em 06 de fevereiro de 1995, reconhece que o país é multi étnico e a personalidade jurídica das comunidades indígenas e camponesas, o que pode facilitar a repartição de benefícios entre empresas e comunidades locais.

A gestão dos recursos genéticos da Bolívia, em conformidade à Decisão 391 e relativos à agrobiodiversidade, compete aos Ministérios de Desarrollo Sostenible y Planificación (por meio da Dirección General de Biodiversidad) e do Ministério da Agricultura, Ganaderia y Desarrollo Rural.

O acesso aos recursos também é regulado por outras normativas: a Ley nº 1333 de Medio Ambiente (Congreso Nacional 1992), de 1992 e a Decisión 486: Régimen Común sobre Propiedad Industrial del Acuerdo de Cartagena (Comunidad Andina 2002 a), sob a competência do Viceministerio de Industria y Comercio, a Autoridade Nacional Competente e a Secretaria Nacional de Propiedad Intelectual.

A presença da Bolívia na CAN permitiu estabelecer uma norma regional para acesso aos recursos genéticos e conhecimento associado. Porém, ela é insuficiente para garantir o repasse às comunidades locais dos benefícios gerados. A existência de um complexo corpo legislativo regional, por meio da CAN, e suas repercussões nacionais dificulta a salvaguarda dos interesses das comunidades indígenas do país.


O México

O México encontra-se em uma zona de transição biogeográfica, uma das razões de sua elevada diversidade biológica5. Trata-se de uma área de contato entre a América do Sul e Central e a América do Norte. Por isso, combina elementos tropicais e elementos de clima temperado.

Além disso, alterações climáticas ocorridas no Pleistoceno corroboram as explicações da presença de tal biodiversidade. Naquele período, verificou-se uma expansão da quantidade de espécies adaptadas ao frio, mas também a presença de espécies de climas tropicais que ocuparam áreas restritas, conhecidas como refúgios pleistocênicos. A partir destes refúgios houve uma dispersão das espécies ao final do período glacial (CONABIO,  1998).

Segundo a Comisión Nacional para el Conocimiento y Uso de la Biodiversidad –CONABIO, (CONABIO, 1998), encontram-se seis zonas ecológicas no país, conforme a tabela 2:

Tabela 2
México: Zona ecológica e área ocupada

Zona
Ecológica

Área ocupada
no país - por cento

Tropical quente e úmido

11

Tropical quente sub-úmido

17,5

Temperada úmida

1

Temperada sub-úmida

19,7

Árida e semi-árida

50

Zona inundável ou transição mar-terra

0,9

Fonte: CONABIO, 1998.

No que diz respeito à ocorrência de espécies conhecidas no mundo, o México ocupa o primeiro lugar na presença de répteis e o segundo em relação aos mamíferos. Além disso, é o quarto quando se avalia a oferta de plantas e anfíbios (CONABIO, 1998). Entre os protozoários, 2,4 por cento das espécies conhecidas no mundo foram catalogadas no país. Em relação aos fungos, 9 por cento do total está no México e cerca de 12 por cento das aves do mundo estão no país. Por fim, registra-se a presença de muitos peixes marinhos endêmicos, por volta de 20 por cento no Golfo da Califórnia, 15 por cento no Caribe mexicano, no Golfo de Tehuantepec e no norte do Golfo do México.

A distribuição geográfica das espécies endêmicas está concentrada em quatro estados: Oaxaca, Chiapas, Veracruz e Guerrero. A tabela 3 indica a presença de espécies vertebradas no México.

Tabela 3
México: ocorrência de vertebrados em relação ao mundo


Grupo

Espécies¹

Participação no total  Mundial - por cento²

Peixes

2.122

8.72

Anfíbios

290

7.22

Répteis

704

10.8

Aves

1.054

10.54

Mamíferos

491

11.7

Total

4.661

9.42

                                    1 Número total de espécies registradas no México.
2 Porcentagem do total de espécies do mundo que se encontram no México. 
Fonte: CONABIO, 1998.
Org. Renata Smocowisk Miranda, 2004.

Os dados acima confirmam a elevada biodiversidade mexicana, fato que justifica a implementação de políticas públicas ambientais voltadas à sua conservação.

Segundo Carabias e Provencio (1994), a periodização das políticas ambientais no México pode ser disposta em três períodos: o primeiro, desde  1970 a 1982, sob influência da Conferência das Nações Unidas para o Meio-Ambiente Humana, realizada em Estocolmo, em 1972, o segundo de 1983 a 1991 e o terceiro a partir de 1992, marcado pela Conferência das Nações Unidas para o Meio-Ambiente e Desenvolvimento – CNUMAD, realizada no Rio de Janeiro em 1992.

Um dos marcos do primeiro período foi a Ley Federal de Prevención y Control da Contaminación Ambiental, de 1971, voltada à fiscalização de atividades poluidoras.  Neste mesmo ano foram revistas e ampliadas as atribuições do Consejo de Salubridad General, que também passou a prevenir e combater a contaminação ambiental. No ano seguinte foi criada a Subsecretaría de Mejoramiento del Ambiente, órgão da Secretaría de Salubridad e Asistencia. Observa-se claramente que a área ambiental estava associada à de promoção da saúde. Além disso, as Secretaría de Assentamientos Humanos y Obras Públicas e a Secretaría de Agricultura y Recursos Hidraulicos (SARH) - atuaram, de modo incipiente, no planejamento de ações ambientais, em especial naquelas voltadas à produção florestal.

Já o segundo período contou com a criação de órgãos que indicavam preocupações ambientais. Por exemplo, o Plan Nacional del Desarrollo (PND), que definiu metas para o período de  1983 a 1988, dedicou um capítulo à proteção ambiental. Também foi criada a Secretaría del Desarrollo Urbano y Ecológico (SEDUE) que passou a atuar na conservação ambiental e no planejamento da política ambiental (Carabias e Provencio, 1994). A SEDUE passou a contar também com uma Subsecretaría de Ecología.

Coube à esta Subsecretaría a elaboração do Programa Nacional de Ecología, que teve como alcance os anos de 1984 a 1988. Ele passou a definir responsabilidades ambientais no México, bem como permitiu identificar a responsabilidade pela deterioração ambiental.

Porém, em 1988 foi criada a Ley General del Equilibrio Ecológico y la Protección al Ambiente – LGEEPA, que representou um compromisso maior com a conservação da biodiversidade. Entretanto, ela foi superada pelas diretrizes da CNUMAD, o que levou à sua revisão em dezembro de 2001. A LGEEPA é o principal instrumento jurídico à disposição no México para a proteção ambiental. No segundo título dessa lei, que tem como título  Biodiversidad, estão as diretrizes para as políticas de conservação ambiental.

O terceiro período é marcado por alterações institucionais, a partir de 1992. como a reestruturação da SEDUE, que passou a ser chamada de Secretaría de Desarrollo Social (SEDESOL). O novo órgão passou a cuidar de políticas de desenvolvimento social, incluindo a dimensão ambiental. Ou seja, houve uma incorporação da temática ambiental às políticas  sociais no  Programa Nacional de Solidaridad, desenvolvido pela SEDESOL.

Além disso, a SARH se tornou a gestora de parques nacionais, zoológicos e jardins botânicos. Em relação aos ambientes lacustres, marinhos e costeiros, a gestão passou a ser da Secretaría de Pesca (SEPESCA).

Mesmo com este esforço institucional de promover uma reunião de aspectos sociais e ambientais, uma das características da CNUMAD (Ribeiro, 2001), autores como Carabias e Provencio apontam que não houve a criação de “normas e critérios ecológicos para conservar e aproveitar os recursos, preservar e restaurar a qualidade do ambiente” (Carabias e Provencio, 1994: 412 ).

Além disso, a LGEEPA criou a CONABIO, em 1992, que passou a coordenar as ações referentes à biodiversidade no país. Este é o principal destaque do terceiro período da institucionalização ambiental mexicana.

A CONABIO é um órgão intersetorial que tem como meta organizar informações sobre biodiversidade no país. Também tem como objetivo estabelecer políticas de conservação ambiental da biodiversidade e elaborar os relatórios nacionais enviados à secretaria da Convenção sobre Diversidade Biológica.

Uma das atribuições da CONABIO é manter atualizado o Sistema Nacional de Informacción de la Biodiversidad (SNIB). Além disso, elaborou os principais documentos mexicanos enviados à Secretaria Geral da CDB, como La Diversidad Biológica de Mexico, de 1998, e a Estrategia Nacional sobre Biodiversidad de Mexico, de 2000. Por fim, coube a CONABIO desenvolver o  Plan de Acción Nacional, cujo objetivo é implementar a Estrategia Nacional sobre Biodiversidad de Mexico.

A implementação do Corredor Biológico Mesoamericano – México (CBMM) foi uma de suas maiores realizações da CONABIO. Além disso, é a Autoridade Nacional Mexicana da Convención sobre el Comercio Internacional de Especies Amenazadas de Fauna y Flora Silvestres (CITES, por sua sigla em inglês), responsável pelo Mecanismo de Facilitação da CDB, que visa possibilitar o intercâmbio científico e tecnológico,  e pelo Órgano Subsidiario de Asesoramiento Científico, Técnico y Tecnológico (OSACTT), que assessora a CDB. A articulação da Red Mexicana de Información sobre Biodiversidad (REMIB) foi mais uma tarefa desenvolvida pela CONABIO. Ela congrega órgãos e organizações não governamentais que atuam na conservação biológica.

Se a CONABIO voltou a maior parte de suas atividades à representação externa do México em relação à conservação da biodiversidade, coube à Secretaria del Medio Ambiente y Recursos Naturales  (SEMARNAT), atuar na escala nacional para a conservação ambiental em sentido mais amplo. Isto não quer dizer que não deixou de atuar inclusive na proteção à biodiversidade.

Entre os principais objetivos da SEMARNAT estão proteger e conservar os sistemas naturais ameaçados, evitar a contaminação do solo, da água e do ar, desenvolver políticas públicas ambientais que atraiam o governo, a sociedade e empresas e fortalecer a presença da sociedade civil em programas de conservação e educação ambiental. Também cabe à ela fiscalizar o cumprimento da legislação ambiental.

O Plan Nacional del Medio Ambiente y Recursos Naturales – PNMARN – é um dos resultados da ação da SEMARNAT. Ele está dividido em quatro grandes eixos de ação: evitar a contaminação dos sistemas vitais à vida (ar, água e solo); controlar a perda de recursos naturais, como os florestais; proteger a diversidade biológica, por meio da gestão das áreas naturais protegidas; e, promover o desenvolvimento sustentável. Para tal, permite inclusive a elaboração de programas setoriais, como os voltados aos recursos hídricos ou à proteção de florestas.

Por fim, coube também à SEMARNAT desenvolver o Sistema Nacional de Información Ambiental y Recursos Naturales (SNIARN). Por meio dele foi possível reunir a documentação gerada pela academia, órgãos governamentais e entidades da sociedade civil envolvidos com a temática ambiental no país.

O México criou uma série de instituições voltadas à conservação ambiental. Fica marcada a influência externa na definição de suas políticas públicas ambientais, em especial por meio das grandes reuniões da ONU sobre meio-ambiente. Esta série de órgãos conseguiu propor planos de ação em escala nacional e gerar documentos que são difundidos ao público externo. Também foi possível envolver a sociedade civil.


Considerações finais

Conhecer as políticas públicas aplicadas na Bolívia e México pode indicar alternativas para a conservação da diversidade biológica bem como para a manutenção das comunidades locais que vivem nelas ou em seu entorno. Eles possuem grande estoque de informação genética e comunidades locais em seu território. As diferenças começam quando se analisam as estratégias de conservação e de participação da população na gestão dos recursos genéticos bem como os ajustes promovidos para adequar a legislação nacional à CDB.

No caso do México, a Ley General del Equilibrio Ecológico y la Protección al Ambiente – LGEEPA é anterior à CNUMAD. Porém, foi revista após a ratificação da CDB pelo país. O principal órgão criado foi a CONABIO, que passou a coordenar os trabalhos de conservação ambiental.

Já a Bolívia contou com um importante apoio na Comunidad Andina de Naciones – CAN, que estabeleceu em 1996, apenas quatro anos após a reunião do Rio de Janeiro, uma norma regional para países andinos. Depois, em 2000, reviu a lei que regulamentou o acesso à informação genética e ao conhecimento associado para incorporar as comunidades locais na gestão desse patrimônio.

É evidente que a alteração da estrutura administrativa e de gestão ambiental no México foi mais profunda que na Bolívia. Instituições foram criadas, planos diversos elaborados, porém, não foram contemplados aspectos como a presença e participação das comunidades tradicionais da mesma forma que na Bolívia. Por outro lado, o país da América do Sul conseguiu envolver sua comunidade indígena, mas ficou refém da alternância do poder, em especial nas últimas décadas, quadro que pode vir a se alterar nos próximos anos. Porém, ainda é prematuro afirmar que o atual governo promoverá a estabilização democrática. Mas dado suas características, espera-se que não se alterem as políticas conservacionistas que privilegiaram as nações indígenas.

Os modelos de conservação ambiental aplicados em cada país remontam ao final do século XIX, quando foram instituídos Parques Nacionais com o objetivo de proteger a natureza. De lá para cá houve uma sofisticação no elenco de possibilidades territoriais para delimitar uma área protegida que repercutiu no mundo todo. Além disso, não se verificou nos casos analisados qualquer forma de cooperação a partir da CDB. A adesão dos dois países a esta Convenção internacional alterou suas instituições, mesmo que sem apoio externo.

Mas persiste a discussão sobre o papel das comunidades locais na conservação ambiental, cuja participação na gestão das áreas naturais protegidas é polêmica. Porém, ela está mais avançada na Bolívia, que conseguiu garantir a elas uma presença marcante na gestão dos recursos genéticos que ocorrem em seu território.

Tanto o México quanto a Bolívia podem inspirar países latino-americanos na busca de alternativas à gestão democrática dos recursos naturais. O primeiro exemplo, pela renovação institucional. O outro, pelo acerto na definição de uma legislação que contempla os direitos dos povos indígenas de seu país.


Notas

[1] Resultado da pesquisa Análise comparativa das políticas públicas de conservação sócio-ambiental na América Latina, financiada pelo CNPq.                                                                                                             

[2] Para uma análise detalhada das políticas de conservação ambiental da Bolívia ver Comegna, 2006.

[3] Para uma interpretação do desenvolvimento sustentável ver Sachs (1994 e 2002) e Leff (2000). Guimarães (1997), aborda as possibilidades de aplicação deste conceito em políticas públicas. Já Faladori (2001) e Gonçalves (1989) são críticos a esta idéia, tema que foi também discutido por Ribeiro (2001a e 2002). Para este autor, o desenvolvimento sustentável ao menos representa uma alternativa ética para nortear as ações do presente e suas conseqüências para as gerações futuras (2001).

[4] A Venezuela retirou-se deste bloco em abril de 2006.

[5] Para uma análise das políticas públicas ambientais do México ver Miranda, 2004.

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Ficha bibliográfica:

RIBEIRO, Wagner COSTA. Políticas públicas de conservação sócio-ambiental na América Latina : os casos da Bolívia e do MéxicoScripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.   Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2007, vol. XI, núm. 245 (36). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-24536.htm> [ISSN: 1138-9788]


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