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Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. XII, núm. 270 (89), 1 de agosto de 2008
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

TRÊS MOMENTOS DA URBANIZAÇÃO TURÍSTICA: ESTADO, MERCADO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL NO NORDESTE BRASILEIRO (1997-2007) [1]

Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva
alexsandroferreira@hotmail.com

Angela Lúcia Ferreira
angela.ferreira@pq.cnpq.br
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Brasil

Três momentos da urbanização turística: estado, mercado e desenvolvimento regional no Nordeste brasileiro, 1997-2007 (Resumo)

As atividades ligadas ao setor “imobiliário – turístico” passaram, nos dez últimos anos, a desempenhar relevância não apenas econômica, mas principalmente em relação aos impactos territoriais, sociais e ambientais nas áreas litorâneas do Nordeste brasileiro. Este período pode ser dividido em três momentos específicos: um primeiro relativo ao papel das políticas públicas na implantação de uma infra-estrutura urbana voltada à promoção do turismo, um segundo onde as estratégias do mercado imobiliário foram modificadas pela entrada de capital estrangeiro e um recente momento que marca uma tentativa de controle estatal da produção do território onde os planos de desenvolvimento regional voltam a ser discutidos para a região. O presente trabalho pretende demarcar os condicionantes econômicos e sociais envolvidos nas três fases, relacionar a presença do capital estrangeiro e seus impactos territoriais e, por fim, indicar na atual fase os possíveis riscos e oportunidades da proposta de desenvolvimento regional, colocada às áreas turísticas litorâneas do Nordeste.

Palavras chave: turismo, setor imobiliário, planejamento metropolitano, Nordeste (Brasil).


Three moments in tourist urbanization: policies, market and regional development in Brazil’s northeast, 1997-2007 (Abstract)

In the last ten years, the economic structuring of tourist cities of Brazil’s Northeast has gradually been conformed by the increase of the activities within the “real estate-tourist” sector. This relationship has produced impacts in the urban space, in the local community and in the environment of the seashore. There are three phases to characterize this period: the first one, connected to the policies and to the building of the infrastructure oriented for tourism; the second one, the modification of the strategies of the real-estate market by the entrance of international capital; and the last one, marked by a attempt of State control on the production of territory, where the regional plans are argued once again. This paper intends to analyze the economic and social conditions involved in the three phases, the international capital and its territorial impacts and, at last, emphasize, in the present time, the risks and opportunities of the regional plans. 

Key words: tourism, real-estate sector, metropolitan planning, Northeast (Brazil).


As atividades da economia do turismo identificam-se com os segmentos mais globalizados, em desempenho crescente ao mercado financeiro e dos serviços avançados. Abordagens teóricas e pesquisas empíricas ressaltam a importância em se empreender esforços na compreensão não apenas dos efeitos locais do Turismo, mas também da inserção global dos “territórios turistificados” na reestruturação produtiva por qual passa o mundo (Urry, 1999; Frangialli, 2002).

Países pobres ou em desenvolvimento percebem no turismo uma “porta de entrada” no mundo globalizado por meio da exposição das singularidades do seu território natural, notadamente dos espaços litorâneos considerados raridades. Mario Carlos Beni (2003, p. 28), nesse sentido, argumenta que “o turismo (...) passou há pouco a ser visto como o único meio de permitir às nações mais pobres viabilizarem sua integração à economia mundial”.

Como os recursos naturais são fundamentais para a competitividade desse turismo de massa litorâneo, os conflitos sócio-espaciais surgem na relação entre o território já ocupado e a construção (redefinição) de um novo território do turismo global. O aumento nos conflitos decorre das especificidades dos elementos envolvidos, da escala de atuação e da importância econômica do setor; a “descoberta” de novas áreas, até então sem valores econômicos internacionais, leva a um debate sobre a exploração econômica e especulação dessas áreas.

Essa situação é característica do Nordeste brasileiro, especificamente do seu litoral que desde meados dos anos de 1990 tem se constituído como uma zona de investimentos (públicos e privados, nacionais e estrangeiros) no setor turístico. Segundo Antonio Carlos Robert Moraes “O litoral também se particulariza, modernamente, por uma apropriação cultural que o identifica como um espaço de lazer, por excelência, e os espaços preservados são, hoje, ainda mais valorizados nesse sentido. Isto sustenta uma das indústrias litorâneas de maior dinamismo na atualidade, qual seja a que serve às atividades turísticas e de veraneio” (Moraes, 1999, 18).

A Região Nordeste do Brasil apresenta um rico sedimento histórico, cultural e ambiental, ao mesmo tempo em que mantêm altos índices de pobreza e exclusão social. Nela se encontra 28 por cento da população e 72 por cento do total de municípios brasileiros com alto grau de exclusão social (IBGE, 2000). Sua história econômica é marcada por uma concentração de atividades “modernas”, através de incentivos industriais no período de 1950-1980. Nos últimos dez anos, os estados nordestinos – com intermediação do governo federal – começaram a empreender uma nova política de investimentos no setor turístico, ampliando a capacidade de competição e atração de turistas estrangeiros; nesse cenário o Programa de Desenvolvimento Turístico do Nordeste – PRODETUR/NE se destaca pela escala dos recursos e o impacto estratégico no território litorâneo.

Em um primeiro momento, ou fase, o conjunto de investimentos foi direcionado pelo Estado no sentido de dotar a infra-estrutura necessária, desobstruindo os entraves principais (aeroportos, vias e redes básicas de saneamento); em uma segunda fase, o mercado (privado, nacional e estrangeiro) inicia a alocação de capital na construção civil e nas atividades imobiliárias. Mais recentemente, uma terceira fase se coloca relativa à volta dos Planos e Planejamento no sentido de criar elementos de diálogo entre essa nova dinâmica do turismo e os diversos desafios sociais e econômicos colocados para o Nordeste brasileiro.

É fundamental assinalar, entretanto, que tais momentos que aqui destacamos estão longe de representar fases ou temporalidades já definidas ou ultrapassadas; na verdade, o processo de reestruturação dessa economia do turismo, do imobiliário e suas conseqüências espaciais, demonstram-se como “faces” da atuação do Estado – e suas políticas públicas – com papéis diferenciados, mantendo a primazia do investimento e da regulação do território, ora como ator principal ora como controlador do uso do solo e dos investimentos. O mercado, por seu turno, tem se colocado como um player que atua no espaço estruturado pelas políticas públicas, aproveitando as vantagens estratégicas geradas.

Entretanto existem exceções nesse processo, principalmente nos casos em que o mercado apresenta lógica de atuação territorial diferente do planejamento estatal; de fato, ocorrem neste litoral nordestino áreas com atividades turísticas que não seguem, de modo linear e direto, a mesma programação dos investimentos públicos, resultando em uma aparente dissonância, no caso do mercado “auto-promovendo” sua infra-estrutura básica. Por outro lado, o hinterland existente entre essas áreas dissonantes e as áreas de planejamento estatal passa a ficar mais valorizado, servindo aos interesses, por exemplo, de um mercado imobiliário de atuação regional ou a investidores futuros, interessados em forma estoques de terra dotados de infra-estrutura. Assim, mesmo de forma não-sincrônica, Estado e Mercado encontram seus interesses no arranjo territorial de corte mais regional.

 No território apropriado, os três momentos que demarcamos podem ocorrer de modo articulado, fragmentado ou sincrônico a depender das forças sociais presentes em cada estado, municipalidade ou linha de praia.  A importância, portanto, das marcas históricas e sociais presentes em cada contexto geográfico (as comunidades, os conflitos de classes, a estrutura administrativa, etc.) refere-se ao fato destas poderem minimizar ou catalisar os efeitos da reestruturação econômica sobre o território.

Nesse sentido, delineia-se o objetivo deste trabalho que consiste em um esforço para compreender o processo de transformação recente do território litorâneo nordestino, motivado pela reestruturação tanto das políticas públicas estatais quanto dos investimentos privados, voltados para o setor de Turismo e Imobiliário.

Para tanto, realiza-se a demarcação desse processo em três momentos, nos quais se destacam os condicionantes econômicos e sociais envolvidos e as relações cada vez mais recentes da presença do capital estrangeiro e seus impactos territoriais. Foi desempenhada uma contextualização do Nordeste no período de 1950 a 2000, seguida da especificação dos três momentos relacionados com as políticas públicas voltadas ao turismo e com a atuação do mercado imobiliário e sua associação com o capital internacional. Os dados e análises aqui apresentados fazem parte de uma pesquisa maior, de âmbito regional, sobre o tema produção do espaço e mercado imobiliário que vem se desdobrando em outros projetos, desenvolvidos pelos autores desde o ano 2000. Tanto a pesquisa regional quanto os dados deste trabalho, envolvem quatro estados nordestinos – Rio Grande do Norte, Ceará, Bahia e Pernambuco – devido à capacidade comparativa dos dados e da representatividade dos momentos analisados.

Nordeste brasileiro: notas econômicas (1950-2000)

As condições naturais do Nordeste brasileiro revelaram fortes marcas na sua “identidade regional” cindidas por dicotomias como sertão versus litoral, fome e opulência, atraso e progresso, que ofuscavam os reais problemas relacionados à sua estrutura de poder, fundiária e administrativa. De modo geral, na primeira metade do século XX os estudos sobre o Nordeste brasileiro levam esta marca de opostos tendo nas condições climáticas o foco principal das análises e proposições; o sertão – seco – visto como um permanente lugar gerador de problemas sociais (fome, migração, violência, analfabetismo, etc.) e o litoral – úmido – tido como um arquipélago de cidades não integradas. Os interesses oligárquicos impediam a efetivação das propostas contidas nos relatórios e estudos técnico-científicos.

Por outro lado, nessa mesma primeira metade do século XX, a região Sudeste do Brasil – notadamente São Paulo e Minas Gerais – ganharam definitiva importância na economia brasileira ao associarem a idéia de “locomotivas nacionais”, pontos de crescimento e desenvolvimento, responsáveis pela modernização não apenas da região, mas, sobretudo, do Brasil. A economia organizava-se regionalmente com uma base industrial pós-1930 calcada na acumulação de capitais advindos do mercado internacional de café e demais commodities. Em 1950 o Nordeste brasileiro era dominado fortemente pelas oligarquias rurais que possuíam uma base de poder territorial no sertão (campo) e concentração de poder político no litoral (capitais).

Emerge daí a “questão regional” no qual, ao Nordeste, foi associado o “atraso” nacional enquanto ao Sudeste representava “o progresso”. A política de substituição de importações foi engendrada e seus efeitos agravaram a crise de defasagem do Nordeste em relação ao Sudeste brasileiro. Era necessária a intervenção do Estado na reorganização da economia nacional, com medidas que gerassem equilíbrio e definição por parte dos estados nordestinos de um novo momento econômico. Uma das primeiras medidas para isso foi a criação de um banco – o Banco do Nordeste, em 1953 – necessário para estimular a formação de empresas que gerassem emprego e renda. Por sua vez, as secas de 1952 e 1958 tornaram necessárias medidas agrícolas de suporte, evitando as constantes migrações campo-cidade (sertão para litoral), sendo esta uma das principais razões para a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE em 1959 [2].

O sistema de apoio de financiamentos – criados pelo planejamento da SUDENE – foi eficaz nos primeiros anos da década de 1960 iniciando para o Nordeste um novo momento econômico. Incentivos fiscais atraíram empresas do Sudeste que passaram a construir filiais nas capitais nordestinas e nos centros mais dinâmicos do interior. O Estado, a partir do Banco do Nordeste Brasileiro e Banco Nacional de Desenvolvimento Social, complementava o investimento privado, principalmente em setores não atrativos ao mercado, como reflete Francisco de Oliveira:

“Na prática, o investidor quase não aportava capital de sua propriedade, pois os próprios empréstimos bancários que seriam concedidos eram considerados contraparte do investidor na conta final que fechava com recursos de empréstimos dos bancos oficiais” (Oliveira, 2006, p.41).

Esse novo ciclo de investimentos modificou o quadro econômico da região, propiciando crescimento da economia, urbanização dos principais centros regionais e diversificação do mercado consumidor local. Outro importante elemento foi a instalação, a partir dos anos de 1970, de grandes companhias estatais produtoras de commodities minerais, como a Petrobrás (na Bahia e Rio Grande do Norte) e Vale do Rio Doce (no Maranhão).  Tais companhias, embora mantenham seus sítios de produção longe dos centros urbanos, modificam a estrutura de emprego e renda, ampliando o mercado consumidor nas áreas urbanas mais próximas, além de demandarem uma vasta cadeia de empresas subsidiárias e serviços qualificados. Como demonstrou Tânia Bacelar de Araújo, uma economia fortemente urbana passou a dominar os principais indicadores:

“Entre 1967 e 1989 a agropecuária reduziu sua contribuição ao PIB regional de 27,4 por cento para 18,9 por cento e em 1990, ano de seca, (...) tal percentual caiu para 12,1 por cento. Enquanto isso, a indústria passou de 22,6 por cento para 29,3 por cento e o setor terciário cresceu de 49,9 por cento para 58,6 por cento”. (Araújo, 1997, p.08).

Como resultado desse processo de crescimento, a economia regional nordestina foi integrada ao restante da economia nacional, acompanhando suas crises e ciclos de forma “solidária” durante as décadas de 1980 e 1990. Entretanto, tal integração se deu de forma diferenciada privilegiando determinados centros em detrimentos de outras localidades. A concentração dos investimentos foi marcante em Salvador, Recife e Fortaleza, capitais dinâmicas e demarcadas como Regiões Metropolitanas já na década de 1970.

O setor público de forma direta ou indireta representou um segundo eixo de estímulo econômico na região Nordeste ao acompanhar o crescimento da economia como um todo viabilizando, por um lado, o nascimento de uma classe média consumidora e, por outro lado, criando redes de infra-estrutura e serviços. Nos anos de 1990 o Nordeste já possuía uma articulação inter-regional via fluxo de capital produtivo com demais regiões do país e do exterior (Araújo, 1997, p.24).

Já na década de 1990, o ambiente econômico brasileiro foi marcado pela abertura do mercado nacional ao capital internacional. No esteio do Planejamento – ou na falta deste – preconizou-se uma rápida e intensa abertura comercial em um modelo de integração e competição não apenas das empresas privadas, mas das novas formas de administração pública por meio dos “planos estratégicos”. As décadas de 1970 e 1980 – marcadas pela intervenção direta do Estado – pareciam esquecidas e os modelos de reestruturação e ampliação de competitividade entre as regiões foram a tônica da década.

 O mercado nos anos de 1990 passa a ganhar mais espaço na gerência dos principais projetos desenvolvidos, cabendo ao Estado acompanhar suas linhas e tendências de investimentos. Para o Nordeste esse momento significou no setor de exportações uma queda no volume de negócios: em 1975 era de 17 por cento do total brasileiro, número que cai para 9,6 por cento em 1990 e 9,1 por cento em 1995 (Araújo, 1997, p.26).

Esse período também é marcado pela seletividade dos investimentos privados, alheios a um desenho regional de desenvolvimento. As atividades mais estratégicas passam a se localizar novamente no na região Sudeste, principalmente dos serviços avançados. As indústrias de menor valor agregado procuram pontos com menores valores salariais e o Estado valoriza a “competitividade estratégica” nos centros mais dinâmicos[3]. Como decorrência desses fatores, os estados e municípios passaram a empreender modelos de competitividade locais, por meio da “guerra fiscal” buscando consolidar ainda mais setores e focos de atividades, deixando de lado áreas econômicas ou regiões não competitivas.

Ao final da década de 1990, o Brasil e o Nordeste inserem-se no modelo global da economia de forma diferenciada, segundo os diversos espaços estratégicos definidos pela atuação do mercado com apoio do Estado. Araújo (1997) aponta uma tendência, nesse período, de um aumento na heterogeneidade entre as regiões, assim como crescimentos assimétricos onde “aos atores globais interessam apenas os espaços competitivos do Brasil. Espaços identificados a partir de seus interesses privados e não dos interesses do Brasil” (Araújo, 1997, p.32).

É nesse cenário que o setor do Turismo encontra novas possibilidades de expansão, não apenas no que diz respeito aos valores globais envolvidos, mas na própria significação de sua importância no desenvolvimento regional, abordagem até então tangencial ou periférica nos planos e projetos realizados pelo Estado nas décadas passadas.

Turismo: atuação do Estado e mercado na construção de um “novo Nordeste”

É importante demarcar que dentro dos planos de desenvolvimento regional, sejam os voltados para o Nordeste ou tendo como cenário o Brasil, o Turismo como elemento gerador de riqueza era pouco percebido até a década de 1990, com exceção das políticas públicas de promoção ao Turismo para o Rio de Janeiro e Salvador, cidades que serviam de “cartão postal” das belezas naturais brasileiras desde a década de 1970. A ênfase na Indústria e na Agricultura, os parques industriais, as plantas produtoras, a guerra fiscal por atração de complexos manufatureiros relegavam as atividades de turismo a pontos residuais de hotelaria e alimentação. Mesmo não sendo área prioritária, uma fase anterior na década de 1980 havia sido marcada pela implantação de “mega-empreendimentos” pelo poder público com ênfase na criação de áreas com parques hoteleiros. A partir de meados dos anos de 1990, entretanto, um novo cenário de competitividade global, marketing urbano e planos estratégicos, força uma redefinição do Turismo que passa a ser tomado pelos gestores públicos no Brasil e, principalmente, no Nordeste como a “ponta de lança” do progresso e do desenvolvimento em escala internacional.

O Plano Nacional de Turismo, em 1996, foi o documento que inaugura uma nova fase do turismo nacional, calcada na busca por novos negócios e atração de visitantes estrangeiros. Em 1994 o Brasil figurava como o 43º lugar nos negócios turísticos internacionais e em 2005 já representava a 36ª posição em número de visitantes com 5,1 milhões de visitantes por ano (Exame, 2007, p.21). Esse crescimento deu-se principalmente pelo conjunto de investimentos no setor, seja na infra-estrutura urbana necessária, na qualificação de mão-de-obra e na promoção e marketing no exterior. Como demonstrou Maria Aparecida Pontes da Fonseca (2005), a partir de 1995, a receita com o turismo aumentou consideravelmente; em 2000, foram gerados US$ 4,2 bilhões por visitantes estrangeiros colocando o turismo em quarto lugar na pauta econômica brasileira, envolvendo aproximadamente 1,2 milhão de empregados no setor (Fonseca, 2005, p.73).

Se para o Brasil o turismo, e suas atividades correlatas, passaram a ser uma importante fonte de divisas, para os estados nordestinos foi fundamental. Como mencionado no item anterior, o Nordeste brasileiro se fragiliza com a saída do Estado na formulação de alternativas de criação de riqueza (como políticas industriais, por exemplo) na década de 1990. A chamada guerra fiscal e a competição urbana eram acirradas pelo planejamento estratégico no fim dessa década e os governos estavam sem capacidade de atração de investimentos estrangeiros. Nesse cenário, o Turismo passa gradualmente a ser um dos setores mais importantes na atração de novos investimentos e no aquecimento da construção civil. Especialmente este setor havia sofrido com a falta de uma política habitacional e de grandes projetos de obras, o que fez com que parte das empresas atuantes tivesse que redirecionar suas ações para a construção de hotéis ou parques turísticos.

O Nordeste, com seus 2.500 km de litoral, sol praticamente o ano inteiro e temperatura da água estável era potencialmente um dos melhores destinos para o turismo de lazer no Brasil. Com esse potencial, era necessário engendrar uma política regional que estabelecesse as condições infra-estruturais necessárias à expansão e ao incremento da atividade, contornando e desatravancando os obstáculos. Neste sentido foi criado o Programa de Desenvolvimento do Turismo – PRODETUR NORDESTE, com sua primeira fase iniciada em 1994.

O PRODETUR Nordeste contou com amplo apoio dos governos da região e com financiamento do BID, repassados ao governo pelo Banco do Nordeste, agente financeiro do Programa. Na primeira fase do PRODETUR/NE (1994-2005) foram investidos US$ 625 milhões distribuídos em infra-estrutura de transportes (46 por cento), obras de saneamento ambiental (24 por cento), valorização do acervo histórico-cultural (5 por cento), preservação dos recursos naturais (3 por cento), capacitação institucional (4 por cento) e outros (18 por cento) (Fonseca, 2005, p.100). De fato, “enquanto no Sudeste a participação do PIB turístico no total regional correspondia a 1,8 por cento, no Nordeste essa participação sobe para 6,3 por cento. No Brasil, a participação do PIB do turismo no total do PIB nacional equivalia a 2,5 por cento, e nas regiões Sul, Norte e Centro-Oeste a 2,3 por cento, 2,2 por cento e 2,1 por cento, respectivamente” (Fonseca, 2005, p.76).

Nos últimos dez anos (1997-2007), o Brasil – grande parte impulsionado pelos números econômicos do “novo Nordeste turístico” – apresentou um crescimento de 170 por cento no número de passageiros em viagens internacionais enquanto no restante do mundo esse número cresceu 50 por cento (Exame, 2007, p. 25).

Como pôde ser visto acima, 70 por cento dos investimentos financiados pelo BID foram destinados para obras que permitiram minimante o fluxo (internacional e regional) de visitantes além de condições de salubridade nos principais centros urbanos, sendo possível aos estados nordestinos receber como público-alvo turistas internacionais. De fato, em 2004 o número de passageiros estrangeiros a desembarcar nos novos aeroportos, reformados ou construídos com financiamentos provenientes do PRODETUR, alcançou a cifra de 450 mil, principalmente nos estados Ceará, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte (Dantas, et all, 2006, p.28).  Como continuidade das ações do PRODETUR/NE está prevista na segunda fase a aplicação de US$ 400 milhões até 2009.

O conjunto de investimentos do Estado, portanto, revelaram as potencialidades de um Nordeste turístico, altamente competitivo e atrativo ao capital estrangeiro que passou, desde 2003, a investir fortemente na região. É o que consideramos uma “nova fase” do turismo regional, onde o mercado – entendido como os aportes financeiros pulverizados em diversos agentes econômicos – passa a redefinir o Nordeste turístico.

Até 2010 estão previstos para o Nordeste brasileiro R$ 4,9 bilhões em investimentos privados o que corresponde a 74 por cento de tudo previsto para o Brasil. Só na Bahia, os 43 empreendimentos – hotéis, resorts, flats, parques temáticos, etc – representam 29 por cento dos projetos no Brasil, a maioria de grupos como Accor, Atlântica Hotels, Solare, entre outros (Exame, 2007, p.92). Isso se deve, entre outros fatores, à proximidade da Península Ibérica de onde em menos de 6 horas de vôo é possível chegar ao Nordeste pelo Rio Grande do Norte, por exemplo.

Os dados da macroeconomia do turismo no Brasil, em 2007, também alcançaram novos patamares, motivados pelos gastos dos estrangeiros. Assim como a entrada de capital externo no Brasil bateu recorde em 2007, os gastos dos turistas internacionais renderam ao Brasil US$ 4,95 bilhões, crescimento de 14,76 por cento em relação a 2006 (Embratur, 2008, p.11).  Ainda em 2007, dados da INFRAERO demonstram o total de 6,4 milhões de desembarques internacionais nos aeroportos, aumento de 1,22 por cento em relação ao ano de 2006. Em 2007, o volume de investimentos diretos alcançou US$ 34,6 bilhões, correspondendo a um aumento de 84,3 por cento em relação a 2006 (Figura 1).



Figura 1. Comportamento dos Investimentos Estrangeiros no Brasil (2000 – 2007)
Fonte: Banco Central do Brasil (apud EMBRATUR, 2008, p.10). Elaboração própria

Devido a este “novo Nordeste”, o mercado imobiliário e a indústria da construção civil têm crescido cada vez mais, principalmente por meio da integração entre os atrativos turísticos (lazer, parques aquáticos, serviços de gastronomia, etc.) com a produção de imóveis. Uma das conseqüências desse processo é o crescimento da chamada “segunda residência” que tem se tornado presente em grande escala em estados como Ceará, Rio Grande do Norte e Bahia. Para atender a esse mercado altamente lucrativo, o mercado inova as formas de comercialização, integração e diversificação do setor; a Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Nordeste (ADIT), criada em 2006, é uma marca desse novo momento.

Segundo essa Associação, a compra de apartamentos ou casas por estrangeiros cresceu 200 por cento e o aluguel de imóveis teve um aumento de 64, 52 por cento, enquanto a hospedagem tradicional em hotéis e pousadas cresceu apenas 12,5 por cento (Pinheiro, 2006, p.46). O chamado “turismo residencial”, já é uma preocupação para a hotelaria convencional, pois cada vez mais turistas preferem alugar ou comprar um imóvel em vez de ocupar unidades em hotéis. Em média no Nordeste, 47,6 por cento dos turistas (nacionais e estrangeiros) se hospedam em hotéis ou pousadas, enquanto 53,4 por cento se alojam em flats, apartamentos, imóvel próprio ou residência de amigos (Exame, 2007, p. 130-147). É importante relacionar esse momento com o fortalecimento da economia brasileira como um todo, que nos últimos anos tem atraído a entrada de capital externo.

Nessa perspectiva, é importante notar que uma variante do turismo, denominada de “turismo-residencial” marca presença cada vez maior nas áreas com forte tendência ao veraneio. Deve-se, portanto, empreender esforços no sentido de superar as análises referentes ao turismo que se atêm apenas aos equipamentos diretamente relacionados como hotéis, resorts, pousadas e a destinos comerciais como bares e restaurantes, agências de locação, entre outros (Ferreira e Silva, 2007).

É o conjunto de atividades relacionadas com o setor do turismo e do mercado imobiliário, que se traduz em um capital “imobiliário-turístico” (uma categoria empírica em estudo e um conceito ainda em construção) e sustenta uma modalidade que está sendo nomeada pelo mercado e divulgada pelos meios de comunicação de “turismo imobiliário”[4]. No sentido de contribuir com essa análise regional da importância econômica do “imobiliário-turístico”, a pesquisa realizou levantamento sobre as entradas de capital estrangeiro em quatro estados do Nordeste: Rio Grande do Norte, Bahia, Ceará e Pernambuco, estados nos quais a base de pesquisa e coleta de dados permite a comparabilidade das informações. O objetivo da coleta de dados era identificar se ocorreram alterações significativas nos anos de 2000 a 2007, em face ao volume global de capital estrangeiro no Brasil. Primeiramente deve-se assinalar que as atividades imobiliárias no Brasil, não apenas envolvidas com turismo, têm apresentando um desempenho crescente desde 2002 quando entraram no país US$ 196,79 milhões. Em 2006 esse volume alcançou US$ 1,40 bilhão; Paula Pacheco explicita que:

“Nesse caso, a explicação é o litoral nordestino, uma das preferências de grupos hoteleiros e turistas europeus interessados em ter a região como uma opção de segunda residência. No primeiro semestre, o Rio Grande do Norte foi o principal destino de dólares com o objetivo de adquirir imóveis, à frente de São Paulo” (Pacheco, 2007, p. 08).

Os registros sobre a entrada de capital estrangeiro no Brasil seguem a regulamentação do Decreto n. 55.762/65 que considera capitais estrangeiros os bens, máquinas e equipamentos entrados no País sem dispêndio inicial de divisas, destinados à produção de bens ou serviços, assim como os recursos financeiros ou monetários ingressados para aplicação em atividades econômicas. Especificamente foram agrupadas as entradas de capital estrangeiro relacionadas ao “imobiliário-turístico” como a construção de resorts, condomínios fechados, condhotéis, etc.

Quadro 1. Valores (em US$) de entrada de capital estrangeiro para o
setor imobiliário -turístico nos estados estudados (2001 – 2007)

Estados

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

Rio Grande do Norte

10.355.947

2.214.459

8.153.610

24.477.033

37.188.720

61.683.547

96.718.864

Ceará

10.356.000

18.481.157

20.960.524

15.588.431

29.822.486

37.619.175

153.800.798

Bahia

11.797.575

23.311.979

42.284.139

16.147.789

89.964.095

243.743.934

49.699.086

Pernambuco

-

2.350.000

2.849.500

959.205

1.252.800

24.323.904

4.798.787

Total

32.509.522

46.357.595

74.247.773

57.172.460

158.228.101

367.370.561

305.017.536

Fonte: Banco Central do Brasil (http://www.bcb.gov.br/?REGCAPESTR. Acessado em março de 2008). Não foi retirada a inflação do período. Elaboração própria. 

Uma análise preliminar dos dados permite considerar o crescimento do volume de capital estrangeiro no período, passando de pouco mais de US$ 30 milhões para US$ 305 milhões em 2007, com forte tendência de subida em 2008 e 2009. Os estados com maior ritmo de crescimento foram o Rio Grande do Norte e Ceará que mantiveram um ritmo sem grandes interrupções; notável também é a capacidade de atração desses dois estados, frente à Bahia e Pernambuco que possuem uma diversidade e tamanho econômico bem superiores. Por exemplo, o Produto Interno Bruto do estado da Bahia e Pernambuco respectivamente representavam, em 2005, 4,2 por cento e 2,3 por cento do total do PIB brasileiro, contra 0,8 por cento do PIB do Rio Grande do Norte e 1,9 por cento do PIB do Ceará (IBGE, 2007) [5].

Se compararmos o desempenho do PIB estadual com os dados do Quadro 01, acima, no mesmo período de 2002 a 2005, veremos que enquanto a maioria dos estados não demonstra crescimento em seu PIB (alguns com taxas negativas), os investimentos estrangeiros em imobiliário-turístico apresentaram taxas de crescimento de 1.579 por cento (Rio Grande do Norte), 285 por cento (Bahia), 61,37 por cento (Ceará) e apenas Pernambuco não cresceu. No período de 2001 a 2007 a taxa de crescimento dos investimentos estrangeiros em imobiliário-turístico foi de 241 por cento para os quatro estados

O imobiliário-turístico (envolvendo a produção de condhoteis, resorts, condomínios, etc.) tem se constituído como o setor mais dinâmico ao investimento externo, redimensionando os valores locais do espaço (“terra suporte”) litorâneos no Nordeste de forma a articular esses espaços com as tendências internacionais do mercado financeiro global que são, via de regra, direcionadas para um circuito de valorização de forma segura, com baixo custo nas transações e com retorno rápido. A relação sinergética entre Mercado Imobiliário e Turismo constitui o caminho seguro e o Nordeste o ambiente mais rentável para a demanda européia, o que nos remete a uma reflexão de Ana Fani A. Carlos (2006, p.82) sobre esse fenômeno de maneira ampliada:

“A centralização financeira, por sua vez, aponta um outro fenômeno importante: o capital financeiro para se realizar, hoje, o faz através do espaço – isto é, produzindo o espaço enquanto exigência da acumulação continuada sob novas modalidades, articuladas ao plano mundial. (...) Na sua construção, associa várias frações do capital a partir do atendimento do setor de serviços modernos. Nesse sentido, estabelece-se um movimento de passagem da predominância/presença do capital industrial produtor de mercadorias destinada ao consumo individual (ou produtivo) à preponderância do capital financeiro que produz o espaço como mercadoria enquanto condição de sua realização. Mas o espaço-mercadoria, tornado “produto imobiliário”, transforma-se numa mercadoria substancialmente diferente daquela produzida até então, pois se trata, agora, de uma mercadoria voltada essencialmente ao “consumo produtivo”, isto é, entendido como lugar da reprodução do capital financeiro em articulação estreita com o capital industrial (basicamente o setor de construção civil)”.

No caso específico do Nordeste, acrescentaríamos a reflexão de Carlos (2006) de que é o Turismo o elemento que se articula com o produto imobiliário nas novas modalidades associadas ao plano mundial, ao capital financeiro.

Um exemplo dessa articulação global do imobiliário-turístico pôde ser visto recentemente; no litoral oriental do estado do Rio Grande do Norte. O Grupo Sánchez lançou em 2007 um mega-empreendimento imobiliário-turístico com 32 mil apartamentos, 14 hotéis e com previsão de atender a 160 mil pessoas. Em março de 2008 foi notícia nos jornais La Vanguardia (2008) e El País (2008) que o Grupo Sánchez requisitou concordata com dívidas que chegam a 97 milhões de euros, relacionados com a crise hipotecária americana e a queda do mercado imobiliário espanhol. As notícias (EL PAÍS, 2008) mencionam que os investimentos no NE seriam uma forma de recuperação de sua “saúde” financeira. Esse exemplo ilustra que embora a dinâmica econômica dos últimos anos do “novo Nordeste turístico” seja uma realidade, sua longevidade é tão tênue quanto as linhas de valorização diária do mercado financeiro. Oportunidades comuns ao mercado; mas, e o Planejamento Público, que riscos enfrenta hoje?

Um novo planejamento para um novo Nordeste

Nos itens anteriores, foram vistas duas fases relativas à dinâmica do Nordeste brasileiro e sua articulação com o planejamento, desenvolvimento regional e turismo: uma de maior presença do Estado (via PRODETUR) e outra onde os investimentos do mercado financeiro se intensificaram na nova modalidade que chamamos de “imobiliário-turístico”. Nesse último item pretende-se compreender como os Planos regionais se inserem nesse novo cenário, em dois documentos referenciais, sendo o primeiro deles de âmbito nacional (elaborado pelo Governo Federal) e o segundo se constituindo do plano para a Região Metropolitana de Natal no estado do Rio Grande do Norte. O objetivo é avaliar as respostas recentes do poder público as novas oportunidades e riscos do processo como um todo.

Em relação ao plano nacional, o Ministério da Integração Nacional desenvolveu em 2006 o Plano Estratégico para o Desenvolvimento Sustentável do Nordeste - PEDSN, em um esforço de reestruturar o papel de Planejamento da SUDENE, extinta nos últimos anos do governo de Fernando Henrique Cardoso. Antes do PEDSN o Ministério da Integração Nacional havia elaborado, em 2003, a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) que intentava recolocar o planejamento territorial e regional de modo integrado às políticas sociais e econômicas no governo.

Esse “novo” planejamento territorial segue três eixos: a observação dos problemas regionais como entraves ao desenvolvimento nacional, o modelo de desenvolvimento deve ser seletivo (estratégico) e a necessidade de articulação das escalas espaciais (micro, meso e macroescala regional). Seguindo esses eixos de observação, o PEDSN objetiva ampliar a competitividade regional da economia, incluir socialmente a população (reduzindo a pobreza) e garantir a sustentabilidade ambiental. O PEDSN subdividiu a região em oito áreas de planejamento: Meio-Norte, Sertão Norte, Ribeirão de São Francisco, Litoral Norte, Litorânea Leste, Litorânea Sul e Cerrados (Figura 2).

As taxa de crescimento do PIB prevista pelo Plano até 2025 para as regiões é de 5,12 por cento ao ano, elevando a participação do PIB do Nordeste em relação ao Brasil para quase 16 por cento (tomando como referência 2002, quando a taxa foi de aproximadamente 13 por cento). Para alcançar esse objetivo, o Plano elabora eixos estratégicos sendo um deles mais relevante nessa análise que é a construção de competitividade sistêmica fundamentada na criação de externalidades que promovam a atração dos mercados internacionais, diversificando a cadeia produtiva, a agricultura, produção têxtil, entre outros.


Figura 2. Áreas de atuação regional do Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste
Fonte: Ministério da Integração Nacional (2006)

Em relação ao turismo, este setor é considerado um dos vários alvos para os projetos previstos até 2020; entretanto, não estão relacionadas as grandes obras públicas indicadas para o setor e sim uma aposta na continuidade dos investimentos privados (Mercado), posto que o Plano considera a fase de estruturação já completada. Em forma de síntese, podemos afirmar que o plano não considerou os novos elementos de articulação entre Turismo e Imobiliário, assim como não realizou esforço em focalizar as contas do PIB e não observou, com maior atenção, os fluxos de investimento estrangeiro no setor turístico, nem a natureza, as especificidades e os riscos desse investimento.

Um segundo Plano, de escala microregional, é o Plano Estratégico da Região Metropolitana de Natal (Governo do RN, 2007). Este plano é um exemplo ilustrativo da importância do “imobiliário-turístico” na realidade do Rio Grande do Norte. De fato, um dos elementos de análise que tal plano possui diferentemente do plano nacional é a presença do turismo e do imobiliário formando uma nova cadeia e arranjos; este fator é um diferencial que permitiu ao plano metropolitano (envolvendo uma população de aproximadamente 1,2 milhão de habitantes) focalizar o turismo de um modo diferenciado, construindo alguns elementos de “amortecimento” entre a dinâmica de crescimento internacional e os possíveis riscos do mercado financeiro.

Entre as alternativas de amortecimento dos possíveis impactos do “imobiliário-turístico” sobre o território está a formulação de um controle público da terra urbana e rural (“terra suporte”), diversificação dos arranjos produtivos impedindo a formação de uma setorização intensiva, capacidade de atração de visitantes nacionais evitando a extrema dependência do mercado internacional, entre outros projetos.

Uma das dificuldades desse plano microregional é atuar na escala metropolitana. De fato, o pólo de Natal acaba concentrando a maior parte das atividades econômicas e gerenciais, relegando aos outros municípios uma menor capacidade de interferência nas decisões. O plano, nesse sentido, estrutura novas estratégias de gestão territorial por meio da ênfase em valores comuns como meio ambiente e um redesenho da acessibilidade, tentando integrar o litoral às áreas internas dos municípios com a finalidade de evitar a formação de guetos na linha de praia. Em relação ao turismo são incentivados roteiros não apenas costeiros, mas também um turismo baseado em trilhas ecológicas e gastronômicas por outras áreas, não necessariamente litorâneas.  

Considerações finais

Nos últimos dez anos, o que se destaca no Nordeste brasileiro são as modificações em sua estrutura produtiva sem abandonar de modo significativo os baixos índices sociais. Isso significa que o crescimento econômico, notadamente das áreas litorâneas e turísticas, não alterou o desenho de concentração de renda e pobreza relativa.

Esse primeiro elemento de reflexão é importante devido ao fato de demarcar uma estruturação no território, provocado pelo Estado, sendo tal estruturação acompanhada de investimentos privados limitados a uma competitividade econômica global-regional, mas ainda não vocacionados a integrar social ou produtivamente os diversos grupos sociais existentes.

Cada vez mais essa integração regional à economia global ocorre via o turismo e, mais recentemente articulada ao mercado imobiliário.

A crise imobiliária e financeira por qual passam os principais centros desenvolvidos podem ter efeitos no cenário regional, caso o modelo escolhido de desenvolvimento esteja fortemente comprometido com a idéia de um mercado competitivo e “racional”. O imobiliário envolve grandes parcelas do território e meio ambiente para se valorizar e o consumo desse espaço possui impacto na organização social das populações litorâneas. Um exemplo disso pode ser encontrada na habitação; com o aumento no valor do solo urbano nas áreas litorâneas, a população de mais baixo poder aquisitivo não consegue mais encontrar oferta em áreas com maior infra-estrutura, tendo que pressionar a periferia mais distante, agravando o déficit habitacional também nas sedes e distritos.

Uma reflexão final aponta para um novo “redesenho territorial” destas áreas metropolitanas, formada pelos municípios costeiros. Não são apenas impactos de ordem espacial e econômica que se apresentam como desafios; por exemplo, a alteração nas condições de oferta de emprego (devido às novas especializações requeridas e novas tarefas criadas) e relativa melhoria da renda nas atividades ligadas diretamente ao setor de serviços; ocorre também a perda de dinamismo e diversidade da sede em relação a periferia litorânea, além de alterações nos níveis de integração e configuração da rede urbana. Esse fato gera a diminuição de atividades e acessibilidade a algumas sedes municipais que passam, gradualmente, a se “desconectar” da ligação direta com o pólo metropolitano, uma vez que a maior atratividade econômica se encontra agora nas áreas litorâneas, causando problemas para os moradores de tais centros urbanos. O meio ambiente e os recursos naturais estão cada vez mais pressionados, ao mesmo tempo em que se transformam em importantes ativos econômicos, disputados pelos agentes do setor turístico e imobiliário.

Como o eixo litorâneo se torna o espaço efetivo de conurbação entre os municípios, é perceptível o aumento da densidade populacional, aumento dos valores fundiários e maior pressão sobre os recursos naturais existentes. Este fato pode acarretar, como já o vem fazendo em alguns pontos do território, uma maior atratividade de novas populações advindas de municípios não costeiros, em busca de emprego ou moradia, implicando no rebaixamento das condições de vida e dos serviços públicos oferecidos – parcialmente – pelo poder público, além de uma pressão sobre a infra-estrutura urbana instalada.

A “competição” no ambiente do mercado pelo monopólio das melhores localizações, paisagens e “espaços de lazer”, contribui para uma recente modificação na tradicional articulação entre os elementos constituintes do território regional. Se os níveis de crescimento econômico entre as diversas áreas desse litoral turistificado ainda não se dão uniformemente entre os nove estados, o novo planejamento (seja macro ou micro-regional) poderia se apoiar realmente em um conceito da tão mencionada sustentabilidade, não apenas ambiental (sempre presente), mas também econômica. O objetivo deveria ser a formação de um território regional onde as oportunidades não fiquem apenas para o mercado e os riscos apenas para o Estado.

Notas

[1]Este trabalho está vinculado ao Projeto Milênio da Rede Observatório das Metrópoles – Núcleo Região Metropolitana de Natal.

[2] Lei no 3.692, de 15 de dezembro de 1959.  A Sudene era uma autarquia ligada à Presidência da República e entre 1959 a 1964, Celso Furtado foi responsável pela estratégia de atuação do órgão.

[3] Segundo Araújo (1997, p.30): “os espaços mais dinâmicos atraem projetos federais de infra-estrutura (que ampliam sua acessibilidade) com investimentos na ordem de R$ 5,7 bilhões enquanto os demais estados ficam com apenas R$ 195 milhões para o biênio 1997-98 ou seja, apenas 3 por cento do total”.

[4] Uma discussão um pouco mais aprofundada sobre esse conceito pode ser conferida em texto anterior, apresentado no IX Colóquio Geocrítica e publicada na Scripta Nova (Cf. Ferreira e Silva, 2007).

[5]Cabe ressaltar que, embora o Nordeste seja composto por nove estados e todos com área litorânea, o recorte espacial e de dados para esta pesquisa comparativa, foram quatro estados com dinâmica e pólos metropolitanos diferenciados – Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará. Esta delimitação deve-se ao fato de que as Regiões Metropolitanas desses quatro estados fazem parte do projeto “Instituto do Milênio” (Observatório das Metrópoles) o que tem permitido o trabalho conjunto com outros pesquisadores e o cruzamento de informações e análises para as quatro realidades.


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