Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. 
ISSN: 1138-9788. 
Depósito Legal: B. 21.741-98 
Vol. XI, núm. 245 (60), 1 de agosto de 2007
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana
]

Número extraordinario dedicado al IX Coloquio de Geocritica

O LUGAR  DA GEOGRAFIA NO ENTRE-LUGAR DO ESPAÇO TURÍSTICO: UMA VIAGEM COMPLEXA


Antonio Carlos Castrogiovanni
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
castroge@ig.com.br


O lugar da Geografia no entre-lugar do espaço turístico: uma viagem complexa (Resumo)

A pesquisa lida com as interfaces  da Geografia, do Turismo e da Comunicação. Procura sustentar inquietações como: existe relação entre o espaço geográfico e o espaço turístico, ou não? Existe ou não um espaço turístico pré-definido? O espaço turístico é resultado ou não de nominalismos e simulacros construídos com a intervenção da Comunicação? O espaço turístico constitui-se num lugar, não-lugar ou entre-lugar? A pesquisa está ancorada em diversas lunetas, entre elas temos as de Milton Santos, Roland Barthes e Ernst Cassirer. A metodologia empregada possibilita o uso da técnica da entrevista episódica proposta por Uwe Flick. O movimento é feito a partir de um lugar, o município de Irai, estação de águas termais situada no norte do Rio Grande do Sul. O espaço turístico que  parece ser resultante da densidade comunicacional, inserido num tempo e num espaço, tende a existir a partir da apropriação do espaço geográfico.

Palavras Chave: turismo, comunicação, lugar, entre-lugar, cidade de Iraí.


The place of the Geography in the between-place of the touristic space: a complexus journey (Abstract)

The research deals with Geography, Tourism and Communication interfaces. It bears questionings such as: Is there a relation between geographic and touristic space or not? Is there a pre-dermined touristic space? Is the touristic space a result of nominalisms and constructed simulacra with the intervention of Communication? Is the touristic space constitued in a place, no-place or even between-places? The research is based on a variety of views such as Milton Santos, Ronald Barthes and Ernest Cassirer. The methodoly applied allows the use of episodic interview by Uwe Flick. The movement happens due to a place, the city of
Irai, a thermal station in Northern Rio Grande do Sul. The touristic space seems to be a result of communication density within time and space, its exitance is a trend based on the appropriation of geographic space.

Key-words: tourism, communication, place, between-places, Iraí City (Brazil).



Nosso Destino: muitas dúvidas!

A proposta desta pesquisa foi estudar a formação do espaço turístico e as suas interfaces com a Geografia e a Comunicação, a partir de uma realidade, uma estação de águas termais - o município de Irai, situado no setor noroeste do estado do Rio Grande do Sul. O estudo aplicado envolve o sítio urbano, área de importância histórica e às áreas a este relacionadas.

Este estudo teve como categorias: a comunicação[1] a partir de Morin (2001b) com as subcategorias nominalismo, segundo Cassier (1992) e imagem, segundo Barthes (1990 ); a categoria forma foi empregada a partir de Santos (1980 e 1996); a categoria lugar também segundo o mesmo autor (1996) com as suas subcategorias não-lugar (AUGÈ, 1994 e 1998) e entre-lugar ( adaptado de Bhabha, 1998); a categoria sujeito a partir de Morin (2001a) e a categoria globalização a partir de Morin (2001b), Mattelar (2000) e de Santos (1994b e 2002 ) . A pesquisa é qualitativa com o método de análise amparado na complexidade, através de um caminho que valoriza  as verdades vistas por sujeitos, num certo momento e lugar; até porque, na dialógica, que constitui a vida, parece ser  impossível existirem verdades absolutas e eternas no tempo e no espaço. A técnica pra escutar e analisar o que pensam/dizem os Sujeitos (funcionários de hotéis, empresários ligados ao setor turístico, políticos, turistas que conhecem Irai, turistas que não conhecem Irai e residentes) foi a entrevista Episódica (Flick, 2002).


Por que esta viagem?

Pensamos ser o turismo um fenômeno espacial e comunicacional, portanto também da responsabilidade de estudo geográfico. Ele tem apresentado em nossos estudos muitas incertezas e verdades provisórias.

A pesquisa parte inicialmente do pressuposto de que a condição humana está marcada por duas grandes incertezas: a incerteza cognitiva e a incerteza histórica. [...] Conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza (Morin, 2000, p.59)”. Assim transitamos nesta pesquisa com o pensamento complexo que trata com a incerteza, procurando conceber a organização. Por outro lado “a realidade concreta da história não separa o natural e o artificial, o natural e o político, devemos propor um outro modo de ver a realidade (Santos, 1996, p.81)”. Portanto, parece impossível ver a realidade numa leitura fundada em dois pólos, ou seja, o certo ou errado. A produção do conhecimento é processual, engloba o histórico, o individual e o coletivo ao mesmo tempo, deriva da práxis humana, da leitura feita através desta práxis, portanto não pode ser linear e neutra, ter certezas eternas e verdades absolutas. Acreditamos que pensar, a partir de diferentes leituras históricas e epistemológicas favorecem, em muito, a busca de complexos diálogos que, podem lidar, com maior propriedade, com as determinações sociais e econômicas que têm direcionado a história para caminhos dito certos e verdadeiros.

O trabalho, com a busca das interfaces de três campos do conhecimento (preferimos chamar assim, neste momento, a Geografia, a Comunicação e o Turismo), parece poder sustentar estas inquietações: Existe relação entre o espaço geográfico e o espaço turístico ou não? Existe um espaço turístico pré-definido ou não? O espaço turístico é resultado da intervenção da Comunicação ou não? A mídia participa na construção deste espaço ou não? Por que o espaço turístico de águas termais tem sofrido uma certa rejeição por parte dos jovens neste início do século?

O contexto do turismo é, essencialmente, pluriculturalista, polissêmico, plural. Constitui-se num fenômeno sociocultural de grande valor simbólico aos sujeitos que o praticam e aos sujeitos que vivem nos lugares onde ele é praticado. Há uma publicização, incentivada pelo marcado neoliberal da comunicação, quanto às imagens que devem ser consumidas pelo sujeito turístico.

A imagem é polissêmica e pressupõem, subjacente a seus significantes, uma “cadeia flutuante” de significados, podendo o leitor escolher alguns e ignorar outros (Barthes, 1990, p.32). O espaço turístico parece ser, antes de tudo, uma imagem. A questão é, como são/podem ser construídos/escolhidos estes significados e qual a contribuição da Geografia e da Comunicação na seletividade polissêmica pelo sujeito turístico?


O pano de fundo: navegamos num mar globalizado

A ordem global busca impor a todos os lugares, uma única racionalidade, e os lugares respondem ao mundo segundo os diversos modos de sua própria recionalidade, cada lugar é ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de outra local, convivendo dialeticamente (Santos, 1996).O lugar entendido como a porção do espaço que tem sentido para a vida, que é vivido, reconhecido e constituído por identidade. Cada lugar, mesmo globalizado, deve ser único para dar sentido à existência do sujeito e, portanto, do turista. O lugar que é a parte, pela sua complexidade representa o todo e difere-se do todo enquanto parte, existe pela comunicabilidade das suas particularidades.

Com esta leitura, surge outra inquietação - Qual é o sentido da ação comunicativa na construção do espaço turístico, visto o espaço turístico ser também um fenômeno comunicacional?

 A ação comunictiva[2] já é necessária no processo de conscientização de uma cultura turística, que, aliás, é o primeiro passo para a formação do espaço turístico (Beni, 1998, p.84). Esta conscientização se faz através de ações comunicativas com continuidade. Segundo pesquisas já realizadas por nós, os meios midiáticos procuram  agendar uma cultura turística de consumo para certos lugares. Em outras palavras, tem havido a manipulação do espaço geográfico, através de um discurso, que encaminha para a necessidade de consumo de um Lugar, portanto é latente a discussão do que deve ser entendido por cultura turística. Para nós, parece ser, um conjunto de crenças, valores e técnicas para lidar/construir/usufruir o espaço turístico. Este conjunto deve ser compartilhado entre os contemporâneos e transmitidos, através de (re)cosntruções,  de geração em geração. Aqui também estão as especificidades, as singularidades dos lugares, ou seja, as diferenças do espaço geográfico, que são as possibilidades na oferta turística.  Por outro lado, acreditamos ser através da Educação que se  materializa melhor esta conscientização, que neste momento, chamamos de Educação para o Turismo.

No processo de Globalização a competividade elege como discurso o lugar, que no início do século era representada pelo progresso e após a Segunda Guerra Mundial pelo desenvolvimento (Santos, 1995, p.35). O espaço se globaliza, mas não é mundial como um todo, senão como metáfora. Todos os lugares parecem ser mundiais, mas não há espaço mundial. Quem se globaliza, mesmo, são os sujeitos, através de trocas culturais possibilitadas pelas redes de comunicação e os lugares. Então, existe ou não o espaço turístico globalizado? Qual é o papel da Comunicação na globalização dos diferentes lugares, já que quem se globaliza são as pessoas? Outra questão é: como difundir/capitalizar do ponto de vista turístico, o lugar, já que cada vez mais o mundo transforma-se em imagem e esta em produto? Quanto do espaço geográfico tem no espaço turístico e quanto do imaginário faz parte dele?

O espaço turístico é conseqüência desta produtividade geográfica ou não? O sucesso do produto turístico está relacionado aos lugares ou não? Quando se trata do produto turístico, qual o papel da comunicação nesta oferta? A comunicação representa a condição de possibilidades da interação social. Visa em essência a satisfazer a necessidade de cooperação que se desenvolve na sociedade. Sabemos que a realidade social não é isenta do Lugar, mas é também fruto das práticas sociais desempenhadas por grupos ao longo da história. Portanto, a comunicação é fruto também das práticas sociais.


O mar a ser navegado: o município de Iraí   

Iraí é um município situado no setor norte-noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, cujo  sítio urbano  parece  “parado” nos anos quarenta do século passado, época da proibição dos jogos de azar no Brasil e, portanto,  fechamento de seu cassino - Cassino Guarany.  Sendo um balneário de águas termais, continua tendo como principal fonte de arrecadação, as atividades ligadas ao Turismo. Tem a sua formação étnica constituída a partir de descendentes de imigrantes alemães, italianos, poloneses, russos e, ainda muito presente, a etnia indígena Caigang. Em 1927 foi fundado o Balneário Osvaldo Cruz, sendo que, o prédio atual, inaugurado em 1935, foi concebido nos moldes das estâncias termais européias da época. Já passou por diversas reformas, sendo a última realizada em 2002. Seu formato é de inspiração das arenas romanas, foi construído junto à margem esquerda do Rio do Mel - afluente do Rio Uruguai, respeitando a mata atlântica nativa do entorno. Iraí é um município com  área de 185 Km2, predominando as pequenas propriedades com a policultura de subsistência. A distância aos principais centros emanadores regionais de turistas é relativamente grande: Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul (RS), 470 Km, Passo Fundo (RS), 230 Km, Caxias do Sul (RS), 370 Km e Santa Maria (RS) 330 Km, no entanto o centro regional do oeste catarinense - Chapecó, situa-se apenas a 80 Km. Somente em 1933 foi criado o município de Iray, que em Tupi Guarani significa águas de mel. O município possui uma reserva indígena  Caigang que tem servido, inclusive, como atrativo turístico. O tecido urbano é bem distribuído, apresentando uma maior concentração junto a duas avenidas. Atualmente (2006) a população está em torno de 9.300 habitantes, sendo que 58 por cento vive na cidade. Iraí possui sete hotéis, todos inseridos no tecido urbano. Há mata nativa secundária, que bordeia o tecido urbano, oferecendo uma franja natural, o que valoriza a atmosfera  natural/rural. Temos questionado, o  porquê da situação de atrofia urbana e econômica da cidade de Iraí, se têm um conjunto imenso de atrativos turísticos e foi planejada para ser um destino de turismo de águas termais? Estaria ligada ao fechamento em 1946, do Cassino Guarany, com a proibição do jogo pelo governo do general Eurico Dutra? Ou a distância dos centros emanadores de turistas seria a principal razão? A relação do nome com a idéia de “Lugar para a cura” seria um evocativo capaz de atrair apenas pessoas da Terceira Idade ou não?

Entre tantas inquietações que temos, em relação a Iraí, está o fato da cidade - segundo os paradigmas ‘modernos’ acreditados nas décadas de 1920 e 1930, ter sido preparada para o Turismo. Isto quer dizer que, houve um planejamento urbano para o Turismo.

A cidade foi construída, a partir de relatório de viabilidade técnica, para instalar uma estância de águas. Este relatório foi baseado, não apenas em estudos do local, mas em estudos de seis importantes estâncias de águas, já existentes no país: Poços de Caldas, Caxambú, Lambari, Cambuquira e São Lourenço no Estado de Minas Gerais e Prata no Estado de São Paulo. O trabalho, apresentado para a instalação da sede e do futuro balneário, foi, principalmente, baseado no êxito de Poços de Caldas.

Em outras palavras, não ocorreu, em Iraí, o que chamamos de "turistificação do lugar" – situação apontada, por diferentes estudiosos do Turismo, como sendo a causa do saturamento e do declínio dos espaços turísticos. O que observamos, no entanto, é a manutenção de bens tangíveis e intangíveis, conseqüente da modernidade. Há um fazer humano ainda ‘moderno’, mesmo nos equipamentos turísticos. Seria esta manutenção, em detrimento de uma materialidade ‘pós-moderna’ globalizada, uma das razões para o declínio do turismo em Iraí, ou não?


Instrumentos para navegarmos  na busca da compreensão do turismo

Comunicação e Sujeito

A Comunicação deve ser entendida como a comunicação de informação às pessoas ou grupos que podem entender o que significa a informação.Compreende a transmissão de idéias e informações e,  está associada ao conhecimento. Com relação à comunicação, o conhecimento é necessariamente a tradução em signos/símbolos e em sistemas de signos/símbolos. A tradução construtora ocorre a partir de princípios/regras que permitem construir sistemas cognitivos, articulando informações/signos/símbolos. Há, também, soluções de problemas, a começar pelo problema cognitivo da adequação da construção tradutora à realidade que se trata de conhecer (Morin, 1999a).

Para o autor, o conhecimento é que possibilita uma visão de mundo diferente da tradicional. O processo é ligado à busca da verdade, mas esta não é algo isolado da incerteza. No ir e vir da compreensão da verdade, a necessidade de certeza pode cegar a verdade (Morin, 1999a). Como o espaço turístico, que conhecemos, é (re)(a)presentado/(re)construído pelos processos de comunicação, que são dirigidos por Sujeitos e que possuem as suas singularidades, parece ser fundamental a aplicação do princípio dialógico na sua compreensão. Isto é importante, visto que, este princípio é formatado por noções, muitas vezes, contraditórias, que caracterizam e fortalecem os elementos que o compõem.   

 Não podemos confundir comunicação com compreensão. A compreensão é um fenômeno que mobiliza os poderes subjetivos de simpatia, para entender uma pessoa como uma pessoa que é também, sujeito. Estamos num mundo de muita comunicação e de pouca compreensão; portanto, não basta multiplicar as formas de comunicação, também é preciso a compreensão dessas formas. Não podemos comunicar o espaço turístico sem conhecimento do processo histórico de formação do Espaço Geográfico, só assim parece ser possível compreendê-lo.


Imagem e Nominalismo

A palavra imagem está ligada à raiz de imitari, isso segundo uma antiga etimologia (Barthes, 1990). A imagem é vista, de modo geral, como um centro de resistência ao sentido, como uma representação. A princípio, toda Imagem é/pode ser vista como uma similaridade da aparência. Isto pode ser compreendido se desconsiderarmos tudo aquilo que (pode) está além ou aquém do modo como algo se apresenta aos nossos sentidos. Barthes (1990, p. 38-39), através da semiologia, afirma que:

A Imagem, em sua conotação, seria, assim constituída por uma arquitetura de signos provindos de uma profundidade variada de léxicos (de idioletos), cada léxico, por mais profundo que seja, sendo codificado, [...]. A língua de Imagem não é apenas o conjunto de palavras emitidas [...], é também o conjunto de palavras recebidas: a língua deve incluir as surpresas do sentido.

Cogitamos que a imagem do espaço turístico é produzida, geralmente, em segunda mão. Assim, tende a ser conotada, ou seja, simbólica. É formada por traços particulares relacionados a interesses; é descontínua, embora saibamos que em toda conotação deve haver denotação, para legitimar o sentido dado à imagem.

O espaço turístico é constituído por um conjunto indissociável de objetos e sujeitos, e por idéias, representadas por palavras. Estas, que não traduzem apenas a realidade, mas, através do poder da comunicação em agregar significados às palavras, elas (por si só!) fabricam Imagens. O nome não é nunca um mero símbolo, sendo parte da personalidade de seu portador, é uma propriedade que deve ser resguardada com o maior cuidado e cujo uso exclusivo deve ser coisamente reservado (Cassirer, 1992, p.68).

O emprego do nome, mesmo de maneira reservada, possibilita identificar. Isto ocorre, não somente como significado de acessório próprio, mas através de uma importante bagagem de significação social, inserida numa cultura, estabelecendo assim um nominalismo. É ingênuo pensarmos que é possível separar o nome do que ele representa e, portanto, do que significa. A comunicação do nome desperta o nominalismo, ou seja, os significados agregados à palavra. O sentido atribuído ao nome faz do local um lugar. No momento em que já tem significado para o sujeito, a palavra não exprime o conteúdo da percepção, como um simples símbolo convencional, e sim representa, uma unidade indissociável. Os significados já agregados a Iraí navegam com a palavra Iraí, ou seja,  a substanciam. O sentido, dado ao conteúdo com o qual a palavra navega, não viaja na palavra, mas sim dela emerge, dependendo do oceano textual.

Aquilo que alguma vez se fixou numa palavra ou nome, daí por diante nunca mais aparecerá apenas como uma realidade, mas como a realidade. Desaparece a tensão entre o mero ‘signo’ e o ‘designado’; em Lugar de uma ‘expressão’ mais ou menos adequada, apresenta-se uma relação de identidade, de completa coincidência entre a ‘Imagem’ e a ‘coisa’, entre o nome e o objeto (Cassirer, 1992, p.75-76). 

No turismo, o emprego do Nominalismo, através da comunicação que fazem os sujeitos auxilia na constituição do espaço turístico. O nominalismo inserido em uma cultura parece favorecer/desfavorecer a construção de sentido da imagem. Isto ocorre, porque este emprego pode atribuir (falsa!) substância à palavra que evoca fantasia/realidade, segurança/medo, sonho/pesadelo, aventura/tranqüilidade aos lugares. Parece que o nominalismo é o elo entre os sujeitos e as representações com o que eles simbolizam na formação do espaço turístico, pois o nome materializa/singulariza uma idéia, um lugar, um sujeito, uma forma, a existência de algo. O nominalismo estabelece, assim, o pertencimento de conhecimento ao nome, no ato da comunicação.

No processo de Globalização, ocorre a mundialização de nomes que fazem  Lugares existirem, graças à valorização do sentido atribuído às imagens das formas pertencentes a estes lugares.


Cultura e Forma

Com relação ao turismo, a comunicação, com o emprego de imagens selecionadas e a utilização de Nominalismo, contextualiza o espaço turístico conduzindo à significação. No entanto, parece ser a cultura de cada sujeito, vista como intertexto, e que, portanto, possui um movimento, favorece, ou não, a construção particular de sentido. O intertexto é o conjunto de todos os textos que influenciam no nosso texto e que nunca cessam. Novamente, temos que nos reportar à idéia de que comunicação envolve conhecimento e que é o conhecimento que permite uma visão própria de mundo, e, portanto, de ampliação polissêmica, frente às verdades, que insistem em serem únicas no processo de globalização.

O espaço deve ser considerado como sendo “um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche e os anima, ou seja, a sociedade em movimento (Santos, 1994b, p.26)”. Pensamos, neste momento, que para a compreensão do espaço turístico, também podem ser refletidas as diferentes formas que auxiliam na construção do espaço geográfico. Aliás, parece ser a visão dissociável que muitos sujeitos, profissionais do turismo, têm entre os objetos e a vida, um dos grandes problemas para a prática de um turismo considerado sustentável. Segundo o autor,

O conteúdo (da sociedade) não é independente da forma (os objetos geográficos), e cada forma encerra uma fração de conteúdo. O espaço, por conseguinte, é isto: um conjunto de formas contendo cada qual frações da sociedade em movimento. As formas, pois, têm um papel na realização social. (Santos, 1994b, p. 26-27)

Com isso, o conteúdo, corporificado do espaço turístico, por intermédio da cultura de cada sociedade, constrói formas e nominalismos que são transformados em existência e estão associados às imagens navegadas, através dos processos comunicacionais, que são administrados pelos sujeitos. O lugar turístico parece nascer das formas com as suas frações de sociedade, ou seja, a sociedade já embutida nas formas geográficas, oriundas do despertar/agir dos sujeitos, enquanto autores e representantes sociais, portadores de uma cultura.

Lugar , Não-Lugar e Entre-Lugar

O Não-Lugar pode ser tanto as instalações necessárias à circulação de pessoas e bens (vias expressas, trevos rodoviários, aeroportos) quanto os próprios meios de transportes ou os grandes centros comerciais, ou ainda os campos de trânsito prolongado onde são estacionados os refugiados do planeta (Augé, 1994, p.36-37).

O não-lugar parece ser a simples negação do lugar. O lugar e o não-lugar são, antes, polaridades fugidias: o primeiro não ser completamente apagado e o segundo nunca se realiza totalmente. O não-lugar diferencia-se do lugar pelo seu processo de constituição, e não apenas pelas suas formas. Ambos são frutos de construções sociais, no entanto, o não-lugar é a medida da época (Castrogiovanni, 2007). Será que o turista, ao negar o lugar, constrói imaterialmente um não-lugar turístico, ou não? O não-lugar seria a ausência do lugar em si mesmo. O lugar existe, também pelas próprias contradições que encerra em si, que lhe dão existência. O não-lugar parece ser um estágio em que a realidade que comporta o lugar se esforça para reproduzir a ficção da inexistência de contradições. Pensamos ser o entre-lugar o lugar praticado pelo sujeito turista, num certo tempo.

Assim entendemos o entre-lugar turístico como sendo a lugarização do espaço geográfico, substanciada pelo sujeito visitante na dialogicidade estabelecida entre o seu lugar (lugar conhecido) e o lugar/não-lugar visitado (desconhecido). Ele é simbólico, enquanto existência, mas possui uma densidade representativa, a partir da cultura. Portanto, depende das incorporações tempo-espaciais do sujeito visitante. Ele confunde o lugar de origem com o Lugar/Não-Lugar visitado. Com a sua constituição, este sub espaço passa a ser uma parte do todo que é Espaço Turístico.

Assim, o nível de significado, que aproxima a relação entre o espaço geográfico e o espaço turístico, parece ser o mesmo que envolve a aproximação entre o lugar/não-lugar geográfico e a significação do que possa ser o entre-lugar – o lugar provisório que estabelece o sujeito turístico, cada vez mais inserido no processo de globalização.


Considerações (não tão!) finais da nossa viagem[3]

O espaço geográfico, palco para a substantivação do espaço turístico é o cenário, resultante de muitos conflitos, constituindo-se numa complexidade. As mulheres e os homens, ao longo do processo histórico, acumulam experiências, procuram explicações e buscam inovações, construindo o espaço geográfico. Este processo, que é infinito, também é repleto de tensões, se substantivando por acréscimos e substituições. Todo conflito é construído através da interação dos sujeitos inseridos no processo de comunicação cada vez mais globalizado. Tudo parece estar contido na linguagem, mas ela própria é uma parte, inserida no todo que contém a comunicação, mas auxilia a construir o espaço geográfico.

Logo, pensamos que o espaço turístico parece existir como resultado momentâneo da comunicação, exercida entre os sujeitos e os lugares. Percebemos que é um oceano de possibilidades comunicacionais, balizado por imagens, nominalismos, cultura e estereótipos. Assim, talvez seja impossível compreendê-lo, sem os instrumentos da comunicação. No entanto, cabe estarmos alertas pelos diferentes mares que navegamos, pois, como observa,  ainda o autor, “[...] esse mundo constitui-se de resto, como que um esboço selvagem e caricatural da comunicação” (Morin, 2003, p. 228). As palavras do sociólogo ancoram nas observações de que "[...] vivemos todos num emaranhado de técnicas, o que, em outras palavras significa que estamos todos mergulhados no reino do artifício. [...]. Cria-se um verdadeiro totalitarismo tendencial da racionalidade [...], produzindo-se a partir do respectivo sistema certas coisas, serviços, relações e idéias" (Santos, 2002, p.128).

O turismo é parte deste mundo, portanto, fica um alerta: talvez seja impossível entendê-lo sem as contribuições da comunicação, mas não concordamos, a princípio, que não possamos fugir deste totalitarismo tendencial da racionalidade, que a comunicação busca nos impor. Mas uma vez observamos que o caminho para fugirmos desta situação é através do conhecimento, que nós, sujeitos, possamos adquirir/construir.

A complexidade nos faz pensar que as ciências precisam ser vistas, pelos sujeitos, como tramas que formam um tapete. Cada tapete pode ser pensado infinitamente num certo tempo finito, inserido num lugar. São estas tessituras diferenciadas, que dão vida ao tapete, fazendo-o existir na eternidade como contribuição à tapeçaria. Com isso, nenhum tapete será o mesmo, e, cada vez mais, o novo tapete terá o privilégio de apresentar diferentes tessituras. Esta possibilidade comunicacional que cada tapete traz, a partir da manifestação da sua trama é que, parece ser, a sua expressividade existencial na tapeçaria. Pensamos, através desta viagem, que o valor de cada tapete está na sua identidade. Ela está relacionada à densidade comunicacional que a trama oferece. Portanto, a Comunicação que o tapete possibilita está substanciada no reencontro das diferentes tramas. Estas, com o auxílio dos particulares fios, tecem uma dialogicidade. São os fios e as tramas, que em circunstâncias próprias, assumem papéis de parte e todo, o todo na parte e a parte representando o todo. É o princípio sistêmico ou organizacional deste ‘conjunto’ que parece dar vida ao tapete.

 A cidade de Iraí apresenta-se como um tapete! O prazer em descobrirmos a trama nem sempre está no mostrado, aquilo que é disposto ordenadamente para dizer algo. Muitas vezes mostramos para esconder e dizemos pouco para silenciar muito. O espaço geográfico parece ser um tapete, e como tal,  merece ter o seu silêncio escutado para dizer muito mais que aparenta!

Na podemos esquecer que é a humildade de cada trama a responsável pela harmonia do tapete. Quando uma trama traz excesso de expressividade, ou seja, exerce o seu próprio poder comunicacional de parte, cria, conseqüentemente, uma nulidade das demais, favorecendo o direcionamento informativo na leitura do todo. Desta forma, o olhar é direcionado para um único setor tem a Imagem construída segmentada. O nominalismo, agregado ao tapete pode surgir desta Imagem sobressalente, muitas vezes estereotipada, de uma das partes – Irai lugar da cura e da saúde. Precisamos pensar, aqui, no princípio de auto-eco-organização e darmos liberdade ao sujeito autoproduzir-se na elaboração do tapete num ato dialógico rompendo estereótipos.

O lugar turístico pode ser visto como um tapete, em que as formas, que as tramas comunicam se fazem, não apenas estereotipadas pelo mercado, mas, pela compreensão do turismo, numa dimensão inserida na complexidade da vida, por todos os sujeitos, envolvidos num constante planejamento. Parece ser importante procurarmos exercer a humildade de sermos ‘apenas’ um tapete, com a harmonia das partes na formação do todo. Sabemos, por outro lado, ser quase  impossível na execução do tapete, ignorarmos os novos olhares ao vermos o mundo. A globalização e a chamada pós-modernidade, tão refletidas e questionadas, parecem encaminhar para certos estereótipos de tapete, incentivando a valorização de determinadas tramas. Mas, a autonomia e a autoria dos sujeitos, envolvidos na oferta e na demanda por tapetes devem ser respeitadas, por mais diversas que possam ser, pois vivemos num mundo formado por diferentes culturas.

Pensamos, que da mesma forma, possam ser construídos pela liberdade e pelo acúmulo do conhecimento, infinitos entre-lugares turísticos, repletos de territorialidades, advindas das diferentes nuanças culturais. Mesmo, temporariamente, substantivados no lugar turístico, se compreendidos pelos sujeitos, tendem vigorar para  toda a eternidade, através das possibilidades que a comunicação oferece. Assim, é necessário que nós navegadores tenhamos presente que a compreensão de categorias como a imagem, o nominalismo, a cultura e o estereótipo são fundamentais ao refletirmos sobre o espaço turístico, pois ele é a expressão da sociedade na sua complexidade.

 O entendimento do que pode vir a ser o espaço geográfico, com as suas categorias, como a forma, o lugar, o não–lugar e, especialmente, o entre-lugar, parecem ser instrumentos fundamentais na amplitude da compreensão do turismo. O espaço geográfico é um ponto de conexão entre todos os lugares, não-lugares e entre-lugares. Tem sido o todo, que envolve as partes, mas que é mais que a soma das partes. Parece representar o todo espacial turístico. Cada parte deste todo recebe múltiplas influências e influencia multiplamente na dialógica da ordem/desordem/organização em cada outra parte. Iraí é uma parte deste todo, e que deve ser vista no conjunto das suas tramas, mas respeitando a participação de cada fio.

Nesta viagem, percebemos que há um grande espaço rede, cuja ‘materialidade’ é virtual, mas está articulado globalmente O poder da rede de comunicação, enquanto elemento constitutivo da formação do lugar, não-lugar e entre-lugar auxilia a substantivá-lo na  dialogicidade global formando o espaço turístico. Com isso, os sujeitos são provocados a viverem uma multiterritorialidade no próprio lugar. Como entender esta inserção, sem os instrumentos da comunicação? Pensamos, neste momento, ser impossível.

Pelos mares que temos navegado, percebemos haver uma dicotomia na ação do sujeito turista. Por um lado, ele quer viver intensamente as multiterritorialidades que o lugar pode apresentar. Estas tendem a estarem associadas à construção do qual os sujeitos fazem da desconectabilidade da parte – Lugar, com relação ao todo – espaço geográfico, pelo fato do espaço turístico ser confundido com o lugar, vivido momentaneamente – o entre-lugar.  Mas, por outro, solicitam, para a construção de seus entre-lugares turísticos, a existência de certos produtos/ofertas, muitas vezes agendados, através das redes de comunicação. A velocidade de mudanças de comportamentos, que é auxiliada pela globalização e agendada pela comunicação, tende a formar uma intranqüilidade, ampliando as tensões e os conflitos no espaço geográfico. Neste movimento dicotômico, os sujeitos turistas solicitam, por um lado a intocabilidade da natureza e dos elementos culturais do lugar turístico, mas, contraditoriamente, são nítidos os investimentos na culturalização da natureza, através do processo técnico-informacional estereotipando o espaço turístico.

Em princípio, o sujeito turista parece interagir com o lugar. No entanto, na constituição do entre-lugar turístico, pela falta de acúmulo de conhecimento e pela brevidade temporal, o que pensamos, que ele tem feito, é se intrometer no lugar. Durante esta viagem, observamos ser importante a compreensão, por parte de todos os sujeitos, do que é o turismo na sua complexidade. Este entendimento é fundamental para que no momento turístico, ocorra uma inter(ação) turística, e então, o entre-lugar turístico tenha maior densidade valorativa. Para tanto, acreditamos, neste momento, ser necessária uma educação para o turismo, como já tangenciamos durante esta viagem. Esta preocupação, alimentada com as inquietudes sobre as contribuições do conhecimento advindo da comunicação e da Geografia para a formação de um sujeito turista, ou a produção do lugar turístico brasileiro, através das ‘intervenções’ da televisão, são as novas viagens que pensamos realizar em outro momento.

Observamos em Irai que a rede de comunicação, que atinge de forma mais ou menos diretamente, a todos os sujeitos, o turismo pode se beneficiar de uma comunicação, que poderemos denominar de contato, através do qual há  favorecimento de trocas entre os sujeitos. Esta relação cria um campo de interações que poderíamos chamar de gravitacional complexo, onde cada sujeito favorece ou dificulta uma intercomunicação entre os demais sujeitos, entre si e com ele. É gravitacional, pois há uma certa força de atração ou repulsão (toda repulsão é uma atração inversa), que leva os sujeitos do lugar a querer interagir entre si e com os sujeitos e coisas dos outros lugares. Também, existe uma interação dos sujeitos de outros lugares entre si, durante a permanência no lugar turístico. Esta interação é o que parece constituir-se na vida dos sujeitos e, no caso do espaço turístico, pela sua rápida (re)existência,  a construção do entre-lugar turístico.

A relação gravitacional é complexa, pois gira em torno do amálgama de prosa e poesia e também por não ser linear, pois os sujeitos possuem um socioleto, que são particularidades próprias. Não podemos esquecer que estamos passando da identidade do sujeito para as identificações múltiplas e isto espaços turísticos como Irai que pararam de investir numa possível construção pós-moderna de seu espaço geográfico, devem ter presente que pode estar sendo um dos problemas no aumento da atratividade. Sabemos que cada vez mais estão renascendo formas tribais de existência o que noz faz pensar o espaço turístico cada vez mais segmentado. Essa não-linearidade, que pode ser vista, quase que, como um paradigma nas interações humanas, parece ser ameaçada pelo processo de agendamento que a comunicação tende  estabelecer. Esse processo de agendamento encaminha à construção de uma estrutura absoluta de pensamento, pelo menos, tribalmente, frente aos objetos e situações, evidenciando o poder da comunicação, ao emitir informações através da palavra ou imagens. O processo de agendamento parece ficar concretado na idéia da liberdade de expressão comercial, apresentada como um novo direito humano. Com isso, assistimos na construção/uso do espaço turístico, a “[...] uma tensão constante entre o poder do consumidor e a vontade dos cidadãos garantida pelas instituições democráticas (Matellart, 2000, p. 142).”

Neste instante da nossa viagem, surge um novo instrumento, que, parece,  nos ajudará a buscar mais segurança em nosso percurso, principalmente no que toca a compreensão da comunicação. O poder aparenta ser um instrumento auxiliar da comunicação, pois está em todas as formas da interação entre os sujeitos. Está presente " [...] não somente no Estado, nas classes, nos grupos, mas ainda nas modas, nas opiniões correntes, nos espetáculos, nos jogos, nos esportes, nas informações, nas relações familiares e privadas, e até mesmo nos impulsos liberadores que tentam contestá-lo, [...]" (Barthes,1996, p.11).

O poder lança mão da linguagem, para viabilizar a sua intenção que, por sua vez, utiliza a língua. A língua deve ser vista como o código da legislação linguagem. Como já observamos, “[...] esse objeto em que se inscreve o poder, desde toda eternidade humana, é a linguagem, ou para ser mais preciso, sua expressão obrigatória a língua.” (Barthes, 1996, p. 13). O poder é atemporal, estando ligado a toda história da humanidade, pois é “[...] parasita de um organismo trans-social” (Barthes, 1996, p. 12), no entanto como todo parasita sofre mutações e, firma-se a todo instante, soberbamente, se reatualizando. Carrega consigo uma força impositiva à linguagem, mesmo na intimidade mais profunda do sujeito, onde a língua parece um caldo de doçura.

A história da cidade é a história da sua produção continuada. A história do lugar Iraí é a história de sentidos, atribuídos à produção continuada, no caso, cidade Iraí. A permanência dos Lugares depende da sua história. A história do lugar turístico parece estar atrelada às formas, que identificam o lugar, não como um dado escrito, passivamente, mas como um dado ativo, embalado pelo movimento da própria sociedade, o processo de formação.

Em Irai o Cassino Guarany está muito presente na memória dos sujeitos. Justificam em parte a estagnação turística da cidade no fechamento do cassino, mas sabem que não é apenas este fato. A história de uma cidade é produzida através do urbano que ela incorpora ou deixa de incorporar, desse urbano que em muitos lugares tende a tardar. Não existe só uma modernidade, pois existem modernidades em sucessão, que formam e desmancham períodos.

[...] o que existe são modernizações sucessivas, que, de um lado nos dão, vistas de fora, gerações de cidades, padrões de urbanização e, vistas de dentro, padrões urbanos, Formas de organização espacial, já que cada periodização, trazendo Formas próprias de arrumação das variáveis, permite reconhecer um processo histórico mais geral, seja onde estivermos. (Santos, 1994a, p. 71).

Assim, os sujeitos entrevistados pensam que deva haver modernizações na cidade. Deve haver uma aproximação com outros padrões de urbanização. Segundo Santos (1996, p. 113), "o trabalho, já feito, se impõem sobre o trabalho a fazer. A atual repartição territorial do trabalho repousa sobre as divisões territoriais do trabalho anteriores. E a divisão social do trabalho não pode ser explicada sem a explicação da divisão territorial do trabalho, que depende, ela própria, das Formas geográficas herdadas".

Esta cristalização de comportamento, manifestada pelos sujeitos de Iraí, parecem estar substanciadas nas formas herdadas e não revitalizadas e ser uma das respostas da estagnação turística.

Pretendíamos com esta viagem, buscarmos respostas, mesmo provisórias, às inquietudes que tínhamos inicialmente. Algumas foram alcançadas. Sabemos, no entanto, que dependendo da força com que os ventos sopram, podem se tornar frágeis. Através destas respostas e de novas preocupações, pensamos estar contribuindo para a construção de uma epistemologia do turismo, que rompa, já no seu nascedouro, com o pragmatismo da verdade absoluta. Entre o que queríamos com esta viagem, está a vontade de desvelar, pelo menos em parte, a epistemologia na qual navega o turismo, avançando na proposta de novas categorias para, no futuro, favorecer a sua análise e compreensão.

Toda viagem parte do que somos sujeitos “[...] produzidos por processos que nos precederam; somos possuídos por coisas que nos ultrapassam e que irão para além de nós, mas, de uma certa forma, somos capazes de as possuir (Morin, 1997, p. 34)”. Procuramos durante esta viagem mostrar o quanto é importante considerarmos o que pensam os diferentes sujeitos envolvidos num lugar. Sem estabelecermos que as suas manifestações eram as únicas verdades, procuramos através de outros olhares vermos a dialogicidade na existência do sentimento da verdade. Como coloca o autor, “[...] nada é mais pobre que uma verdade sem o sentimento de verdade (Morin, 1997,  p. 33)”.

Ainda, nesta viagem, percebemos que a Geografia e a Comunicação podem oferecer importantes contribuições para a compreensão do turismo. Este por ser um ‘fenômeno’ comunicacional e espacial deve priorizar as categorias comunicação e lugar, com as suas subcategorias. Observamos que o valor do espaço turístico, em todas as suas formas de manifestação, aparece frente ao processo de produção, como um valor construído pelos sujeitos onde a comunicação se faz fundamental. O lugar turístico Iraí, enquanto parte do espaço turístico, parece só poder ser compreendido, atualmente, se refletido a partir do estágio do capitalismo denominado de globalização. No processo de produção do espaço turístico é necessário um planejamento, discutido e reavaliado constantemente, inserido nos princípios, do que atualmente é entendido por sustentabilidade social e ambiental.

Nossa viagem poderia continuar, porque as dúvidas, ao mesmo tempo, que nos alimentam a sabedoria, para encontrarmos os ‘caminhos’ para navegarmos, fazem-nos despertar para as novas dialógicas de um mar tão complexo. No entanto, procuramos não deixar o excesso de sabedoria dirigir o nosso rumo. Confiamos nos diferentes sujeitos, navegadores como nós. Assim, na dialogicidade que esta viagem foi sendo praticada buscamos inspiração na poesia e no amor, pois simplesmente podemos navegar só com o balanço das ondas e a força do vento. Parece ser impossível lançarmo-nos ao mar da busca do conhecimento sem sabedoria e amor. Mas, atenção! Só vivemos o amor, com a sabedoria do renascer sem cessar. Para vivermos uma viagem, também no amor, sem cessar, parece ser  preciso fazer poesia. Pensamos ser relevante consideramos este estado poético quando navegamos como pesquisadores do espaço geográfico, pois ele possui águas ainda desconhecidas, que podem ser turbulentas, e até apresentarem redemoinhos. O estado poético acaricia a alma do lugar e suaviza o desconhecido trazido pelo embalar da embarcação, fazendo com que a viagem não pare. É importante navegarmos e sentirmos a poesia que as ondas dos mares despertam em nós - Sujeitos marinheiros, renascendo sem cessar. É preciso navegar! Navegar muito! É preciso despertar para o amor, o amor para navegar! É preciso planejar o espaço turístico através do estado poético que o espaço geográfico possui!

Notas

[1] Em respeito às categorias optamos por escrevê-las em letra cursiva.

[2] Empregamos o termo ação comunicativa enquanto construção textual. Não estamos utilizando o conceito proposto por Habermans.

[3] Para um melhor entendimento da pesquisa sugerimos a leitura de Castrogiovanni (2004). Ver bibliografia.

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© Copyright Antonio Carlos Castrogiovanni, 2007
© Copyright Scripta Nova , 2007

Ficha bibliográfica:

CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos. O lugar da Geografia no entre-lugar do espaço turístico: uma viagem complexa.  Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.   Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2007, vol. XI, núm. 245 (60). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-24560.htm> [ISSN: 1138-9788]


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