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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. 
ISSN: 1138-9788. 
Depósito Legal: B. 21.741-98 
Vol. XI, núm. 245 (58), 1 de agosto de 2007
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

Número extraordinario dedicado al IX Coloquio de Geocritica

O TURISMO E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NO ESTADO DO MARANHÃO, BRASIL


Antônio José de Araújo Ferreira
Departamento de Geociências
Universidade Federal do Maranhão
Doutorando em Geografia Humana
Universidade de São Paulo
ajafjm05@usp.br

 O turismo e a produção do espaço no Estado do Maranhão, Brasil (Resumo)

O turismo é uma das atividades que mais crescem no mundo. Essa premissa concorreu para o Brasil e suas unidades da federação levarem a cabo planos e projetos visando incrementar essa atividade com base em um discurso desenvolvimentista, que contribui para desvirtuações de análises. É neste contexto que se enquadra o Plano de Desenvolvimento Integral do Turismo do Estado do Maranhão, Brasil, o qual é uma política territorial que desde 2000 é apresentado como o “eixo de desenvolvimento”; este discurso, porém, não se sustenta e por essa razão a compreensão do turismo deve enfatizar o processo de produção do espaço.

Palavras-chave: turismo, produção do espaço, Maranhão.


The tourism and the production of space in the Maranhão State, Brazil (Abstract)

The tourism is one of the activites which more increase in the world. That premise had served for the Brazil and theirs unites of the federation to realize planes and projects aiming to augment that activity with basis in one progressive discourse, that contribute for deflections of analysis. Is in this context that if frame the Integral Development Plan of Tourism of Maranhão State, Brazil, that is a territorial politic which since 2000 is presented as the “axle of the development”; this discourse, however, not if sustain and consequently the comprehension of the tourism duty to emphatic the process of production of space.

Key-words: tourism, production of space, Maranhão. 


A evolução da humanidade pode ser vinculada ao deslocamento. Essa afirmativa, no entanto, concorre para que se indague: por que as pessoas sentiram (sentem) necessidade de se deslocar? No Neolítico, por exemplo, o deslocamento esteve atrelado ao atendimento de demandas como a caça, a coleta e a pesca, o que posteriormente culminou na fixação do homem em um certo lugar e revelou a passagem do nomadismo para o semi-nomadismo; isto significa que, na prática, o ser humano precisou, em determinado momento de sua evolução, de conhecer o entorno imediato que, gradativamente, foi ampliado no sentido de identificar aonde ele poderia se fixar com mais eficácia visando a se apropriar, dominar e explorar o lugar então selecionado para tal fim, o que exigiu percorrer distâncias e capacidade de escolha tendo em vista o atrativo de lugares.

Mais recentemente, a idéia de deslocamento ganhou a denominação de viagem cujos motivos inicialmente baseavam-se na religião, tratamento de saúde, trocas e/ ou negócios, cultura e lazer; a viagem, porém, era assistemática. Isto implica que, na verdade, “o turismo foi inventado” (Boyer, 2003, p. 19).

A tentativa de sistematização do turismo, levada a cabo em 1841 por Thomas Cook e que culminou na institucionalização das agências especializadas em 1866 e no Club Alpin Français (1875), contudo, foi arrefecida no período entre as duas guerras mundiais; seu desenvolvimento foi paulatinamente retomado a partir de então, sendo criadas organizações em nível nacional e internacional (Organização Mundial do Turismo, em 1974), tanto governamentais quanto privadas as quais se preocuparam com a otimização da viagem uma vez que paralelamente se sobressaia a melhoria dos meios de transporte, os meios de hospedagem, o serviço especializado das agências, a infra-estrutura de base, etc (Castelli, 1990).

O gradativo avanço do turismo não passaria incólume no sentido de se tentar compreendê-lo, embora tenham sido enfatizados os seus efeitos econômicos, sócio-culturais, e ambientais (Barreto, 1995; Yázigi, 1999; Cruz, 2001).

É exatamente pelo crescimento da atividade turística e sua relação com o desenvolvimento, bem como por seus efeitos que a maioria da literatura especializada tem destacado o dado pelo dado. Um indicativo desse incremento pode ser ilustrado, por exemplo, quando a OECD leva em conta que em 1978 aproximadamente 260 milhões de pessoas se deslocaram por todo o globo, movimentando US$ 65 bilhões que equivaleram a 5% das exportações mundiais; a OMT revelou que 576 milhões de pessoas viajaram em 1995, sendo responsáveis por uma receita de US$ 381 bilhões os quais corresponderam a 10,7% do Produto Bruto Mundial, o que significa que em dezessete anos o número de viagens praticamente dobrou enquanto a receita mundial dessa atividade ascendeu em cinco vezes.  Vale notar que esse aumento foi discutido na Lisboa Expo 98 (“A última exposição do século XX”) a qual contou com a participação de representantes de 146 países, 14 organizações internacionais, demorou 132 dias e recebeu 11 milhões de visitantes, assim como na III Feira Internacional de Turismo que se realizou em Madrid, no ano de 2002; nesta, a OMT ressaltou a ampliação das viagens de curta distância (onde o visitante gasta menos recursos financeiros, tempo de deslocamento e permanência), e ainda revelou que resistem mais aqueles países que possuem maior capacidade de cooperação entre os setores público e privado, sendo necessário maior conhecimento econômico da situação interna e a indispensável cooperação entre os governos.

Em nível mundial, todavia, o ataque de 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque colocou em xeque a segurança em aviões e aeroportos; isto, somado à crise econômica e ao clima de insegurança devido à Guerra do Iraque, concorreu para o recrudescimento da atividade turística haja vista que entre 2002 e 2003 aproximadamente 8,5 milhões de pessoas deixaram de viajar, conforme a própria OMT. Ante a retomada do crescimento econômico na escala mundial, entre outubro de 2003 e outubro de 2004, porém, a referida organização internacional constatou 12% a mais de desembarques (526 milhões de pessoas) nos aeroportos e estima que até 2010 o número de turistas corresponda a 1 bilhão[1].

É, portanto, o turismo apenas o aumento do número de visitantes e de lugares atrativos?

Como se pode avançar e qual o papel da Geografia?

Essas e outras questões, pois, têm concorrido para uma apreensão do turismo que, de fato, ultrapasse a constatação do aumento do número de visitantes e seus efeitos (Sánchez, 1991; Bertoncello, 1998; Cruz, 2000; Nicolás, 2001; Knafu, 2001); tornou-se necessário (e neste caso a Geografia, auxiliada por outros ramos do conhecimento, pode contribuir) deixar para trás a análise simplista. Isto porque mesmo se admitindo que o turismo possui um viés puramente econômico, poder-se-ia ponderar: qual a lógica de tal viés? Quem viabiliza os interesses? Que estratégias são utilizadas para materializar esses interesses? Quem faz turismo? A atividade turística não se rebate no espaço?

A ultrapassagem referida implica em se ter consciência de que o turismo, enquanto “prática social” (Nicolás, 2001), em relação ao espaço remete: a deslocamento; infra-estrutura, mesmo que reduzida; conhecimento, apropriação, ocupação, domínio, adaptação (transformação) de lugares e territórios raros (áreas verdes naturais, equipamentos de lazer numa cidade, etc); contato e troca/ assimilação de valores sócio-culturais, etc. Em resumo, essa prática social deve ser remetida para a (re)produção do espaço (Harvey, 1980 e 2005) em que o turismo é um dos elementos (Sánchez, 1991) que expressam a materialização da lógica capitalista a qual, em se tratando do espaço geográfico, “não apenas revela o transcurso da história como indica a seus atores o modo de nela intervir de maneira consciente” (Santos, 1996, p. 80).

Vale notar que essa “maneira consciente” pode ser extrapolada para algo que camufla o interesse de um agente social [2], sobretudo quando se leva em conta o poder de um discurso (oficial, em predominância).  

O conteúdo a seguir analisa a possibilidade de a produção do espaço ser utilizada no sentido de melhor se compreender o turismo no Maranhão. Inicialmente faz-se uma sucinta análise da evolução do turismo no Brasil e posteriormente discuti-se a “vocação natural” do Estado do Maranhão para o turismo, sendo enfatizado o seu Plano de Desenvolvimento Integral. Para tanto, procedeu-se: levantamento bibliográfico e documental; entrevistas não padronizadas junto a gestores municipais e estaduais; trabalho de campo a fim de se complementar dados e informações; análise, seleção e interpretação das informações e dados obtidos.


O turismo no Brasil

Na escala nacional, a preocupação em se conhecer e estruturar o território brasileiro é antiga (Costa, 1997; Moraes, 2002). No que concerne ao turismo, a iniciativa mais consistente vincula-se à criação (Decreto n° 44.863/1958) da Comissão Brasileira de Turismo (COMBRATUR) que foi extinta em 1962, sendo que quatro anos mais tarde criou-se “um aparato institucional para a gestão da atividade em todo o território” (Cruz, 2000, p. 10) nacional, que passou a ser levado a cabo pela Empresa Brasileira de Turismo (EMBRATUR – instituída através do Decreto Lei n° 55/1966); esta, sob a tutela do regime militar, ficou responsável pelo “planejamento estratégico por meio da multiplicação de empresas e agências federais capazes de acelerar a modernização da sociedade e do território e de centralizar o poder do Estado em nível federal” (Becker, 1996, p. 11).

Essa responsabilidade foi definida com base na contribuição da atividade do turismo no crescimento econômico, pois o Brasil tem historicamente uma participação pífia, isto é, só 1% no mercado mundial [3]; isto, apesar de possuir excelentes atrativos que incluem praias, patrimônio histórico, natural e cultural, música variada (samba, bossa nova, forró), floresta amazônica, grandes rios, ecossistemas únicos, etc. Assim, o turismo ganhou notoriedade e no discurso tornou-se prioridade, de maneira que o “país do futebol” deveria ser mais atrativo haja vista que em 1967 havia 16.313 aposentos que ascenderam para 120.000 em 1987 enquanto nesse mesmo período o número de hotéis classificados passou de 164 para 1980, sendo que os incentivos fiscais e financeiros responderam por 70 por cento dos hotéis construídos; o número de visitantes estrangeiros que era de 1.625.422 em 1980, registrou acréscimo de 107 por cento em 1985 e de 83 por cento em 1991 (Becker, 1996).

Convém ressaltar que, devido às mudanças de ordem política, houve transformação na estrutura da EMBRATUR (Lei n° 8.181/1991), o que resultou na instituição do Plano Nacional de Turismo (PLANTUR) o qual foi executado entre 1992 e 1994, sendo considerado o primeiro passo para a implantação, de fato, de uma política nacional do referido setor.

A partir do PLANTUR, pois, tanto o setor privado quanto o público passaram a ter um referencial de conduta em se tratando de uma atividade (considerada econômica, predominantemente) que deveria crescer e tinha nítida repercussão espacial, de maneira que cada vez mais ganhava a cara de uma política territorial, aqui compreendida como

toda e qualquer atividade estatal que, implique, simultaneamente, uma dada concepção do espaço nacional, uma estratégia de intervenção ao nível da estrutura nacional e, por fim, mecanismos concretos que sejam capazes de viabilizar essas políticas (Costa , 1997, p. 13.).

O citado plano, todavia, deparou-se com uma estrutura centralizada no Sistema Nacional de Turismo (composto pela EMBRATUR, CNTUR e o Ministério da Indústria e Comércio), a qual resultou em conflitos nos processos decisórios haja vista que não se concedia espaço suficiente para a iniciativa privada que era minoria e nem para os representantes dos governos estadual e municipal, tampouco para os usuários e beneficiários do setor em questão (Pereira apud Brasil, 1994).

A Política Nacional do Turismo (PNT), que foi levada a efeito entre 1996 e 1999 consistiu de uma gama de diretrizes, estratégias, ações e objetivos a serem materializados pelo Sistema Oficial de Turismo, assim como pela iniciativa privada por intermédio da Câmara Setorial de Turismo, que incluía programas de geração e oportunidades de negócios, além de desenvolvimento de infra-estrutura básica e turística. Neste caso, vislumbrou-se um avanço na medida em que, por exemplo, a mesma previu a descentralização da gestão de maneira que os estados e municípios deveriam se preparar para desenvolver o setor em tela de acordo com suas necessidades e características; isto, por intermédio do Programa Nacional de Municipalização do Turismo (PNMT). Vale notar que a PNT e o PNMT eram articulados por uma macro-estratégia que visava à implantação de infra-estrutura básica adequada às potencialidades regionais, conforme o Programa de Ações para o Desenvolvimento do Turismo (PRODETUR) [4] que ganhou versões para as macrorregiões do Nordeste, da Amazônia/ Centro-Oeste, e do Sul.

Com efeito, de acordo com o EMBRATUR, entre 1993 e 2003 o Brasil recebeu 2,5 milhões de visitantes a mais e segundo o Banco Central em 2004 os turistas estrangeiros deixaram 3,2 bilhões de dólares no País, o que significou 30 por cento acima do ano anterior. Espera-se, todavia, que com a criação do Ministério do Turismo (em 2003) o quadro descrito melhore, uma vez que o Programa de Regionalização do Turismo que ficou denominado “Roteiros do Brasil” está sendo implantado desde 2004 e tem como fundamento “a construção coletiva de um planejamento territorial turístico” para o País, envolvendo 3.213 municípios (57,77 por cento do total) os quais foram agrupados em 219 “regiões turísticas”. Convém ressaltar que a referida gama de acontecimentos na esfera da União se repercute na escala estadual em que se realçará o Maranhão.


A “vocação natural” do Estado do Maranhão para o turismo

Como aconteceu na escala da União, a preocupação como o turismo no Maranhão (Figura 1) é recente e remonta a 1962 quando foi criado o Departamento de Turismo e Promoção do Estado. Realizaram-se, por isso, concursos de manifestações culturais e folclóricas, a exemplo do bumba-meu-boi, bem como foram editados guias turísticos e elaborados roteiros da cidade de São Luís, capital estadual. Em seguida, convém registrar: a instituição do Fundo de Investimento do Turismo (FURINTUR, em 1968); a inclusão do bumba-meu-boi no calendário turístico nacional, em 1971; a criação (1973) do Departamento de Turismo; a efetivação da Empresa Maranhense de Turismo (MARATUR, em 1976), que em 2000 foi transformada em Sub-gerência Estadual de Turismo, passando em 2003 a ser denominada Agência de Desenvolvimento do Turismo (ADETUR) e em 2004 tornou-se a Secretaria de Estado Extraordinária para o Desenvolvimento do Turismo (SEEDETUR).

Em função das diretrizes federais, no início da década de 1990 o referido Estado foi incluído no PRODETUR-NE, que selecionou 11 dos 136 municípios dessa unidade federada uma vez que o turismo havia sido indicado como sendo a “vocação natural do Maranhão” a qual se baseava na diversidade natural, passado histórico, culinária exótica, cultura original e viva (Maranhão, 1995). Devido às expectativas do PNT, o Governo do Maranhão apresentou o Plano Estadual de Turismo em 1995, que em decorrência da continuidade administrativa foi reapresentado em janeiro de 2000 com a denominação de Plano de Desenvolvimento Integral do Turismo do Maranhão (Ferreira e Souza, 2002).


O Plano de Desenvolvimento Integral do Turismo

O referido plano está sendo desenvolvido de acordo com três etapas: 1ª) diagnóstico; 2ª) definição das estratégias; 3ª) estruturação (2000 a 2002) e consolidação (2003 a 2010).

O diagnóstico catalogou “149 recursos turísticos”, avaliou a demanda que indicava que o Maranhão era o 12° estado receptor do Brasil (em 1998), sendo responsável por 3,8 por cento dos visitantes estrangeiros e sua capital era o principal destino; a conclusão revelou, ser o o desenvolvimento turístico dessa unidade da federação “uma grande possibilidade”  (Maranhão, 2000, p. 14).

Figura 1
Estado do Maranhão: localização e pólos turísticos

       Fonte: Maranhão, 2000, p. 9.

No mencionado plano, é ressaltado que o imenso potencial turístico do Maranhão sempre foi reconhecido como um dos mais importantes recursos estratégicos para a promoção de seu desenvolvimento econômico. A situação geográfica privilegiada do Estado responde pela grande variedade de ecossistemas. É detentor da segunda maior costa marítima do País, em que se estende, majestoso, o único delta em mar aberto das Américas, com suas dezenas de ilhas, compondo um cenário de belezas inigualáveis”[...], mas [...] “durante muitos anos, nenhuma ação consistente, com base num planejamento sério e aprofundado nas nossas reais possibilidades de exploração do turismo, foi objeto de metas prioritárias do Governo (Maranhão, 2000, p. 3).

Considerando os recursos naturais e sócio-culturais dos atuais 217 municípios maranhenses, o citado Plano selecionou somente 19 como sendo de “interesse turístico, estando agrupados em 05 pólos de interesse – Pólo de São Luís, Pólo dos Lençóis, Pólo do Delta das Américas, Pólo da Floresta dos Guarás e o Pólo das Chapadas das Mesas” (Maranhão, 2000, p. 8) – Figura 1.

A definição dos mencionados pólos turísticos foi uma estratégia adotada pelo Governo do Maranhão no sentido de otimizar o investimento e a concentração de produtos turísticos, visando transformá-lo em um “celeiro” de diferentes atrações, a exemplo do ecoturismo, lazer histórico, cultural, musical e folclórico; para tanto, previu-se a inversão financeira em infra-estrutura e serviços públicos, hotéis e restaurantes.

Outra estratégia que pode ser destacada é a inclusão dessa unidade da federação em eventos de grande monta, como as feiras internacionais de turismo que se realizaram na Argentina, Chile, Espanha, Portugal e Peru, assim como nos congêneres nacionais.

A relevância maior atém-se à denominada “visão de futuro – 2010” (Maranhão, 2000, p. 17), cuja meta principal almeja à elevação do número de turistas de 431.324 (1998) para 1.500.000 (2010). Para tanto, foram estabelecidas duas fases, das quais uma foi levada a efeito entre 2000-2002 (Estruturação da Qualidade Maranhão) e a outra é a de 2003-2010 (Consolidação da Qualidade Maranhão), sendo que o Plano Operacional definiu cinco macroprogramas: desenvolvimento; marketing; maior qualidade; sensibilização da sociedade; e comunicação.

Assim, a marca passou a ser “Maranhão: a nova descoberta do Brasil” e por isso a SEEDETUR que instituiu o Fórum de Turismo do Estado “fechou o ano comemorando um aumento de 193 por cento no fluxo de turistas nos últimos quatro anos. O que reflete uma geração de receita, somente em 2005, no valor de R$ 408 milhões”[5].              

Convém ressaltar que estão em andamento as negociações do Governo do Maranhão com o Ministério do Turismo e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, através do Banco do Nordeste do Brasil, visando à materialização do PRODETUR II e do Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável /PEDITS. Uma vez concretizadas, tais negociações culminarão em “ações que ampliarão as condições para a melhoria da infra-estrutura turística do Estado do Maranhão, estabelecendo corredores turísticos com a função de interligar pólos de turismo, espacialmente, e criar centros de dinâmicas populacionais e econômicas em cidades e núcleos que constituem centros receptivos para o turismo no Maranhão”[6].

Apesar do “risco Maranhão” (Ferreira, 2004), o referido Plano Integral do Turismo é apresentado como indutor uma vez que é o “eixo do desenvolvimento”; em que pese a “sensibilização” por parte da comunidade e iniciativa privada, o mesmo requer algumas ponderações. Isto porque: 1) enquanto política territorial, sua distribuição espacial permanece desigual e não é complementar se for levado em conta que dos cinco pólos, quatro se localizam no litoral e apenas um está no continente e numa área que já está bastante articulada visando à criação do Estado do Maranhão do Sul; 2) enquanto invenção planejada ou não, o turismo não deve ser concebido como redentor de lugar empobrecido, pois esta é uma concepção puramente economicista que se coaduna apenas com o discurso oficial e os “proprietários do solo, os agentes imobiliários e os agentes do setor produtivo” (Sánchez, 1991, p. 231).

Pode-se ultrapassar essa concepção a partir de questionamentos, como: Que interesses estão por trás da atividade turística? Quem viabiliza os interesses? Que estratégias são utilizadas para concretizar os interesses? Há algo para ser desvendado na apreensão do turismo no Maranhão? A Geografia pode contribuir nesse debate?

A não observação desses questionamentos concorreu para que alguns esforços atinentes à compreensão do turismo na área de abrangência do Pólo dos Lençóis sejam caracteristicamente superficiais uma vez que, por exemplo:

1) Silva (1998) não percebeu que por trás da criação do município de Santo Amaro do Maranhão, em 1994, estava o interesse político e o “boom” da especulação imobiliária haja vista que sua análise priorizou as potencialidades e desconsiderou os acordos os quais viabilizaram eleição de prefeito e vereadores; tampouco se ateve ao levantamento e aquisição de terras por parte de grupos políticos do Estado em tela e até por estrangeiros, bem como aos empreendimentos de hospedagem e de transporte que se instalaram;

2) baseando-se nas oportunidades e ameaças [7] contidas no Plano de Manejo do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses,  Costa (2003) ponderou que os efeitos do turismo já eram mais negativos que positivos no citado parque o qual ainda não teve efetivado o seu plano de manejo e a agravante é que empreendimentos de diversos setores (hospedagem, restauração, transporte) e portes (pousadas e flats) continuam se instalando[8], sendo que alguns derivam de empresas com escala de atuação regional, nacional e até internacional, a exemplo da Incorporadora Franere e a Locaventura. À essa ponderação deve-se adicionar o fato de que políticos que estavam no poder à época de elaboração do mencionado Plano de Turismo, coincidentemente se anteciparam e compraram terras nas localidades de Atins, Cantinho, São Domingos e entorno imediato da sede do município de Barreirinhas (cujo plano diretor ainda não foi aprovado) e, assim, impuseram-se novos usos (predominantemente o de segunda residência, seguido por hospedagem e restaurantes vinculados a pessoas com poder aquisitivo mais elevado), o que tem contribuído para atrair a população que antes se evadia.

Outro exemplo é o do Pólo das Chapadas das Mesas, que se localiza em área de cerrado cujas cachoeiras são utilizadas como atrativo embora estejam em terras de particulares, sobretudo de ex-prefeitos e seus consangüíneos; neste caso, pode-se questionar: há separação entre o interesse público e o privado? Carolina que é o portal desse pólo, por um lado registrou incremento dos serviços de hospedagem, restaurante e transporte, mas por outro a especulação imobiliária se manifesta gradativamente, assim como a elevação do custo de vida da população. 

Convém ressaltar também que, apesar do difícil acesso ao Pólo da Floresta dos Guarás, na ilha dos Lençóis foi instalada uma pousada vinculada à Lopes Turismo e Aventura Ltda. O proprietário dessa pousada migrou do Estado do Ceará (Canoa Quebrada e Jericoacoara) para o Maranhão (Barreirinhas) de onde foi para a citada ilha, o que despertou o interesse de outras pessoas “com visão empresarial” as quais pretendem se direcionar para o litoral ocidental da unidade federada em apreço. Tal migração é uma boa pista para ser analisada enquanto derivada do turismo e cuja lógica é manter e/ ou ampliar as possibilidades de reprodução do capital.

É essa lógica que está na origem do turismo e, por conseguinte, novos usos e valores sócio-culturais são impostos, e têm como referência em se tratando de análise o processo de (re)valorização/ produção do espaço, cuja base são os atrativos turísticos que em alguns casos até pueden ser gratuitos, pero el alojamiento, la manutención, los servicios... imprescindibles para poder desplazarse y mantenerse, entra dentro de um circuito de producción-intercambio-consumo mercantilizado (Sánchez, 1991, p. 228) em que o Estado é um agente essencial em um mercado cada vez mais globalizado e pouco exigente em termos da “consciência do espaço” (Moraes, 1996).


Conclusão

O turismo é um tema que requer, para efeito de compreensão, ponderação no sentido de não se incorrer em imediatismos e equívocos.

Em relação ao Estado do Maranhão, portanto, a interpretação geográfica pode contribuir nessa ponderação tendo em vista que o atual instrumento, isto é, o Plano de Desenvolvimento Integral do Turismo deve ser analisado como uma política territorial que tem por referência as diretrizes federais e articula interesses públicos e privados os quais impõem novos usos e valores sócio-culturais nos lugares selecionados e têm origem na necessidade de viabilizar a reprodução cada vez mais otimizada do capital.

Uma possibilidade de superação é se analisar a (re)produção do espaço. Para tanto, deve-se identificar quem são e como atuam os agentes sociais envolvidos na atividade do turismo, a qual tem repercussões substanciais no território a ser relevado.

No Maranhão, o citado plano prima por enfatizar o turismo de sol e praia, de lagoas e dunas, dos manguezais, dos cerrados e cachoeiras, dos patrimônios histórico e cultural, os quais têm uma ocorrência restrita e por isso os pólos definidos poderiam ser redimensionados em se tratando de todos os setores (geográficos) visando a uma complementação das atividades e não ser apresentado como sendo a única opção ou o “eixo do desenvolvimento”. Isto porque, no mesmo imperam limitações que passam pela decantada melhoria da formação da mão-de-obra a qual tem como base a eficácia (sic) dos serviços da educação em um Estado que ainda é um dos campeões nacionais de analfabetismo funcional e o que detém o menor índice de desenvolvimento humano.

Neste caso, não há programa de marketing (o Maranhão foi destaque em matérias jornalísticas do SBT Repórter, Globo Repórter, e do Repórter Record, além do Programa Mais Você, da novela Da Cor do Pecado, e do filme Casa de Areia) que consiga apenas ressaltar os atrativos dos sítios e ao mesmo tempo mascarar as condições de vida da maioria da população; tampouco se pode levar a cabo uma análise que não dê conta de temas correlatos e que são cruciais para se compreender o turismo, como a regularização e especulação fundiária, o privilégio na tomada de decisão por parte de quem está no poder, a especialização funcional, a migração, a poluição, etc., e sobretudo os processos de (re)valorização/ produção do espaço decorrentes da lógica do capital.      


Notas

[1]] Cf.: Almanaque Abril. São Paulo: Editora Abril S.A. Mundo 2005, 2005, p. 33-78.

[2] Por agente social se entende “um agrupamento de pessoas e/ ou instituições que desenvolvem ações definidas, visando à defesa de seus interesses” (Ferreira, 1998, p. 32). Utiliza-se este termo por, na nossa avaliação, ser mais preciso que o de “ator” ou “sujeito” haja vista que o mesmo é quem pratica a ação.

[3] Cf.: Almanaque Abril. São Paulo: Editora Abril S.A. Brasil 2005. 2005, p. 47-48.

[4] O PRODETUR foi criado pela extinta SUDENE e a EMBRATUR por intermédio da Portaria Conjunta n° 001, de 29.11.1991.

[5] Cf.: O potencial turístico maranhense na rota do Turismo Internacional. Jornal Cazumbá. São Luís, ano IV, n° 22, janeiro de 2006, p. 5.

[6] MARANHÃO (Estado). Ações em turismo. [En línea]. São Luís: SEEDETUR.      <http://www.ma.gov.br/cidadao/programas_acoes/emprego_renda/turismo.php>. [24 de janeiro de 2006].

[7] A prática do turismo proporcionaria onze oportunidades, como: as novas de trabalho no entorno, atuando como chamariz de povoamento; inserção da questão ambiental nos planos diretores dos municípios vizinhos; inserção das unidades de conservação nos planejamentos sócio-econômicos regionais; criar estruturas de fiscalização ambiental e turística para o pólo. As ameaças ativeram-se ao assoreamento do rio Preguiças, especulação imobiliária, mudanças dos costumes locais, perda da biodiversidade biológica, inexistência de redes de esgoto e deterioração dos atrativos turísticos devido ao grande número de visitantes. Cf.: Brasil, 2002.

[8] Antes da melhoria e asfaltamento da MA-402, no trecho entre Bacabeira e Barreirinhas, a viagem de São Luís até esta última cidade demorava em média 13 horas que foram, assim, reduzidas para três; havia apenas o hotel central e a pousada da Giltur. Posteriormente, SEBRAE apud Costa (2003) revelou que existiam 13 pousadas e um hotel. O mais recente empreendimento é o Lençóis Flat Residence que possuirá 300 apartamentos, piscina com bar molhado e petiscaria, marina com píer, restaurante internacional/regional/scoth bar, restaurante com bar na beira do rio Preguiças, saunas, salas de massagem, fitness center, salão de jogos, campo de futebol society, kid’s club, playground, bosque para passeio, tv por assinatura, salão de convenções, business center, centro comercial com loja de conveniência e amplo estacionamento.

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© Copyright Antônio José de Araújo Ferreira, 2007
© Copyright Scripta Nova, 2007

Ficha bibliográfica:

FERREIRA, Antônio José de Araújo. O turismo e a produção do espaço no Estado do Maranhão, Brasil.  Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.   Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2007, vol. XI, núm. 245 (58). http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-24558.htm> [ISSN: 1138-9788]


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