Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. 
ISSN: 1138-9788. 
Depósito Legal: B. 21.741-98 
Vol. XI, núm. 245 (44), 1 de agosto de 2007
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

Número extraordinario dedicado al IX Coloquio de Geocritica

PERDAS E GANHOS NA PRODUÇÃO IMOBILIÁRIA: UMA AGENDA PÚBLICA PARA O FUTURO [1]


Angela Lúcia de Araújo Ferreira
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
angela.ferreira@pq.cnpq.br

Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
alexsandroferreira@hotmail.com

Perdas e ganhos na produção imobiliária: uma agenda pública para o futuro (Resumo)

As regiões metropolitanas do Nordeste estão gradualmente sendo inseridas em um cenário de investimentos internacionais, motivados pela reestruturação dos setores turístico e imobiliário. Os “novos” capitais, agentes imobiliários e configurações espaciais resultantes deste processo indicam a necessária construção e implementação de instrumentos públicos que permitam minorar, pelo menos, os impactos urbanos e perdas ambientais decorrentes desse cenário. Com base em análises já realizadas para a Região Metropolitana de Natal – RN, este trabalho delineia algumas reflexões sobre os possíveis instrumentos legais passíveis de serem ajustados aos municípios impactados pelo fenômeno peculiar e recente à região, provocado pela chegada do capital “imobiliário-turístico”. Pretende-se apontar proposições básicas às formas de intervenção pública, em um panorama especulativo, a partir de um Planejamento Metropolitano para médio e longo prazo.

Palavras-chave: turismo, setor imobiliário, planejamento metropolitano, Nordeste (Brasil).


Losses and gains in real-estate development: a public agenda for the future (Abstract)

The metropolitan regions of Northeast Brazil are being gradually included in a scenario of international investments, which are motivated by the restructuring of both touristic and real-estate sectors. The “new” capital, real-estate developers and space configurations that result from this process indicate the need for the creation and implementation of public tools which should at least allow for decreasing urban impacts and environmental losses resulting from this situation. Based upon analysis already undertaken for the Metropolitan Region of Natal – RN, this paper presents some considerations on possible legal instruments that can be adjusted to the municipalities which are experiencing the impact of this peculiar and recent phenomenon in the region, caused by the arrival of real estate capital incorporated into the touristic sector. Its purpose is to point out basic propositions to the existing public intervention forms within a speculative context that considers medium and long-term Metropolitan Planning.

Key words: tourism, real-estate sector, metropolitan planning, Northeast (Brazil).


A compreensão sobre a dinâmica econômica do Nordeste brasileiro, passa hoje pela análise da dinâmica do mercado imobiliário e do setor turístico.  O “turismo imobiliário”, como o mercado vem denominando, é uma das chaves interpretativas para o cenário econômico do Nordeste atual. Não que os setores agrícola, de pesca, industrial ou petroquímico deixaram de ser relevantes – pelo contrário – mas sua posição e importância na circulação, acumulação de capital, emprego e renda passa a ser modificada. Qual o grau dessa modificação, e quão “durável” é este novo cenário?

A guerra fiscal entre os estados encontra no fator locacional das “raridades” – no sentido de singularidade dos espaços geográficos valorizados pela sua “beleza cênica paisagística” – um ponto de diferenciação no ambiente de competição e na relação Empresa-Estado, permitindo que não apenas a isenção de impostos e doação de terrenos para plantas industriais sejam relevantes. A própria natureza física (geográfica) e os recursos naturais dos estados são ativos de capitalização ao investidor “imobiliário-turístico”, possibilitando aos governos com poucos recursos econômicos, competir com estados mais ricos. A flexibilidade dos capitais e sua capacidade de investimento no ramo hoteleiro ou imobiliário, acionam setores até então restritos às grandes cidades, como os de marketing, consultorias, administração de imóveis, design, agências de viagem, entre outros. As oportunidades de crescimento e expansão da rede urbana são perceptíveis.

Por outro lado, estas novas oportunidades trazem desafios ou reforçam desigualdades sócio-espaciais existentes, principalmente para as populações mais vulneráveis, além da pressão sobre o uso do solo público em áreas ambientais. Este cenário é reforçado pelos organismos frágeis de fiscalização e controle e acaba por deixar um território aberto às ingerências do capital – nacional ou internacional - apreendendo os recursos naturais, a paisagem e privatizando os espaços públicos. Quais instrumentos estão sendo viabilizados para fazer frente a esta realidade? Que nível de participação e democratização do tema está existindo nas comunidades? E quais alternativas de recuperação da “mais-valia” gerada, a partir de investimentos públicos, os municípios podem requerer?

Um relativo debate sobre o uso, a ocupação e a apropriação do espaço urbano brasileiro, desde 2001, vem fazendo parte das agendas públicas municipais: planos diretores, códigos de obras, regularização fundiária e operações urbanas são expressões que adentram até em pequenos municípios. Leis, códigos e zoneamentos, assembléias participativas, enfim, o tema planejamento urbano configura-se com certa relevância. Entretanto, a efetividade de tais ações ainda precisa de algum tempo para ser comprovada; formas consideradas ultrapassadas e conservadoras permanecem como as “consultivas” em vez de participativas da população, isto é, sem a possibilidade do diálogo e da troca de informações; ou mesmo, a não execução de instrumentos democráticos que se tornaram leis.

O jogo de perdas e ganhos dentro das cidades é algo relativamente consolidado na história de produção da cidade capitalista. A depender da correlação de força entre os grupos que atuam no meio urbano – comunidades, empresários, trabalhadores, etc. – as rendas fundiárias, infra-estrutura e recursos ambientais são apropriados de diferentes formas. A questão não é discutir se há ou não um confronto direto entre esses atores urbanos, mas analisar a apropriação dos recursos dentro do quadro social em constante transformação. Que os capitais exigem a circulação e reprodução, é algo inerente à natureza do sistema capitalista; entretanto, esse mecanismo, ao ter como principal ativo o espaço geográfico e os recursos ambientais, deve ser de discussão pública assim como os instrumentos de acomodação e recuperação de investimentos públicos. Em um cenário democrático – no sentido da escolha livre dos governantes – pode-se questionar se a economia e a geração de rendas têm preponderância sobre os instrumentos de participação social e, até mesmo, sobre a própria democracia representativa.

Esta participação social parece estar razoavelmente bem discutida, no aspecto político, mas muito pouco ainda no âmbito econômico. Como questiona Jean-Paul Fitoussi (2004): é compatível o crescimento econômico com a ampliação do regime democrático e de novos instrumentos de participação e de controle público? Há uma efetiva dissociação entre circulação de capital em uma economia de mercado e maior recuperação pública dos investimentos públicos? Kenneth Arrow (apud Fitoussi, 2004), em resposta a Fitoussi, alega que uma economia de mercado é incompatível com qualquer regime político, mesmo a democracia; o que ocorre é a necessária convivência. Fitoussi, continuando, argumenta que a idéia de Arrow é a de que para cada democracia imperfeita existirá sempre um mercado imperfeito, embora o seu contrário não seja válido, já que no mercado perfeito a interferência externa ao mercado é sempre mal vista.

Lo que torna al mercado alérgico al gobierno es que, más allá del cumplimiento de las misiones de tutela del Estado, la función de gobernar interfiere por su naturaleza misma con los mecanismos del mercado: la oferta pública de bienes y servicios reduce el perímetro del mercado; el sistema de impuestos, que produce una inevitable redistribución, afecta el sistema de los precios relativos, lo cual tiene la doble consecuencia de modificar la asignación óptima de los recursos y de distorsionar los incentivos (Fitoussi, 2004, p.314).

A partir desses conceitos, estabelece-se um primeiro reconhecimento: (1) a crítica ao modelo de acumulação de capital, principalmente para “países em desenvolvimento”, deve ser ampliada para a construção de uma agenda de participação pública sobre a democratização do capital, não apenas do capital público (recolhido por meio dos impostos), mas de parte do capital privado que utiliza o meio ambiente, a paisagem e os recursos ambientais para se reproduzir; (2) a participação popular na esfera política (eleições, plebiscitos, audiências públicas, consultas, etc.) deve ser reforçada, mas uma participação pública na esfera econômica também deve existir e; (3) entretanto, os instrumentos de consolidação desse tipo de participação ainda são poucos ou, em alguns espaços, nem sequer começaram a ser discutidos.

Portanto, se o poder público dos “países em desenvolvimento” ainda luta pela consolidação da participação política, muito mais está por se fazer pela participação popular no crescimento econômico. Embora o capital global seja uma figura cada vez mais hegemônica, para determinados setores e, principalmente, localidades os efeitos são sentidos de maneira diferenciada a depender do jogo local de perdas e ganhos.

O principal objetivo deste trabalho é, dentro dessa discussão, apresentar elementos que indiquem uma possibilidade de instrumentalização, à luz dos fenômenos existentes na Região Metropolitana de Natal - RMN, no estado do Rio Grande do Norte, e das legislações que ampliam a capacidade pública de recuperação da mais-valia urbana.

Assim, introduzem-se dois grupos de reflexões iniciais: (a) sobre a natureza desse fenômeno, sua importância econômica e as modificações na estruturação territorial das capitais nordestinas e; (b) acerca dos desafios e das alternativas, postos aos municípios, neste cenário de inserção à economia regional do imobiliário empresarial conectado ao turismo. Para tanto, a primeira parte do texto caracteriza o fenômeno e seus principais indicadores; em seguida, avalia-se um conjunto de instrumentos legais e administrativos, já disponíveis ao poder público, apresentando nas considerações finais questões básicas que se acredita serem necessárias à formulação de uma agenda propositiva mais ajustada à realidade dos municípios costeiros com forte aumento no valor do solo.


Turismo no Nordeste e as novas dinâmicas do imobiliário

A história econômica do Nordeste é marcada pelo efeito cíclico de espasmos de “desenvolvimento” e largos períodos de estagnação (Cf. Oliveira). No século XX, as políticas públicas voltadas a alinhar o Nordeste ao ritmo de crescimento nacional, estiveram articuladas a um arranjo desigual, em parte motivado pelo “atraso” das elites locais, em parte fruto de um tecido social marcado pelas precárias condições de vida da população. A seca – seus efeitos nas áreas rurais e impactos urbanos – sempre se constituiu como justificativa para o retardamento de seu desenvolvimento (Castro, 2000).

Entre 1960 e 1980 a industrialização direcionada pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE –, com instalação de parques industriais concentrados nas capitais nordestinas, foi mais um capítulo importante para reforçar o desenvolvimento desigual e, definitivamente, submeter os pequenos municípios a uma lógica centralista, voltada ao modelo de produção modernizada destinada a atender demandas urbanas. Com a chamada “década perdida” dos anos 1980, a redução das atividades industriais exigiu dos estados nordestinos alternativas de atração de novos investimentos. A década de 1990 foi marcada pela guerra fiscal caracterizada pela oferta de atrativos fiscais e locacionais para empresas transnacionais. Grandes isenções e poucas garantias de geração de emprego e renda marcaram essa nova tentativa de modernização do parque industrial nordestino, com efeitos sentidos principalmente nas grandes capitais como Salvador, Recife e Fortaleza.

No final dos anos de 1990 políticas para o turismo, concretizadas por meio do Programa de Desenvolvimento do Turismo – PRODETUR – representaram uma alternativa para o já gasto modelo de isenções fiscais. O clima tropical, mão-de-obra barata, melhorias no sistema de recepção e o cenário internacional favorável, formaram um panorama propício ao investimento em equipamentos turísticos em praticamente todo litoral nordestino. Estes fatores fazem do turismo, atualmente,o principal alvo das políticas públicas nos estados do Nordeste. Como resultado, o Nordeste passa a atrair cada vez mais turistas nacionais e internacionais, respondendo por 30,6 por cento dos turistas estrangeiros que entraram no Brasil no ano de 2003 (EMBRATUR, 2006).

Uma das principais conseqüências neste aumento do fluxo de turistas estrangeiros foi o aquecimento do mercado imobiliário e da indústria da construção civil. Este crescimento refere-se não apenas à construção de novos hotéis, mas sobretudo de resorts, pousadas, flats, segundas residências e condomínios fechados voltados para turistas com longo período de permanência.

O perfil desse “turista-investidor” – que adquire segundas residências – em um primeiro momento, no final da década de 1990, era constituído de indivíduos que, com sua poupança pessoal, resolviam construir ou comprar unidades residenciais nas capitais nordestinas, motivados pelo baixo valor da moeda nacional perante as moedas estrangeiras e pelas facilidades de acesso aeroviário. Esta postura não exigia necessariamente um intermediário capitalizado. O próprio estrangeiro realizava com assessoria de um corretor de imóveis a pesquisa imobiliária, a partir das áreas de sua preferência pessoal e adquiria um lote ou uma unidade habitacional tomada como segunda-residência.

Em um segundo momento, nos anos 2000, o quadro econômico estrutura-se para atender a um investidor capitalizado: empresas européias especializadas em investimentos turísticos e imobiliários passam a atuar em uma escala ampliada, não mais em unidades e sim em glebas e em construção de edificações de grande porte, baseadas em campanhas publicitárias em vários idiomas, enfim, toda uma estrutura de intermediação empresarial que busca ainda na Europa o possível comprador [2]. É este conjunto de fenômenos e dinâmicas empresariais – relacionando o setor do turismo e mercado imobiliário – que traduz em um capital “imobiliário-turístico” ou “turístico-imobiliário” (uma categoria empírica em estudo e um conceito ainda em construção) e sustenta uma modalidade que está sendo nomeada pelo mercado e divulgada pelos meios de comunicação de “turismo imobiliário”.

Na União Européia, a segunda-residência é uma realidade há pelo menos 20 anos, principalmente em países como Espanha e Portugal. Estudos de Mercè Gili (2003) indicam a existência de 10,5 por cento de residências não permanentes em toda a Europa; a Espanha aparece com 32,2 por cento desse total, seguido de Portugal, Grécia e Itália, principalmente em suas áreas de praia. Os paises emissores da demanda de turismo de segunda residência são a Alemanha, Reino Unido e Holanda, que ocupam em média por três meses essas moradias temporárias. Daniel Hiernaux-Nicolas (2005) é um dos pesquisadores interessados em definir o fenômeno: El turismo de segundas residencias es aquel por el cual las personas acuden a un destino o una localidad que no es forzosamente turística per se, donde tienen la posesión por compra, renta o préstamo de un inmueble en el cual pernoctan y realizan actividades de ocio y esparcimiento (Hiernaux-Nicolas, 2005).

No Nordeste brasileiro, segundo a Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Nordeste Brasileiro – ADIT (apud Pinheiro, 2006, p.46), a compra de imóveis por turistas cresceu 200 por cento e o aluguel 64,52 por cento, enquanto a hospedagem em hotel tradicional aumentou apenas 12,50 por cento (Pinheiro, 2006, p.46). O chamado turismo de segunda residência, incluindo os turistas que se alojam em casa de amigos e parentes, responde por 34,5 por cento dos alojamentos.

Em reportagem na Revista VEJA (2005) pode-se ver a dimensão do “turismo imobiliário”:

O Nordeste brasileiro encontrou sua vocação: a de ser o paraíso tropical onde europeus gastam e investem seus Euros. Portugueses, espanhóis, franceses, italianos, alemães e escandinavos estão invadindo a região para fazer negócios, passar as férias ou para desfrutar a aposentadoria (...). Alguns milhares de estrangeiros estão comprando apartamentos e casas do lado de cá do Atlântico – para veraneio ou mesmo para morar em definitivo. No Ceará, três de cada dez imóveis são adquiridos por estrangeiros. No Rio Grande do Norte, os europeus compraram 40 por cento das casas e apartamentos vendidos no último ano (Veja, 2005, p.126).

Nesse sentido, este “turismo imobiliário” é aqui tomado como uma nova forma que o mercado imobiliário encontra para reestruturar-se, sem depender, diretamente, do financiamento público e sem depender das especificidades da economia local, isto é, da renda local. Suas formas de produção e tipologia de produtos envolvem não apenas a segunda residência, mas flats para administração, resorts ou casas para aluguel em épocas de veraneio. Essa modalidade de produção imobiliária está relacionada com a segmentação dos espaços (em práticas sociais de lazer, ócio, descanso, alimentação, etc.) e a possibilidade de novos capitais, advindos de investidores externos, sejam estes empresas ou particulares.


O turismo, o imobiliário e a dinâmica econômica no Rio Grande do Norte

No Rio Grande do Norte, o turismo amplia os efeitos da economia globalizada no plano local, principalmente quando se articula ao setor imobiliário. Nesse sentido, é importante identificar como as inversões de capital estrangeiro se dão na economia local.

A atração de capital internacional pelas atividades turísticas vinculadas ao setor imobiliário é visível nos dados do Banco Central (Rio Grande do Norte, 2006) referentes aos registros de entrada de capital estrangeiro nos estados. Estes dados revelam um aumento de 8 milhões em 2003 para mais de 62 milhões de Reais em 2006, ou seja, um crescimento de 675 por cento em apenas três anos. Os demais setores apresentam comportamento pendular com aumentos sazonais de investimentos com posterior redução no ano seguinte, mas sem o dinamismo crescente. O quadro do setor industrial é preocupante com os investimentos internacionais, desde 2003, caindo rapidamente (-93 por cento até 2005).

Tabela 1
Volume de investimentos em USD por setores econômicos no estado Rio Grande do Norte (em por cento)

Setores

Ano

2001

2002

2003

2004

2005

2006

Alimentos e bebidas

3,97

31,15

0,06

6,75

3,91

8,71

Agrícola

13,07

31,00

3,10

2,75

23,16

12,02

Industrial

7,93

6,55

45,84

6,21

1,42

-

Turístico e imobiliário

48,01

11,65

35,90

76,52

66,62

74,11

Equipamentos elétricos e hospitalares

19,94

16,53

14,31

6,96

4,52

0,64

Outros

7,08

3,12

0,79

0,81

0,36

4,52

Total

100

100

100

100

100

100

Fonte: Banco Central do Brasil. Nota: elaboração dos autores. * excluído os valores do setor Petróleo/Energia

Observando o mesmo conjunto de dados percebe-se a ocorrência de 536 certificados de entrada de capital estrangeiro no Rio Grande do Norte, sendo que 51 por cento destas estão relacionados ao setor imobiliário-turístico, seguido de longe pelo setor industrial. Na Tabela 1, pode-se perceber que desde 2003 são crescentes os números dos investimentos estrangeiros em equipamentos turísticos e imobiliários, alcançando 74,1 por cento do total de investimentos em 2006.

Os investidores são em sua maioria (89,54 por cento) europeus, sendo que Portugueses (56,41 por cento) e Espanhóis (13,55 por cento) se destacam. Entretanto, são cada vez mais presentes empresas de origem suecas e norueguesas, principalmente em 2005 e 2006.


A Região Metropolitana de Natal: a mancha urbana

A institucionalização da Região Metropolitana de Natal – RMN – deu-se por meio da Lei n. 152, de 16 de janeiro de 1997, e desde então ocorreram varias alterações no número de municípios membros, finalizando hoje com nove: Natal, Parnamirim, Extremoz, Ceará Mirim, São Gonçalo do Amarante, Nísia Floresta, São José do Mipibú, Macaíba e Monte Alegre, sendo o último incluído em 2006.

Estes municípios contêm 1,1 milhão de habitantes, dos quais 63,8 por cento vivem no município de Natal, pólo metropolitano e capital do estado do Rio Grande do Norte-RN. O total de população da RMN corresponde a 40,27 por cento da população do RN e 5,12 por cento da área territorial do estado.

Conforme dados do Censo Demográfico (IBGE, 2000), 85 por cento da população da RMN reside na área da mancha urbana expandida ou nas sedes municipais. Entretanto, se excluirmos Natal (município Pólo com 100 por cento de área considerada como urbana e aproximadamente 800 mil habitantes), a presença de população rural é ampliada para 42,79 por cento, o que indica ainda a existência de áreas predominantemente rurais principalmente em municípios não pertencentes à mancha de ocupação urbana metropolitana.

As maiores densidades demográficas estão no município de Natal (com 4.182,72 Hab/km2), mas são crescentes também na área de transbordamento e conurbação. Estas áreas são basicamente ocupadas por residências e comércios de bairro (locadoras, padarias, posto de gasolina). Ao norte, evidencia-se um transbordamento da mancha urbana na área de pobreza. Ao sul, com o município de Parnamirim, ocorre uma expansão da mancha urbana que se configura como uma área importante para o mercado imobiliário voltado à classe média (valores de imóveis entre 60 e 100 mil Reais). Já no litoral, percebe-se uma ocupação urbana por meio de equipamentos turísticos, segundas residências e casas de veraneio.

A partir destas constatações, a configuração regional da área metropolitana de Natal pode ser resumida conforme Figura 1: a) o pólo – Natal – expandido ao sul em uma área de conurbação com o município de Parnamirim e uma área de transbordamento ao norte com o município de São Gonçalo do Amarante. Isso criou uma mancha urbana contínua, só interrompida pelas áreas de preservação ambiental ou grandes terrenos do patrimônio da União; b) um filamento costeiro urbanizado (aproximadamente com 1 km de largura), partindo de Natal, em direção ao sul (municípios de Parnamirim, Nísia Floresta, Tibau do Sul) e ao norte (municípios de Extemoz, Ceará Mirim). Este filamento passa a condicionar o uso e valor do solo a uma lógica de valorização turística; c) na parte interna dos municípios, o mercado imobiliário tradicional ocupa as terras de Macaíba, Parnamirim e São Gonçalo do Amarante. Com exceção de Natal e Parnamirim, as sedes municipais estão relativamente à parte dos processos de expansão metropolitana (isto é, não estão na mancha de ocupação urbana contínua), embora não se possa dizer que certos efeitos (como por exemplo, a arrecadação tributária) não ocorram.

Figura 1
Processos urbanos na Região Metropolitana de Natal, com indicação das áreas de transbordamento, conurbação e ocupação litorânea


Fonte: Base de Dados do Observatório das Metrópoles – Núcleo RMN. Reelaborado pelos autores

Na figura 2, a mancha urbana da área metropolitana efetivamente se refere aos municípios de Natal, Parnamirim, São Gonçalo e Extremoz; as sedes municipais de Monte Alegre, Nísia Floresta, São José do Mipibú e Ceará Mirim estão de certa forma isoladas do processo de crescimento contínuo da mancha ocupada. Um segundo eixo de expansão da mancha urbana dá-se no litoral, ao sul e ao norte de Natal; o filamento costeiro passou a ser ocupado desde o final dos anos de 1970 com casas de veraneio da classe média e alta de Natal.

Mais recentemente, a partir da melhoria dos acessos viários proporcionados pelo Programa de Desenvolvimento do Turismo – PRODETUR I –, referente à primeira fase de investimentos (1995-2005), residências permanentes (casas e apartamentos) passaram a ser construídas, motivadas pela dinâmica do turismo litorâneo. Isso elevou o valor das antigas casas de veraneio, do solo parcelado e de áreas consideradas – pelos zoneamentos municipais – rurais, além de acentuar o adensamento em áreas de praia, fora da sede, nos municípios com litoral. Comparando a Tabela 2 com a Tabela 3, percebe-se que as localidades tiveram um crescimento populacional bem maior do que as sedes. Na Tabela 4, pode-se ver que as áreas costeiras são de maior interesse para a instalação de segundas residências, com quase 90 por cento de todas as segundas residências ocupando municípios costeiros, basicamente em contato direto com sua orla marítima; importante destacar que já em 2000, o Censo Demográfico registrava Nísia Floresta como o município com maior percentual de segundas residências, até superior a Natal, demonstrando a dinâmica imobiliária e sua atuação no espaço metropolitano.

  Figura 2
Mancha de expansão urbana da Região Metropolitana de Natal (RMN)


Fonte: Base de Dados do Observatório das Metrópoles - Núcleo RMN. Reelaborado pelos autores

Tabela 2
Variação populacional em localidades da área metropolitana de Natal (1996-2000)

Localidades litorâneas

Variação populacional
1996-2000 (em por cento)

Pitangui, Barra do Rio e Graçandu (EXTREMOZ)

74,63

Pium (PARNAMIRIM)

56,18

Pirangi do Norte (PARNAMIRIM)

37,57

Pirangi do Sul/Búzios (NISIA FLORESTA)

102,18

Jacumã (CEARÁ MIRIM)

49,02

Fonte: Fonseca, 2004, p.153

Tabela 3
Variação populacional dos Municípios da área metropolitana de Natal (1996-2000)

Municípios

Variação populacional
1996-2000 (em por cento)

Extremoz

9,86

Parnamirim

44,00

Nísia Floresta

20,37

Ceará Mirim

7,65

Fonte: Fonseca, 2004, p.15


Tabela 4
Localização das Segundas Residências na Região Metropolitana de Natal (2000)

Localização

Total de Segundas Residências - 2000

por cento do Total

Região Metropolitana de Natal

12.802

100

Municípios litorâneos

   

Natal

2.780

21,72

Ceará-Mirim

910

7,11

Extremoz

2.471

19,30

Nísia Floresta

3.442

26,89

Parnamirim

1.823

14,24

sub-total

11.426

89,25

Municípios não litorâneos

   

Macaíba

535

4,18

São Gonçalo do Amarante

503

3,93

São José de Mipibu

338

2,64

Monte Alegre

-

-

sub-total

1.376

10,75

Fonte: IBGE. Sinopse do Censo de 2000


Instrumentos de Planejamento Participativo e Desenvolvimento Econômico

O objetivo deste item é apontar os principais instrumentos já disponíveis aos agentes públicos e municípios brasileiros, que interferem diretamente na necessária ação de inserir a participação popular e maior controle da sociedade civil nas novas dinâmicas físico-territoriais, principalmente das áreas costeiras nordestinas.

Cada um destes instrumentos, na sua maioria recentes, necessita para a sua efetividade de um novo ambiente de Planejamento Urbano e Regional e ações, menos voltado a projetos de reeestruturação física como vias, viadutos, pontes ou aberturas de quadras e mais ao estabelecimento de alternativas de maximização de oportunidades públicas. Em um cenário de liberalização e globalização, de interesses cada vez mais além da capacidade financeira local, é imprescindível às municipalidades um conjunto de “ferramentas” de controle e gestão pública sobre os ganhos de capital que utilizam o território e a paisagem e que podem a médio ou longo prazo por em risco os recursos naturais.

A Lei dos Consórcios Públicos - Lei 11.107/2005, prevista na Constituição Federal no art. 241, regula a celebração de contratos e associação entre os entes federativos brasileiros - União, Estados e Municípios – sobre serviços e interesses comuns. Entende-se “interesse comum” como sendo a gestão de recursos e serviços ofertados à população, bem como a possibilidade de cobrança de taxas e encargos. De certa forma passa a constituir-se um agente de administração indireta (como autarquias ou empresas públicas); um exemplo de sua aplicabilidade pode ser na Gestão de Recursos Hídricos, principalmente das bacias responsáveis pelo abastecimento de água em muitos municípios do Brasil. O uso atípico da água – como para utilização em grandes complexos turísticos – em um determinado município, pode comprometer áreas residenciais em um município vizinho, exigindo medidas compensatórias. As formas de atuação da Lei 11.107/05 são possíveis através de convênios, contratos, acordos, auxílios, desapropriações, entre outros instrumentos jurídicos que flexibilizem o acordo entre os entes públicos em áreas como saúde, educação, saneamento, resíduos sólidos, turismo, desenvolvimento regional, capacitação de pessoal e agricultura, entre outras.

Parcerias Público-Privadas (PPPs) - Em um cenário de retração fiscal, pouco crescimento econômico e tendências à liberalização da economia, o setor público brasileiro buscou através da Lei n.11.079/2004 instituir a figura da Parceria Público-Privada. Trata-se da possibilidade do poder público estabelecer formas de parceria na gestão de recursos ou sistemas de domínio público, por meio de empresas privadas. Em termos práticos, constitui-se como um contrato de prestação de serviços com prazo e valores determinados, tendo principalmente impacto na implantação de infra-estrutura pesada, com posterior remuneração da empresa privada e o serviço ofertado à população. Instrumento polêmico, por envolver de certo modo a “privatização” de serviços públicos, as PPPs podem ser uma alternativa válida principalmente no que concerne a obras de infra-estrutura viária e aeroportuária, destinadas à criação de complexos tipo gateway e entrepostos de distribuição de cargas.

Gerenciamento da Orla Marítima - Desde a década de 1970, o governo brasileiro vem apontando políticas e programas específicos para a Zona Costeira do Brasil. Em 1987 é criado o “Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro”, onde são identificados seis estados de atuação prioritária (Rio Grande do Norte, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). No ano de 1988, a Lei Federal 7.661 institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro – PNGC, com funções de assegurar a qualidade ambiental e garantir a preservação dos recursos históricos, culturais e naturais (art. 2º).

A Lei 7.661 também define a necessidade, em legislação específica, de regulamentação das formas de ocupação por meio de edificações na Zona Costeira, garantindo o amplo e irrestrito acesso às praias pelo público. A regulamentação da Lei 7.661 veio com o Decreto 5.300, apenas em Dezembro de 2004. Tal Decreto define normas gerais e orienta os estados e municípios no tratamento da Zona Costeira, além de direcionar as formas de tratamento da linha de praia. No seu artigo 4º, o Decreto 5.300 amplia a noção de municípios com influencia costeira, definindo tipos de abrangência da Zona Costeira, como municípios com linha de praia, inseridos em Região Metropolitana, com efeitos de conurbação e contíguos a capitais litorâneas.

Como forma de integrar a Lei 7.661 aos planos e projetos estaduais e municipais, o Decreto 5.300, no seu art. 15, atrela qualquer liberação de financiamento de obras, pelo governo Federal ou instituições internacionais, ao cumprimento das diretrizes dos Planos de Gerenciamento Costeiro. As normas de ocupação nessa Zona Costeira exigem do empreendedor a aprovação e aceitação conforme normas ambientais incluindo as Compensações Ambientais, em caso de intervenção no ambiente local, cabendo aos Órgãos de Licenciamento ambiental e ao Patrimônio da União a exigência de tais medidas.

Um segundo grupo de legislações, não necessariamente atuantes apenas na Zona Costeira, dá conta dos aspectos de “Regularização, Administração e Aforamento” de bens imóveis de domínio da União. Os chamados “Terrenos de Marinha e Acrescidos” têm sua destinação regulamentada por diferentes regimes como permissão e concessão de uso, locação, arrendamento, direito real de uso, entre outros. Entre estes instrumentos de transferência de domínio, a cessão de uso pode se dar de forma onerosa, com pagamento de 0,5 por cento a 1,5 por cento do valor do imóvel ou gratuita caso de interesse social ou público. O aforamento, por sua vez, é o regime no qual a União transfere a terceiro o domínio útil do imóvel, com pagamento anual do Foro; e a Cessão de Uso, quando a União, a título precário, permite a utilização de imóvel com pagamento da Taxa da Ocupação.

Considerando as legislações anteriores e com o objetivo de fundamentar uma política pública de intervenção física na Zona Costeira, o Governo Federal a partir do Grupo de Intervenção do Gerenciamento Costeiro, formatou o Projeto Orla – que objetiva orientar o uso e ocupação do solo em áreas de praia -, com prioridade para as terras da União localizadas na faixa litorânea.

Estatuto da Cidade – A Lei n. 10.257/2001 regulamentou os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, relativos à Política Urbana. A importância do Estatuto da Cidade aos municípios refere-se ao conjunto de instrumentos que permitem ao Planejamento Municipal maior efetividade de suas políticas, além de reforçar o caráter participativo da sociedade civil.  O primeiro conceito do Estatuto da Cidade, que guia os instrumentos, é a noção de Função Social da Cidade como prioridade ao interesse público. O segundo conceito fundamental é a recuperação da valorização imobiliária, decorrente dos investimentos públicos em infra-estrutura ou compensações ambientais.

Entre os instrumentos de recuperação de valores, a Outorga Onerosa consiste na possibilidade do município estabelecer uma relação entre a área passível de ocupação/edificação e uma contrapartida em dinheiro. Um adensamento básico regula a intensidade do uso do solo, sendo possível ultrapassa-la desde que ocorra o pagamento de valores ao município. Os recursos provenientes devem ser utilizados na construção de unidades habitacionais, regularização fundiária, proteção de áreas verdes ou de interesse paisagístico. Um segundo instrumento possível, trazido pelo Estatuto da Cidade, é a Operação Urbana Consorciada que tem por finalidade a recuperação e preservação de áreas urbanas, envolvendo a iniciativa privada e a comunidade.

Importante ressaltar que este conjunto de instrumentos é relativamente recente na prática do planejamento e até mesmo no ambiente administrativo brasileiro, o que às vezes traduz ou justifica em parte a lentidão da ação pública se comparada à dinâmica imobiliária privada. Tal dinâmica, por sua vez, acaba por “seduzir” de certa forma os gestores públicos no sentido de aparentar um desenvolvimento econômico de curto prazo, fazendo as estruturas públicas locais convergirem para a otimização deste processo.


Considerações Finais

Há certa reserva em relação aos novos planos e práticas de planejamento, principalmente no contexto de reestruturação produtiva dos anos de 1990. Em um primeiro momento o Planejamento Estratégico – e suas quase imediatas críticas – tomaram o cenário dos debates públicos. Após isso, o Estatuto da Cidade representou uma modificação no conjunto de debates sobre o tema, reforçado em 2003 pela criação do Ministério das Cidades. Os planos diretores obrigatórios trouxeram aos municípios a necessidade de ativar/reativar seus organismos de planejamento ou, no caso de municípios menores, recorrerem aos escritórios de planejamento. Um novo “mercado” para planos diretores foi fomentado no Brasil, incluindo municípios sem estruturas de fiscalização e controle do espaço público.

Entretanto, tais práticas democráticas de planejamento parecem ser insuficientes para dar conta dos cenários de inserção econômica global, pelos quais passam as cidades litorâneas do nordeste brasileiro. Que instrumentos um Plano Diretor pode contar para “acomodar” no município, em curto prazo, empreendimentos de milhares de unidades e de milhões de dólares? De que forma se relacionará um poder administrativo com dificuldades fiscais com corporações multinacionais? E as conseqüências no valor do solo urbano e na fragilidade ambiental, quais organismos serão responsáveis?

Uma linha de ação básica seria a promoção de uma efetiva gestão da orla dos municípios costeiros que estão sob intenso processo da dinâmica do setor imobiliário, por meio de instrumentos que envolvam a articulação harmônica entre as três esferas governamentais (municipal, estadual e federal) e a sociedade civil, possibilitando um maior debate e alternativas de recuperação do capital público investido em obras de infra-estrutura ou recuperação de recursos ambientais em risco. Identifica-se que determinadas questões apontam para a organização das ações necessárias em quatro eixos básicos no sentido de reforçar o setor público e diminuir as fragilidades encontradas: Gestão Participativa, Instrumentos Legais, Informações e Financiamento.

Quadro 1
Eixos básicos de ação necessária a uma agenda propositiva
.

Gestão participativa

a) Para municípios pequenos – em termos administrativos – buscar parcerias também com instituições de pesquisa e ensino, como faculdades e universidades, de forma a criar um ambiente de constante observação pública sobre os acontecimentos intra-municipais, mesmo que estes municípios não pertençam à Região Metropolitana;

b) Organizar pequenos produtores locais em forma de cooperativas, com o intuito de fornecer produtos – não apenas artesanato, mas alimentos e serviços de baixa tecnologia – aos grandes equipamentos turísticos;

c) Efetivar conselhos urbanos seja por bairros ou comunidades de forma a abrir canais de comunicação com o poder público;

d) Instituir Plano Diretor Participativo e Orçamentos Participativos;

e) Garantir os acessos aos moradores locais dos recursos da terra e do mar;

Corpo legislativo

a) Inclusão de um Plano de Ordenamento do Uso do Solo, ou Plano Diretor, que dê conta dos processos dinâmicos em novas localizações, de grandes equipamentos residenciais ou de serviços.

b) Utilização das Leis de Compensação Ambiental, Outorgas Onerosas e delimitação por Áreas Especiais.

Sistema de Informação

a) Manter atualizado Banco de Informações sobre os espaços de uso público – terrenos de marinha, várzeas, áreas livres, parques e reservas – de forma integrada com União e Estados. Para tanto, parcerias e convênios já são legalmente possíveis;

b) Identificar e registrar ecossistemas singulares;

c) criar um Observatório Ambiental com o intuito de manter um conjunto de informações e alternativas aos conflitos existentes, relacionados aos ecossistemas locais e as formas de ocupação do solo;

Recursos
financeiros

a) Contigenciar contrapartidas sociais no caso dos Estudos de Impacto apontarem possível desarticulação de emprego e renda em comunidades locais;

b) Permitir que medidas de uso do solo, que gerem compensações em dinheiro, possam ser aplicadas em áreas de interesse social nas periferias mais pobres das cidades;

No caso da Região Metropolitana de Natal, e principalmente seu litoral, as alternativas de Planejamento ainda estão em uma fase inicial. Atualmente, há estudos em formação para um Plano de Desenvolvimento para a Região Metropolitana e para um Plano Diretor de Transporte Metropolitano, além dos Planos Diretores que estão sendo revistos em todos os municípios. Entretanto, persiste uma necessária integração das políticas em andamento no sentido de, em conjunto, identificar o quadro de crescimento econômico e seu reflexo territorial, no sentido de recuperar os valores investidos em infra-estrutura e se organizar para não por “em risco” a população mais dependente e vulnerável, além do próprio meio ambiente.

Nesse sentido, as práticas burocráticas de planejamento e controle urbano não parecem ser mais eficazes no novo cenário “imobiliário-turístico”; a centralização – excessiva demarcação de poderes e formação de “condições tipo” – parece dar lugar a um necessário ambiente de cooperação, de um ambiente de decisões que passem por uma maior auscultação dos grupos sociais, além da mediação dos conflitos gerados. No entanto, mais rápida do que esta nova forma de relacionamento territorial, a dinâmica econômica age de forma cada vez mais predatória, ameaçando os únicos recursos singulares da Região Metropolitana que são sua paisagem e recursos naturais.

Segundo Portas,

O imperativo da “sustentabilidade” das políticas, constituindo uma aquisição da consciência colectiva traduzida em sucessivas recomendações ou compromissos das instâncias internacionais e nacionais, encontra no campo das políticas urbanas e das suas aplicações algumas dificuldades de consenso originadas não só no déficit de conhecimento científico sobre os efeitos de longo prazo das tendências e alternativas da urbanização, mas também nas divergências ou contradições entre objetivos imediatos ou diferidos dos próprios actores sociais e econômicos (Portas, 2003, p.19)

A contribuição principal desse “novo planejamento” não deve ser apenas favorecer a acumulação de capital no território, a serviço de um cenário global, mas sobretudo reconhecer as possibilidades reais de ganho a médio e longo prazo além de compreender os efeitos de risco decorrentes. Nesse sentido, as próximas agendas públicas dos municípios que passam pela dinâmica do setor imobiliário vinculado ao setor turístico devem reconhecer o conflito como um dado, utilizar os instrumentos existentes de maneira criativa, envolver a sociedade civil na democratização do capital gerado e construir redes de observação sobre os efeitos dinâmicos do território. Em municípios pequenos isso pode ocorrer por meio de consórcios e convênios que aglutinem dois ou mais parceiros com objetivos comuns. O necessário debate sobre “perdas e ganhos” deve entender a transformação do território como uma discussão pública, não apenas sobre a participação política da população envolvida, mas, sobretudo, sobre a democratização da acumulação de capital gerada nesse território. Para tanto, as agendas ainda estão em aberto.


Notas

[1] Este trabalho está vinculado ao Projeto Milênio da Rede Observatório das Metrópoles – Núcleo Região Metropolitana de Natal.

[2] Isso não significa que não ocorram procuras individuais de turistas por segundas-residências. O que destacamos é que neste novo momento, o mercado imobiliário também se estruturou para criar nichos e produtos específicos para um público de fora da Natal, seja como segunda-residência, seja como investimento ou uma forma de poupança imobilizada.


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© Copyright Angela Lúcia de Araújo Ferreira, Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva, 2007
© Copyright Scripta Nova, 2007

Ficha bibliográfica:

FERREIRA, Angela Lúcia de ARAÚJO; SILVA, Alexsandro FERREIRA CARDOSO da. Perdas e ganhos na produção imobiliária: uma agenda pública para o futuro.  Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.   Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2007, vol. XI, núm. 245 (44). http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-24544.htm> [ISSN: 1138-9788]


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