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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. 
ISSN: 1138-9788. 
Depósito Legal: B. 21.741-98 
Vol. XI, núm. 245 (47), 1 de agosto de 2007
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

Número extraordinario dedicado al IX Coloquio de Geocritica

UMA FACE DA INFORMALIDADE: O MERCADO DO LIXO

Vania Beatriz Merlotti Herédia
Universidade de Caxias do Sul/RS, Brasil
vheredia@terra.com.br


Sandro Rogério dos Santos
Universidade de Caxias do Sul/RS, Brasil
Uma face da informalidade: o mercado do lixo (Resumo)

Este estudo faz parte do projeto de pesquisa “O mercado de trabalho informal no município de Caxias do Sul”, cujo objetivo é identificar as diversas formas que assume a informalidade no mercado de trabalho. Essa comunicação tem como proposta analisar o trabalho nas unidades de reciclagem de lixo, por meio das condições objetivas que os recicladores de lixo organizaram para sua criação. O estudo tem a intenção de reconstruir a história dos recicladores do município de Caxias do Sul, com a finalidade de conhecer sua organização, quem são os sujeitos que trabalham nessas atividades econômicas, os tipos de objeto presentes na reciclagem, sua comercialização, as características ocupacionais que essa categoria possui e a prática da informalidade, a partir de uma situação de desemprego. Tem ainda como finalidade identificar as opções que os trabalhadores do mercado informal tiveram para permanecer no mercado informal.

Palavras chaves: economia informal, informalidade e unidades de reciclagem.


One face of the informality: the waste market (Abstract)

This study is part of the project "Informal work market in the city of Caxias do Sul", whose aim is to identify the various forms informality assumes in the work market. The proposal of this study is to analyze work in recycling units through the objective conditions, which waste recyclers have organized themselves to create these units. The study intends to reconstruct the history of recyclers in the city of Caxias do Sul in order to get to know their organization, the subjects who work in these economic activities, kinds of objects recycled, the marketing of these objects, occupational characteristics of this category, and the practice of informality from a situation of unemployment. The theoretical reference used is to be found in the works by Ricardo Antunes and Márcio Pochmann. The method used for the analysis is the dialectic one. The sampling was intentional, composed by the totality of subjects who act in this area, in the three recycling units in the city of Caxias do Sul. It has been found in the study that the work force is the fruit of migratory movements coming from other towns and their moving was attributed to their search for work. The organization of the waste recyclers association was an important experience in these people's lives, and the study analyzes critically the imaginary of these associations, which actuate in the informality.

Keys-words: informal economy; informality; recyclers


As unidades de reciclagem de lixo no município de Caxias do Sul foram criadas a partir da organização de segmentos da população excluída da economia formal. Com a finalidade de exercer função de geradora de trabalho e renda para trabalhadores classificados como informais, surge como alternativa de preservação do meio ambiente. Com vistas a integrar o reaproveitamento das matérias-primas, por meio da coleta seletiva, as atividades desenvolvidas pelos recicladores de lixo consistem no gerenciamento dos resíduos sólidos, e tem por objetivo reduzir o volume desses resíduos[1], destinados aos aterros sanitários, por meio da reciclagem. Semelhantemente aos processos de trabalho industrial, os materiais separados são beneficiados, armazenados e comercializados, revertendo o produto de sua venda em renda para os trabalhadores envolvidos no processo.

As unidades de reciclagem têm gerado soluções alternativas no que diz respeito ao meio ambiente e à sociedade. Quanto ao meio ambiente, as unidades de reciclagem são estratégias de gestão inovadora, com perspectiva de promover um desenvolvimento sustentável. As unidades de reciclagem propiciam o reaproveitamento de matérias-primas, como plásticos, metais não-ferrosos, papel, alumínio e vidro, destinados ao lixo. Com isso, possibilita a geração de trabalho e renda por meio das unidades que realizam as operações de triagem, prensagem e comercialização do lixo reciclável, aumentando a vida útil dos aterros sanitários e desenvolvendo uma cadeia de valor agregado no processamento da reciclagem.

Motivados pela relevância do tema, o estudo tem como meta principal conhecer o trabalho informal desenvolvido pelos recicladores de lixo que trabalham nas áreas periféricas de Caxias do Sul-RS; as características socioeconômicas; a história ocupacional recente e a inserção no mercado de trabalho informal, descrevendo os motivos que os levaram a essa inserção. É oportuno destacar que o município de Caxias do Sul acolhe um dos maiores pólos industriais do Rio Grande do Sul, e sua ação interfere na economia brasileira. O referencial teórico usado encontra-se nas obras de Ricardo Antunes, Márcio Pochmann e Manoel Malagutti. A amostra foi intencional, composta pela totalidade de sujeitos que atuam nessa atividade no município de Caxias do Sul.  

Reestruturação produtiva, precarização do trabalho e informalidade

 A discussão sobre a informalidade no Brasil passa pela discussão dos efeitos da reestruturação produtiva e do modelo de acumulação de capital.  A consolidação do modelo neoliberal na economia brasileira apresenta uma série de características, que reflete as transformações ocorridas no País, desde a abertura do mercado nacional na última década do século passado.  As conseqüências desse modelo na economia brasileira afetaram os padrões de produção e de consumo pela mudança de modelos produtivos, calcados na inovação tecnológica, na internacionalização financeira e principalmente na ampliação dos mercados.

De acordo com Gonçalves e Thomaz Junior, as transformações que ocorreram no processo produtivo capitalista, “não podem ser entendidas apenas como um movimento de reorganização dos meios de produção com base na maior adoção de tecnologias, flexibilização do processo de exploração da força de trabalho, redimensionamento territorial e locacional das plantas fabris” (2002, p.10).  Para os autores, a reestruturação produtiva “engloba toda a sociedade de forma a determinar e também ser determinada neste movimento, que aponta para uma mudança no padrão de acumulação capitalista, com desdobramentos marcantes para a dinâmica espacial e territorial do trabalho” (p.10).

Nesse cenário, a partir da última década do século XX, ocorrem modificações no mercado de trabalho formal, que reflete os resultados da reestruturação produtiva e do modelo de acumulação predominante. As políticas econômicas utilizadas no Brasil, decorrentes dessas modificações, afetaram o mercado de trabalho, e algumas das medidas definidas por essas políticas estimularam a expansão de setores informais.  O aumento do desemprego, derivado da crise do capitalismo estrutural e dos efeitos da reestruturação produtiva, fomentou a precarização do trabalho por meio da informalidade. Um número cada vez mais crescente de trabalhadores localiza-se na informalidade, sujeito as condições precárias e indescritíveis de trabalho, a baixos salários, sem falar na ausência de direitos trabalhistas.

Segundo Harvey, o capital organiza suas forças de forma histórica. Reflete a dinâmica do sistema e de suas condições materiais. A manutenção do sistema implica o controle do trabalho na produção e no mercado. 

O capitalismo é, por necessidade, tecnológica e organizacionalmente dinâmico. Isso decorre em parte das leis coercitivas, que impelem os capitalistas individuais a inovações em sua busca do lucro. Mas a mudança organizacional e tecnológica também tem papel-chave na modificação da dinâmica da luta de classes, movida por ambos os lados, no domínio dos mercados de trabalho e do controle do trabalho (1993, p. 169).

Alguns autores, como é o caso de Harvey chamam o modelo que se confronta com o fordismo de acumulação flexível, e o caracterizam pela flexibilidade que possui nos processos de trabalho e nos padrões de produção e de consumo. Entretanto, o modelo de acumulação flexível traz consigo outras características quando trata da força de trabalho, do desemprego, da qualificação profissional, do trabalhador multifuncional, do próprio setor de serviços. As características da produção flexível mostram, como marca do processo de produção, uma força de trabalho subcontratada ou precarizada em contraponto com a antiga força de trabalho permanente e estável. Harvey, quando contrasta o fordismo e a acumulação flexível, usa o estudo de Swyngedown, que destaca, como traço “grande segurança no emprego para trabalhadores centrais (emprego perpétuo). Nenhuma segurança no trabalho e condições de trabalho ruins para trabalhadores temporários.” (Swyngedown, 1986 apud Harvey, 1993, p.168).

Dessa forma, a informalidade e a precarização do trabalho no Brasil têm crescido de forma substancial, e os estudos acerca desse tema refletem um conjunto de ambigüidades no que concerne às questões conceituais e às análises das mesmas. A falta de explicitação conceitual adequada[2] impede o avanço da pesquisa em algumas áreas de conhecimento, bem como reflete dificuldades que o sistema tem de enfrentar nas diversas faces da informalidade e de tratá-la pela ciência.

O trabalho das unidades de reciclagem

Segundo Andrade e Guerrero (2000), implantar um programa de gerenciamento de resíduos surge da preocupação com a questão ambiental e de medidas que envolvam o uso de resíduos sólidos, o reaproveitamento do lixo e as diversas formas de reutilização desses resíduos. Além dos aspectos ambientais, a criação de associações de recicladores exerce importante função econômica e social, como forma de organização de trabalho coletivo.

Baseando-se na organização do trabalho de papeleiros, catadores e carroceiros, que se encontram excluídos do mercado formal, bem como das comunidades de áreas carentes do município, as associações possibilitam a oportunidade de um trabalho, por meio da venda de materiais a serem reaproveitados por indústrias. Esse processo organiza a categoria dos recicladores de lixo por meio da criação de associações de classe e da construção de galpões de reciclagem, onde possam exercer atividades produtivas de forma conjunta em lugares adequados.

No município de Caxias do Sul, as unidades de reciclagem são geridas pelas suas respectivas associações e recebem cargas diárias de lixo seco oriundas da coleta seletiva, sendo a quantidade por elas estabelecida e negociada com a CODECA, órgão público de coleta de lixo do município. Cada unidade tem seu próprio estatuto e regimento interno, que estabelece as normas de funcionamento e os critérios para a inclusão de novos associados. Os recicladores são remunerados por seu trabalho, de acordo com um sistema de partilha,[3] no qual cada associação define a periodicidade dos pagamentos e os critérios para desconto, não havendo nenhuma espécie de vínculo empregatício.

Tecnicamente, o trabalho nas unidades começa com o recebimento das cargas, que são depositadas em grandes cestos nos galpões. Nesses locais, os recicladores fazem a separação dos resíduos, utilizando recipientes plásticos para depositar cada tipo de material. O material dos recipientes é encaminhado às prensas e, após prensagem, os fardos são pesados e armazenados para venda no mercado industrial.

O material é comercializado com os denominados “atravessadores”, que por sua vez repassam para as indústrias de transformação os produtos reciclados. Todo o material selecionado é devidamente controlado, para que, em etapa posterior, possa ser realizada a partilha. É oportuno ressaltar que a rotina de trabalho refere-se à separação das tarefas, o que reflete a parcialização do trabalho. Essa condição aponta também para a existência da cooperação simples, quando o trabalhador executa tarefas variadas, e o processo de trabalho não se dá pela apropriação do saber do trabalhador, mas pela relação de propriedade com o resultado do trabalho.

Nas unidades de reciclagem pesquisadas, a separação do material é feita pelas mulheres, e cabe aos homens o carregamento e a prensagem dos resíduos. É comum ouvir que o trabalho de separação tem que ser feito pelas mulheres, porque elas são mais cuidadosas, e que as atividades de carregamento e prensagem, por exigirem maior força física, devem ser feitas pelos homens. Essa observação mostra a divisão sexual do trabalho existente nessa atividade. Mesmo que a unidade não seja considerada uma empresa, utiliza procedimentos comuns, baseada em comportamentos de submissão e obediência das mulheres em relação ao ritmo, à carga horária, ao repouso, entre outras condições. Observa-se, ainda, que o trabalho masculino exige força física diferenciada do trabalho feminino, que é marcado pela repetição, pela meticulosidade e por operações semicontínuas.

Organizados em forma de associação,[4] os grupos de trabalho têm uma direção eleita por dois anos, que pode ser reeleita. Todas as decisões da rotina de trabalho diário são tomadas pela diretoria, ou em assembléias, sempre que necessário para discutir o andamento do trabalho, o controle de produção e o planejamento das unidades. Essas associações são constituídas juridicamente, mediante estatutos e regimentos internos, afirmando dessa forma sua autonomia administrativa. 

Trabalhadores da informalidade no mercado de trabalho do lixo

O desemprego em massa, a falta de investimentos em políticas públicas, a segregação da população nas grandes cidades, os efeitos do êxodo rural, estimularam a que parcelas da população se localizassem às margens da cidade, formando núcleos de sub-habitação. Essa população que migra em busca de emprego aceita trabalho na informalidade, uma vez que não possui atributos necessários para sua inserção no mercado formal. Baixa escolaridade, ausência de preparo técnico, rigidez no raciocínio, família constituída em tenra idade e número de filhos acentuado para o período são características dessa população migrante que se desloca em busca de trabalho.

O perfil dos trabalhadores que atuam nas unidades recicladoras de lixo apontou para os seguintes traços: sexo masculino; idade entre 31 a 60 anos; não naturais do município e provenientes de outros estados da federação; casados, geralmente com família constituída; renda de dois salários mínimos mensais, sendo que os produtos mais comercializados são: papel, papelão, vidro, lata, plástico e sucata ferrosa. A idade é uma variável importante para entender a exclusão, já que os trabalhadores que atuam nas unidades não são jovens nem velhos e possuem idade ativa para o trabalho, necessitando do mesmo para sua sobrevivência. Outro dado que conduz a esse tipo de trabalho é que aproximadamente 70 por cento são chefes de família, o que implica no sustento da prole e na necessidade de um trabalho, mesmo que no setor informal.

Quanto à situação da classe, os trabalhadores não possuem carteira assinada, a jornada de trabalho varia de 8 a 9 horas diárias durante 5 a 6 dias por semana, respeitando as folgas dos fins de semana e os feriados. No que se refere ao tempo que exerce as atividades informais, a maioria afirma que está no ramo de 5 a 9 anos.

Quanto à escolaridade, constatou-se que essa categoria possui um nível de instrução relativamente baixo, já que 63,79 por cento da amostra têm apenas o primeiro grau incompleto. O percentual de analfabetos e alfabetizados fora da escola também chama a atenção, já que muitos afirmaram que fazem uso dessa atividade econômica por não terem instrução formal. A opção pelo trabalho nessa função é pela oportunidade que o mesmo oferece, já que, para exercer essa atividade, não existe a necessidade de esforço intelectual, mas disposição física para o trabalho.  

Quanto ao rendimento médio mensal dos recicladores de Caxias do Sul, constata-se que a maioria percebe de um até dois salários, ou seja, 82,76 por cento do total; e, de dois a três salários mínimos 17,24 por cento. Uma observação a ser feita se refere ao rendimento mensal auferido pelos recicladores, isto é, não existem diferenças salariais entre homens e mulheres, uma vez que o valor da hora trabalhada é igual, em termos de valor, para todos os associados.

Quanto à jornada de trabalho identifica-se que nas associações 62,07 por cento trabalham em média 8 horas por dia, e 9 horas 37,93 por cento dos entrevistados. O que se pode perceber é que os recicladores, embora não tenham vínculo formal, como associados, têm jornada de trabalho semelhante a dos trabalhadores que exercem funções com carteira assinada. 

Outro aspecto observado na pesquisa refere-se ao histórico profissional anterior dos entrevistados, ou seja, em que ocupações atuavam antes da atividade como de reciclador. Dentre os principais, destacaram-se empregos com carteira assinada, com 58,62 por cento das observações; funcionários públicos com 12,07 por cento, e autônomos com 10,35 por cento. Quando separados por gênero, os homens tiveram a seguinte distribuição: 53,33 por cento exerceram empregos com carteira assinada; 3,33 por cento com trabalhado eventual; 3,33 por cento não tinham nenhum tipo de atividade; 10 por cento eram funcionários públicos; 3,33 por cento desenvolviam trabalhos temporários; 16,67 por cento eram autônomos, e 10 por cento atuavam em outras funções. Já, para as mulheres, 64,29 por cento eram empregadas com carteira assinada; 10,71 por cento não exerciam atividades; 3,57 por cento trabalhavam como autônomas; 3,57 por cento eram domésticas; 3,57 por cento realizavam outros trabalhos, e 14,29 por cento eram funcionárias públicas.

Tabela 1
Distribuição percentual da função exercida pela população de recicladores de Caxias do Sul-RS,
anteriormente à atividade informal

FUNÇÃO

Homens

Mulheres

Total

Absoluta

Percentual

Absoluta

Percentual

Absoluta

Percentual

Empregado c/carteira

16

53,33

18

64,29

34

58,62

Funcionário público

3

10,00

4

14,29

7

12,07

Empregado s/carteira

-

-

-

-

-

-

Trabalhador eventual

1

3,33

-

-

1

1,72

Trabalho temporário

1

3,33

-

-

1

1,72

Autônomo

5

16,67

1

3,57

6

10,35

Trabalho não remunerado

-

-

-

-

-

-

Doméstico

-

-

1

3,57

1

1,72

Não se aplica

1

3,33

3

10,71

4

6,90

Outros

3

10,00

1

3,57

4

6,90

Total

30

100,00

28

100,00

58

100,00

Fonte: Dados preliminares da pesquisa "O mercado de trabalho informal no município de Caxias do Sul", 2004.

Quanto às atividades paralelas exercidas pela população de recicladores, verificou-se que a grande maioria atua apenas nesse serviço. Deduz-se que, pela longa jornada de trabalho, torna-se inviável desempenhar outras atividades. Dessa forma, percebe-se que, dos entrevistados, 1,72 por cento atua em trabalhos eventuais, 1,72 por cento em trabalhos como autônomo, 1,72 por cento em trabalho voluntário e 5,17 por cento trabalho doméstico. Os dados apontam para a pouca flexibilidade que essa atividade dá àqueles que abriga.

Quanto aos motivos elencados pelos entrevistados, para sair da atividade anterior e atuar na informalidade, constatou-se que se referem às experiências vivenciadas nesses empregos. Os motivos são: foram demitidos, abandonaram o emprego, sofreram acidentes de trabalho, fim de contrato e por opção para trabalhar como reciclador. Os motivos também apontam que o trabalho informal tornou-se a solução para manter-se empregado.

Tabela 2
Distribuição percentual dos motivos da população de recicladores de Caxias do Sul – RS
para sair da atividade anterior e entrar no mercado de trabalho informal

MOTIVOS

Homens

Mulheres

Total

Absoluta

Percentual

Absoluta

Percentual

Absoluta

Percentual

Para ser reciclador

4

13,33

4

14,29

8

13,80

Foi demitido

8

26,67

7

25,00

15

25,86

Pediu demissão

7

23,34

3

10,71

10

17,24

Abandono de emprego

-

-

1

3,57

1

1,72

Acidentes/saúde

1

3,33

5

17,86

6

10,34

Fim de contrato

1

3,33

1

3,57

2

3,45

Não se aplica

9

30,00

7

25,00

16

27,59

Total

30

100,00

28

100,00

58

100,00

Fonte: Dados preliminares da pesquisa "O mercado de trabalho informal no município de Caxias do Sul", 2004.

Os trabalhadores do setor informal entrevistados afirmaram que os motivos que os levaram a exercer a atividade de reciclador foram: dificuldades no mercado de trabalho formal 24,14 por cento; por motivos familiares 1,72 por cento; por ser um negócio próprio 3,45 por cento; pela melhor remuneração 13,79 por cento; pelo horário flexível 1,72 por cento; por não conseguir emprego 32,76 por cento; por deficiência física 3,45 por cento; outros motivos 18,98 por cento. Portanto, percebe-se que a grande maioria optou por essa atividade por não conseguir emprego e por ter dificuldades no mercado de trabalho. Esses dados mostram claramente a realidade que se delineia ao longo dos anos, cujos fatores conjunturais e estruturais acabaram não só excluindo como não absorvendo a força de trabalho, com pouca qualificação e experiência. O resultado de tais fatores são identificados nessa categoria. 

Tabela 3
Distribuição percentual do motivo que levou a população de recicladores de Caxias do Sul – RS
a exercer a atividade informal

MOTIVOS

Homens

Mulheres

Total

Absoluta

Percentual

Absoluta

Percentual

Absoluta

Percentual

Negócio próprio

1

3,33

1

3,57

2

3,45

Horário flexível

-

-

1

3,57

1

1,72

Melhor remuneração

4

13,33

4

14,29

8

13,79

Não conseguiu emprego

12

40,00

7

25,00

19

32,76

Dificuldades no mercado

8

26,67

6

21,43

14

24,14

Deficiência física

1

3,33

1

3,57

2

3,45

Motivos familiares

-

-

1

3,57

1

1,72

Outros

4

13,33

7

25,00

11

18,98

Total

30

100,00

28

100,00

58

100,00

Fonte: Dados preliminares da pesquisa "O mercado de trabalho informal no município de Caxias do Sul", 2004.

Quanto à possibilidade de os entrevistados terem uma atividade com carteira assinada, constatou-se que a maioria (70,69%) afirmou que gostaria de estar no mercado formal pelo aspecto da segurança. As vantagens apresentadas de ser trabalhador nas associações de recicladores foram: horário flexível, não ter patrão, poder trabalhar com a família e estar fazendo o que gosta.

Considerações finais

Tem-se ciência do limite desta análise; entretanto, a mesma permite instigar a produção de estudos que possam averiguar os processos semelhantes e divergentes, em outras regiões, acerca dessa atividade econômica e fortalecer a discussão sobre o meio ambiente, a utilização e reutilização dos resíduos sólidos e a possibilidade de viabilizar programas de ocupação e renda.

O estudo aponta para uma série de situações que expressam a informalidade e o limite entre o mercado formal e o informal. As transformações que ocorrem na organização do trabalho, no sistema capitalista, refletem a necessidade de discutir as formas de produtividade e as garantias de produzir a acumulação. Entre essas situações identificam-se:

a) a divisão sexual do trabalho, como foi analisado no estudo, pela diferença entre trabalho feminino e trabalho masculino e a repetição de padrões comportamentais frente a essas diferenças nas operações que o trabalho exige;

b) a força do trabalho parcelado e a destruição de alguns conceitos tradicionais de qualificação;

c) a contradição que aparece no tipo de serviço, estabelecida pela relação com a natureza. O trabalho terciário se distancia da natureza na medida em que tem, como fim, sua proteção;

d) a proveniência da força de trabalho que atua na informalidade resulta de movimentos migratórios que provêm de outros municípios, e seus deslocamentos foram atribuídos à busca de trabalho.

A organização da associação de recicladores de lixo foi uma experiência importante na vida dos trabalhadores entrevistados. Esses trabalhadores relatam o desejo de exercer uma atividade no mercado formal, com emprego fixo. Identificam o sentimento de marginalização do serviço que desenvolvem pela sociedade, mesmo que reconheçam sua importância. Acreditam que apenas no mercado formal existe a possibilidade de inserção na sociedade e a garantia de acesso aos benefícios sociais e dos direitos como cidadãos.

No entanto, a questão da geração de trabalho e renda, por meio das associações de recicladores, tem sido de fundamental importância, principalmente quando se considera o aumento significativo do nível de desemprego das camadas mais pobres e sem instrução da população envolvida. Entretanto para que as associações continuem cada vez mais gerando novos postos de trabalho, faz-se necessária a ampliação do volume diário da coleta seletiva, de maneira que todas as associações sejam supridas e que sua produção garanta uma remuneração mínima para cada reciclador. Nesse caso, o que se pretende é aumentar a produtividade do trabalho, até que se atinja uma escala produtiva que possibilite maior agregação de valor no processo de trabalho dos recicladores.

Pode-se dizer que alguns aspectos necessitam ser avaliados para a sobrevivência das unidades de reciclagem. Um foco importante é a padronização dos processos administrativos, de maneira que as associações possam futuramente se autogerenciar de forma sustentável, com o aumento dos recursos oriundos do beneficiamento e, principalmente, da comercialização do material reciclado, uma vez que não existe uma política mais incisiva para esse procedimento. 

O estímulo às unidades de reciclagem de lixo pode ser solução para impasses que existam entre o gerenciamento de resíduos sólidos e ações públicas. O processo de reciclagem do lixo pode contribuir para melhorar as condições dos aterros sanitários e dos lixões e, ao mesmo tempo, promover cuidados ambientais, criar alternativas de geração de renda e oferecer soluções na gestão dos resíduos sólidos.

Notas

[1] Segundo informações da Companhia de Desenvolvimento de Caxias do Sul-RS (Codeca), o município produz diariamente cerca de 300 toneladas de resíduos domésticos por dia, sendo que, desse total, cerca de 50 toneladas são destinadas a oito associações de recicladores de lixo.

[2]O conceito de informal e informalidade tem sido usado em diversos estudos de forma ambígua. AZEVEDO (1990, p.164) usa expressões como “economia subterrânea, invisível, clandestina, oculta ou informal para falar de informalidade”. 

[3] O sentido literal da palavra partilha, segundo Sacconi (1996, p. 507), mostra que é o efeito ou a ação de repartir, divisão de lucro, herança, ou de bens. Para os recicladores, a palavra partilha nada mais é do que a divisão dos resultados, após apuradas as receitas e as despesas. Dessa apuração, uma vez com saldo positivo, é estipulado um valor da hora trabalhada. Para efeito de cálculo de remuneração dos trabalhadores na associação, toma-se o valor da hora trabalhada e multiplica-se pela quantidade de horas que o mesmo realizou no decorrer do período.

[4] O contexto histórico em que nascem associações de recicladores de lixo indica a ausência de políticas nacionais de ocupação e renda. Nascem como alternativa de trabalho coletivo. A primeira Associação de Recicladores envolveu 41 desempregados e foi uma iniciativa da Cáritas Diocesana de Caxias do Sul. A partir dessa iniciativa, formaram-se mais seis grupos que totalizam 220 pessoas, que constituem a população que compõe as unidades de reciclagem de Caxias do Sul e que vive exclusivamente do trabalho com o lixo.

Bibliografia

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© Copyright Vania Beatriz Merlotti Herédia, Sandro Rogério dos Santos, 2007
© Copyright Scripta Nova , 2007

Ficha bibliográfica:

HERÉDIA, Vania Beatriz MERLOTTI; SANTOS, Sandro Rogério dos. Uma face da informalidade: o mercado do lixo.  Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.   Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2007, vol. XI, núm. 245 (47). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-24547.htm> [ISSN: 1138-9788]


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