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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. XII, núm. 270 (59), 1 de agosto de 2008
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

IMPASSES DA GESTÃO METROPOLITANA NAS REGIÕES DE BUENOS AIRES, SÃO PAULO E SANTIAGO

Sandra Lencioni
Departamento de Geografia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.
Universidade de São Paulo

slencion@usp.br


Impasses da gestão metropolitana nas regiões de Buenos Aires, São Paulo e Santiago (Resumo)

Dentre os vários problemas comuns às metrópoles latino-americanas, tais como a aguda segregação sócio-espacial, a impressionante fragmentação territorial e a valorização imobiliária que supervaloriza alguns territórios, ao mesmo tempo em que desvaloriza outros, elegemos a questão da gestão das regiões metropolitanas. Essa questão traz com incrível clareza o fato de que devido às grandes mudanças decorrentes da reestruturação econômica - que se constituiu num processo que reforçou a lógica capitalista de desenvolvimento social -  a forma tradicional de se pensar o planejamento urbano encontrou o seu limite. Consequentemente, a questão da gestão metropolitana traz com extraordinária nitidez a necessidade de se buscar novas formas de planejamento que possam responder à nova realidade que se apresenta. 

Essa discussão tem como referência as principais regiões metropolitanas da América do Sul: Buenos Aires, São Paulo e Santiago buscando caracterizar as mudanças recentes, quer do ponto de vista territorial, quer relativas às novas determinações da metrópole com o objetivo de discutir os desafios que se apresentam à gestão metropolitana diante de um quadro muito comprometedor de fragmentação da governabilidade.

Palavras chaves: gestão metropolitana, Buenos Aires, São Paulo, Santiago.


Some questions about the Metropolitan Areas in Buenos Aires, São Paulo and Santiago regions (Abstract)

Among the numerous problems that are common to the Latin-American metropolises, such as the deep socio-spatial segregation, the impressive territorial fragmentation and the real estate valorisation that overvalues some territories, whilst it depreciates others, we have chosen to focus on the management of the metropolitan regions. That question clearly indicates that due to the great current changes of the economical restructuring - a process that strengthened the capitalist logic of social development - the traditional form of thinking urban planning has found its limits. Consequently, this issue of metropolitan management shows the need to look for new ways of metropolitan administration that can answer to the new realities that are faced.

The main metropolitan regions of South America: Buenos Aires, São Paulo and Santiago form our references to characterize the recent changes from a territorial point of view on the one hand; and relative to the new determinations of the metropolis on the other hand. This leads us to discuss the challenges that metropolitan management face in a scenario of governability fragmentation.

Key words : Metropolitan management, Buenos Aires, São Paulo, Santiago.


Dentre os vários problemas comuns às metrópoles latino-americanas, tais como a aguda segregação sócio-espacial, a impressionante fragmentação territorial e a característica de uma valorização imobiliária, que aceleradamente supervaloriza alguns territórios, ao mesmo tempo em que desvaloriza outros, esse texto aborda alguns aspectos da gestão metropolitana que vem desafiando a academia e os técnicos do planejamento urbano.

Com extraordinária nitidez se percebe que as antigas formulações relativas à gestão metropolitana se esgotaram, dado o contexto neoliberal que reestruturou a economia, reforçou o caráter capitalista da racionalidade econômica e comprometeu o desenvolvimento da socialização de muitos aspectos relativos ao viver nas cidades. Contexto esse fundado, eminentemente na lógica do mercado e no solapamento do Estado, por assim dizer, abalando, minando e enfraquecendo a ação do Estado.

A gestão metropolitana que havia tido como instrumento um planejamento centralizado no poder público teve que se reformular face a esse novo contexto. Esse reinventar da ação pública encontrou no planejamento estratégico a possibilidade de articular a ação pública à ação privada, essa última cada vez mais livre e influente no estabelecimento de estratégias e ações. Foi, sobretudo, essa forma de planejamento que se desenvolveu nas últimas décadas nas metrópoles de Buenos Aires, São Paulo e Santiago alicerçando muitas das transformações havidas nessas metrópoles.

Embora a questão das transformações recentes dessas metrópoles não seja objeto das considerações desse texto, iniciamos com essa questão para destacar o crescimento da debilidade da coesão social e territorial que vem segregando socialmente e territorialmente essas metrópoles. E que se faz acompanhar de uma lógica igualmente fragmentada de intervenção na cidade. Em seguida, discutimos alguns aspectos do planejamento estratégico que não se dissocia da idéia de governança, já que essa se relaciona à atuação conjunta do Estado com a sociedade civil no estabelecimento de redes de decisões que tanto emanam do setor público como do privado.

Na última parte do texto o termo genérico ‘metrópole’, utilizado até então, encontra sua justificativa. Apresentamos as várias nomenclaturas utilizadas na Argentina, no Brasil e no Chile mostrando que nomes iguais, como o de região metropolitana, têm sentidos completamente diferentes nesses países, enquanto que nomes diferentes têm sentidos iguais. Nessa parte do texto ganha precisão o recorte territorial ao qual estamos nos referindo, quando falamos de gestão metropolitana, para o caso de Buenos Aires, São Paulo e Santiago.

A debilidade da coesão social e territorial metropolitano

Não resta dúvida que estamos diante de um novo cenário nas metrópoles, que apresenta uma escala mais complexa de problemas. Nas metrópoles da América Latina, em particular em Buenos Aires, São Paulo e Santiago, metrópoles que consideramos nessa análise, a segregação social é nítida, denunciando uma sociedade extremamente dividida, onde alguns vivem na miséria, destituídos de quase tudo e, outros, apresentam modos de vida semelhantes aos extratos médios e enriquecidos das metrópoles dos países mais desenvolvidos.

A segregação territorial acompanha esse quadro social e é muito clara na paisagem, pois devido as grandes dimensões dessas metrópoles, cada fração do território tem dimensões que tornam bastante visível suas diferenças, denunciando que a par de todos os processos homogeinizadores, há uma grande heterogeneidade espacial.

Nessas metrópoles seus limites territoriais são difusos e opacos. As transformações havidas são muitas e têm sido objeto de muitas pesquisas e tratar delas escapa ao escopo desse texto, mas gostaríamos de assinalar algumas mudanças. A primeira, diz respeito ao desenvolvimento da malha viária, quer em termos de extensão, que em termos de duplicação de vias, que privilegiam os vetores dos novos empreendimentos imobiliários. E também, a expansão dessa malha, ainda que tímida, da rede de metrô. Ambas as transformações, a duplicação das vias expressas e o crescimento da rede de metrô, guardam uma relação estreita com a questão da valorização imobiliária, porque têm implicações diretas na acessibilidade aos lugares e à mobilidade pelo território metropolitano.

A segunda ordem de transformações diz respeito ao desenvolvimento de novas centralidades, modificando a hierarquia das áreas centrais dessas metrópoles. Essas novas centralidades abrigam, em especial, os serviços produtivos, voltados às empresas, que, por sua vez, induzem ao desenvolvimento de uma miríade de outros serviços que gravitam como satélites ao redor da localização desses serviços produtivos, também referidos, muitas vezes, como serviços avançados. Esses aspectos, é importante destacar, concorrem para que se acentue e também se produzam mudanças em relação à especialização funcional do território metropolitano.

O crescimento espraiado das metrópoles de Buenos Aires, São Paulo e Santiago, como de muitas outras metrópoles que vêm conhecendo um processo de reestruturação econômica, no qual o território se apresenta crescentemente fragmentado, poderia induzir facilmente ao raciocínio de que essas metrópoles teriam perdido sua coesão interna. Ledo engano, a coesão desse território não responde à questão da contigüidade territorial e nem tem a ver com a dimensão territorial de cada uma delas, fazendo, nesse último caso se supor, erroneamente, que metrópoles menos extensas seriam mais coesas. A coesão, é importante frisar, depende da rede de relações que se desenvolve no território e é isso que torna o território metropolitano mais ou menos coeso.

A imbricação da rede de relações que se desenvolvem no território metropolitano das metrópoles de Buenos Aires, São Paulo e Santiago alcançam determinados fragmentos desse território, sobretudo daqueles de maior densidade técnicos, vinculados aos circuitos internacionais da economia e voltados para a produção capitalista, seja por meio de atividades industriais, imobiliárias, comerciais e se serviços. No caso das frações de territórios onde predominam muito mais relações de vizinhança, como as áreas mais desfavorecidas da cidade, ou seu antípodo, as áreas de condomínios fechados, o grau de coesão é menor. Isso significa que a coesão territorial se situa em termos relativos, jamais absolutos.

Não é de hoje que essa coesão é relativa. Até muito recentemente o desafio de tornar o território metropolitano mais coeso era objetivo de um planejamento mais tecnocrático e centralizador que orientava as políticas de gestão territorial. Esse planejamento tecnocrático tendia à formulação de normas rígidas que, muitas vezes induziam às transgressões, e tinha no setor público a preeminência na formulação e execução das intervenções no urbano e, em menor grau, dos investimentos. Mesmo que interviesse num fragmento da cidade isso se fazia a partir de uma visão integrada da cidade. Contudo, a partir da ofensiva neoliberal, que reforçou o caráter capitalista da lógica econômica de mercado e que solapou o Estado, se colocaram limites ao planejamento tecnocrático e centralizador (não importando para o momento dessa análise se esse planejamento foi exitoso ou não na construção de uma maior coesão do tecido metropolitano) impondo a necessidade de se pensar novas estratégias para a gestão metropolitana.

Essas novas estratégias se desenvolvem num cenário em que a tônica é a da busca por maior rentabilidade das inversões de capital, que dirige o movimento dos investimentos pelos quatro cantos do mundo e que ao tornarem as cidades reféns dessa lógica econômica de mercado, faz com que elas desenvolvam uma grande concorrência entre si. Tanto é que muitas cidades, nesse contexto, querendo ser competitivas, passaram a oferecer incentivos fiscais e a vender sua imagem a qualquer preço e custo. Não é, é bom dizer, só a cidade que tem que ser competitiva, mas qualquer lugar, o que acabou elevando no primeiro lugar da agenda econômica, a referência ao espaço na medida em que as condições territoriais ofertadas e não intrínsecas a ele, passam a ser muito importantes para o êxito econômico.

Nesse contexto a cidade se torna mais vulnerável ao mercado e os projetos de longo prazo ficam em segundo plano, já que o ambiente é de competição e incertezas. Segundo Fernández Güell, atualmente, “a incerteza não é só um desvio ocasional e temporal que diz respeito a uma predição razoável, senão, que é uma faceta estrutural do entorno sócio-econômico. Portanto, resulta óbvio a inconveniência de aplicar modelos evolutivos a longo prazo que pretendam projetar com precisão o futuro do desenvolvimento urbano... Em seu lugar se requerem ferramentas de análises que ofereçam maior flexibilidade na compreensão de um entorno cada vez mais dinâmico e complexo”. (Güell, 1977; 58 apud Sanches; Loza; Bellei: 2006; 138)

As novas estratégias para a concepção da gestão metropolitana passam, portanto, necessariamente, por novas referências. Já não cabe mais as mesmas alusões e associações a um desenvolvimento urbano assentado na industrialização fordista e na cidade subordinada aos ditames do capital industrial, basilares daquele planejamento. E isso não é porque a indústria fordista tenha sido superada pela história e tenha se tornado uma característica do passado, tendo cedido lugar para a produção flexível. A indústria na América Latina é ainda bastante fordista, salvo nas indústrias pertencentes aos grandes grupos econômicos, detentores de maior tecnologia e com forte competitividade externa que passaram por vários tipos de flexibilização. No restante, o que foi em geral flexibilizado foi, tão somente, as relações de trabalho.

Já não cabe, também, contar com um Estado empreendedor quase que onipotente na sua ação pública, sobretudo em relação aos projetos de desenvolvimento urbano. O esgotamento dessa antiga fórmula de se pensar a gestão metropolitana decorre do refluxo da condição do Estado de ser um importante organizador da vida urbana. Um outro momento surge, o da desregulação. Trata-se de um contexto de hegemonia do capital financeiro e de reestruturação produtiva, que inclui a reestruturação imobiliária implicando no desenvolvimento vertiginoso desse setor pelo estreitamento de suas relações com o setor financeiro.

Comparando-se as três metrópoles em exame, se Santiago foi a primeira a conhecer os limites do planejamento centralizado, dado que o Chile foi país pioneiro nas reformas neoliberais, foi na Argentina que a desregulação atingiu maior intensidade repercutindo fortemente na pouca possibilidade de ação direta por parte do Estado.

Dizendo de uma outra maneira, a mudança da determinação econômica do capital industrial para o capital financeiro se deu pari passu às políticas neoliberais e ao enfraquecimento do Estado tendo, consequentemente, fragilizado sua ação pública com implicações no planejamento urbano. Trata-se, portanto, de um momento de ruptura e de um novo desafio, que é o da busca pela construção de um novo quadro institucional que permita a construção de novas estratégias em direção a uma maior integração territorial e a um maior grau de eqüidade social. Em suma, de um quadro institucional que possibilite alcançar maior grau de coesão sócio-territorial, num contexto econômico completamente diferente. Essa construção não pode ser, no entanto, a construção de uma fábrica de ilusões. Essas foram muitas quando o planejamento centralizado, buscando a racionalidade técnica nas suas ações, só inseriu tangencialmente a questão urbana no âmbito político. 

A busca por novos caminhos de gestão metropolitana. A lógica fragmentada de intervenção na cidade

A busca de maior coesão sócio-territorial enfrenta, nos dias atuais, uma realidade mais fragmentada, onde a noção de heterogêneo toma a cena como ponto de partida e referência norteadora das estratégias, na medida em que a gestão metropolitana é a gestão da diferença. E, não é demais lembrar que essa busca deve ter como inspiração o “direito à cidade” vislumbrando a incorporação crescente dos menos favorecidos socialmente ao usufruto das condições urbanas e alçando-os, em sua totalidade, à condição de cidadãos.[*]

De certa maneira podemos dizer que a idéia de um planejamento centralizado no Estado se constitui numa idéia do passado. Tão do passado como a idéia de repetição e homogeneidade próprias da dinâmica fordista. Mas isso não significa o fim da utopia da eqüidade social e territorial. Essa deveria guiar as ações, mas na maioria das vezes não é isso que ocorre. Não resta dúvida que o esquecimento das diferenças facilmente acabará por inviabilizar o viver na metrópole, dado o indesejado agravamento das tensões sociais. E também, porque a expansão das condições de vida urbana, mesmo voltada para os estratos mais sem acesso às condições urbanas, também pode fazer parte constituinte da lógica econômica. A questão é sempre a de como fazer tirando-se proveito econômico, pois assim se garante a realização dos feitos, dado que a lógica capitalista assim o exige.

A busca pela construção de uma forma nova de se intervir na cidade teve na idéia de planejamento estratégico a principal referência. Trata-se de não mais de se fazer um planejamento linear, próprio do planejamento tecnocrático e centralizador, em que se partia de um diagnóstico da realidade com o objetivo de se identificar as necessidades para orientar um plano, sua realização e gestão. Mas sim, de construir um planejamento fundado em três parâmetros: o primeiro, que propõe um cenário futuro para a cidade; o segundo, que define, segundo prioridades estipuladas, um conjunto de ações e, o terceiro, que incorpora um processo participativo, ou seja, que busca congregar a participação de elementos da sociedade (Delgado: 2006; 65).

Mas, é bom dizer, é no segundo parâmetro, na definição de prioridades, que reside o eixo orientador desse planejamento que, não resta dúvidas, embora desenhe um cenário futuro para a cidade, a pensa em fragmentos buscando garantir seu nível de competitividade. Existe, portanto, uma relação entre definição de prioridades e ações em parcelas do território. Por decorrência, a antiga idéia de zoneamento urbano, que tomava a cidade em sua totalidade, acaba se flexibilizando por meio de estratagemas que se situam na relação entre diversos setores privados que atuam na cidade e o setor público. O terceiro parâmetro relativo ao planejamento estratégico diz respeito à participação dos cidadãos, o que deixa claro que o planejamento estratégico incorporou como fundamental a dimensão política da questão. Mas, isso se deu num quadro, como vimos, de grande poder do mercado e das empresas, bem como num contexto de associação forte entre o setor público e privado. Essa situação, cabe advertir, se não submete a participação da cidadania, não raramente instrumentalista, condiciona ou manipula essa participação.

Essas colocações acerca do planejamento estratégico exigem uma consideração sobre a idéia de governança, entendida essa como um tipo de governo onde atuam o Estado e sujeitos não governamentais que tecem relações no interior de redes de decisões mistas e que, além do mais, constroem um espaço onde se confrontam os interesses públicos e privados (Ossadón: 2007; 195). A governança tem, portanto, um caráter muito mais inclusivo do que o de governo urbano - próprio do planejamento centralizado e tecnocrático - na medida em que põe acento na necessidade de se adotar formas renovadas de expressão democrática por meio da participação de vários segmentos da sociedade civil. Para Carlos de Mattos, esse sistema de governo gira em torno de objetivos próprios, discutidos e definidos coletivamente em âmbitos fragmentados e incertos (De Mattos: 2005, apud Sanchez, L.P.; Loza, G.R.; Bellei, M.S , 2006; 139)

Para alguns, o planejamento estratégico é conservador. Marcelo Lopez de Souza diz que o planejamento estratégico reflete uma “onda neoconservadora que vem tomando de assalto os ambientes onde se pensam e praticam planejamento e gestão urbanos no Brasil, onda essa importada do exterior e caracterizada pela difusão de um planejamento e de uma gestão empresarialistas, obcecados com a competição interurbana por novos investimentos e ainda mais acríticos perante o mercado que o planejamento regulatório tradicional” (Souza: 2005; 295).

A gestão pública no contexto do planejamento estratégico passa, assim, a se situar numa tensão permanente entre os interesses do capital, por assim dizer, da cidade como negócio, e os dos cidadãos. No passado essa tensão também existia, mas o Estado não se colocava, como agora, refém do mercado. As políticas públicas, claro, devem ser eficientes economicamente. Mas, devemos lembrar também, que elas devem ser eqüitativas, no sentido de buscar garantir maior eqüidade social e coesão territorial. Essa tensão entre os interesses do capital e os dos cidadãos é muito mais aguda nos dias atuais que no passado, já que a busca pela eficiência em tornar a cidade mais competitiva e atraente para as inversões de capital pode comprometer o desejo de se alcançar maior eqüidade social e coesão territorial; tanto quanto esse último desejo pode afetar a capacidade da cidade atrair investimentos.

De maneira clara e nem um pouco exagerada, assiste-se, cada vez mais, a uma empresariamento da política urbana, que tem na associação público-privado, seu dinamismo. Na medida em que se trata de uma política empresarial para o urbano, muito mais do que uma política urbana que conta com a participação empresarial (a ordem dos termos, aqui, é importante), muitas vezes o poder público assume os riscos enquanto que os benefícios ficam com o setor privado. Além do mais, nessa associação se disponibilizam fundos públicos ao setor privado, bem como se concebem formas de isenção de tributos ou outras formas compensatórias para atrair os investimentos privados. Não fica sem explicação, portanto, que a atuação dessa política urbana recaia, não na totalidade da cidade, mas em fragmentos do tecido urbano, aqueles de interesse da ação privada. Em outros termos, nos fragmentos do território metropolitano que apresentem melhores condições de reprodução do capital e que não estejam aprisionados por barreiras normativas para a realização dos projetos imobiliários. Dessa forma, os investimentos privados criam um círculo vicioso que aprisiona o setor público, que vê crescer sua dependência dos investimentos privados no desenvolvimento da cidade.

Essa é a realidade onde se insere o desenvolvimento da descentralização da gestão metropolitana. Uma descentralização relacionada ao desenvolvimento dessa política empresarial sobre o urbano, que mais parece a criação de esferas circunscritas de poder, que mais parecem verdadeiros feudos que se distanciam de qualquer idéia de democratização, já que não se relaciona à maioria dos que vivem na cidade, mas a parcelas específicas e às partes da cidade. É por isso que essa forma de descentralização está em divórcio irremediável com a idéia de “direito à cidade”.

Essas colocações nos remetem a necessidade de lembrar as duas formas de conceber a governabilidade, segundo Patrick Le Gales, comentada por Arturo Orellana Ossadón. A forma empresarial, na qual a cidade se organiza como um ator coletivo a fim de privilegiar o crescimento econômico e a forma que busca conciliar o crescimento econômico com preservação da coesão social. Essa última é um “exercício que combina a legitimidade e a eficácia, onde a primeira condição revela a admissão de normas e procedimentos aceitos socialmente, enquanto que a segunda apela para a capacidade de responder adequadamente as demandas sociais” (Ossadón: 2007; 193). Em ambas as formas, tanto a empresarial, como a forma que busca conciliar o crescimento econômico com preservação da coesão social, o Estado exerce o papel de gestor, papel que lhe resta, já que o de executor de intervenções se aplica muito pouco.

À governabilidade podemos associar dois princípios: o da descentralização e da parceria com setor privado. “Antes, o principio de um bom governo era garantido por uma gestão centralizada. Hoje, deve ser de um Estado descentralizado, com participação crescente das administrações locais, bem como das empresas privadas”. (Ossadón: 2007; 194).

O Estado tem, portanto, um papel fundamental na busca pela construção de consensos entre as diversas forças políticas que atuam na cidade, quer na primeira como na segunda forma apresentada por Patrick Le Gales. A construção desse consenso, é bom dizer, dá margem para oportunismos políticos, que se constituem em “estratégias praticadas pelos governos locais em relação às iniciativas de participação cidadã, estratégias mediante as quais a demanda de participação só será canalizada e satisfeita se resultar em benefícios do ponto de vista eleitoral para o governo ....” (Delgado: 2006; 63).

O contexto dessas tensões permanentes entre os interesses do capital e os dos cidadãos inspira diferentes posições a respeito do planejamento urbano e da gestão pública. Apenas uma referência aqui é lembrada, no sentido de mostrar uma posição divergente. Trata-se do planejamento urbano alternativo que tem como parâmetro a busca incondicional da justiça social, o que implica na garantia de melhor distribuição dos investimentos públicos em infra-estrutura a fim de minimizar a segregação territorial e melhorar o acesso dos mais pobres aos equipamentos de consumo coletivo. Ao comparar o planejamento urbano alternativo ao planejamento urbano convencional – leia-se planejamento centralizado ou tecnocrático ou ainda, muitas vezes, referido como planejamento regulatório tradicional e, também o planejamento estratégico - Marcelo Lopes de Souza diz que uma característica fundamental do planejamento urbano alternativo é o combate à especulação imobiliária. Acrescenta que esse combate poderia ter como subproduto a tributação dos imóveis mantidos como reserva de valor, tributação essa que elevaria a arrecadação fiscal. Embora esse planejamento não questione a propriedade privada, Marcelo Lopes de Souza enfatiza que ele exige, no entanto, que a propriedade privada desempenhe uma função social (Souza: 2005;278).

A defesa do planejamento urbano alternativo é assim exposta: o “planejamento deixa de ser entendido como o momento de elaboração de um documento técnico (plano) e passa a ser compreendido como um processo de elaboração, atualização e reelaboração de diretrizes técnico-políticas, ao que se acrescentam o acompanhamento e a fiscalização da implementação das diretrizes. Além de não ignorar que a realidade na qual intervém o planejamento é marcada por conflitos de interesses, o planejamento alternativo busca explicitar os conflitos e servir não como uma ferramenta de criação de ‘harmonias’ artificiais com base puramente na racionalidade técnica, mas como um instrumento orientador da negociação política em torno dos destinos da cidade” (Souza: 2005; 279).

Quanto à gestão desse planejamento urbano alternativo, essa se coloca como uma gestão democrática da cidade, “devendo ser conduzida pelo Estado, ainda que com alguma participação da sociedade civil (por exemplo, no âmbito dos ‘conselhos de desenvolvimento urbano’)” (Souza: 2005; 293). É evidente que essa gestão democrática da cidade deve superar a fragilidade da organização da sociedade civil para que se realize.

O planejamento urbano alternativo não se constitui na realidade das mudanças operadas na forma de planejar e gerir o espaço metropolitano de Buenos Aires, São Paulo e Santiago. O que essas metrópoles conheceram foi, no passado, o planejamento centralizado e, mais recentemente, o planejamento estratégico. Além das grandes transformações pelas quais passaram, algumas delas já referidas, essas metrópoles conheceram uma grande expansão da mancha urbana, fazendo a metrópole se estender territorialmente, significando, entre tantas conseqüências, o comprometimento da validade do zoneamento urbano vigente e, também, dos seus limites territoriais.

Para Frederico Arenas, dada a expansão da mancha urbana, os antigos limites administrativos perdem sentido e se constituem em verdadeiras “camisa-de força” que limitam a atuação do setor público. Além dessa questão dos limites, acrescenta que a alternativa de se criar um governo metropolitano para gerenciar a metrópole não assegura êxito nenhum como instrumento de gestão metropolitana (Arenas: 2007; 182). Dois problemas aí se colocam: o da inadequação dos limites administrativos e a desconfiança de que a criação de uma instância de governo metropolitana resolveria a questão da gestão metropolitana. Essa posição é digna de saudação, já que é muito comum a busca de resolução de problemas pela criação de organismos institucionais como se esses instrumentos, por sua mera e simples existência tivessem a capacidade de exercer a função que inspirou sua institucionalização.

Essa posição de Frederico Arenas advém de suas reflexões sobre Santiago, mas é igualmente válida para Buenos Aires e São Paulo. No caso da metrópole de São Paulo, o órgão Emplasa (Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano) foi criado, em 1975, como instrumento de planejamento da região metropolitana de São Paulo. Desde então, sua atribuição se acresceu dada à criação de duas outras regiões metropolitanas no Estado de São Paulo, a de Campinas e a da Baixada Santista. Mas o crescimento da mancha urbana açambarca, além dessas regiões, as conurbações urbanas do Vale do Paraíba e de Sorocaba. Todo esse conjunto, onde vivem 27,9 milhões de habitantes, ou seja, quase 30 milhões de habitantes, é denominado de Complexo Metropolitano Expandido e requer, sem sombra de dúvida, um planejamento integrado. Esse é um exemplo gritante de que os limites administrativos não devem se constituir em barreiras para se pensar formas coordenadas de ação no território. Os limites não devem se constituir em barreiras intransponíveis, muito pelo contrário, segundo as necessidades devem ser redimencionados, quer encolhendo ou expandindo as fronteiras; enfim, devem ser flexibilizados. Nesse sentido, cada vez mais se faz necessário ter a área metropolitana como referência, mas também estabelecer ações que não aprisionadas nos seus limites.

Isso tudo significa dizer que do ponto de vista da gestão desse território, a situação nos dias atuais é muito diferente da de antigamente, dadas as alterações, aqui já referidas, que de certa forma esvaziaram os órgãos de planejamento ou, pelo ao menos, lhe tiraram grande parte do seu poder. Acresce-se a esse esvaziamento, o descompasso entre a pouca transformação desses órgãos e as mudanças intensas por que passou a metrópole. Isso ocorreu, igualmente, em todas as metrópoles objeto da discussão, não importando para essa conclusão os detalhes relativos à cada uma delas.

O que se faz necessário é, portanto, adaptar a estrutura institucional do passado à nova realidade. Uma realidade cada vez mais multicêntrica, onde se desenvolve uma nova hierarquia das centralidades e onde os limites territoriais são difusos e intensamente móveis, além de se constituir numa realidade onde os fluxos e as redes se desenvolvem de forma vertiginosamente intensa.

Uma outra questão diz respeito ao fato de que nas metrópoles de Buenos Aires, São Paulo e Santiago há um emaranhado de políticas relativas à gestão do território que nem sempre apresentam coerência entre si e que acabam por produzir uma multiplicação de competências entre os diversos organismos que atuam nessas metrópoles. Assim, pode ocorrer que mesmas competências estejam distribuídas em órgãos diferentes, sendo comum a atuação de vários ministérios e instâncias da administração pública sem diálogo entre si, já que cada um deles tem suas políticas próprias. Esse é o caso, por exemplo, da atuação paralela na área metropolitana de Santiago, do Ministério de Vivenda y Urbanismo, do Ministério de Obras Publicas, do Ministério dos Transportes e do Ministério da Saúde.

Recentemente foi instituída em Santiago, pelo Ministério de Transporte e Telecomunicações, a Autoridade Metropolitana de Transporte. Autoridade emanada, portanto, do poder central que deve conviver com duas outras instâncias que atuam na área metropolitana de Santiago. Uma, dizendo respeito ao governo regional, que diz respeito a uma instância territorial superior – a região - e, outra, relativa aos governos dos municípios que compõem a área metropolitana de Santiago. É conveniente esclarecer que não há um nível de administração específico relativo à área metropolitana de Santiago, o que significa dizer que ela não goza de autonomia em termos políticos e nem em relação aos recursos para investir, como bem salientou Arturo Orellana Ossadon. (Ossadón: 2007; 198). A dúvida que se põe é até que ponto essa Autoridade Metropolitana de Transporte não exercerá um papel centralizador na atuação sobre a região.

Buenos Aires não foge à regra em relação à superposição de competência das diversas esferas da administração pública. O exemplo da gestão ambiental é um dos casos que merece destaque. Segundo relatório do Instituto do Meio Ambiente e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a coexistência de jurisdições nacional, estadual e municipal na Cidade Autônoma de Buenos Aires gera superposições político-adminstrativas. No caso da gestão ambiental essa se vê afetada por essa fragmentação administrativa, já que existe uma grande quantidade de organismos com incumbências superpostas. Um exemplo cristalino e importante é o da Bacia Matanza-Riachuelo, que se estende por a uma das áreas urbanas mais degradadas da Argentina e que tem na Província de Buenos Aires grande parte dessa bacia, sendo parte dela na Cidade de Buenos Aires. Há quase duas décadas a Bacia Matanza-Riachuelo vem sendo objeto de várias iniciativas governamentais que buscam resolver a problemática ambiental. Esse é um caso transparente dos sérios problemas de governabilidade que afetam a bacia, sob a gestão do governo nacional, da Província de Buenos Aires, da cidade de Buenos Aires e dos municípios que compreendem a bacia.  

Em São Paulo, no âmbito do saneamento ambiental, para mantermos a mesma referência, dentre tantas outras que poderíamos lembrar, também há superposição de competências entre os vários órgãos da administração pública: o Ministérios das Cidades, o Ministério da Saúde, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Integração Nacional, além dos Ministério do Turismo, o da Defesa e o do Desenvolvimento Agrário. Além desse superpor esses ministérios desenvolvem uma série de iniciativas paralelas que, não seria nenhum exagero dizer, desconhecem o quanto a cooperação técnica e gerencial entre elas racionalizaria o uso dos recursos e as ações projetadas e implementadas.

Além dessa questão de superposição de competências dos vários órgãos que atuam na metrópole, acresce-se uma segunda ordem de problemas. Uma relativa à pouca nitidez no que diz respeito às responsabilidades que cabem às diversas instâncias de governo (nível municipal ou estadual/provincial). E, outra dizendo respeito à falta de uma política global para o território metropolitano. Para Frederico Arenas, “o caráter setorial ou específico dos instrumentos não permite respostas acordes concordantes com a natureza dos problemas urbano-metropolitanos, os quais por serem transversais necessitam, desde a política pública até as respostas intersetoriais” (Arenas: 2006; 20)

Parece que a questão da superposição de competências seja a questão mais difícil de ser resolvida, já que é, eminentemente, uma questão política. Frederico Arenas se refere a dois princípios que devem ser lembrados na superação do impasse advindo dessa multiplicação de competências. O princípio de subsidiariedade territorial que reza que não se deve entregar um problema a uma esfera superior se uma esfera inferior da administração pode resolvê-lo e o princípio da complementaridade que diz que segundo a natureza dos problemas a resposta não está circunscrita a uma só instituição, devendo haver complementaridade entre elas (Arenas: 2006; 20). Complementaridade, reiterando, e não superposição.

Além desses dois princípios relacionados diretamente à questão de competência da gestão territorial, Frederico Arenas fala de dois outros princípios igualmente importantes e que nos parecem fundamentais: o da solidariedade territorial, voltado para o estabelecimento da solidariedade territorial compensatória. Por exemplo, quando determinados problemas devem ser enfrentados sem a possibilidade de serem deslocados, como no caso da localização dos lixões, deve, a localidade que abriga os lixões, ser recompensada por essa atribuição. Esse princípio consagra, é bom frisar, a idéia de complementaridade e não de competição entre lugares.

O outro princípio diz respeito à diversidade territorial, que está relacionado ao fato do espaço geográfico ser diferenciado e que as políticas públicas devem dar conta disso, não cabendo, portanto, a elaboração de planos gerais com estratégias que desconsideram a diversidade geográfica (Arenas: 2006; 20)

O elencar dos princípios de solidariedade territorial, subsidiariedade territorial, de complementaridade e de diversidade territorial constitui uma contribuição para se projetar uma forma de gestão metropolitana que se contrapõe à política empresarial sobre o urbano. Esses princípios podem ser inseridos nos três modelos clássicos que se fazem presentes na literatura sobre gestão metropolitana. Um, em que há uma autoridade metropolitana que centraliza as decisões e que tem autonomia financeira e executiva. Outro, cuja atuação se dá por meio de determinados problemas, tais como o lixo e os transportes. E, ainda outro, de caráter flexível e descentralizado, baseado no estabelecimento de acordos voluntários e corporativos segundo algumas questões, como a provisão de serviços ou aspectos interessando diretamente a infra-estrutura urbana dos municípios envolvidos. Nos dois últimos casos é interessante observar que o recorte territorial da ação é variável segundo o problema ou tema, revelando, nitidamente, que a realidade metropolitana é multiescalar.

Gestão metropolitana: mas afinal de que território se trata no caso de Buenos Aires, São Paulo e Santiago?

 De maneira geral procuramos falar de gestão metropolitana nos referindo à metrópole como um termo genérico e isso foi de propósito, pois as s nomenclaturas territoriais e administrativas da Argentina, do Brasil e do Chile são muito diferentes. Quando se fala em região metropolitana no Brasil, a unidade territorial de referência não tem nada a ver com a nomenclatura chilena, além de não ser usual na Argentina. Em suma, nomes iguais se referem a unidades territoriais diferentes e nomes diferentes a unidades territoriais equivalentes. Por isso, repetindo, usamos o expediente da imprecisão, que nesse momento precisa ser superado.

Para isso, é necessário uma explanação sobre a divisão administrativa territorial do Brasil, da Argentina e do Chile. No caso do Brasil a região metropolitana é um recorte inferior ao Estado e se constitui numa unidade administrativa. A grande divisão territorial administrativa do país denomina-se Estado, que são em número de 27. A esses se acresce um Distrito Federal (Brasília). Especificamente, a Região Metropolitana de São Paulo situa-se no Estado de São Paulo.

A grande divisão territorial administrativa da Argentina recebe o nome de Província, sendo esse país dividido em 23 Províncias e a Capital Federal (Cidade Autônoma de Buenos Aires). Essa, a Capital Federal, o município de Buenos Aires, pertence à Província de Buenos Aires. É digno de nota a lembrança de que a denominação de Província também foi utilizada no Brasil até o Império. Com a independência do país, como república federativa, passou-se a utilizar a denominação Estado e não mais Província.

Não é muito usual o uso do termo região metropolitana de Buenos Aires. É mais comum encontrarmos a denominação de Área Metropolitana de Buenos Aires ou Grande Buenos Aires. A Grande Buenos Aires se constitui num recorte inferior ao da Província, mas não se constitui numa unidade administrativa. Grande Buenos Aires é uma denominação genérica que se referente ao conjunto formado pela cidade de Buenos Aires (Cidade Autônoma de Buenos Aires) e pelo Conubarno Bonaerense. Esse conurbano é composto por cidades adjacentes à cidade de Buenos Aires. (Figura 1)

Antes de prosseguirmos com essa comparação é importante dizer que a menor unidade territorial no Brasil, que goza de autonomia administrativa se chama município. Na Argentina, o correspondente denomina-se departamento. Mas, no caso da Província de Buenos Aires essas unidades não são denominadas de Departamentos, mas de Partidos. Assim, o Conubarno Bonaerense se constitui num conjunto formado por Partidos.

Assim posto, podemos fazer um paralelo entre o recorte territorial denominado de região metropolitana de São Paulo. (Figura 2). Essa região é composta por 39 municípios, cujo núcleo é o município de São Paulo, com a Área Metropolitana de Buenos Aires formada pelo Conurbano Bonaerense, composto por 24 partidos, acrescido da Cidade Autônoma de Buenos Aires.

 


Figura 1. Área Metropolitana de Buenos Aires - Conurbano Bonaerense e Cidade Autônoma de Buenos Aires
Fonte: Gobierno de la Ciudade Buenos Aires - Área Metropolitana de Buenos Aires y Capital, límite de partidos y CGPs.

 


Figura 2. Região Metropolitana de São Paulo
Fonte: Lei complementar nº 14, de 8 de junho de 1973. Artigo 164 da constituição

 

O Chile apresenta uma nomenclatura muito mais diversa em relação ao que apresentamos para o caso do Brasil e da Argentina. O território chileno está dividido em 15 regiões, sendo a região metropolitana de Santiago uma delas. Num nível inferior se coloca a divisão administrativa territorial denominada Província e num nível mais abaixo, os municípios. A título de exemplo, a região Metropolitana de Santiago é composta por 6 Províncias, sendo uma delas a Província de Santiago, onde se localiza a área metropolitana de Santiago.

A Região Metropolitana de Santiago se constitui num recorte territorial superior. O paralelo que podemos fazer em relação ao recorte territorial denominado de Região Metropolitana de São Paulo e a Grande Buenos Aires, formada pelo Conurbano Bonaerense, acrescido da Cidade Autônoma de Buenos Aires, é com a Área Metropolitana de Santiago, composta por 34 municípios, sendo que 32 desses pertencem à Província de Santiago e dois outros a outras províncias: Puente Alto (Província Cordillera) e San Bernardo (Província Maipo) (Figura 3)

 


Figura 3. Área Metropolitana de Santiago
Fonte: SUBREDE – Subsecretaria de Desarrollo Regional y Administrativo, Min. del Interior.

 

O quadro 1 busca fazer uma analogia das nomenclaturas dos 3 países. 

Quadro 1. Nomenclaturas utilizadas na Argentina, Brasil e Chile

 

Argentina

Brasil

Chile

Maior unidade administrativa territorial

Província

Estado

Região

Unidade administrativa territorial intermediária

_

_

Província

Menor unidade administrativa territorial

Departamento
Para a Província de Buenos Aires, a denominação é Partido

Município

Município/
Comuna  

Território referido na discussão de gestão metropolitana

Área Metropolitana de Buenos Aires ou Grande Buenos Aires (Conurbano Bonaerense mais a Cidade Autônoma de Buenos Aires )

Região Metropolitana de São Paulo

Área Metropolitana de Santiago

 Elaboração própria.


A Área Metropolitana de Buenos Aires, a Região Metropolitana de São Paulo e a Área Metropolitana de Santiago são consideradas entidades equivalentes. Esses territórios são referência para a discussão sobre gestão metropolitana, mas não devem aprisionar a questão da gestão metropolitana nas suas fronteiras.

Considerações finais

Reiterando o que dissemos acima, esse recorte territorial - região metropolitana ou área metropolitana -, especificamente a região metropolitana de São Paulo e a área metropolitana de Buenos Aires e a de Santiago, gozam de institucionalização sem, contudo terem autonomia em termos políticos e em relação aos recursos necessários para uma ação integrada. A justificativa de se tomar como referência de análise esses recortes territoriais decorre do fato de que tais recortes são institucionalizados por lei. Mas, como dissemos, esses limites não devem se constituir em camisa de força. .Em todos os casos, de Buenos Aires, São Paulo e Santiago, há experiências de ações de planejamento e de gestão que incidem em parcelas desses territórios. Ou seja, que envolvem apenas alguns municípios dessas áreas (Buenos Aires e Santiago) e região (São Paulo), como também há expedientes de cooperação e de ação conjunta que envolvem municipalidades pertencentes a esses recortes, mas também a municipalidades adjacentes a esses recortes.

Devemos entender como gestão metropolitana a gestão sob um território metropolitano, que não necessariamente coincide e está contido nos contornos da região ou área metropolitana instituída pela administração pública. Diante de uma realidade complexa, difusa e de contornos difusos e fugidios o território de ação da gestão metropolitana necessita ser flexibilizado, sem, contudo comprometer a possibilidade de comprometer a integração social e territorial. Possibilidade cada vez mais distante quando as ações fragmentam de forma irremediável o território.

Projetar a possibilidade de um planejamento urbano alternativo, a nosso ver passa, necessariamente, pelo desenvolvimento da organização da sociedade. Um desafio para São Paulo, Buenos Aires e Santiago, onde existe uma grande fragilidade nas formas organizativas, em especial, dos setores populares.

Uma outra observação é que se deve pensar a gestão metropolitana como a gestão de uma totalidade, o que não significa de forma alguma que as ações devam incidir sobre todas as parcelas do território, mas que devem estar referidas a um território compreendido como uma totalidade estruturada. Pressupõe, assim, o desenvolvimento de uma prática comprometida com a integração territorial, independente de incidir ao mesmo tempo em todos os fragmentos da metrópole.

Há, portanto, que se inventar caminhos novos e analisar criticamente as alternativas concebidas no novo contexto neoliberal. Sobretudo, contrariar o empresariamento da política urbana pelo risco do desenvolvimento de maior fratura social e de maior fragmentação do território. Nesses novos caminhos, a sobreposição de competências entre os órgãos que atuam na metrópole e as ações paralelas nada incomuns que são emanadas desses órgãos, onde umas desconhecem as outras, não devem ter lugar.

Esses são os desafios que buscam superar impasses e que emulam a coragem de buscar alternativas políticas que dêem conta do estorvo e empecilhos que se apresentam.

Notas

[*]Direito à cidade, no sentido lefebvriano do termo.

 

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Referencia bibliográfica:

LENCIONI, Sandra. Impasses da gestão metropolitana nas regiões de Buenos Aires, São Paulo e Santiago. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.  Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2008, vol. XII, núm. 270 (59). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-270/sn-270-59.htm> [ISSN: 1138-9788]


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