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Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. XII, núm. 270 (78), 1 de agosto de 2008
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]


TRANSFORMAÇÕES SÓCIOESPACIAIS DA AGRICULTURA FAMILIAR NA AMAZÔNIA

Jacob Binsztok
Doutor em Geografia Humana – USP
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Geografia – Universidade Federal Fluminense
Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
jacob.binsztok@terra.com.br



Transformações sócioespaciais da agricultura familiar na Amazônia (Resumo)

O trabalho analisa as transformações sócio-espaciais ocorridas na última década na agricultura familiar da Amazônia. As pesquisas se concentraram no Centro de Rondônia, onde encontramos uma ampla modalidade de agricultores familiares dedicados ao cultivo do café, olericultura e produção de leite. A importância da região pode ser verificada, na medida em que seus produtos agrícolas abastecem não somente mercados locais, mas também mercados regionais, nacionais e internacionais.

O Centro de Rondônia é reconhecido como uma das áreas mais devastadas da Amazônia, com seus municípios incluídos no denominado “Arco do Desmatamento”, devido à ocorrência de grandes queimadas, colocando a região como uma das maiores emissoras de CO2 do país. Recentemente, segmentos comunitários preocupados com o agravamento da degradação dos recursos naturais e das condições ambientais locais, decidiram investir em práticas agroecológicas, privilegiando o cultivo do café orgânico e modificando as normas ditadas pela cadeia de comercialização convencional, filiando-se a instituições internacionais vinculadas ao comércio justo e a economia solidária. Estas atividades foram inicialmente fomentadas pelos setores progressistas da Igreja Católica, que elaboraram projetos precursores, visando o resgate de práticas camponesas, como os “mutirões” que estavam praticamente esquecidos em virtude da rápida expansão do trabalho especializado no campo.

No entanto as soluções alternativas apresentam limites, pois uma grande parte dos agricultores familiares não atendem aos rígidos requisitos impostos pelas instituições certificadoras das práticas agroecológicas, do comércio justo e da economia solidária. Acrescenta-se o fato que empresas transnacionais estão se apropriando da agricultura orgânica, transformando os agricultores familiares em fornecedores e controlando o preço dos produtos, principalmente do café. As dificuldades decorrentes da desvalorização do dólar também estão contribuindo para que agricultores que optaram pelo cultivo de produtos orgânicos, retornem ao emprego de técnicas convencionais, pautadas pela intensa utilização de agrotóxicos, retornando a antiga posição de uma produção subordinada a cadeia de intermediários, locais, nacionais e internacionais que monopolizam o preço do café.

Palavras chave: agricultura familiar, Amazônia, transformações sócio-espaciais, comércio justo, agricultura orgânica, economia solidária


 Transformaciones socio-espaciales de la agricultura familiar en la Amazonia (Resumen)

El trabajo analiza las transformaciones socio-espaciales ocurridas en la última década en la agricultura familiar de la Amazonia. Las investigaciones se concentraron en el Centro de Rondonia, donde encontramos una amplia modalidad de agricultores dedicados al cultivo del café, horticultura y de producción de leche. La importancia de la región puede ser verificada, en la medida en que sus productos agrícolas suministran a los mercados locales, regionales, nacionales e internacionales.

Tradicionalmente conocida como una de las áreas mas devastadas de la Amazonia, el Centro de Rondonia posee en sus municípios incluídos en el denominado “Arco do Desmatamento”, con el acaecimiento de grandes quemadas, colocando la región como una de las áreas que mas emiten CO2 en el pais. Recientemente, segmentos comunitarios preocupados con el agravamiento de la degradación de los recursos naturales y de las condiciones ambientales locales, decidieron invertir en prácticas agroecológicas, privilegiando el cultivo de café organico y modificando las normas dictadas por la cadena de comercialización convencional,  afiliandose a instituciones internacionales vinculadas al comercio justo y a la economía solidaria. Estas actividades fueron inicialmente fomentadas por los sectores progresistas de la Iglesia Católica, que elaboraron proyectos precursores, apuntando el  rescate de prácticas campesinas, como el trabajo denimado “ayuda mutua”, que  estaban practicamente olvidados en virtud de la rápida expansión del trabajo especializado en el campo. 

Entretanto las soluciones alternativas presentan límites, pues en gran parte los agricultores familiares no atienden a los rígidos requisitos impuestos por las instituciones certificadoras de las prácticas agroecológicas, del comercio justo y de la economía solidaria. Se acrecenta el hecho de que empresas transnacionales se estan apropiando de la agricultura orgánica, transformando los agricultores familiares en proveedores, y controlando el precio de los productos, principalmente el del café. Las dificultades estan contribuyendo para que agricultores que tenian optado por el cultivo de productos orgánicos, retornen al empleo de técnicas convencionales, pautadas por la intensa utilización de agrotóxicos y dependientes de las exigencias de la vasta cadena de intermediarios, locales, nacionales e internacionales que monooplizan el precio del café.

Palabras clave: agricultura familiar, transformaciones sócio-espaciales, comercio justo, agroecologia


Socio-spatial transformations of the familiar agriculture in Amazonia (Abstract)

This paper analyses the socio-spatial transformations that occurred in the last decade in familiar agriculture in Amazonia . Research concentrated on the Center of Rondonia State, where we can find a large variety of familiar farmers dedicated to the coffee culture, olericulture and milk production. The importance of the region can be demonstrated, in so far as its agricultural products supply local, regional, national, and international markets.

Traditionally known as one of the most devastated areas in Amazonia, cities in the Center of Rondonia are included in the so-called “Deforestation Arc” with the occurrence of vast forest fires, making the region one of the greatest CO 2 issuers of the country. Recently, parts of the community, concerned with the aggravation of the degradation of natural resources and local environmental conditions, decided to invest in agroecological practices. They privilege the organic coffeegrowing and modify the rules dictated by the string of conventional commercialization, and get affiliated to international institutions linked to the fair trade and to the supportive economy. These activities were initially promoted by progressive sectors of the Catholic Church. They prepared pilot projects, aiming to bring former peasant practices, like joint efforts that were practically forgotten due to the quick expansion of the specialized work in the rural areas, back in.

However, the alternative solutions have limits, because in great part the familiar farmers don't meet the rigid requisites imposed by certifying institutions of the agroecological practices, fair trade and the supportive economy. Add to this the fact that transnational companies have been appropriating the organic agriculture, turning familiar farmers into suppliers and controlling the price of the products, mainly the coffee price. These difficulties are contributing to the return of farmers who had opted for cultivating organic products to the employment of conventional techniques, ruled by the intense use of pesticides, and dependants of the vast string of local, national and international intermediaries' demands, who monopolize the coffee price.

Key words : familiar agriculture, Amazonia , social and spatial transformations, fair trade, agroecology


As transformações ocorridas na última década no campo brasileiro atingiram com intensidade a agricultura familiar na Amazônia, particularmente no Centro de Rondônia, onde em função dos antigos Projetos de Colonização do INCRA, concentrou-se uma vasta gama de pequenos produtores, principalmente dedicados à horticultura, produção de leite e cafeicultura, destacando-se a nível local, regional, nacional e internacional.

Os agricultores familiares tiveram que enfrentar uma série de transformações que alteraram significativamente o espaço agrário regional, como, a expansão da cultura da soja, proveniente do Norte de Mato Grosso, dirigida pelos Grupos Maggi e Cargill; avanço sem precedentes da pecuária, envolvendo pequenos, médios e grandes pecuaristas; construção de cadeias nacionais de frigoríficos e de exportação como Friboi e Independência; intensa atuação de madeireiras e retomada de intervenções governamentais representadas pelo Complexo do Madeira, destinado a atenuar o atual déficit energético do país. Estas transformações estão contribuindo para o aumento do desmatamento e depredação dos recursos naturais da região, com sérias repercussões a nível nacional e internacional.

Em função deste quadro os agricultores familiares articulados pelas lideranças locais, decidiram fomentar as seguintes iniciativas: construção de espaços alternativos ocupados pelos produtos orgânicos, como a cafeicultura e a olericultura, e também pela inserção na economia solidária e no comércio justo, como contraponto às exigências ditadas pelos monopólios exercidos pela tradicional cadeia de comercialização.

Em relação às questões teóricas investigamos autores que analisam os espaços ocupados pela agricultura orgânica, comércio justo e pela economia solidária. No entanto, o trabalho mostrou que a proposta embora ofereça um contraponto ao avanço de determinadas formas de expansão do capital (soja e pecuária) ainda não pode ser considerada como uma prática de emancipação para os agricultores familiares, pois tais procedimentos inseriram um significativo segmento desses produtores nos movimentos contraditórios e desiguais que caracterizam o desenvolvimento capitalista no campo brasileiro.

A pesquisa foi realizada mediante trabalhos de campo, levantamento de dados secundários e a realização de entrevistas com os diferentes atores sociais componentes do espaço agrário do Centro de Rondônia.

Origens da Colonização

Analisando o processo de colonização implantado pelo INCRA nos anos 70, verificamos que o Regime Militar utilizou dois instrumentos para viabilizar a ocupação dos chamados “vazios demográficos” de Rondônia. Inicialmente, priorizaram a consolidação da Br 364, principalmente no trecho Cuiabá/ Porto Velho, que direcionou o fluxo de camponeses expropriados pela modernização agrícola ocorrida nas regiões Sul e Sudeste do país.  Posteriormente foram implantados os Projetos Integrados de Colonização (PIC), que ocuparam uma faixa de 100 Km de cada lado da Br 364, repartindo em lotes de aproximadamente 100 ha, distribuídos pelo INCRA para atenuar os inúmeros focos de tensão existente no espaço agrário do sul e sudeste do país. A Br 364 e o Projeto Integrado de Colonização (PIC) cumpriram suas finalidades geopolíticas, pois criaram novas esferas de poder local e contribuíram para a construção de uma nova ordem territorial em Rondônia.

A publicidade oficial sobre a distribuição dos lotes atraiu um notável fluxo de migrantes para as imediações dos maiores Projetos Integrados de Colonização (PIC), o de Ouro Preto e de Ji-Paraná, ambos com aproximadamente 500.000 ha cada, abrigando cerca de 5.000 famílias.

As motivações políticas do Governo Militar objetivaram mitigar possíveis tensões no campo, fazendo com que o INCRA atuasse na distribuição de lotes urbanos e na construção de vilas, principalmente nos cruzamentos das áreas de produção com a Br 364, lançando os novos marcos urbanos no Centro de Rondônia.

Estrutura da agricultura familiar

Os migrantes eram em grande parte originários de várias localidades rurais do Espírito Santo e do Paraná, de municípios como: São Gabriel da Palha, Linhares, Colatina, Vila Pavão, Nova Venécia, Afonso Cláudio e Barra de São Francisco. Também encontramos grupos paranaenses provenientes de municípios como Cruzeiro do Oeste, Céu Azul, Vera Cruz e Toledo. Grande parte dos migrantes era composta de ítalo-brasileiros e de pequenos grupos de germano-brasileiros, de origem pomerana, credo luterano, concentrando-se particularmente entre os municípios de Cacoal e Espigão do Oeste.

Os migrantes em seus locais de origem foram atingidos pelas medidas do IBC/GERCA (Instituto Brasileiro do Café/ Grupo Executivo de Racionalização da Cafeicultura), que recomendava a erradicação de cafezais considerados improdutivos. Organizados em uma estrutura tipicamente camponesa pautada pelo trabalho familiar, os produtores se concentraram principalmente nos municípios de Cacoal, Espigão do Oeste e Ji-Paraná no denominado Centro de Rondônia.

A presença de uma policultura típica da produção camponesa é facilmente constatada em grande número de propriedades produtoras de café, onde encontramos a horticultura com a produção de alface, agrião, tomate, entre outros. Também a fruticultura produzindo manga, coco, abacaxi, o cultivo de cereais como feijão, arroz e milho, e ainda a criação de galinhas caipiras, perus e porcos. Segundo informações da Emater/ RO esta policultura é responsável pelo abastecimento de supermercados e feiras livres diárias, oferecendo produtos de baixo custo para a população chegando a formar um verdadeiro “cinturão verde” para o abastecimento das cidades.

A relações de trabalho foram importantes para a viabilização da unidade de produção camponesa, principalmente no que se refere ao papel desempenhado pelos meeiros que utilizam esta tradicional prática nas regiões produtoras de café. Os meeiros são provenientes, em grande parte de Minas Gerais, Espírito Santo e de São Paulo, sendo legalizados mediante o Contrato de Parceria Agrícola previsto no Estatuto da Terra, que estabelece a cota de 50% da lavoura comercial para ser dividida com o proprietário, e com os produtos da “lavoura branca”, como a mandioca, milho e feijão disponibilizados integralmente para a sua subsistência, e com os excedentes comercializados em feiras populares. 

O trabalho temporário é utilizado por proprietários e meeiros nos meses de abril, maio, junho e julho, período da colheita do café, mobilizando trabalhadores de localidades próximas, empregadas domésticas e menores de idade, enfim uma verdadeira corrida para a safra do produto, geralmente com remuneração estipulada em torno de R$ 20,00 o dia de trabalho.

Na pecuária registramos a presença de duas modalidades de meeiros: o primeiro representado pelo produtor sem terra, remunerado pelo peso adicional da engorda sob sua responsabilidade; o segundo caracterizado pelo meeiro com terra, que recebe um novilho do pecuarista e divide o lucro. Em ambas a produção do leite pertence ao meeiro.

Em relação às linhas de créditos, os meeiros são beneficiados por recursos provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e os pequenos proprietários são atendidos pelo Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF) e pelo Rural-Rápido que contempla empréstimos situados na faixa de 1.000 a 5.000 reais, financiados exclusivamente pelo Banco do Brasil e pelo Banco da Amazônia S.A. (BASA). Atualmente, os pequenos produtores só perdem suas terras por dívidas caso constem como garantia hipotecária. Este procedimento comprova que a atual fase do desenvolvimento capitalista no campo não está interessada em expropriar a terra e sim apropriar-se da renda da terra por intermédio da exploração do trabalho dos agricultores familiares.

Na atual conjuntura são indispensáveis às iniciativas de instituições públicas e privadas, urbanas ou rurais, visando à implantação de micro e pequenos empreendimentos, na medida em que foram constatados sinais de uma crise no setor produtivo-industrial regional, iniciada com o fechamento de uma fábrica da Coca-Cola, transferida para Manaus, eliminando cerca de 500 postos de trabalho no município de Cacoal, mostrando que somente a atividade industrial não atende a questão da geração de emprego e renda nas áreas de fronteira agrícola.

Com respeito ao cacau originário da Amazônia, encontrado em grande quantidade na área onde hoje se localiza o município de Cacoal, é cultivado por um reduzido grupo de produtores provenientes do Espírito Santo e do Sul da Bahia, não descendentes de italianos e de alemães. Esta cultura foi relegada a um plano secundário, pois alguns pesquisadores creditaram Rondônia como principal foco irradiador da “vassoura-de-bruxa” na década de 90, que devastou um grande número de plantações no Sul da Bahia e no Espírito Santo, atingindo a Costa do Marfim, na África, e a América Central. Este quadro fez com que o país perdesse a condição de um dos principais produtores mundiais, chegando a importar o produto. A partir do final dos anos 90, com a praga sob controle após pesquisas da CEPLAC/Bahia, (Comissão Executiva e Planejamento da Lavoura Cacaueira), verificou-se sinais de recuperação. Rondônia apresenta grande significado grande potencial para esta revitalização, pois no município de Ariquemes localiza-se a Estação da CEPLAC que possui um dos maiores bancos genéticos do mundo sobre o produto.

 O associativismo dos produtores familiares e a cafeicultura orgânica

O advento do associativismo dos agricultores familiares dedicados a cafeicultura orgânica no centro de Rondônia, foi incentivado pelos setores progressistas da Igreja Católica, vinculados aos movimentos sociais rurais liderados principalmente pelo bispo Dom Antônio Passamai, responsável pela Diocese de Ji-Paraná. As lideranças comunitárias preocupadas com o avanço do desmatamento, contaminação da água e do solo por agrotóxicos, e pelo grande número de doenças provenientes das precárias condições de saneamento básico das comunidades locais, decidiram investir no fortalecimento das organizações dos agricultores familiares, como forma de preservar a biodiversidade, as práticas de cultivos orgânicos, os procedimentos alternativos de saúde pública e de saneamento básico, visando contribuir para a melhoria da qualidade de vida e da geração de emprego e renda para as comunidades locais.

A pesquisa mostra as diferenças entre as organizações de agricultores familiares orgânicos e de comércio justo, destacando as que se vincularam a uma lógica empresarial, e as que se mantiveram nos limites das práticas camponesas. Verificamos que as associações que privilegiaram a lógica empresarial tornaram-se dependentes dos mercados comandados pelas grandes corporações, enquanto as que se mantiveram nos limites das práticas camponesas ficaram restritas a mercados de reduzido porte. Realizamos um balanço, ressaltando os avanços e os limites com que se defrontam as organizações de agricultores familiares dedicadas ao cultivo do café orgânico e o comércio justo no centro de Rondônia, mostrando que apesar destas contradições, estas conseguiram estabelecer um contraponto ao avanço da soja, e da pecuária ao sul, e dos grandes projetos hidroelétricos ao norte do estado.

A importância da Diocese de Ji-Paraná no incentivo as atividades das associações dos agricultores familiares, é observada pelo grande número de organizações fomentadas por esta instituição, e também pela relevância dos projetos executados em parceria com entidades internacionais, como por exemplo, na captação de recursos provenientes da MISEREOR/ KZE, agência de cooperação, que recolhe doações de comunidades católicas alemães para serem distribuídas a comunidades carentes de países em desenvolvimento.

Uma das organizações mais importantes coordenados pela Diocese e apoiadas pela MISEREOR/KZE, é o Projeto Padre Ezequiel, fundado em 1989, homenageando ao religioso colombiano, assassinado em 1985 em um conflito de terras na fronteira de Rondônia com Mato Grosso. Por intermédio de um fundo rotativo, funcionando como micro-crédito, inspirado pelo ideário da economia solidária de Mohamed Yunus, são financiados equipamentos destinados ao beneficiamento de produtos agrícolas, construção de viveiros agro-florestais comunitários e também de pequenos engenhos de cana-de-açúcar. O fundo atendeu cerca de 200 iniciativas demandadas pelos agricultores familiares, até o presente momento. No setor de saúde são organizados cursos da Escola de Homeopatia, Florais de Bach e Homeopatia Aplicada a Agropecuária, estas atividades privilegiam o tratamento curativo e preventivo de doenças por intermédio da medicina alternativa, ressaltando a utilização de métodos holísticos, valorizando e resgatando o conhecimento popular.

Na área de educação de jovens e adultos, o projeto incentiva a Escola de Formação Popular, para grupos de classes sociais de baixa renda, onde são ministrados 3 módulos, durante 3 anos de práticas destinadas a orientar, planejar, executar, acompanhar, monitorar e avaliar ações referentes à vida familiar e comunitária. Estas iniciativas estão presentes na maioria dos 28 municípios pertencentes à jurisdição da Diocese de Ji-Paraná.

Na linha da implantação da agricultura orgânica e resgate de práticas camponesas, a Diocese é parceira da Organização Não-Governamental, Terra Sem Males, sediada em Ji-Paraná, que atende cerca de 40 agricultores familiares, distribuídos por 14 municípios, incentivando principalmente a produção do café, pecuária leiteira e olericultura. As práticas da agricultura orgânica são realizadas mediante a utilização de adubação verde e do cultivo de espécies que restabeleçam o equilíbrio microclimático de áreas degradadas pelo intensivo desmatamento, no centro de Rondônia.

Preocupada em atenuar os efeitos desta devastação dos recursos naturais, particularmente grave nesta região, e também com o intuito de melhorar as condições sociais, a organização investiu no resgate de práticas camponesas priorizando o trabalho comunitário, como o “mutirão”, que apresenta problemas de continuidade, em virtude da especialização ocorrida principalmente na pecuária, impedindo a reciprocidade que caracteriza esta modalidade de participação coletiva, fundamental para a reprodução de práticas camponesas.

A obtenção do certificado de qualidade para os produtos, embora importante para a agricultura orgânica e para a lógica empresarial, não é uma prioridade da ONG que destaca a importância do campesinato, na preservação ambiental. Assim, a organização participa na formação de educadores agro-florestais, comprometidos com o manejo sucessivo das seguintes espécies: café, cacau, seringa, cedro, pimenta, teca, ingá, mamão, pimenta-do-reino e embaúba. A organização atua na região com dois técnicos, recebendo apoio internacional da Agência Católica de Desenvolvimento Inglesa (CAFOD), que periodicamente visita as unidades produtoras.

A continuidade do trabalho da Diocese pode ser observada no apoio a constituição das Associações de Ajuda Mútua, como a Articulação Central das Associações Rurais de Ajuda Mútua (ACARAM), precursora da Cooperativa dos Produtores Rurais Organizados para Ajuda Mútua (COOCARAM), que inicialmente contou com a ajuda de instituições holandesas e atualmente reúne 18 associações envolvendo cerca de 2000 agricultores familiares. Esta cooperativa (COOCARAM), realiza suas operações da mesma forma que as suas congêneres do sul de Minas Gerais, comprando tanto o café convencional quanto o orgânico, não existindo uma organização que comercialize somente o produto alternativo.

A cafeicultura orgânica de Rondônia acompanha em linhas gerais os movimentos contraditórios e desiguais, que caracterizam o desenvolvimento capitalista no espaço agrário brasileiro. De um lado, as iniciativas realizadas pela Igreja, contando com o incentivo de grupos progressistas locais e de entidades filantrópicas católicas européias, voltadas principalmente para o resgate de práticas camponesas, como o trabalho solidário e a valorização do saber tradicional. De outro, verificamos o envolvimento dos agricultores familiares com grandes corporações multinacionais, utilizando técnicas de marketing em parceria com a Cia. Cacique de Café Solúvel, maior exportadora mundial do produto, que adquire parte da produção da Cooperativa dos Produtores Rurais Organizados para Ajuda Mútua (COOCARAM), reeditando antigos métodos utilizados pelo capital monopolista industrial, na apropriação da renda do trabalho familiar. Acrescente-se o fato de que o longo período de desvalorização do dólar está enfraquecendo o mercado justo a nível internacional, fazendo com que os produtores retornem para os intermediários locais, regionais e nacionais em função do preço do produto. Somente os agricultores que possuem maior conscientização da problemática ambiental representada pela agricultura alternativa permanecem no cultivo do café orgânico.

O interesse das grandes corporações em participar da cafeicultura orgânica e do comércio justo no país, não se restringe somente a Rondônia, pode ser ainda observado pela presença do Grupo Odebrecht, que atua junto aos agricultores familiares no Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Baixo Sul da Bahia. Esta iniciativa obteve o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que exige o enquadramento da produção às exigências de Certificados, como ISO 9000, ISO 1400, S.A 8000 e 750.500, inacessíveis a realidade da grande maioria dos agricultores familiares do país. Estas exigências somente podem ser cumpridas pelas grandes corporações, que por intermédio destes certificados conseguem se apropriar de grande parte da renda gerada pelos agricultores familiares.

O interesse das grandes corporações pela cafeicultura orgânica, coloca em risco a permanência dos agricultores familiares, pois, são instituições altamente capitalizadas que obedecendo à lógica do grande capital, podem de forma abrupta encerrar suas atividades, transferindo-as para setores e locais mais lucrativos, ao contrário dos agricultores familiares que devido ao baixo custo da sua mão-de-obra, são mais resistentes às sucessivas crises sofridas pela cafeicultura no país.

A volatilidade das grandes corporações pode ser constatada, quando observamos que em virtude do baixo custo da variedade “robusta” produzida no Vietnã, grupos empresariais pressionaram o governo para autorizar a importação do produto, alegando que a produção nacional estava perdendo competitividade no mercado mundial. A possível autorização para essas importações coloca em grave em risco a produção da variedade “robusta” no país.

Segundo informações da Associação Brasileira da Industria de Café (ABIC), o valor agregado desta variedade para a fabricação do solúvel é elevado, correspondendo a quinze vezes mais, que o preço do produto em grão. O fato mostra a importância da cafeicultura de Rondônia, concentrada nesta variedade, proveniente do norte do Espírito Santo e adaptada às condições morfoclimáticas do centro do estado. Ao contrário da variedade “arábica”, que necessita de altitudes mais elevadas para ser cultivada, e que pode ser consumida de maneira direta, a “robusta”, se adapta às áreas planas e chuvosas, e em virtude do seu maior teor de acidez, precisa de beneficiamento para fabricação de “blends”, destinados ao consumo final.

A Associação de Cafeicultura Orgânica do Brasil estima em 120.000 sacas a produção de café orgânico certificada em 2005 no país, dos quais 100.000 serão destinadas ao mercado externo, comprovando a fragilidade do mercado interno no consumo do produto. Além de promover práticas ambientalistas, como o aproveitamento de matéria orgânica como adubo em substituição aos insumos químicos, os produtores organizados, nas associações alternativas podem obter um produto de excelente qualidade, como atestam os agricultores orgânicos classificados no Concurso de Qualidade promovido pela BSA – Brazil Specialty Coffee Association, mostrando que os cafés especiais podem conseguir um adicional de 15 a 150 % do preço fixado no mercado local.

A entrevistas realizadas com os técnicos da EMATER-Ro mostraram a presença de 35 (trinta e cinco) Associações de Produtores Rurais concentrados principalmente nas linhas de produção 9, 10 e 11 do município de Cacoal. Na Associação Rural e Comunitária Canaã de Desenvolvimento Econômico-Social e Proteção Ambiental estão cadastradas cerca de 20 (vinte) associações que recebem recursos para a execução de projetos, e que igualmente recebem assistência técnica e extensão rural da EMATER-Ro. A Associação Canaã é apoiada por políticos e líderes evangélicos que por intermédio das emendas parlamentares no Orçamento da União, conseguem obter recursos junto ao Governo Federal.

O referido quadro comprova o intenso movimento associativista que envolve a os agricultores familiares no centro de Rondônia. As associações, no entanto não são unidas, o que dificulta a solidariedade dos associados em relação aos problemas que precisam ser enfrentados. Uma das questões mais difíceis de serem equacionadas refere-se às dificuldades que as Associações enfrentam em relação à comercialização dos produtos, notadamente o café, pois são impedidas de realizar legalmente operações comerciais ficando submetidas às exigências impostas pela cadeia monopolista de intermediários.

Outra questão relevante refere-se às dificuldades que as associações enfrentam para a constituição de cooperativas. Para os técnicos da EMATER, alguns produtores teriam sofrido perdas no Espírito Santo, na Cooperativa de São Gabriel da Palha, tornando-se refratários à formação de novas instituições pautadas pelo método cooperativista. Alguns produtores nos informaram que ainda possuem os títulos da referida cooperativa, que apesar de não mais realizarem transações os documentos destas ainda continuam válidos.

Fundamentos teóricos do comércio justo: avanços e limites

Analisando a trajetória do comércio justo, GRÜNINGER E URIARTE (2002) ressaltaram a origem do chamado fair trade, que a partir na década de 60, com o objetivo de auxiliar pequenos produtores pobres e isolados comercialmente, mobilizou grupos de europeus e norte-americanos, pertencentes a instituições filantrópicas e de consumidores, para inserir estes produtores no mercado.

Estes autores destacaram a falta de oportunidades econômicas dos pequenos produtores de paises pobres em relação ao acesso ao capital, mercados e informação, como também a sua vulnerabilidade às flutuações de preços e a apropriação de grande parte do seu trabalho pelas redes de intermediários locais e internacionais. Este quadro retrata com fidelidade a problemática dos agricultores familiares dedicados à cafeicultura em Rondônia.

O comércio justo pode ser visto como uma parceria entre produtores e consumidores que trabalham para ultrapassar as dificuldades enfrentadas pelos primeiros, para aumentar o seu acesso ao mercado e para promover o processo de desenvolvimento sustentado.

Procurando acrescentar a dimensão política e ambiental ao comércio justo, SAMPAIO e FLORES (2002) mostraram a necessidade de incentivarem formas de empoderamento dos agricultores familiares, trabalhadores assalariados e produtores, que estão em desvantagem ou marginalizados pelo sistema convencional de comércio.

Uma das formas de empoderamento mais importantes no centro de Rondônia é realizado pela Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de Rondônia (FETAGRO), que prioriza a inserção de gênero, pois, segundo decisão da Confederação Nacional de Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), trinta por cento dos cargos das diretorias dos sindicatos filiados, são obrigatoriamente preenchidas por mulheres provenientes das associações de agricultores familiares. Esta atitude esta possibilitando uma mudança na gestão das associações, na medida em que um razoável número de mulheres está paulatinamente assumindo a direção destas organizações, prerrogativa anteriormente concedida somente aos trabalhadores do sexo masculino.

O empoderamento promovido pela FETAGRO abrange desde jovens agricultores à terceira idade, reservando 10% dos cargos de diretoria dos sindicatos filiados a CONTAG, para estas categorias. Estas medidas são importantes para a cafeicultura, que possui uma das mais elevadas proporções de agricultores idosos, em virtude dos jovens não se encontrarem motivados para permanecerem no campo, e muitos considerarem penoso o trabalho agrícola neste setor. A localização da FETAGRO, em Ji-Paraná favorece ao atendimento das reivindicações dos agricultores familiares, concentrados no centro do estado, que não apresenta grandes empresas agropecuárias em seu território, e conseqüentemente não possui um grande número de assalariados rurais.

A proposta do comércio justo, ético e solidário, engloba ainda ações como, a erradicação do trabalho escravo e infantil, a eliminação das discriminações de raça, gênero e religião, preservação da saúde e do meio-ambiente, respeito aos direitos trabalhistas, identidades históricas e culturais, locais e regionais. Atua também, sobre aspectos relativos à gestão do processo produtivo, como a eliminação da intermediação comercial especulativa, a garantia de pagamento justo aos pequenos produtores, o estímulo à criação de associações e cooperativas e a garantia de instrumentos destinados à obtenção de informações difundidas para todos os atores envolvidos. A grande maioria destas propostas enquadra-se nas prioridades dos agricultores familiares dedicados a cafeicultura no Centro de Rondônia.

A mobilização do trabalho feminino feito pela FETAGRO/RO e EMATER/RO está em consonância com as orientações de Mohamed Yunus, um dos teóricos do micro-crédito e da economia solidária, destacando que o fomento ao trabalho feminino é imprescindível para o desenvolvimento rural, na medida que as mulheres estariam mais aptas a administrar os reduzidos recursos das populações de baixa renda, que fora dos circuitos comerciais, sempre foram excluídas das operações de crédito, e ao receberem seus pequenos empréstimos, geralmente conseguem ser bem sucedidas, inserindo-se rapidamente nos referidos circuitos. As iniciativas destas instituições são importantes na medida em que o trabalho feminino na cafeicultura de Rondônia não apresenta grande visibilidade, pois a mulher possui menos liberdade que o homem, que atua como provedor e administrador, não precisando permanecer em casa para cuidar de crianças e das demais tarefas domésticas. A mulher trabalha com o homem nas atividades agrícolas e também em atividades suplementares como a ordenha, caça e pesca, porém o seu trabalho é considerado apenas como uma forma de ajuda.

Com relação à utilização do trabalho infantil condenada pelos teóricos da economia solidária, observamos que os agricultores não concordam com os procedimentos adotados pelos comitês municipais encarregados da erradicação do uso desta mão-de-obra na cafeicultura. As reclamações são procedentes, pois não se trata de exploração do trabalho infantil, comumente encontrado na agricultura empresarial e sim da inserção de jovens na lógica da unidade de produção camponesa.

A incorporação do trabalho infantil na agricultura familiar foi constatada em entrevistas realizadas com alunos das escolas rurais locais, que informaram prazerosamente sua participação em diversas tarefas, como colheita de café, capina, cuidado com os irmãos, trato de animais, preparação de vasilhas e fervura de leite para fazer doces. Os agricultores familiares consideram a incorporação do trabalho infantil de vital importância para a continuidade deste modo de produção no Centro de Rondônia, onde as periódicas crises envolvendo a produção cafeeira desestimulam a permanência dos jovens no campo, fato agravado pelo grande número de agricultores que estão ingressando na terceira idade.

Com relação à dimensão ambiental enfatizada pelos teóricos do comércio justo, observamos que as organizações comunitárias dedicadas à cafeicultura orgânica tenham participado de iniciativas de preservação ambiental, embora verificamos que esses eventos não impediram que em algumas propriedades os auditores estrangeiros encontrassem embalagens contendo agrotóxicos, em flagrante desrespeito as normas ditadas pela economia solidária.

Estes fatos mostram que apesar do caráter solidário preconizado pelos teóricos, os empreendedores do comércio justo e os cafeicultores orgânicos precisam adquirir maiores níveis de conscientização dos fundamentos básicos da proposta, como a dimensão ambiental e o fortalecimento do associativismo dos agricultores familiares na comercialização do produto. O não atendimento destes requisitos coloca em risco o sucesso dos projetos enfraquecendo importante experimento alternativo, utilizado na construção de uma globalização pautada pela redução das relações assimétricas entre as nações.

A baixa qualidade do café é um dos problemas mais importantes no centro de Rondônia, impedindo o produto o de ter qualquer tipo de cotação no mercado. Neste sentido, as associações dedicadas à cafeicultura orgânica verificaram que a comercialização, era dificultada pelo grande número de defeitos, cerca de 400 a 500, não se enquadrando nos padrões mínimos da classificação oficial, iniciada pelo tipo 8, que admite até 360 defeitos.

Procurando reduzir a magnitude deste problema, a ACARAM (Articulação Central de Associações Rurais de Ajuda Mútua), e a COOCARAM (Cooperativa dos Trabalhadores Rurais Organizados para Ajuda Mútua), produziram e comercializaram o café orgânico do tipo 8, contando com o apoio do comércio justo, representado pela Fundação Max Havelaar, originária da Holanda. O referido processo envolveu cerca de 20 associações e 2000 agricultores familiares, que obtiveram um ganho real de 70% em relação ao preço fixado pelo mercado local, monopolizado em grande parte pelos intermediários capixabas e paranaenses, que possuem representantes nas principais cidades produtoras do centro de Rondônia.

Continuando sua expansão, a COOCARAM, em 2006, obteve um terreno doado pela Prefeitura e recursos para a construção de uma torrefação no Distrito Industrial de Ji-Paraná, e em conseqüência da redução do preço do café no mercado internacional, encerrou suas exportações para a Max Havelaar, e invertendo suas estratégias de privilegiar exportações, iniciou uma parceria com a Cacique de Café Solúvel, destinada a atender ao mercado interno. Nesta negociação, a multinacional paga U$ 140 dólares a saca de café, obedecendo aos preços estipulados pelo comércio justo. A empresa alega que não obtém lucro com esta transação, porém, lideranças da cooperativa afirmam que o negócio é utilizado como uma jogada de marketing, vinculando a imagem da empresa, à agricultura familiar, às práticas da cafeicultura orgânica e ao comércio justo. No entanto, ainda permanecem dúvidas sobre a parceria da COOCARAM com a multinacional CACIQUE, pois dirigentes da cooperativa não estão convencidos dos reais propósitos da empresa.

Com o objetivo de atingir maior valor agregado à produção, a COOCARAM pretende incentivar também o plantio da variedade “arábica” no estado, selecionando áreas com relevo apropriado para o cultivo. A organização está adquirindo esta variedade no Paraná e em Minas Gerais. O fato representa uma outra mudança na orientação da COOCARAM, que visando garantir a continuidade de suas operações, está diversificando suas atividades, direcionando seus esforços para o cultivo e beneficiamento da variedade “arábica” ainda ausente da pauta socioeconômica do Centro de Rondônia.

Os procedimentos adotados pela COOCARAM estão inserindo a cooperativa na lógica empresarial das grandes corporações, ao contrário das iniciativas do projeto Padre Ezequiel, da Organização Terra Sem Males e da Associação de Produtores Alternativos (APA) de Ouro Preto do Oeste, que privilegiam práticas camponesas. A FETAGRO (Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de Rondônia), também apóia iniciativas que contemplem os agricultores familiares, particularmente nas questões ambientais, pois, em parceria com a EMATER, colabora em projetos de recuperação de matas ciliares no centro do estado.

A iniciativa para a exportação de café em grande escala pelo comércio justo, enfrentam dificuldades, principalmente em relação às políticas adotadas pelos países líderes do comércio internacional, que contraditoriamente, apóiam procedimentos solidários para os países em desenvolvimento e paralelamente lançam mão de fortes subsídios para a proteção de sua atividade agropecuária. Como exemplo dessas contradições destacamos as informações fornecidas pelo Centro para o Desenvolvimento Global (CGD), uma organização de estudos sediada em Washington, que elabora o Índice de Compromisso do Desenvolvimento. Assim, a Holanda, Dinamarca, Suécia, Noruega, Nova Zelândia, Austrália e Finlândia, em 2005, foram os países que mais ajudaram as áreas pobres na redução das desigualdades comerciais e nas iniciativas de proteção ao meio-ambiente, tornando-se também incentivadores e parceiros do comércio justo e solidário.

No entanto, segundo a instituição, apesar da melhoria do compromisso dos países ricos em ajudar o comércio igualitário, os subsídios concedidos pela Suíça, investindo U$ 987,58 anuais na manutenção de uma vaca e U$ 139,32 anuais na manutenção de um porco e somente U$ 0,61 para uma pessoa pobre nas áreas em desenvolvimento, mostram os obstáculos a serem vencidos pelos defensores do comércio justo.

Apesar do caráter solidário preconizado pelos teóricos da proposta, as associações de agricultores familiares vinculadas ao comércio justo temem prejuízos decorrentes do aumento da demanda do café orgânico, pois nestas ocasiões os compradores procuram certificar o produto de médias e grandes propriedades do sudeste do país, particularmente do cerrado mineiro. Assim, verificamos que os representantes do comércio justo, nem sempre obedecem às recomendações de privilegiar os agricultores familiares, como no caso dos empresários franceses da Altereco, que tiveram problemas com a Associação de Produtores Alternativos (APA) de Ouro Preto do Oeste.

O comércio justo ainda não funciona articulado com os consumidores do país, enquanto representantes dos países europeus visitam com freqüência as nossas áreas produtoras, os agricultores brasileiros raramente conseguem entrar em contato com setores agrícolas de outros países. Com o objetivo de aperfeiçoar o comércio justo as lideranças do setor, estão criando a Articulação Nacional de Produtores de Comércio Justo e Solidário com sede em Brasília, visando a elaboração do Sistema Nacional de Comércio Justo. Esta proposta é relevante, na medida que os produtores precisam ficar sintonizados com os movimentos dos mercados internos e externos, pois a exportação torna-se lucrativa quando os preços estão em queda, no entanto, quando há recuperação o movimento precisa ser revisto.

Com relação às dificuldades para o escoamento da produção, um dos dirigentes da Associação de Produtores Alternativos (APA), revelou que a organização realizou embarques de produtos orgânicos pelas instalações de Porto Velho, utilizando a Hidrovia do Madeira. Os embargues, porém não foram bem sucedidos, pois, ocorreram uma série de problemas com a Receita Federal, IBAMA e a Vigilância Sanitária, que acabaram deteriorando o café e o palmito, pois as viagens foram mais longas e onerosas que o previsto. Neste sentido, os produtores vinculados a APA preferem utilizar os portos do Centro-Sul, para o escoamento dos seus produtos, mostrando a incapacidade do comércio justo, em executar movimentos que consigam alterar a logística atual do transporte da produção cafeeira do Centro de Rondônia, prejudicial aos interesses dos agricultores familiares.

Realizando uma avaliação de caráter geral destas iniciativas, BECKER (2004), não menciona o funcionamento do comércio justo, porém, destaca a importância destes empreendimentos, que podem ser considerados como projetos alternativos dos pequenos produtores, alguns apoiados inclusive pelo Programa Piloto para Proteção de Florestas Tropicais Brasileiras (PP-G7), que atinge cerca de 140 experimentos na Amazônia. Apesar da grande variedade destas iniciativas elas podem ser identificadas pelas seguintes características: distribuição pontual e dispersa, localizada em áreas alteradas próxima de estradas, contendo resíduos florestais, e aproveitamento das vivências dos agricultores oriundos de antigos projetos de colonização ou atuais assentamentos do INCRA.

A pesquisadora destaca a relevância destes projetos para a proteção da biodiversidade, constituindo-se em uma barreira contra a expansão do desmatamento, que no caso de Rondônia assume graves proporções (Figura 1). No entanto, aponta problemas que impedem o desenvolvimento destes projetos, tais como: dificuldade de inserção no mercado em virtude de fragilidades de gerenciamento, baixa competitividade e características pontuais que produzem eventos em escala reduzida.

Concordamos com as questões mencionadas por BECKER (2004), no entanto, ressaltamos que empreendimentos como a COOCARAM, conseguiram inserir-se no mercado externo e interno, por intermédio do comércio justo e da cafeicultura orgânica, ultrapassando os obstáculos citados pela pesquisadora. A expansão dos projetos alternativos na Amazônia sofre bloqueios impostos pela cadeia de intermediação, principalmente do café, onde existe um verdadeiro cartel na fixação de preços para o transporte do produto. Acrescenta-se o fato que empresas de exportação, sediadas nos municípios produtores, somente adquirem o café de maquinistas selecionados, que possuem armazéns localizados nas linhas de produção. A ocorrência deste fato mostra a complexidade dos problemas que os pequenos produtores precisam superar para enfrentar os obstáculos oferecidos pela cadeia de intermediação.

 


Figura 1.  O desmatamento no Estado de Rondônia

Fonte: Instituto Sócio Ambiental, 2007 e Governo do Estado de Rondônia, 2007
Organização: Jacob Binsztok e Giovanni R. de Macedo

Os setores mais significativos da cadeia de intermediação, além de possuírem representantes nas linhas de produção, também controlam sua distribuição, pois são proprietários de frotas de caminhões que transportam o café para ser beneficiado em cidades do Norte do Paraná, Sul de Minas Gerais ou do Espírito Santo. No retorno, os caminhões são carregados de café da variedade “arábica” para serem processados por pequenas torrefadoras, ou então, transportam materiais de construção comercializados em grande escala em estabelecimentos locais, comprovando a elevado dinamismo deste setor no centro de Rondônia.

Os intermediários, em alguns casos, são antigos produtores de café de Rondônia, principalmente de Cacoal, originários em sua maioria de migrantes paranaenses e capixabas, que conseguiram fechar o circuito monopolista comercial, realizando uma unificação entre os negócios do campo e da cidade. É importante ressaltar, que o preço de uma carreta nova, está estimado entre 250 mil a 300 mil reais, fora do alcance das associações dos agricultores familiares, fortalecendo desta forma os monopólios e agravando a dependência dos produtores de café à hegemonia do capital comercial.

Uma das questões mais difíceis de serem equacionadas refere-se às dificuldades que as associações enfrentam em relação à comercialização dos produtos, pois são impedidas de realizar legalmente estas operações, fortalecendo a posição da cadeia monopolista.

É importante destacar o posicionamento da EMATER/RO, que cooptou um antigo comerciante de café para seus quadros, na tentativa de qualificar as associações de produtores nas negociações com os intermediários. O técnico dedicou-se ao aperfeiçoamento da comercialização, mediante a transformação destas organizações em cooperativas, pois com freqüência os agricultores são vítimas das artimanhas realizadas pelos intermediários.

Segundo entrevistas com técnicos da EMATER, alguns produtores teriam sofrido perdas no Espírito Santo, na Cooperativa de São Gabriel da Palha, tornando-se refratários à formação de novas instituições pautadas pelo cooperativismo. Alguns produtores informaram que possuem os títulos da referida cooperativa, que permanecem válidos, embora não mais realizem transações com esta organização.

Considerações finais

O estudo mostrou que as intervenções previstas pelos grandes projetos no estado de Rondônia, como a construção de hidroelétricas e hidrovias formando o Complexo do Madeira, não contemplam iniciativas destinadas a facilitar o escoamento da produção cafeeira praticada pelos agricultores familiares no Centro do estado. O fato mostra a reduzida capacidade de pressão do setor, ao contrário dos exportadores de milho e soja, representados pelos Grupos Maggi e Cargill, que possuem terminais próprios construídos em Porto Velho, destinados ao escoamento dos produtos para o mercado internacional.

O quadro torna-se crítico, pois, não existe consenso entre as organizações representativas dos agricultores familiares sobre a necessidade de exportar o café pela Hidrovia do Madeira. Enquanto as lideranças da Associação dos Produtores Alternativos (APA) de Ouro Preto D’Oeste, reconhecendo as dificuldades, recomendam o escoamento para Porto Velho, os dirigentes da COOCARAM concordam com a permanência dos portos de Paranaguá e Vitória, como exportadores do produto. A posição da cooperativa pode ser explicada pelas recentes mudanças ocorridas em suas diretrizes, decorrente da parceria com à Cacique de Café Solúvel e a instalação de uma unidade de beneficiamento em Ji-Paraná, viabilizando o escoamento do produto para o Centro-Sul e enfraquecendo as reivindicações para a construção do terminal cafeeiro nas instalações da capital do estado.

As negociações para a construção do terminal seriam realizadas com uma empresa pública de Rondônia proprietária dos terrenos e administradora das instalações portuárias. Estas negociações teriam que ser feitas diretamente com as associações, pois são conhecidas as resistências dos produtores em formar novos vínculos, na medida que possuem tradicionais elos com a cadeia de intermediação capixaba e paraense.

A construção do terminal poderia provocar a ruptura de um ciclo vicioso alegado pelos exportadores, onde a produção de café do estado não apresenta infraestrutura, porque não tem escala, e não tem escala porque não possui infraestrutura adequada.

As linhas de produção de café dos municípios do Centro de Rondônia, são ainda designadas pelos números recebidos durante os primórdios dos Projetos Integrados de Colonização (PICs) do INCRA, não possibilitando a identificação das características sociais das comunidades dos agricultores familiares.

A rápida depredação dos recursos naturais do Centro de Rondônia, exaurindo o solo e os recursos hídricos, está contribuindo para a formação de movimentos migratórios intra-regionais, que estão ultrapassando as migrações provenientes de outras unidades da federação. Assim, verificamos que grupos de agricultores estão saindo do Centro de Rondônia e abrindo novas frentes no Norte de Mato-Grosso, na fronteira com o Amazonas e com o Acre e em outras cidades como Buritis, colocando em risco a sustentabilidade ambiental de vastas áreas da Amazônia.

Os agricultores reclamam da falta de reciprocidade na troca de informações, pois, enquanto os compradores europeus de café orgânico supervisionam regularmente a produção do Centro de Rondônia, os produtores locais nunca estiveram em contato com os consumidores, contribuindo para a manutenção de algumas características assimétricas no funcionamento do comércio justo.

Com relação às iniciativas visando o aperfeiçoamento da comercialização do café, destacamos a contribuição da COOCARAM, que priorizou a melhoria da qualidade, pois o produto não possuía cotação no mercado, em virtude do grande número de defeitos. Assim, a cooperativa traçou como principal meta para a cafeicultura orgânica, atingir o tipo 8, obtendo desta forma um adicional de 40% em relação ao preço local e melhorando significativamente a renda dos agricultores familiares.

O sistema de premiação anual concedido pela COOCARAM aos agricultores que se destacaram na melhoria da qualidade, também serviram de estímulo para o aumento do valor agregado do café. A safra comercializada pela COOCARAM em 2004 conseguiu atingir o tipo 7, apresentando 260 defeitos. Na safra de 2005, o produto alcançou os tipos 6 e 7 com 55 defeitos, revelando a capacidade da Cooperativa em conquistar mercados mais exigentes e vantajosos.

A integração da COOCARAM com a Cacique para o fornecimento de café orgânico revela o interesse do mercado global pelos produtos livres de pesticidas, hormônios, antibióticos, fertilizantes sintéticos, bioengenharia e radiação. No entanto, falta escala para o atendimento deste mercado, o que poderá acarretar no futuro pressões para realização de mudanças no sistema produtivo, exigindo maiores extensões de terra para o cumprimento de contratos de fornecimento, colocando em risco a continuidade dos agricultores familiares na produção de café orgânico.

O modelo associativista do centro de Rondônia, principalmente dos produtores convencionais, é criticado pelos técnicos pela lentidão na tomada de decisões, resultante da pesada estrutura burocrática constituída por 12 associados na Diretoria Executiva e com 3 no Conselho Fiscal e 3 suplentes.  

Em virtude da obrigatoriedade de mistura de 2% ao diesel mineral, a partir de 2008, e 5% em 2013, metas previstas no Programa Nacional de Biodiesel, empresários do sudeste estão percorrendo o Centro de Rondônia para viabilizarem projetos com a finalidade de reduzir as emissões de carbono na atmosfera conforme previsto pelo Protocolo de Kioto, além de atenderem estratégicos interesses financeiros do país que gasta U$ 1,3 bilhões anualmente na importação de diesel, e acrescentando o fato de que a região possui várias áreas degradadas incluídas no denominado “Arco do Desmatamento” do IBAMA, tornando-se alvo privilegiado para projetos de reflorestamento.

No caso do Centro de Rondônia, o grupo paulista H.Bio, com experiência no setor sucro-alcooleiro tenta expandir suas atividades no setor de biodiesel, procurando fomentar o cultivo da mamona por intermédio da Associações de Agricultores Familiares dedicados a cafeicultura. A empresa pretende construir uma destilaria na área de Cacoal para a produção e comercialização de biodiesel na rede de postos locais, aproveitando-se da posição estratégica do município, e beneficiando-se do elevado consumo de combustível no estado, fortemente dependente do transporte rodoviário realizado pela Br-364.

Com relação ao cultivo da mamona é relevante assinalar que se trata de uma planta tóxica para a alimentação do gado e do homem, por tanto incompatível com a policultura praticada pelos agricultores familiares, que geralmente possuem um pequeno rebanho como medidas de proteção das periódicas crises com que se defronta os produtos agrícolas, particularmente o café.

No entanto, outras variáveis estão contidas nestas iniciativas que precisam ser mencionadas, como o fato de que as empresas não procuram as associações pela proposta ambientalista dos projetos, nem tão pouco visando o fortalecimento dos agricultores familiares. O propósito desses grupos é obter a chancela das Associações, pois a Petrobrás detentora dos recursos para o financiamento dos projetos exige este requisito para a concessão do Certificado de Responsabilidade Social e Ambiental. A obtenção deste certificado não protege as associações dos riscos decorrentes do controle exercido pelo capital monopolista agroindustrial, que por intermédio de longos contratos terá acesso a preços baixos capturando a renda da terra produzida pelos agricultores familiares anulando as vantagens pontuais obtidas pela cafeicultura orgânica e pelo comércio justo que conseguiram a redução do poder de pressão da cadeia de intermediários nacionais e internacionais.

O financiamento para os produtores familiares seria proveniente do PRONAF e o grupo projeta em 2007 iniciar experimentalmente o cultivo de 300 ha de mamona. O produto é estranho aos agricultores familiares dedicados ao café, sendo inclusive tóxico para alimentação do rebanho bovino, típico nas pequenas propriedades. O grupo paulista necessita da chancela das Associações, pois a Petrobrás exige o requisito para a concessão do Certificado de Responsabilidade Ambiental e Social.

Para facilitar a exportação de café para o mercado internacional, recomendamos a realização de estudos de viabilidade para a construção de um terminal especializado localizado nas instalações portuárias da capital do estado, pois existem áreas disponíveis e que podem ser cedidas para as Associações de Produtores e Cooperativas. As instalações portuárias seriam arrendadas durante um longo período por preços relativamente baixos para estas instituições, que ficariam encarregadas de operar o terminal cafeeiro. Além de exportar o produto pela Hidrovia do Madeira, o terminal receberia os insumos destinados aos produtores de café, em um procedimento similar ao que ocorre com a agricultura de grãos, que inclusive foi beneficiada com o financiamento do BNDES para a construção das instalações portuárias do Grupo Maggi. 

Com o objetivo, ainda de aperfeiçoar o escoamento da produção de café, sugerimos que seja implantado um Programa destinado ao financiamento de caminhões para as Associações de Produtores e Cooperativas, que não se encontram capitalizadas para adquirir estes veículos, avaliados em torno de R$ 250.000 a unidade, segundo informações obtidas de comerciantes locais.

Procurando ressaltar a identificação cultural das comunidades dos produtores familiares, propomos a substituição da designação numérica das linhas realizada pelo INCRA, no período dos Projetos Integrados de Colonização (PIC), que não expressam o processo de ocupação e povoamento da região. Assim os números seriam substituídos pela indicação de atores que tenham se destacado no trabalho comunitário ou pelos locais de origem dos agricultores.

A legislação ambiental, embora amplamente divulgada e debatida pelas instituições governamentais e não-governamentais do Centro de Rondônia, apresenta dificuldade de implantação, pois se encontra bastante fragmentada. Neste sentido, sugerimos sua adequação as necessidades específicas dos agricultores familiares, privilegiando particularmente a reposição florestal e a recuperação das áreas de preservação permanente, esta adequação torna-se relevante, pois os agricultores familiares podem perfeitamente adaptar suas práticas agrícolas com procedimentos compatíveis de preservação do meio-ambiente.

Tendo em vista a constante depredação dos recursos ambientais no Centro de Rondônia com graves impactos na fertilidade do solo e no manejo dos recursos hídricos, recomendamos o monitoramento, a fiscalização e a recuperação ambiental, a ser realizada por intermédio de Campanhas Ambientais Educativas, executadas por instituições governamentais e não-governamentais. Estas iniciativas devem conscientizar os agricultores dos prejuízos coletivos ocasionados pela utilização de agrotóxicos em cafezais previamente selecionados para o cultivo orgânico.

A região é reconhecida pelo elevado potencial de seus recursos naturais e diversidade de suas paisagens, no entanto é praticamente desconhecida do turismo alternativo. Neste sentido, sugerimos o fortalecimento de políticas destinadas ao ecoturismo, que seriam realizadas com o apoio de instituições governamentais e não-governamentais. Neste particular seriam importantes a preservação e o tombamento do patrimônio representado por uma concentração de casas de madeira, existente na cidade de Cacoal que representam o início do processo de povoamento e colonização e que se encontram praticamente sem nenhum tipo de conservação e utilizadas para atividades comerciais. Estas iniciativas poderiam contar com o apoio das organizações associativistas, constituindo-se em importantes veículos para o aumento da geração de emprego e renda dos agricultores familiares.

As informações sobre o trabalho das instituições agro-ecológicas não estão sistematizadas, dificultando a divulgação de suas atividades e prejudicando o debate sobre o resultado destas importantes experiências. Visando a sistematização destas informações, recomendamos a criação de uma Rede de Difusão de Práticas de Agricultura Ecológica no Centro de Rondônia, sediada em Ji-Paraná, apoiada pela Diocese, contando também com a participação da FETAGRO-RO, EMATER-RO e das Organizações de Ajuda Mútua, na medida em que estas instituições atendem o mesmo público. A criação da rede evitaria a dispersão das atividades que ainda são obrigadas a enfrentar o desafio das grandes distâncias que separam os núcleos urbanos e das precárias condições de acesso das comunidades rurais.

Com o objetivo de manter a continuidade dos agricultores familiares na produção de café orgânico pressionados para o atendimento de demandas provenientes do mercado global, sugerimos a realização de um Zoneamento Agro-Ecológico para a Cafeicultura do Centro de Rondônia, mediante contribuições da EMBRAPA, CEPLAC, EMATER – RO e Associação de Agricultores Familiares, no sentido de identificar as áreas de melhor aptidão para o cultivo do produto na região.     

Recomendamos que as contribuições da COOCARAM para o aumento da qualidade do café, que conseguiu atingir o tipo 8, com 360 defeitos, obtendo pela primeira vez uma cotação no mercado, não fique restrita somente para os produtores orgânicos, mas que está conquista seja ampliada para os convencionais, na medida que tais práticas adicionam uma renda substancial para os agricultores familiares.

Sugerimos ainda que a EMBRAPA, a EMATER, a FETAGRO, os Sindicatos, as Associações de Produtores e as Instituições Financeiras, tenham como prioridade elaborar um Programa destinado a difundir procedimentos para que toda a cafeicultura de Rondônia possa atingir o tipo 8 e conseqüentemente obter as mínimas cotações exigidas pelo mercado.

Com objetivo de contribuir para a ampliação das práticas recomendadas pelo comércio justo e conseqüentemente pela redução das condições assimétricas, que ainda caracterizam a comercialização do café orgânico, sugerimos que a COOCARAM e a APA por intermédio do SEBRAE/RO, organizem caravanas de agricultores familiares destinadas ao intercâmbio de informações com clientes nacionais e estrangeiros.

Visando reduzir a burocracia do modelo associativista do Cento de Rondônia e torna-lo mais ágil no atendimento das demandas dos agricultores familiares, recomendamos a redução do pessoal encarregado da gestão destas organizações formando Diretorias Executivas com máximo de seis associados e mantendo a atual estrutura do Conselho Fiscal e suplentes.

Apesar das dificuldades e da grave crise que atingiu a cafeicultura de Rondônia, algumas associações de produtores familiares se destacaram pela eficiência demonstrada ao atendimento aos seus associados. Nesse sentido, sugerimos que a ASTRA, localizada em Cacoal, seja incentivada pelo poder público, a cumprir os requisitos necessários, visando sua transformação em uma Cooperativa de Produtores de Café.

Constatamos a presença de representantes de industrias paulistas vinculados à implantação do Programa Nacional do Biodiesel, promovendo reuniões entre agricultores familiares, representantes da Prefeitura de Cacoal e da EMATER-RO, discutindo a viabilidade da implantação do cultivo da mamona. Nesse sentido, recomendamos que estas negociações sejam realizadas mediante a elaboração de um quadro dos impactos territoriais e ambientais deste cultivo, pois, desconhecemos seus efeitos sobre a fertilidade dos solos e nem estamos convencidos das vantagens e desvantagens do Programa Nacional do Biodiesel, para os agricultores familiares.

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Referencia bibliográfica:

BINSZTOK, Jacob Binsztok. Transformações sócioespaciais da agricultura familiar na Amazônia. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.  Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2008, vol. XII, núm. 270 (78). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-270/sn-270-78.htm> [ISSN: 1138-9788]


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