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Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. XIV, núm. 331 (37), 1 de agosto de 2010
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

O PLANEJAMENTO TERRITORIAL PARTICIPATIVO: A EXPERIÊNCIA DO ESTADO DO PARÁ, BRASIL

Eduardo José Monteiro da Costa
Universidade Federal do Pará
ejmcosta@gmail.com

Liane do Socorro Bastos Brito
Faculdade Ipiranga
liane_brito@yahoo.com.br

O Planejamento Territorial Participativo: a Experiência do Estado do Pará, Brasil (Resumo)

Partindo da constatação de que tradicionalmente a administração pública estadual não consegue realizar ações pautadas por uma visão estratégica, articulada e pactuada, no ano de 2007 o Governo do Estado do Pará iniciou um amplo processo de planejamento tendo como principais objetivos: a garantia da participação da população na definição das políticas públicas; e a fiscalização e o monitoramento das obras e serviços escolhidos pela população (controle social). Este processo, inédito no estado e denominado de Planejamento Territorial Participativo (PTP), contou em suas etapas iniciais com a participação de mais de 80 mil pessoas, e serviu de base para a elaboração do planejamento governamental em bases territoriais e para a descentralização das políticas públicas.

Palavras chave: planejamento territorial, políticas públicas, participação popular, controle social e descentralização.

Participatory Territorial Planning: the Pará State experience, Brazil (Abstract)

Facing the widespread knowledge that Brazilian State public administrations are incapable of implementing strategic, articulated and socially agreed public policies, in 2007 the Pará State Government has launched a comprehensive planning process with two main goals: ensuring public participation in policy making; and public monitoring of government’s works and services (social control). This pilot process, unique in this Brazilian State, was named Participatory Territorial Planning (PTP) and could count in its early stages with the participation of more than 80 thousand people, providing the basis for the implementation of government planning on a geographical basis as well as contributing to the decentralization process of public policies.

Key words: territorial planning, public policies, public participation, social control and decentralization.

Nos últimos anos houve significativa revalorização do papel do espaço e das instituições na elaboração de políticas públicas. O desenvolvimento regional e local, o conceito de região e de território, a descentralização e o controle social, além de novos conceitos como capital social e capacidade de governança, passaram obrigatoriamente a compor a agenda de planejamento e gestão das múltiplas escalas federativas[1].

No Brasil inúmeras experiências, sejam do Governo Federal[2] ou dos governos estaduais[3], passaram a ser implementadas com o intuito de valorizar as identidades regionais, aumentar a participação popular no processo de planejamento e viabilizar o controle social na gestão pública. Dentro deste contexto, no ano de 2007 o Governo do Estado do Pará iniciou um amplo processo de planejamento territorial tendo como principais objetivos a garantia da ampla participação da população na definição das políticas públicas e a fiscalização e o monitoramento das obras e serviços escolhidos pela população (controle social).

Este processo, denominado de Planejamento Territorial Participativo (PTP), envolveu mais de 80 mil pessoas e serviu de base para a elaboração do Plano Plurianual 2008-2011, conformando o primeiro processo de planejamento territorializado e participativo elaborado no estado.

Desta forma, este artigo tem por objetivos: analisar o processo de construção do PTP, envolvendo as etapas preparatórias, a condução das assembléias públicas municipais e plenárias regionais, e a incorporação das discussões nas políticas efetivas do Governo do Estado; identificar os principais avanços em termos de gestão territorial do desenvolvimento; e, identificar os principais obstáculos à implementação da gestão territorial participativa no estado do Pará. 

Visando atingir este desiderato, está dividido, além desta breve introdução, em mais quatro itens. O primeiro tem por finalidade caracterizar o espaço objeto desta intervenção, o estado do Pará. O segundo analisa especificamente a proposta do PTP, destacando a regionalização como base para o planejamento, o seu processo de construção, bem como os impactos efetivos nas políticas de Governo. O terceiro se propõe a avaliar a experiência. E o quarto, como de praxe, se destina as considerações finais.

Caracterizando o Espaço de Intervenção: o Estado do Pará (Brasil)

O planejamento do desenvolvimento regional é uma temática de natureza complexa, multidisciplinar e transescalar. Partindo do pressuposto de que as regiões possuem características distintas, é fundamental que no processo de planejamento sejam respeitadas as especificidades econômicas, ambientais, sociais e institucionais do espaço objeto de intervenção. Por mais que determinadas experiências possam servir de referência, o transplante sem mediações de políticas exitosas em um determinado contexto para outro, com especificidades e características distintas, é perigoso, podendo gerar simulacros, ou o problema do grafting no transplante como modernamente tratado na literatura.

É em função disto que antes de entrar na temática central deste artigo, a experiência do PTP no estado do Pará, este item insere-se com o objetivo de caracterizar em linhas gerai o espaço objeto de intervenção.

O estado do Pará é o segundo maior estado federativo do Brasil. Engloba uma grande região geográfica heterogênea de 1,24 milhão de km2, situada inteiramente na Amazônia, e equivalente a 14% do território nacional. Esta vastidão territorial, formada principalmente por áreas planas, com altitudes que atingem até 300 metros acima do nível do mar, e algumas ocorrências de terras altas no Sudeste (Serra dos Carajás) e no Norte (parte oriental da Serra Parima), onde as altitudes chegam a ultrapassar 700 metros, ao mesmo tempo em que lhe confere uma riqueza natural ímpar, oferece, por outro lado, algumas peculiaridades e entraves ao seu processo de desenvolvimento.

Em termos demográficos, o estado com uma população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2007 em torno de 7 milhões de habitantes, e em decorrência de sua vastidão territorial, possui uma baixa densidade demográfica de 5,67 hab/km2, sendo que a maior parte de sua população (66,5%) reside em áreas citadinas. Contudo, comparativamente a outros estados brasileiros o Pará ainda possui uma significativa parte da sua população residindo em áreas rurais.

A função de metrópole regional é exercida pela cidade de Belém que possui forte poder de comando sobre os fluxos regionais, estabelecendo-se como centro primaz de decisão. As enormes distâncias e as dificuldades geográficas de acesso a muitas das diversas sub-regiões estaduais, todavia, limitam o estabelecimento de fluxos interurbanos mais consistentes e a consolidação de uma rede urbana hierarquizada de forma rígida. Por este motivo, a rede urbana paraense pode ser considerada como ainda não plenamente estruturada, em que pese à complexificação, redirecionamento e diversificação recente dos fluxos interurbanos.

Recentemente o ordenamento econômico e espacial do estado tem sido conduzido pelo dinamismo do agronegócio, pelo processo de verticalização da produção mineral, principalmente o Projeto Salobo em Marabá, o Projeto Onça Puma no município de Ourilândia do Norte, e a implantação de uma usina siderúrgica em Marabá; e pelas obras do Plano de Aceleração do Crescimento do Governo Federal (PAC).

No específico as obras do PAC, estas procuram: ampliar a infraestrutura existente com a finalidade de integrar o território do estado e melhorar as condições de interligação do Pará com os demais estados do Norte e Centro-Oeste, reduzindo os custos de transporte de cargas; ampliar a infraestrutura hidroviária, estruturando um corredor exportador da produção regional, propiciando o aumento da competitividade regional; e expandir o acesso fluvial aos municípios da região amazônica, beneficiando o transporte de passageiros e de cargas, ao longo de todo ano e com maior segurança e eficiência. Dentre as principais obras do PAC para o estado convêm destacar: a pavimentação das BR 163 (Cuiabá-Santarém) e BR 230 (Transamazônica); a construção da Hidrelétrica de Belo Monte; a conclusão das eclusas de Tucuruí; o prolongamento da Ferrovia Norte-Sul (em fase de estudo); a ampliação do Porto de Vila do Conde (construção da Rampa roll-on roll-off); a construção de terminais hidroviários (Santarém, Monte Alegre, Breves); e as linhas de transmissão de energia elétrica Tucuruí-Macapá-Manaus e Marabá-Serra da Mesa.

Em que pese este cenário econômico promissor, o Pará com um PIB estimado para 2007 em torno de R$ 49,5 bilhões – equivalente a 1,86% do produto nacional –, e com um PIB per capita de R$ 7.007,00, ainda constitui-se como uma típica região periférica ativa da economia mundial, com os seus baixos índices de desenvolvimento decorrendo diretamente do processo histórico de ocupação da Região Amazônica. Este processo de ocupação acabou conformando uma sociedade que tem como característica deter uma economia eminentemente fundada em interesses exógenos que se aproveitam de suas riquezas naturais, principalmente de sua biodiversidade, de sua riqueza mineral e de seus recursos hídricos, exportando produtos com baixo valor agregado e energia barata para o restante do país; em paralelo com a baixa internalização relativa da riqueza e da renda.

O desafio a ser enfrentado é que todo esse potencial não tem conseguido se efetivar através da gestação de encadeamentos internos, de forças centrípetas e centrífugas, e da conformação de fluxos mais densos entre os agentes regionais. A verticalização da produção também não é significativa a ponto de conferir maior agregação de valor aos produtos regionais, empregos mais qualificados, ampliação da base econômica e diversificação da pauta de exportação.

O estado, como uma típica região subdesenvolvida, possui setores de alta tecnologia, como as grandes mineradoras e o agronegócio, e um significativo contingente de sua população vivendo em condições de subsistência e em nível absoluto de pobreza. Ademais, necessita de maciços investimentos com o objetivo de resgatar o atraso histórico no sistema educacional, no sistema de saúde, no incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologias apropriadas, na conservação infraestrutura de transporte – principalmente portos, aeroportos e rodovias –; sem falar da necessidade de resolver o problema fundiário do estado que tem levado a sérios conflitos pela posse de terra.

Afora os aspectos econômicos e sociais, a questão político-institucional do estado também contribuiu para a manutenção deste quadro, com destaque para o quadro histórico de: desarticulação político-institucional; frágeis ligações institucionais entre os entes federativos (União, Estado e Municípios); frágil diálogo do Governo do Estado com a sociedade civil organizada; ausência de efetivos pactos territoriais em prol do desenvolvimento; e ausência de uma política de desenvolvimento regional por parte da escala estadual.

Como conseqüência desta herança histórica assistiu-se nas ultimas décadas: um processo de desarticulação física, comercial, produtiva e social; um quadro de manutenção e agudização das desigualdades sub-regionais; a manutenção de algumas sub-regiões à margem do desenvolvimento; e, talvez o mais importante, a ausência de políticas públicas articuladas e pactuadas entre as múltiplas escalas do planejamento e entre o Estado e a sociedade.

A alteração desta trajetória depende fundamentalmente da mudança deste quadro, colocando o destino do estado na mão da coletividade que nele habita, internalizando os principais centros decisórios, e implementando um novo modelo de desenvolvimento capaz de: descobrir formas locais e sustentáveis de aproveitamento econômico dos recursos naturais, aproveitando a biodiversidade regional; internalizar a riqueza e a renda gerada a partir da exportação de seus recursos naturais, principalmente os produtos minerais e florestais; desenvolver tecnologias apropriadas às necessidades dos produtores regionais; apoiar o desenvolvimento de micro e pequenos empreendimentos e da agricultura familiar; articular as múltiplas escalas de planejamento a partir de um objetivo comum; desenvolver o capital social e a capacidade de governança das comunidades locais; fomentar a construção de territórios; além de pactuar com a sociedade diretrizes, ações e investimentos prioritários.

A proposta do planejamento territorial participativo

Partindo do pressuposto de que qualquer discussão sobre o planejamento do desenvolvimento regional não pode se deter eminentemente a aspectos teóricos e que os diferentes espaços manifestam múltiplas determinações em suas dinâmicas sociais, econômicas, ambientais e institucionais, o item anterior, mesmo que a vol d’oiseau, procurou traçar as principais características do estado do Pará.

De posse do exposto, é possível inferir que o estado do Pará é uma típica região periférica ativa da economia brasileira e mundial, com diversos entraves ao seu desenvolvimento, merecendo destaque: a sua dimensão territorial, as características de seu ordenamento econômico-espacial, a sua baixa densidade demográfica, a conformação de sua rede urbana ainda não consolidada, a insuficiência de uma infraestrutura econômica adequada, o baixo capital social e capacidade de governança das comunidades locais, o fato de possuir uma economia primário-exportadora com baixa agregação de valor e a pouca internalização da riqueza e renda gerada.

Em função disto, qualquer política que pretenda desenvolver o Pará somente alcançará resultados efetivos se as suas linhas gerais estiverem plenamente em consonância com as características, problemas e potencialidades da região objeto da intervenção. Ou seja, o pressuposto de partida é que a superação da condição de dependência e periferia do estado do Pará somente pode ser concebida dentro de um contexto de planejamento do desenvolvimento no qual o Estado chame para si a direção do processo por meio da construção de uma agenda de intervenção através de políticas públicas articuladas em múltiplas escalas e pactuadas com as comunidades locais, internalizando os principais centros decisórios. Logo, pressupõe o desenvolvimento de uma cultura de planejamento participativa, de uma institucionalidade adequada, do capital social e da capacidade de governança. No limite pressupõe a construção de territórios.

Em 2007 iniciou-se um processo inédito no Pará coordenado pelo Governo do Estado denominado de PTP. Foi um amplo processo, que envolveu discussões em todos os seus 143 municípios (na época), e que se baseou na construção de uma agenda propositiva de intervenção baseada na divisão do estado em 12 regiões de planejamento, denominadas de Regiões de Integração.

Destarte, este item procura apresentar a proposta do PTP desenvolvida pelo Governo do Estado do Pará com destaque para a regionalização adotada para fins de planejamento e o processo de construção do PTP, envolvendo as suas etapas iniciais.

Planejamento, regionalização, descentralização e participação popular

Nos últimos anos a Teoria do Desenvolvimento Regional tem evoluído para paradigmas de intervenção que valorizam as especificidades de determinados espaços, bem como as individualidades e sentimentos de pertencimento das comunidades locais. Desta maneira, cada vez mais as políticas públicas necessitam ser pensadas de forma regionalizada, e em grande parte isto caminha em paralelo com um processo de descentralização das ações de governo. Ou seja, planejamento, regionalização, descentralização e participação popular, caminham de forma conjunta.

Sabe-se que nenhum processo de planejamento é neutro em si. Não é tarefa eminentemente burocrática, em que pese conter em grande parte participação da burocracia. O planejamento é, também, um processo político, que envolve interesses e projetos, uns que se quer apoiar e outros combater. Todo planejamento envolve um diagnóstico e a proposição de objetivos com metas e indicadores. Os objetivos a serem alcançados não são neutros. Respondem a interesses de grupos organizados, que por meio de um processo dialético são construídos e interferem na construção do ambiente, através de elementos de ordem econômica, infraestrutural, cultural, política e institucional.

Neste sentido, a moderna teoria do desenvolvimento destaca que o sucesso de um setor da economia ou de uma região não é função de uma nação per se, mas da combinação específica de indivíduos, cultura e instituições nesse setor ou nessa região. Desta forma, a transformação de ambientes sociais e institucionais pode alterar a geografia do desenvolvimento.

Em função disso o conceito de região – entendida como um espaço homogêneo, identificado por aspectos físicos, econômicos, culturais e de ocupação, com uma rede urbana específica – é atualmente substituído pelo de território, entendido como um espaço construído social e historicamente por meio da cultura, das instituições micro e meso-regionais e da política. O território, seja este uma cidade ou uma região, é, assim, um emaranhado de interesses de uma comunidade – um espaço de disputa por poder –, possuindo uma identidade própria que em grande parte requer autonomia para sua delimitação.

Logo, o desenvolvimento de uma economia é sempre promovido por agentes de uma sociedade que tem uma cultura, formas e mecanismos próprios de organização. Cada território dá origem a formas específicas de organizações e instituições que lhe são peculiares e que hão de incentivar ou coibir o seu desenvolvimento.

Isto posto, o subdesenvolvimento de uma sociedade acaba sendo sempre a expressão de um insuficiente nível de racionalidade pública e social, no qual os interesses individuais, ou externos acabam prevalecendo. Desta forma, a sua superação somente pode ser concebida no quadro de um projeto político transescalar, articulado e coordenado pelo Estado como centro de decisão válido –, capaz de subordinar os interesses individuais aos interesses regionais e nacionais coletivos buscados a médio e longo prazo através do planejamento do desenvolvimento, fundamentados, sempre, numa clara compreensão da estrutura socioeconômica e espacial da região objeto, e suas sub-regiões, e na superação da situação de dependência e exploração. Implica, portanto, na tentativa de encontrar respostas a múltiplas questões.

Desta maneira, qualquer tentativa de superação do subdesenvolvimento deve estar assentada num projeto político, fundado em percuciente conhecimento da realidade e esposado por amplos segmentos sociais, que aumente o poder regulador das atividades econômicas, única forma de colocá-las a serviço da satisfação das necessidades sociais legitimamente conhecidas, e capaz de romper com o quadro de dependência estrutural de uma economia periférica. Nesta construção, qualquer concepção de desenvolvimento não pode alienar-se de sua estrutura social, e nem tampouco a formulação de uma estratégia desenvolvimentista pode ser concebida sem preparação ideológica e respaldo social.

É em função disto que o processo de descentralização emerge com força, na medida em que estimula a participação das comunidades locais no processo de planejamento e gestão das políticas públicas, tornando mais densas e complexas as relações entre níveis de governo e a sociedade.  

Isto pressupõe o exercício de uma vontade política socialmente respaldada e num projeto político-social tendo em vista sempre que o desenvolvimento precisa ser entendido como um processo dinâmico que transcende aspectos de natureza puramente econômica, alcançando toda a estrutura de organização da sociedade, comportando sempre elementos de intervenção e invenção. É um processo autônomo, sustentado e civilizador, baseado no progresso tecnológico e manifesto numa estrutura de sociedade mais adiantada, englobando aspectos culturais, institucionais, sociais e econômicos, que alargam os horizontes de possibilidades dos agentes. Em última instância, implica na ampliação da liberdade em todas as esferas da vida e da sociedade. Neste sentido, na sua morfogênese, o desenvolvimento necessita desobstruir as forças que tencionam pela manutenção das estruturas tradicionais de dominação e reprodução do poder, requerendo, portanto, ser implantado e coordenado por uma unidade dominante possuidora de poder, força e coação. Possui inerentemente dois aspectos peculiares: um mais atraente próprio de um processo de arranjo, montagem, dar sentido, direção, coerência as transformações que uma sociedade quer armar e projetar para o futuro, dispondo de certos instrumentos eleitos para determinados fins; e aquele menos atraente, próprio dos processos de se desmontar, desarranjar, importunar, constranger, frustrar expectativas e ações deletérias à construção social.

A construção do Planejamento Territorial Participativo

O processo de implantação do PTP no estado do Pará está diretamente relacionado com a eleição e a posse em janeiro de 2007 no Governo do Estado do Pará do Partido dos Trabalhadores (PT), tendo a frente à Governadora Ana Júlia Carepa. Neste momento alguns desafios se faziam preeminentes. Dentre estes estava a necessidade de tornar o Estado mais presente nas regiões mais distantes da Região Metropolitana; tornar o Estado mais eficiente e eficaz na execução das ações de políticas públicas; e mudar o paradigma de gestão setorial para um novo paradigma territorial no qual a integração e a complementaridade das ações são buscadas no território.[4]

Assim, dentro do eixo de governo de construção de uma gestão democrática, descentralizada e participativa, algumas diretrizes foram adotadas pelo Governo do Estado[5]: a promoção da integração político-institucional do Governo do Estado com municípios e o Governo Federal; a execução de ações que incentivem o desenvolvimento de laços comerciais, produtivos, financeiros, culturais entre as diversas sub-regiões do estado, ao lado do desenvolvimento de uma política de solidariedade das regiões mais dinâmicas para com as menos desenvolvidas; a execução de ações e investimentos que facilitem a internalização da riqueza e da renda; a diversificação da base produtiva e a verticalização da produção dentro de um novo modelo de desenvolvimento; a execução de ações que desenvolvam na população a noção de “pertencimento” e uma noção de coletividade ao lado da valorização das múltiplas culturas sub-regionais; o incentivo a participação popular nas decisões de governo ao lado do desenvolvimento de mecanismos de controle social; e o desenvolvimento de mecanismos de coordenação, monitoramento e avaliação das políticas públicas.

Grande parte destas diretrizes tinha como base a tentativa de implantação de um Novo Modelo de Desenvolvimento, a Política de Integração Regional e o PTP.

Especificamente no que toca ao PTP, foco deste artigo, vale destacar que inicialmente o Governo do Estado pretendia implantar uma proposta de orçamento participativo no âmbito estadual, com objetivo de possibilitar à população um mecanismo de participação no processo de decisão sobre como e onde seriam gastos os recursos públicos estaduais. Os seguintes princípios básicos norteavam as discussões iniciais[6]: deliberação popular, auto-regulamentação, universalidade, co-gestão das políticas públicas, controle social e inclusão social dos segmentos sociais vulneráveis.

 

Quadro 1.
Princípios Básicos da Proposta Inicial de Orçamento Participativo do Governo do Estado do Pará

Deliberação popular

“A instituição do caráter deliberativo no OP delimita um comprometimento político e financeiro do governo em relação ao processo de participação. Isso faz com que a população realmente decida e que suas decisões se transformem em instrumentos de planejamento orçamentário estadual.” (Sepof: 2007b: 2).

Auto-regulamentação

“Mesmo com as contradições e permanentes mudanças advindas da dinâmica social, é fundamental que sejam dispostos mecanismos que propiciem à população condições de participação nas etapas de planejamento e elaboração do conjunto de normas que regulamentam o processo do OP. Isso permite que o processo seja modificado e aprimorado a cada ano, pelos próprios participantes.” (Sepof: 2007b: 2).

Universalidade

“O direito a participação é de todos e independe de credo religioso, classe, idade, orientação sexual, etnia e filiação partidária. Por isso o OP será um espaço em que qualquer cidadão poderá, de forma autônoma e voluntária, discutir e decidir os rumos dos recursos públicos estadual e local.” (Sepof: 2007b: 2).

Co-gestão de políticas públicas

“O OP deve combinar a democracia representativa com a democracia participativa, ao fortalecer a gestão pública e o exercício da cidadania. Trata-se de ampliar os canais de diálogo entre participação e governo e inverter, através da colaboração, a lógica da gestão das políticas públicas.” (Sepof: 2007b: 2).

Controle social

“Através do OP a população deve encontrar mecanismos para acompanhar e fiscalizar a ação do governo. Neste sentido, é muito importante ressaltar que o OP vai facilitar o acesso às informações sobre a execução orçamentária estadual. Os participantes na condição de delegados (as) e conselheiros (as) serão capacitados para exercerem plenamente o controle social sobre todos os gastos públicos, garantindo transparência no processo de construção do OP.” (Sepof: 2007b: 2 e 3).

Inclusão social dos segmentos sociais vulneráveis
“Ao estruturar políticas de ações afirmativas dos segmentos sociais vulneráveis, é importante analisar o contexto sócio-político buscando identificar quais são os grupos que tem menor acessibilidade ou voz no espaço público. Sendo assim, é necessário que haja políticas que viabilizem sua maior representatividade dentro da sociedade. O OP do Estado do Pará trabalhará nesse sentido e buscará incentivar e fortalecer a participação de pessoas vinculadas a todos os grupos sociais.” (Sepof: 2007b: 3).

Fonte: Sepof (2007b).

 

 

Pouco depois, ainda no mês de abril de 2007, a proposta do orçamento participativo cedeu espaço para o PTP na medida em que o governo pretendia construir uma metodologia que colocasse a participação popular na base da construção do Plano Plurianual (PPA), e fomentasse um novo modelo de gestão que propiciasse maior controle social e uma gestão descentralizada[7]. Todavia, o processo estava condicionado à adoção de uma regionalização que estivesse na base do planejamento[8]. Em função disto, e após a constatação de que as micro e as mesoregiões do IBGE não representavam mais a espacialidade adequada para se pensar o planejamento regional, o Governo do Estado adotou a divisão do estado em 12 regiões, batizadas de Regiões de Integração (RI), como instrumento fundamental para se pensar o desenvolvimento regional e a implantação do PTP[9]. As 12 RI, nominadas a partir de acidentes geográficos importantes são: Metropolitana, Guamá, Rio Caeté, Tocantins, Rio Capim, Lago de Tucuruí, Carajás, Araguaia, Marajó, Xingu, Baixo Amazonas e Tapajós. 

Isto posto, o governo, por meio do PTP, passou a perseguir quatro principais objetivos: a participação popular com o intuito de orientar o planejamento de ação do Estado; a tentativa de implantar uma nova cultura gerencial para o alcance da eficiência e justiça social; a garantia de ampliação da legitimidade do Estado; e a busca pela governabilidade.

 

regiao_integracao
Figura 1. As Regiões de Integração do Estado do Pará.

 

O discurso governamental era de que o PTP tinha por finalidade consolidar a democracia do estado, através da participação popular, da gestão descentralizada e do empoderamento dos sujeitos, integrando os atores sociais nas decisões governamentais[10].

 

Quadro 2.
Dados agrupados das Regiões de Integração

Região de Integração

Número de Municípios

Área (km²)

PIB (mil R$)2005

PIB per capita (R$)2005

População2007

Densidade Demográfica(hab./km²)2007

IDH2000

Araguaia

15

174.051,88

2.118.367

5.859,73

406.196

2,33

0,70

Baixo Amazonas

12

315.856,73

3.212.960

4.997,07

640.670

2,03

0,68

Carajás

12

44.814,54

5.911.308

12.605,92

497.731

11,11

0,67

Guamá

18

12.130,92

1.666.280

2.958,36

558.491

46,04

0,69

Lago de Tucuruí

7

39.937,89

2.654.089

7.952,04

323.834

8,11

0,67

Marajó

16

104.139,33

875.884

2.217,14

435.182

4,18

0,63

Metropolitana

5

1.819,28

14.004.267

6.856,33

2.043.543

1.123,27

0,74

Rio Caeté

15

16.580,49

1.003.264

2.311,72

432.880

26,11

0,64

Rio Capim

16

62.135,23

1.882.572

3.426,67

534.192

8,60

0,66

Tapajós

6

189.592,97

699.781

3.042,32

245.163

1,29

0,67

Tocantins

11

35.838,56

4.158.248

6.549,39

658.664

18,38

0,68

Xingu

10

250.791,94

963.437

3.065,49

294.321

1,17

0,68

Pará

143

1.247.689,76

39.150.460

5.616,52

7.070.867

5,67

0,72

Fonte: IBGE.

 

Desta forma, com esta filosofia norteando as ações a construção do PTP foi organizada em três etapas: as Plenárias Públicas Regionais (PPR) e as indicações dos macro-objetivos de governo; as Assembléias Públicas Municipais (APMS); e as reuniões dos Conselhos Regionais do PTP e do Conselho Estadual do PTP.

A Primeira Etapa do PTP

A primeira etapa do PTP aconteceu entre os meses de abril e maio de 2007. Contou com a participação registrada de 41.468 pessoas nas 12 plenárias públicas, realizadas nas 12 regiões de integração. Em cada plenária foram apontados desafios para o desenvolvimento da região, que acabaram conformando os seguintes macro-objetivos de Governo.

a)    Qualidade de vida para todos e todas: envolvendo ações nas áreas de educação, desenvolvimento social, acesso aos serviços públicos de saúde, habitação, saneamento, mobilidade, regularização fundiária, esporte e lazer, inclusão digital, direitos humanos, igualdade étnica e racial, combate ao trabalho escravo, segurança pública, prevenção e resolução dos crimes ambientais;

b)   Inovação para o desenvolvimento: envolvendo ações nas áreas de desenvolvimento da ciência e tecnologia, modernização do setor agropecuário, fortalecimento da pesca e aqüicultura sustentáveis, política industrial sustentável, ampliação dos efeitos positivos da mineração sobre a economia do estado, fortalecimento da produção familiar rural, apoio a micro, pequenas e médias empresas urbanas, turismo, ordenamento territorial, produção de biocombustiveis, melhoria nas condições de tráfego nas estradas e viabilização do uso das hidrovias no estado;

c)    Gestão participativa, descentralizada e de valorização do servidor público estadual: envolvendo ações nas áreas de responsabilidade fiscal, integração regional, participação popular, valorização da identidade do Pará, relação de respeito junto aos servidores públicos estadual, descentralização da gestão pública estadual, controle social sob os gastos do governo, qualidade nos projetos e execução das obras e fiscalização na prestação de serviços.

Estes macro-objetivos constituíram-se nos pilares sobre os quais foi construída a matriz do Plano Plurianual (PPA) 2008-2011 – “Construindo o Pará de Todos e de Todas”, um instrumento de planejamento obrigatório do executivo, que destacou como principais objetivos: identificação clara dos objetivos e prioridades do governo; promoção de uma gestão empreendedora; garantia da transparência na gestão pública; estimulo as parcerias intra-governamentais e com o setor privado; promoção de uma gestão orientada para resultados; e, organização das ações de governo em programas, permitindo a integração do planejamento com os orçamentos anuais.

 

Quadro 3.
Primeira Etapa do PTP: Plenárias Públicas Regionais

Região de Integração

Local da plenária

Data da plenária

Número de participantes

Principal demanda

Tocantins

Abaetetuba

22.04.2007

1.974

Educação

Guamá

Castanhal

24.04.2007

2.128

Qualidade de vida

Rio Caeté

Capanema

26.04.2007

4.006

Saúde pública

Lago de Tucuruí

Tucuruí

27.04.2007

1.736

Saúde pública

Marajó

Breves

28.04.2007

2.114

Educação

Rio Capim

Paragominas

03.05.2007

5.267

Agricultura familiar

Tapajós

Itaituba

04.05.2007

2.065

Gestão participativa e descentralizada

Xingu

Altamira

05.05.2007

4.210

Saúde pública

Baixo Amazonas

Santarém

08.05.2007

4.158

Agricultura familiar

Araguaia

Conceição do Araguaia

10.05.2007

4.327

Gestão participativa e descentralizada

Carajás

Marabá

12.05.2007

4.038

Gestão participativa e descentralizada

Metropolitana

Belém

19.05.2007

5.445

Fortalecimento das micro e pequenas empresas.

Fonte: Superintendência do Planejamento Territorial e Participativo.

 

Em termos metodológicos as plenárias foram organizadas envolvendo três momentos: no primeiro momento, denominado de “Momento Político”, os representantes do governo apresentavam a visão programática da gestão. No segundo momento, denominado de “Momento de Votação Qualitativa”, foram distribuídas cédulas contendo os macro-objetivos do governo e a proposição dos enunciados de cada macro-objetivo, detalhando a concepção do governo naquilo que poderia orientar a concepção de políticas setoriais. No terceiro momento, denominado de “Momento Qualitativo”, foram aprofundados os debates em termos das políticas setoriais e das questões regionais específicas. Neste último momento os participantes foram distribuídos em 7 (sete) grupos de trabalho[11]: gestão; desenvolvimento sócio-cultural, desenvolvimento socioeconômico, defesa social, infraestrutura e transportes, políticas sociais e integração regional.  A Quadro 2 indica a data de realização das plenárias, o local e a principal demanda eleita pelos participantes[12].

A Segunda Etapa do PTP

A segunda etapa do PTP aconteceu no mês de julho de 2007. Contou com a participação registrada de 40.782 pessoas nas 143 Assembléias Públicas Municipais (APMS), abarcando todos os 143 municípios então existentes no estado do Pará[13]. Teve como principais objetivos: eleger os conselheiros e suplentes que iriam representar os municípios nos 12 (doze) Conselhos Regionais do PTP; e definir, tendo como base as diretrizes do planejamento regional do governo, as três prioridades de cada município que seriam encaminhadas aos respectivos Conselhos.

A participação popular nesta segunda etapa foi considerada elevada por parte do governo na medida em que representou 0,57% da população bruta do estado[14]. A participação por região está expressa na Quadro 3.

 

Quadro 4.
Participação nas APMS por Região de Integração (Segunda Etapa do PTP)

Região de Integração

Participantes

Conselheiros

Representantes no Conselho Estadual

Eleitos

Natos

Total

Araguaia

3.718

404

30

434

4 (+2)

Baixo Amazonas

2.378

287

24

311

7 (+2)

Carajás

3.308

356

24

381

5 (+2)

Guamá

2.703

256

36

292

6 (+2)

Lago de Tucuruí

4.423

251

14

265

3 (+2)

Marajó

2.693

301

32

333

4 (+2)

Metropolitana

4.679

223

10

233

10 (+2)

Rio Caeté

929

263

30

293

4 (+2)

Rio Capim

4.142

649

32

681

6 (+2)

Tapajós

4.250

110

12

122

2 (+2)

Tocantins

6.167

436

22

458

6 (+2)

Xingu

1.392

160

20

180

3 (+2)

Total Geral

40.782

3.696

286

3.983

60 (+24)

Fonte: Lima (2007).

 

Em termos metodológicos esta etapa do PTP teve as suas APMS organizadas em sete momentos: no primeiro momento representantes do governo apresentavam um diagnóstico contendo pontos importantes para o desenvolvimento do estado; no segundo momento era explicado o objetivo da reunião e a forma como as demandas eleitas na primeira etapa seriam incorporadas no PPA; no terceiro momento era apresentado um resumo do Plano Diretor Municipal; no quarto momento os participantes eram divididos em grupos para elegerem demandas específicas do município e revisitarem as necessidades já levantadas para a região; no quinto momento um representante de cada grupo apresentava para todos os participantes as necessidades levantadas e enumeradas para serem alvo de votação em termos de prioridade; no sexto memento cada participante recebia uma cédula de votação e elegia por ordem três prioridades.  Finalmente, após a eleição das prioridades, as APMS eram divididas em reuniões específicas: movimentos sociais e populares; trabalhadores; empresários; entidades profissionais, acadêmicas e de pesquisa; organizações não-governamentais; e, pessoas físicas que não integram organizações da sociedade civil. Cada grupo específico elegeu uma quantidade de conselheiros, conforme percentual expresso na Quadro 4, para representar a sociedade civil organizada do município no Conselho Regional do PTP. Foram eleitos 3.623 conselheiros nos 12 Conselhos Regionais instalados, conforme Quadro 3.

 

Quadro 5.
Participação percentual da sociedade civil organizada nos Conselhos Regionais do PTP

Participação (%)

Segmentos sociais

30

Movimentos sociais e populares: associações comunitárias ou de moradores; movimentos por moradia; movimentos de luta por terra; movimentos estudantis; movimentos ambientais; organizações religiosas; organizações culturais; organizações esportivas; organizações de gênero, geração, etnias e orientação sexual, etc.

20

Trabalhadores: entidades sindicais de trabalhadores do setor público e privado.

20

Empresários: entidades de qualquer porte, associações e cooperativas de produtores, representativas do empresariado local.

10

Entidades profissionais, acadêmicas e de pesquisa: entidades representativas de associações de profissionais autônomos, profissionais representantes de entidades de ensino ou pesquisa.

10

Organizações não-governamentais: entidades do terceiro setor.

10

Pessoas físicas: que não integram organizações da sociedade civil.

Fonte: Superintendência do Planejamento Territorial e Participativo.

 

A Terceira Etapa do PTP

A terceira etapa do PTP foi iniciada no mês de agosto de 2007 com a instalação das reuniões dos Conselhos Regionais do PTP e do Conselho Estadual do PTP.

Os Conselhos Regionais do PTP eram considerados “órgãos de participação popular que, nas 12 regiões de integração, deliberaram acerca das necessidades dos municípios.”[15] Os membros dos Conselhos eram os representantes de grupos eleitos nas APMS, os prefeitos dos municípios (ou seus representantes) e os representantes das Câmaras Municipais da região. Os principais objetivos dos Conselhos Regionais eram: discussão e votação de obras prioritárias para a região e municípios; monitoramento e fiscalização das obras; construção de planos de desenvolvimento territoriais sustentáveis; e eleição dos representantes da região no Conselho Estadual do PTP.

O Conselho Estadual, considerado como a instância de deliberação máxima do PTP, tinha como tarefa principal a elaboração de um plano de desenvolvimento para o estado do Pará. A sua composição era: Governador do Estado; representante da Assembléia Legislativa do Estado; dezoito representantes do Governo do Estado, nomeados pelo Governador; três representantes de entidades da sociedade civil organizada e âmbito estadual e oitenta e quatro Conselheiros eleitos nos Conselhos Regionais.

Considerações finais

A experiência do PTP inovou ao incorporar a sociedade de forma efetiva na gestão e no controle social das ações de governo. Nesse sentido, um grande diferencial do processo foi à forma como as demandas geradas nas assembléias públicas do PTP foram incorporadas no PPA e acabaram subsidiando as leis orçamentárias anuais.

Em outubro de 2009, a Superintendência do PTP, através da Coordenação de Sistematização e Pesquisa, lançou um balanço do monitoramento das ações que apontou que de um total das 431 ações tidas como prioritárias para o PTP, grande parte não havia sido atendida (Quadro 5).

 

Quadro 6.
Percentual de execução das ações

Situação das Demandas

Quantidade

%

Demandas atendidas

51

11,8%

Demandas parcialmente atendidas

22

5,1%

Demandas com previsão de entrega ou inauguração

15

3,5%

Demandas em processo de licitação ou licitada

24

5,6%

Demanda em andamento

18

4,2%

Demanda iniciada e paralisada

18

4,2%

Demanda não atendida

283

65,7%

Total

431

100,0%

Fonte: Superintendência do Planejamento Territorial Participativo.

 

O não atendimento de muitas demandas decorreu, dentre outros motivos, dos seguintes fatos: terem recebido parecer contrário do órgão responsável pela ação na medida em que a solução do problema estava prevista em outra ação, o que justificaria, neste caso, a classificação de não atendidas na forma como foram solicitadas; da falta de maior integração em termos de ações conjuntas e complementares entre diferentes níveis de governo, como por exemplo, obras que dependem da disponibilização de áreas do município ou de ações de regularização fundiária em áreas do Governo Federal; dos entraves, dificuldades ou demora da liberação de recursos por parte do Governo Federal, como por exemplo, as ações ligadas ao saneamento básico, construção de sistema de tratamento e distribuição de água e esgoto, que serão atendidas via recurso da Fundação Nacional de Saúde – FUNASA; e da inexistência de condições técnicas necessárias, ou mesmo da inviabilidade ou inexistência de escala que justifique a obra no município, como por exemplo, a implantação de hospitais de média e alta complexidade em locais que estão sob a abrangência de hospitais regionais.

Como aprendizado do processo pode-se inferir que o sucesso do PTP perpassa fundamentalmente pela superação de alguns desafios.

Em primeiro lugar é fundamental ter clareza de que o planejamento territorial é uma problemática transescalar, que exige, portanto, a participação das múltiplas esferas públicas. É fundamental que as ações das diversas escalas possam ser articuladas no território de modo a evitar superposições e ineficiências, otimizando as ações, os investimentos e os recursos públicos investidos. Assim, o PTP deve buscar integração com os Planos Diretores Municipais e com as ações dos órgãos do Governo Federal, especialmente o Programa Territórios da Cidadania e Programa das Mesorregiões Diferenciadas.

Em segundo lugar é necessário destacar que os quadros do Governo Estadual e dos Governos Municipais não estavam preparados e qualificados para a implementação de um processo de planejamento com participação popular. Há uma enorme carência de profissionais qualificados na área de planejamento regional e urbano no estado e no Brasil. Em que pese, em parte, este ser um processo de learning by doing, é fundamental que o Governo do Estado invista recursos em um amplo programa de qualificação e atualização dos servidores públicos estaduais e municipais.

Em terceiro lugar, o planejamento territorial necessita de uma sociedade esclarecida, amadurecida e possuidora de uma institucionalidade adequada. A cultura, a capacidade de governança e o capital social são elementos decisivos. Como conseqüência, é um processo educativo que leva tempo, e ganha em qualidade com a continuidade do processo. Contudo, da mesma forma que para os servidores públicos, o Governo do Estado precisa investir recursos em um amplo programa de qualificação para os representantes da sociedade civil que pertencem aos Conselhos Regionais e Conselho Estadual.

Em quarto lugar, partindo da constatação de que o PTP configura-se como uma inovação em termos de processo de construção e gestão de políticas públicas no estado do Pará, necessita, para que possa atingir plenamente os seus objetivos, de um suporte administrativo adequado e adaptado. Assim, é importante que ao lado da nova concepção de política haja a construção de uma nova arquitetura institucional capaz de lhe dar suporte, através de um amplo processo de reforma administrativa. Isto envolve redefinição e readequação das estruturas técnicas e burocráticas, com o objetivo de aumentar a eficiência da gestão e desburocratizar os processos, dando maior agilidade ao processo de tomada de decisão e execução das ações.

Em quinto lugar, esta concepção de gestão deve operar dentro de um “novo espírito burocrático”, capaz de romper com o paradigma setorial e consolidar o paradigma territorial, no qual as políticas públicas são integradas no território dentro de uma filosofia mais ampla de intervenção.

Finalmente, é necessário que hajam mecanismos adequados e eficientes de monitoramento e avaliação das políticas públicas, na medida em que todo processo de planejamento é dinâmico, e precisa ser constantemente revisto e atualizado.

 

Notas

[1] Trabalho apresentado no XI Colóquio Internacional de Geocrítica: “La Planificación Territorial y el Urbanismo desde el Dialogo y la Participacion”. Buenos Aires, 2 a 7 de maio de 2010.

[2] Programa Territórios da Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Programa de Promoção da Sustentabilidade de Espaços Sub-regionais (PROMESO) do Ministério da Integração Nacional e Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira, também do Ministério da Integração Nacional.

[3] Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes) – Rio Grande do Sul; Conselhos Regionais de Desenvolvimento Sustentável – Ceará; Audiências Públicas Regionais – Minas Gerais; Secretarias Regionais de Desenvolvimento – Santa Catarina; Participação e Orçamento Regionalizado – Espírito Santo; Territórios de Identidade – Bahia; Planejamento Participativo Territorial – Piauí; Plano de Desenvolvimento Territorial Participativo de Sergipe (PDTP); MT Regional – Mato Grosso; e, Planejamento Territorial Participativo – Pará.

[4] Ver: Costa, 2008 e Costa e Góes, 2009.

[5] Ver: Seir, 2007, Costa, 2008 e Costa e Góes, 2009.

[6] Sepof, 2007b, p. 2 e 3.

[7] Ver: Lima, 2007; Andrade e Fontes, 2007; Fontes, Andrade e Mesquita, s/d; e Malheiros, 2008.

[8] Conforme Lima, 2007, p. 30: “As regiões constituem-se em unidades de planejamento da ação governamental, visando a promoção do desenvolvimento do Estado, a redução das desigualdades e a melhoria da qualidade de vida da população paraense por meio da democratização de programas e ações de regionalização do orçamento.”

[9] Ver: Costa, 2008 e Costa e Góes, 2009.

[10] Conforme Lima, 2007, p. 31: “O PTP, portanto, objetivou consolidar um estado tonificado na democracia, na participação popular na gestão descentralizada, no empoderamento dos sujeitos e na preocupação com o desenvolvimento socioeconômico e cultural, visando a utilização dos recursos públicos em favor da inclusão social. Assim, o PTP se constitui enquanto um conjunto de atos realizados coletivamente para programas e ações do governo, oportunizando a descentralização da gestão pública e integrando os atores sociais nas decisões governamentais.”

[11] Os sete grupos de trabalho espelharam o modelo de gestão implantado, respeitando as 6 (seis) câmaras setoriais da Secretaria de Estado de Governo (Segov) – que possuem caráter consultivo e propositivo, com a finalidade de examinar e propor ao Chefe do Poder Executivo as ações de políticas públicas e ações estratégicas de caráter setorial – e a Secretaria de Estado de Integração Regional (Seir).

[12] Conforme Fontes, Andrade e Mesquita, s/d, p. 4: “Ao encerrar esta primeira etapa da participação popular em 12 de maio de 2007 no município de Belém, na Plenária Pública da Região Metropolitana, o Governo do Estado reafirma o interesse de governar com descentralização administrativa e com participação popular, reforçando o slogan ‘O Povo opina, o Governo ouve e o Estado faz’.”

[13] O Município de Mojuí dos Campos foi oficialmente emancipado de Santarém no dia 01.01.2010. Hoje o estado do Pará conta com 144 municípios.

[14] Lima, 2007, p. 35.

[15] Lima, 2007, p. 37.

 

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© Copyright Eduardo José Monteiro da Costa y Liane do Socorro Bastos Brito, 2010. 
© Copyright Scripta Nova, 2010.

 

Ficha bibliográfica:

Costa, Eduardo José Monteiro da y Liane do Socorro Bastos Brito. O Planejamento Territorial Participativo: a Experiência do Estado do Pará, Brasil. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2010, vol. XIV, nº 331 (37). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-331/sn-331-37.htm>. [ISSN: 1138-9788].
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