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Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. XVI, núm. 395 (4), 15 de marzo de 2012
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

ACOLHIMENTO DE FAMÍLIAS E MODOS DE APOIO À (PLURI) PARENTALIDADE

Fernanda Bittencourt Ribeiro
Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul
feribeiro@pucrs.br

Recibido: 15 de septiembre 2010. Aceptado: 21 de julio de 2011.

Acolhimento de famílias e modos de apoio à (pluri) parentalidade (Resumo)

A partir de dados relativos ao abrigamento de crianças no Brasil e dos discursos que preconizam a convivência familiar e comunitária como um direito da criança, interroga-se imaginários e práticas de intervenção que têm como alvo as famílias das crianças designadas em risco. Revisitando diferentes pesquisas realizadas em instituições do sistema de proteção à infância do Brasil e da França, nos anos 1990 e 2000, observa-se que as características de suas atuações apóiam-se em concepções acerca das famílias recebidas e de suas necessidades. Em conseqüência, argumenta-se que conceber as políticas de proteção às crianças como indissociáveis do apoio às famílias de origem, exige o desenvolvimento de práticas de suporte à parentalidade culturalmente adaptadas.

Palavras chave: proteção à infância, instituições, famílias, parentalidade.

Acogida de familias y formas de apoyo a la (pluri) parentalidad (Resumen)

A partir de datos relativos a la protección infantil en Brasil y de los discursos que predican la convivencia familiar y comunitaria como un derecho del niño/a, se interrogan imaginarios y prácticas de intervención que tienen como objetivo las familias de menores declarados en riesgo. Revisitando diferentes investigaciones realizadas en instituciones del sistema de protección a la infancia de Brasil y de Francia en los años de 1990 y 2000, se puede observar que las características de su actuación se apoyan en concepciones de las familias y de sus necesidades. En consecuencia, se argumenta considerar las politicas de protección infantil como inseparables del apoyo a las familias de origen  requiere el desarollo de prácticas de apoyo a la parentalidad culturalmente adaptadas.

Palabras clave: protección a la infancia; instituciones; familias; parentalidad.


Não se sabe exatamente quantas crianças e adolescentes vivem em abrigos no Brasil. Estima-se que 80 mil. Destas, calcula-se que aproximadamente oito mil estariam disponíveis para adoção, mas apenas 2.360 constam no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Este sistema de busca e orientação de procedimentos implantado em novembro de 2008 conta atualmente com 14.843 inscrições de pretendentes habilitados para serem pais adotivos preferencialmente de meninas brancas, saudáveis e de até três anos. 

Não se sabe exatamente por que estas crianças e adolescentes vivem em abrigos. Dados do IPEA de 2003 estimavam que 40% estariam abrigadas em função da pobreza. Para obter estas informações o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza encomendou, recentemente, um levantamento à Fiocruz. Com ele pretende-se também conhecer a qualidade e quais os serviços prestados por estas instituições. A realização desta “radiografia dos abrigos brasileiros” visa orientar a implantação do Plano nacional de promoção, proteção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária[1].

Se a realidade destes lugares de confluência comuns a tantas crianças e jovens brasileiros permanece tão obscura, o mesmo pode-se afirmar em relação ao que se sabe acerca de suas famílias de origem e, mais amplamente, de seus grupos de pertencimento. A partir de moralidades diversas, imagina-se bastante –supõe-se que abandonaram seus filhos, que são famílias desestruturadas, que têm mais filhos do que podem criar– mas pouco ou nada se sabe acerca de suas trajetórias, seus modos de vida, suas vulnerabilidades ou recursos que poderiam ser acionados em estratégias de ajuda[2]. O argumento que busco desenvolver preliminarmente neste artigo é o de que a implantação do referido Plano, assim como a busca consequente de alternativas à adoção não pode prescindir de explicitar, de trazer à tona através da multiplicação de pesquisas e de debates sociais, os imaginários partilhados acerca das famílias de origem de crianças e adolescentes que de alguma maneira (e elas podem ser diversas) ingressam no “sistema de proteção”. Formular claramente as idéias que circulam e que subjazem às práticas sociais que têm como alvo estas crianças e adolescentes talvez contribua para que a disposição de promover, proteger e defender os direitos de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária dialogue com as múltiplas realidades (culturais, morais, econômicas) que configuram seus universos cotidianos.

Para tanto me parece útil seguir a distinção estabelecida por Godelier[3] entre os domínios do imaginário e do simbólico[4]. Segundo o autor, o primeiro corresponde a um mundo feito de idéias, de imagens, de representações que são produto de interpretações sobre aquilo que representam. Enquanto um conjunto de interpretações, o imaginário é o pensamento que visa explicar a ordem ou a desordem que reina na sociedade. Já o domínio do simbólico corresponde aos meios e processos pelos quais as realidades mentais (imagens, idéias, julgamentos, proposições, intenções) encarnam-se nas realidades materiais e práticas que lhes conferem um modo de existência concreta, visível, social:

encarnando-se nas práticas e objetos que lhe simbolizam o imaginário pode agir, não somente sobre as relações sociais já existentes entre indivíduos e grupos, mas estar também na origem de novas relações que modificam ou substituem aquelas já existentes. O imaginário não é o simbólico mas ele só pode adquirir existência manifesta e eficácia social encarnando-se em signos e práticas simbólicas que dão origem a instituições que lhes organizam, mas também a espaços, a edifícios onde elas exercem-se[5].

Um caminho de elucidação do imaginário que se manifesta em práticas que, ideologicamente, constroem o Outro a quem se deseja ajudar é a análise dos espaços destinados ao seu acolhimento/atendimento e dos projetos formulados com esta intenção. No que segue, viso realizar um exercício analítico que tem como referência instituições de proteção à infância onde realizei pesquisa e que interroga seus objetivos e modos de intervenção tomados enquanto práticas simbólicas que dão acesso ao imaginário social sobre as populações recebidas e a natureza de seus problemas[6].

A título de hipótese, proponho que a escassez de alternativas à adoção com a qual o sistema brasileiro de proteção à infância opera indica um imaginário carregado de associações negativas acerca da família de origem das crianças abrigadas[7]. Se assim não fosse, como entender a expectativa social de que a aceleração dos processos de adoção viabilizada pelo CNA acabasse com os abrigos abarrotados? Ou a fácil transferência da responsabilidade no que concerne ao número de abrigados para o preconceito dos candidatos a pais adotivos? Caso estes casais não tivessem critérios tão de acordo com a norma da criança desejável, o problema estaria resolvido? Se as idéias que circulam, os subentendidos acerca das famílias de origem não fossem os mais negativos como entender que nestes mais de 20 anos de Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não se tenha cogitado, a exemplo de experiências de outros países, arranjos de colocação provisória em instituição, famílias substitutas ou modelos de práticas co-educativas? Por que a intenção de evitar a medida de internação transforma esta alternativa num mal em si mesmo? Ela não poderia ser apropriada em algumas situações como  de adoecimento, impedimentos relacionados ao trabalho ou grande crise familiar, por exemplo? Será que a discussão sobre os abrigos, os modos de internamento precisa, necessariamente, estar colada ao tema da adoção? A adesão ideológica aos princípios que individualizam a criança no seio da família não estaria obliterando a possibilidade de pensar alternativas à adoção? Por outro lado, a pluriparentalidade aceita como possível em situações familiares não designadas como “problema social” –as famílias recompostas de classe média, por exemplo– não poderia se constituir em princípio para arranjos alternativos baseados na intenção de apoio social a famílias pobres?[8]

Tomando a linguagem dos direitos como um referencial semântico genérico, que se traduz em políticas locais e modos de intervenção diversificados, interessa colocar em perspectiva diferentes contextos de apropriação e de significação deste referencial[9]. Com esta intenção o contraponto com a França é particularmente relevante, sobretudo em função das diferenças dos dois países no que concerne a prática da adoção plena. Enquanto no Brasil não faltam nem adotantes nem adotáveis (e ainda assim entre os adotáveis poucos serão de fato adotados), na França, como consequência das políticas sociais e de um serviço social que multiplicou formas de intervenção, faltam adotáveis.


Quando faltam adotáveis

Na sociedade francesa, desde a década de 60, o número de crianças adotáveis, os chamados pupilos do estado (os órfãos ou declarados abandonados ou entregues pelos pais para adoção) encontra-se em franca redução seja pela diminuição dos abandonos físicos precoces, seja pela pronta adoção da qual são objeto[10]. Na literatura que descreve o campo do atendimento à infância afirma-se que os pupilos do estado são virtualmente adotados antes mesmo de nascer, visto que pais adotivos esperam vários anos para ter uma criança[11]. A título de exemplo vejamos alguns dados referentes à região parisiense. Em 2002, 70 crianças foram admitidas como pupilo do estado. Destas, 58 não tinham filiação estabelecida e 47 foram admitidas com vistas à adoção. No mesmo ano foram recebidas 499 candidaturas a pais adotivos, das quais 483 foram aceitas. Também em 2002, contava-se em torno de 5.000 crianças colocadas em instituição ou família de acolhimento. Destas apenas 140 são pupilos do estado, ou seja, crianças adotáveis[12].

A grande maioria não adotável residirá em instituições ou família de acolhimento. O ingresso no sistema de proteção pode ser realizado em caráter de urgência ou preparado, ordenado por decisão da justiça ou solicitado pelos pais ou por um trabalhador social com o acordo dos pais (ou dos menores emancipados, ou jovens maiores de 21 anos). O serviço encarrega-se também de estabelecimentos que acolhem mulheres em dificuldade estando estas grávidas ou com crianças até três anos. As estruturas de acolhimento são públicas ou mantidas por um amplo setor associativo que, subsidiado pelo estado, atua em parceria com o Juizado da infância. Os serviços da  Aide sociale à l’enfance (ASE)[13]  podem encarregar-se de uma criança sob decisão administrativa ou judiciária. No primeiro caso, a partir de um contrato estabelecido com os pais e a criança, a ASE as acolhe provisoriamente. Esta modalidade admite portanto, a hipótese de que, por um determinado período, em função de dificuldades familiares de ordem psicossocial seja preferível que a criança ou o jovem resida separadamente de sua família de origem.

Na França, assim como em outros países europeus, desde o século XVIII o modelo da família conjugal foi sendo promovido em grupos populares mediante políticas públicas e sociais que asseguraram salários dignos, escolarização e sistema de saúde universal, auxílios a moradia e melhoria geral das condições de vida dos operários. Um dos resultados deste processo foi um progressivo enclausuramento em relação à sociabilidade de rua, a retirada da rede extensa de parentela e a compartimentalização dos espaços de seus membros[14]. Nas últimas décadas, com o incremento da crise econômica e o aumento do desemprego, os problemas sociais que envolvem as famílias pobres são descritos em termos de problemas de vínculo social. No que diz respeito à infância designada em situação de perigo o problema é entendido, sobretudo como decorrente do isolamento dos pais, em especial das mães que não têm com quem contar para garantir a plena satisfação das necessidades de seus filhos. Em 2004, o relatório do observatório departamental da ação social destacava em relação ao perfil das famílias denunciadas:

são as situações de risco que aumentam e não os maus tratos; assiste-se ao incremento de um fenômeno que progride há algum tempo: o aumento do número de famílias frágeis, seguidamente isoladas para oferecer aos seus filhos, condições satisfatórias de desenvolvimento; a precariedade relacional –isolamento social– é uma das características mais frequentes das famílias das crianças em perigo[15].

Decorrente desta percepção da fragilidade das famílias cujas crianças são designadas pelo sistema de proteção como estando em situação de risco, atualmente são preconizadas ações ditas de suporte à parentalidade[16], o que supõe apoiar os pais no exercício da função educativa e ajudar os jovens (sobretudo os adolescentes) em suas relações com os pais. Neste sentido são incentivadas, mediante subvenções, intervenções com foco na mediação, ajudas à domicílio, ações que visam dar lugar à vida familiar nas instituições de abrigo, desenvolver redes de escuta, apoio e aconselhamento engajadas na valorização e reforço das competências parentais. Neste país onde o desemprego coloca em risco de exclusão uma parcela significativa da população, o exercício da função parental está sendo visto como um suporte de inserção social –a retirada da criança da família contribuiria para a marginalização da família:

... é preciso ter consciência de que a criança é muito importante para sua família de sangue e que o desejo de conservar ou de educar esta criança é um dos raros recursos psicológicos suscetíveis de ajudar as famílias menos favorecidas a abandonar estratégias de fracasso. Seria então gravíssimo retirar-lhes esta riqueza para transferi-la a famílias privilegiadas.[17]

Assim, associada à noção de competência parental, utiliza-se um léxico que vindo do mundo do trabalho refere-se à função parental em termos de qualificação, especialistas em Ciências da Educação avaliam o grau de desqualificação e propõem modos de requalificação. Até os anos 60 as políticas sociais foram orientadas por princípios que preconizavam a separação da criança de sua problemática família e a colocação em instituição ou família de acolhimento. A separação era representada como benéfica para o desenvolvimento infantil e a ruptura rigorosa com um meio julgado nefasto era a medida dominante. Durante a década de 70, na esteira do maio de 68, o autoritarismo das relações entre as instituições de colocação de crianças e suas famílias foram fortemente denunciadas e o sistema abriu-se a uma maior participação dos usuários. Além disto, pesquisas de cunho psicossocial desenvolvidas nos anos 80 abalaram as certezas sobre o benefício da separação precoce e a manutenção dos laços familiares de origem é atualmente o objetivo dominante das políticas sociais.

Em contraste com a fragilidade relacional constatada como recorrente entre as famílias cujas crianças são designadas em situação de risco, cabe destacar que no Brasil, onde historicamente o estado jamais assegurou o bem-estar social conhecido na Europa até pelo menos a década de 70, os estudos junto a grupo populares urbanos apontam para valores constituídos pela preeminência da família, do parentesco, das redes de sociabilidade e ajuda mútua e do código relacional de reciprocidade[18]. É provavelmente sobre estes valores que a ajuda às famílias pobres pode apoiar-se a fim de buscar alternativas de colocação de crianças que coexistam com alternativas como a da adoção.


Quando proteger a criança significa escutar os pais

A quem se destina o Centro?
A pais porque tornar-se pai/mãe nem sempre é fácil. As crianças não se comportam sempre como imaginávamos, elas podem surpreender, inquietar, sofrer... Porque há na vida das famílias acontecimentos inesperados, momentos de fragilidade, solidão, isolamento... Porque acontece de estarmos separados de nossos filhos: divórcio, decisão do Juiz da infância, doença de um dos pais, prisão...
A crianças porque às vezes temos necessidade de falar com outras pessoas que não são nossos pais... Porque os pais não são os únicos adultos que ajudam e protegem as crianças... Porque às vezes não podemos viver com nossos pais, mas temos necessidade de vê-los.
http://www.cfpe.asso.fr/article.php3?id_article=131

Antes que a intenção de manutenção do vínculo familiar ou o desenvolvimento de práticas de suporte à parentalidade se tornasse o discurso dominante no campo de proteção à infância na França, noções muito próximas a estas já orientavam o modo de intervenção preconizado pela associação Alésia 14 (atualmente CAP Alésia). Isto porque a atuação deste serviço, formado por uma equipe de psicólogas, parte do pressuposto de que uma família, um pai ou mãe maltratante são antes de tudo pessoas que precisam ser tratadas e ajudadas. O texto acima citado e retirado do site de apresentação do serviço já indica algumas idéias particularmente interessantes para uma discussão que, na intenção de pensar alternativas à adoção, se coloque um pouco fora da lei no que se refere à perspectiva individualizante que subjaz à linguagem dos direitos da criança. Por exemplo, admite-se que ser pai ou mãe possa ser difícil e que a criança, de acordo com suas características, sua personalidade possa participar da dificuldade da tarefa. Considera-se que determinadas circunstâncias da vida familiar também colocam problema para a relação entre pais e filhos. Na perspectiva da criança, entende-se que os pais não são, necessariamente, as únicas pessoas com quem podem ou devem contar. E, sobretudo para o que aqui nos interessa, viver separado dos pais não exclui a necessidade de encontrá-los e para tanto a sede desta associação se coloca como um lugar de encontro. Toda esta perspectiva compreensiva em relação às dificuldades familiares está ancorada numa abordagem teórica da ocorrência dos maus-tratos intra-familiares que os associa a uma patologia que precisa ser tratada. De acordo com o relato das criadoras do serviço, a abordagem por elas proposta foi vista com bastante restrição por outros agentes do campo que tendiam a alimentar um imaginário que pode ser resumido aos termos de criança mártir X pais carrascos.

No entanto, em que pese suas posições não terem na época um amplo respaldo, alguns textos como o “relatório Bianco-Lamy” que em 1980 avaliou os serviços da ASE contribuíram para a criação de Alésia 14.  Este relatório ministerial, respondendo as críticas que marcaram a década de 70 quanto a arbitrariedade e o autoritarismo das práticas do trabalho social, concluía que um número excessivo de crianças eram tiradas de suas famílias antes que lhes ofereça meios que poderiam evitar a separação, que após a separação e a colocação da criança em instituição ou família substituta, muito frequentemente a família de origem continuava sozinha com suas dificuldades e que muitas decisões eram tomadas sem que a criança e a família tenham sido ouvidas: “É imperativo: o retorno à autonomia das famílias, o mais rápido possível.”[19]. Ao longo da década, as medidas tomadas passam a evidenciar a preocupação em conjugar ajuda à família, respeito aos direitos dos usuários dos serviços públicos de atenção à infância e a prevenção dos maus tratos. Nos anos seguintes o Ministère des Affaires Sociales et de la Solidarité Nationale subvencionou estruturas e serviços destinados a melhorar a prevenção dos maus tratos –lugares de acolhimento e de encontro para pais e crianças, consultas especializadas, serviços de escuta telefônica e redes de solidariedade para ajudar famílias em dificuldade. A ideia de que a verdadeira prevenção passa antes de tudo pela ajuda oferecida às famílias começava a ganhar terreno e se expressa atualmente pelo ideal de bientraitance[20] preconizado em termos da relação entre profissionais (agentes de proteção) e famílias usuárias do sistema.

Neste contexto do início dos anos 80, uma equipe que já trabalhava num serviço de colocação de crianças em famílias de acolhimento criou Alésia 14 em 1984. O modo de atuação proposto conjugava uma permanência de escuta telefônica destinada a pais em dificuldade com uma rede de voluntários engajados em apoiar pontualmente e por períodos mais ou menos longos tanto pais que vivem com os filhos, mas passam por períodos de dificuldade, quanto aqueles que se encontram provisoriamente separados. Além destas duas modalidades de suporte, a equipe oferecia a possibilidade de entrevistas clínicas e encontros mediados por profissionais nas dependências da associação. O ponto de partida da criação do serviço foram  os depoimentos de familiares recebidos no dispositivo de colocação terapêutica de crianças em famílias de acolhimento. Depois de vários anos de experiência na atividade de escuta e de mediação das relações entre famílias de origem e famílias de acolhimento, as psicólogas passaram a perguntar sistematicamente às primeiras, o que lhes havia marcado em relação ao funcionamento deste lugar. A resposta recebida foi surpreendente: o que mais ficou na memória não era o que tinha sido construído em termos profissionais, mas o que estava para além disto, o que tinha passado nos interstícios das ações, o que foi percebido como convivialidade, calor humano –o fato de ser considerado como uma pessoa e não necessariamente como alguém psíquica e gravemente doente[21]. Vale destacar que a entrada no serviço mediante um telefonema que pode permanecer anônimo revela-se adaptado à intenção de acolher sem desqualificar pais passíveis de serem estigmatizados enquanto maltratantes. Ao utilizar este instrumento de comunicação que é o telefone, a equipe afirma sua disposição de construir uma prática na qual as relações entre profissionais e usuários baseiam-se numa aliança em nome do bem estar da criança, longe das representações do controle e/ou da punição frequentemente associados aos modos clássicos de intervenção[22]

Passados 15 anos de atuação do serviço, um estudo multidisciplinar foi realizado com a intenção de analisar os modos de intervenção utilizados. Um dos eixos da pesquisa envolveu a leitura da correspondência enviada por familiares ao serviço e a realização de entrevistas com pais e mães acompanhados por mais de um ano e cujas crianças tinham menos de seis anos. As cartas enviadas espontaneamente correspondem a acompanhamentos de longa duração e tiveram como principal motivação o desejo de dar notícias à equipe tanto em momentos de prazer e realização familiar (férias, batizados...), quanto diante de novas dificuldades. Em relação aos depoimentos obtidos mediante entrevistas lê-se na conclusão do estudo:

Os pais são unânimes quanto ao acolhimento caloroso e a disponibilidade da estrutura num momento em que estavam psicologicamente em grande dificuldade. Vários elementos contribuíram para tanto: sentirem-se aceitos tal como estavam neste momento de suas histórias, sentirem-se compreendidos, redescobrirem-se capazes de estar em relação com os outros, permitirem-se ter prazer na relação com a criança. Este acompanhamento foi vivido como revelador de seus recursos potenciais, o que para alguns se traduz na impressão de trabalhar sobre o aqui e agora sem retorno sobre o passado. Além disto, o acompanhamento pelos voluntários permitiu aos pais de irem em direção ‘ao exterior’, à vida social.[23]

Assim, o exemplo de Alésia 14 permite –além de evidenciar um modo de intervenção apoiado num imaginário que situa as famílias de crianças designadas em risco ou em perigo no registro da necessidade de escuta e de apoio– demonstrar a adoção de princípios de hospitalidade como norteadores de uma intervenção destinada a famílias fortemente estigmatizadas. A saber, aquelas sobre as quais pesa a suspeita dos maus tratos e cujos filhos encontram-se sob proteção de agentes externos ao entorno familiar. A hospitalidade, em sua dimensão coletiva − para além do domínio religioso que a associa à caridade ou do registro moral que a identifica com uma virtude burguesa − e no campo da proteção social reveste-se de um conteúdo político. Godbout[24] num artigo em que insere o tema da hospitalidade na dinâmica do dom observa:

O que é a hospitalidade? Certamente é um encontro, mas nem todos os encontros são fundados em hospitalidade. Sua característica essencial é o de ser um encontro onde os protagonistas não têm o mesmo estatuto. Um é recebido, o outro recebe. Esta diferença de estatuto cria uma instabilidade no coração da prova de hospitalidade. (...) A hospitalidade deve ser ao mesmo tempo a afirmação do universal e o reconhecimento –no seu sentido mais forte– das diferenças, sem o que não falaríamos de hospitalidade, mas de espaço comum, imenso espaço neutro onde talvez não fosse bom viver[25].

Pela via da escuta telefônica anônima e gratuita a intervenção realizada pela associação Alésia 14 contorna o paradoxo da hospitalidade que, segundo Derrida, torna a acolhida incondicional dificilmente realizável: “A hospitalidade pura, o acolhimento do outro sem condição e sem pergunta, traz uma ameaça intrínseca de perversão. (...) De fato, aquele que acolho pode ser um violador, um assassino (...) eventualidades estas que não podem ser excluídas”[26]. Acolhendo inicialmente por telefone a equipe se utiliza deste meio de comunicação como vetor para o anúncio do tipo de relação que deseja estabelecer e prescinde inicialmente do encontro face a face, num determinado espaço físico.

Em outro trabalho[27] argumentei pela relevância da atenção aos espaços de acolhimento como via de acesso a um discurso social[28]  sobre a população acolhida. Em contraponto a hospitalidade entendida como relação social e tematizada por pesquisas em contextos institucionais[29], a hostilidade dos lugares de atendimento/acolhimento nos remete a outra dimensão simbólica da relação entre o campo da proteção à infância e as famílias designadas de risco. Partindo da noção de que o espaço “está submetido a uma semântica que revela o social e nos é revelada por ele”[30]  me parece possível interrogar o que a sociedade expressa através dos espaços destinados à proteção e garantia dos direitos da criança. Voltando minha atenção para o espaço nas instituições de proteção à infância onde realizei pesquisa de campo –um Conselho Tutelar de Porto Alegre, a associação Alésia 14 e outra associação francesa (CAVAL), destinada a famílias ditas monoparentais em dificuldade e que será apresentada a seguir[31]– propus que tomemos as características, usos e percepções do espaço em instituições de proteção à infância enquanto parte do discurso social sobre as origens de crianças/jovens designados em situação de risco.

Os Conselhos Tutelares, após vinte anos de implantação do ECA, são hoje lugares por onde transitam os familiares das crianças tanto na condição de denunciantes de violação de direitos ou solicitando ajuda, quanto na de acusado de violação ou responsável por uma criança designada em situação de risco. Com bastante frequência veículos de mídia noticiam a falta de condições de funcionamento dos lugares ocupados pelos CTs, a degradação e mesmo insalubridade dos espaços[32]. Em Porto Alegre, ainda que alguns Conselhos tenham tido melhorias em suas instalações ao longo do tempo, as características destes espaços os aproximam bastante dos prédios destinados pelo poder público a delegacias de polícia ou postos de saúde.

Por outro lado, o rearranjo institucional promovido pelo ECA também incidiu sobre espaços de residência. No Rio Grande do Sul isto se traduziu pelo desmonte das grandes instituições e a construção de pequenas unidades residenciais cujo funcionamento deve buscar uma dinâmica o mais próxima possível de uma família[33]. Atualmente, as que se aproximam mais deste ideal, as chamadas casas-lar, nas quais as características do espaço físico imitam o de uma casa e as relações evocam os laços de parentesco (pais e mães sociais); encontram-se a minoria de crianças que não mantém mais vínculos com suas famílias de origem. Aquelas para quem ainda são vislumbradas possibilidades de reintegração familiar encontram-se nas instituições tradicionais, entre as quais estão as estruturas mais hostis e degradadas[34].

Quando perguntamos sobre o lugar da hospitalidade ou da hostilidade nos acolhimentos (de passagem ou de residência) estamos indiretamente abrindo espaço para uma discussão na qual receber crianças pressupõe também receber histórias familiares diversas. Estes exemplos permitem a hipótese de que o atendimento ou o acolhimento no campo da proteção à infância conjuga dificilmente proteção às crianças e intenção de apoio, suporte ou ajuda às famílias de origem, predominando lógicas punitivas ou pedagógicas que favorecem a produção de hierarquizações e de identidades estigmatizadas.

No que segue tomarei o exemplo de outra associação do sistema francês de proteção à infância a fim de continuar explorando imaginários sociais acerca das famílias de origem das crianças designadas em perigo. Diferente de Alésia 14, neste serviço prevalece a noção de que a proteção das crianças exige uma transformação nas normas e no modo de vida familiar. Para tanto o projeto institucional se vale da particularidade do local de acolhimento –uma ilha situada na costa oeste da França– e do fato de receber além da criança ou grupo de irmãos, um dos seus pais. Decorrente desta definição de um acolhimento reservado a famílias monoparentais observa-se a artificialidade de uma configuração familiar que, ao tornar-se foco de políticas sociais, acaba, paradoxalmente, por ser promovida pelas mesmas.


Quando proteger a criança significa educar os pais

CAVAL é a sigla de Centro Autogerido de Vela e de Animação Local. Trata-se de uma associação criada em 1976 e que recebe subsídios da ASE para o desenvolvimento de projetos de intervenção social junto a crianças, jovens e famílias. As instalações desta associação estão localizadas na ilha d’Yeu, na costa oeste da França, a 23 km do continente[35]. Atualmente os projetos lá desenvolvidos incluem principalmente, uma escola de kayak e vela destinada a grupos de jovens residentes em instituições de fora da ilha; estadias de 12 dias de férias para famílias cujos filhos são atendidos pelos serviços da ASE, e que eventualmente residem separados dos pais, em instituição ou família de acolhimento; residência provisória de famílias ditas monoparentais. A implantação destes projetos se deu na ordem aqui apresentada: tudo começou com a escola de vela para jovens, em 1980 foi criada a estadia de férias e em 1989, o acolhimento de famílias residentes. Durante dois anos de pesquisa de campo retornei regularmente a esta instituição (15 dias a cada dois meses) e residi com as famílias na casa coletiva. Além da observação participante que estes períodos de estadia me possibilitaram tive acesso autorizado aos dossiês de todas as famílias que lá residiram entre 1989-2000.


Acolhimento de famílias e insularização do projeto

Em 1983 a associação já contava com uma casa destinada à estadia dos jovens que vinham para a ilha realizar estágio de vela. A maioria destes adolescentes residiam em instituições localizadas no continente e suas famílias, nos grandes conjuntos habitacionais da periferia de Paris. Cabe registrar que desde o início dos anos 70 estes locais de residência são objeto de críticas e “tornaram-se o alvo de discursos os mais estigmatizantes, inclusive os violentos discursos de erradicação”[36]. No que se refere às conseqüências destas representações sobre o projeto da associação CAVAL podemos afirmar que seus desdobramentos, ao longo dos anos 80, corroboram as análises de Bourdieu a propósito dos efeitos estigmatizantes dos lugares: «nada é mais intolerável do que a proximidade física (vivida como promiscuidade) de pessoas socialmente distantes»[37].  A ilha d’Yeu é reputada pelo predominante conservadorismo de sua população residente e conhecida como um lugar de descanso e lazer no qual famílias de razoável poder aquisitivo construíram residências secundárias. Os próprios fundadores de CAVAL, que se autodefinem como utopistas da geração de 68, vinham passar férias na ilha e conceberam o projeto da escola de vela com a intenção de abrir a ilha para pessoas que normalmente não teriam acesso. No entanto, nos primeiros anos de implantação do projeto, a população local demonstrou seu descontentamento com os visitantes trazidos por CAVAL. Atualmente, na memória local, o período de acolhimento dos “adôs” é lembrada como uma época de muitos problemas. Uma residente da ilha falando deste período me diz:

O problema eram os adolescentes da periferia de Paris, eles vinham e não eram suficientemente enquadrados, eles portavam facas, eram realmente perigosos, nós não estávamos habituados a isto na ilha e não queremos que venham tirar nossa tranquilidade. 

Foi pelo fato da população da ilha não suportar mais a presença dos jovens que a associação começou a converter o projeto para o acolhimento de famílias. Desde o projeto original, a ilha é tomada como uma parceira do projeto institucional. No entanto, enquanto o alvo da intervenção da associação foram os jovens, o projeto sociopedagógico, apoiado nas características do espaço insular esteve voltado para atividades náuticas: “um acesso privilegiado ao mar reforça as chances de revalorização individual e de abertura aos outros”[38]. Nele não se faz referência à insularidade quanto ao seu potencial “envelopante” ou fechado; a punição ou a correção –estas duas palavras historicamente associadas aos “encontros” entre as ilhas e as classes populares.

Com a conversão para o acolhimento de famílias como objeto principal da intervenção, o sítio insular foi valorizado por seu aspecto ao mesmo tempo “fechado e familiar”[39]. Enquanto o mar e suas promessas de evasão ocupam um lugar central no projeto de acolhimento dos jovens, no que é proposto às famílias monoparentais ele torna-se o signo de uma ruptura que permite o reencontro familiar. Nesta perspectiva o mar é utilizado com a intenção de marcar uma ruptura, criar «um antes e um depois, um futuro, que suscita uma história familiar, antes, durante a ilha d’Yeu e depois.»[40]. Nesta nova forma de intervenção, observa-se uma aproximação entre as palavras utilizadas para descrever a topografia do lugar de acolhimento e a população recebida. Assim como a etimologia da palavra ilha remete à noção de isolamento, no projeto institucional esta palavra serve também para descrever a condição de vida e a problemática social subjacente à residência de uma família neste serviço.


Uma questão de monoparentalidade?

Entre 1989 e 2002, ao menos 55 famílias ditas monoparentais em dificuldade (53 mães, dois pais e 98 crianças) residiram nesta instituição por em média 15 meses. Como já foi observado, a maioria das famílias acolhidas neste serviço são oriundas da periferia de Paris e, portanto a residência na instituição subentende um distanciamento em relação ao meio social de origem. As mães residentes têm entre 21 e 36 anos, suas famílias são francesas de origem maghrebina, antilhesa, da ilha da Reunião e há mais de uma geração suas trajetórias são marcadas pela relação com os serviços sociais. Na ocasião em que se mudaram para esta instituição, nenhuma delas tinha um trabalho, todas dependiam da ajuda do Estado, suas condições de moradia eram precárias ou provisórias, seus companheiros frequentemente estavam desempregados e são descritos como alcoólatras ou drogados, depressivos ou violentos. Foram os trabalhadores sociais com os quais estavam em contato que lhes propuseram esta alternativa de residir por um período nesta associação da ilha d’Yeu a fim de evitar que as crianças fossem colocadas ou continuassem vivendo em instituição ou em família de acolhimento. Mesmo se suas condições psicossociais (alcoolismo, moradia precária, desemprego) ou relacionais (conflitos no casal e com a família extensa, suspeita de negligência ou de maus tratos contra as crianças) tenham sido designadas como um risco ou perigo para as crianças, os trabalhadores sociais estimaram que a colocação em instituição tradicional, separados da mãe ou em família de acolhimento, não era uma medida apropriada. Ainda que os jovens continuem vindo à ilha d’Yeu participar de estágios promovidos pela associação pode-se afirmar que a partir de 1983 houve uma guinada no principal objeto de intervenção de CAVAL que volta-se às famílias monoparentais. Esta mudança coincide com a utilização desta categoria monoparental tanto pelos estudos demográficos[41] quanto pelas políticas sociais.

Conforme Lefaucheur a noção família monoparental foi criada nos países anglossaxões com a intenção de dar visibilidade a estas unidades enquanto uma configuração familiar possível e não «como uma das formas desviantes da unidade doméstica 'normal'»[42] Concomitantemente à utilização sociológica desta definição, a legislação francesa sobre o divórcio foi modificada (1975) e a política social e familiar adotou medidas voltadas aos pais ditos «isolados» tais como a reorganização de estruturas de abrigamento para mulheres sozinhas com filhos e a criação de benefícios específicos como a alocação para órfão e mãe/pai isolado. Neste contexto de transformações legais e de incremento da ajuda social voltada as famílias pobres:

Esta expressão permitia designar tanto a clientela potencial ou real [dos] estabelecimentos [de caráter social] quanto seus ‘problemas’ –isolamento, dificuldades psicossociais– justificando sua existência e definindo a finalidade, mas ela permanecia suficientemente vaga para poder corresponder uma grande diversidade de práticas[43].

De acordo com a autora, situando o conceito na continuidade do tratamento social às «mães solteiras», observa-se ao longo dos anos 80, a rápida assimilação das «famílias monoparentais» como sinônimo de  «famílias anormais» geradoras de problemas para o desenvolvimento infantil. Assim, as representações em torno da personalidade, dos problemas psicossociais da mãe solteira e dos problemas identificados nos filhos de mães solteiras foram transpostos às famílias monoparentais. Durante os anos 80, a «família monoparental» tornou-se alvo de políticas sociais e familiares, uma categoria de apresentação de dados demográficos e objeto de pesquisa em ciências humanas. Neste último registro, em particular quanto a adoção do conceito para delimitar uma população que justifique modos de intervenção, duas observações recorrentes na bibliografia são particularmente pertinentes no caso do projeto implantado por CAVAL. Primeiro, o fato da configuração monoparental não ser «um estado, uma situação estável mas ‘um momento’, um espaço tempo no desenrolar de uma trajetória familiar»[44]. Em segundo lugar, o risco que sua utilização representa ao enfatizar a solidão ou o isolamento mais do que o sexo do chefe de família[45]. De acordo com Lefaucheur, isto contribui para ocultar as relações sociais de gênero que regem a produção e a educação das crianças, assim como as condições de pobreza de mulheres sozinhas em relação a quem a monoparentalidade é percebida socialmente como a causa de seus problemas[46].

A etnografia realizada ao longo de dois anos nesta estrutura de acolhimento e a leitura atenta dos dossiês das famílias permitem afirmar que as mães e os pais que aceitaram a alternativa de vir residir na ilha como forma de evitar a separação dos filhos (que continuariam ou passariam a viver em instituição ou família de acolhimento) encontravam-se na ocasião sem trabalho e residência fixa, além de não poderem contar com a ajuda de alguém da parentela ou com um companheiro/a que lhes apoiassem no atendimento das necessidades das crianças. Como outros estudos demonstram, a falta de trabalho, de moradia, de apoio dos ascendentes e as relações familiares e conjugais conflituosas são vulnerabilidades tradicionalmente inscritas nas trajetórias de pais de crianças colocadas em dispositivos de abrigamento[47]. A novidade, para as famílias acolhidas em CAVAL, foi justamente esta possibilidade de escolher não se separar das crianças numa situação em que as capacidades parentais já estavam desacreditadas. Aceitando esta alternativa na qual o distanciamento do meio social de origem garante a economia da separação, os pais (na grande maioria das vezes, a mãe) parecem utilizar a última carta que lhes confere status social: ser a mãe ou o pai de alguém.

Quanto à monoparentalidade, a leitura dos dossiês deixa ver que no momento da admissão em CAVAL, 75% das mulheres não estavam de fato separadas mas numa relação conjugal conflituosa com o pai dos ou de pelo menos o último dos filhos. Estas relações fazem parte da problemática familiar na qual a/as criança/as foi considerada em perigo. Em todas as situações em que se observa a participação do homem na configuração da problemática familiar, podemos perguntar se a noção de família monoparental é apropriada e permite de fato definir estes modelos de família. A monoparentalidade nestes casos define principalmente a situação de uma mãe cujo companheiro não é considerado em condições de lhe ajudar a assegurar a proteção das crianças. Em relação àquelas que não estavam separadas no momento do deslocamento para a ilha d’Yeu, pode-se afirmar que foi a partir daí que a família tornou-se monoparental quanto a configuração da residência. Por outro lado, a categoria monoparental que lhes confere um lugar nesta estrutura de acolhimento torna invisíveis as relações familiares e sociais que contextualizam o deslocamento e fixam na condição de  mãe sozinha  uma realidade conjugal dinâmica. Nestes casos, a monoparentalidade, longe de esclarecer os modelos familiares que encontramos neste serviço, indica um dos objetivos da estadia na ilha: que as mães tornem-se autônomas no cuidado de seus filhos tomando distância de relações familiares e conjugais que não contibuem para a boa realização das tarefas parentais.

 
É difícil ficar, é difícil partir 

A intervenção realizada em CAVAL tem como foco o cotidiano da vida familiar. Ainda que acompanhadas da mãe ou do pai, as crianças estão sob a responsabilidade do diretor da instituição, representante legal do juiz da infância. O período de residência no serviço é dividido em duas etapas: a residência numa casa coletiva onde cada família ocupa um pequeno apartamento (quartos, sala e banheiro) e divide outros espaços coletivos como cozinha, sala de refeições, lavanderia e pátio com outras famílias residentes. Passados em torno de cinco meses de vida em coletividade, cada família é transferida para uma casa individual também localizada na ilha. Durante todo o período de residência no serviço as famílias são acompanhadas, cotidianamente, por uma equipe educativa formada por cinco educadores, quatro assistentes maternais, uma psicóloga e jovens estagiários. O cotidiano das interações entre adultos/crianças residentes e equipe educativa expõe a complexidade implicada na justaposição entre a instituição família e um serviço de proteção à infância. A ambiguidade da posição dos pais, a quem se assegura o lugar ao lado dos filhos, mas cujo acompanhamento diário por educadores mantém em suspenso o reconhecimento social acerca de suas capacidades educativas, é fonte de tensões permanentes[48].

A passagem pela ilha é representada no projeto institucional como a ocasião para uma virada de página na vida familiar. Pretende-se que a mãe/pai internalize novas normas de vida familiar no que concerne à rotina das crianças, a alimentação, a separação entre a função parental e a vida conjugal. O período vivido em coletividade é justificado como uma forma de educação para a vida em sociedade, a convivência cordial com a vizinhança em oposição a um passado que vivido nos grandes conjuntos habitacionais da periferia de Paris é, supostamente, violento. Predomina portanto neste modo de intervenção uma abordagem sociopedagógica. No discurso das mães residentes prevalece o argumento de que aceitaram esta alternativa que implicou no deslocamento para a ilha a fim de viver junto aos filhos. Vale observar que ser ou ter sido uma criança «placée» (colocada) permanece, na França contemporânea, uma fonte de vergonha social[49]. Assim a passagem pela instituição dá aos pais a possibilidade de poupar os filhos de um pesado estigma. Ainda que de fato as crianças estejam “placées” na instituição o fato de estarem acompanhados de um dos pais permite-lhes a elaboração de um discurso positivo sobre si.

A partir dos dossiês das famílias residentes constata-se que 1/3 das que foram admitidas desde 1989, partiram antes de completar três meses de estadia. A principal dificuldade de permanência está relacionada à vida insular e em coletividade. Facilmente, os adultos sentem-se presos na ilha e não suportam o que percebem como vigilância e controle por parte dos educadores. As que ficam falam em termos de sacrifício, em prova de suas capacidades parentais ou do que são capazes de fazer por seus filhos. Como observei anteriormente, a maioria que permanece, reside na instituição por, em média, quinze meses, mas não são raras as longas estadias, de três a sete anos. Entre estas é consenso a opinião de que é difícil partir. Se levarmos em conta o isolamento social, a miséria relacional descrita como principal problema dos pais das crianças designadas em risco atualmente na França, a dificuldade de partir deste abrigamento familiar torna-se coerente. Ainda que a vigilância cotidiana, a intromissão de educadores no modo de vida dos adultos ou a pesada suspeita de maus tratos aos filhos, possam ser profundamente incômodas, durante este período vivido na instituição, os pais das crianças abrigadas tiveram com quem contar. Pode-se pensar que os objetivos pedagógicos da intervenção são suportados por adultos que se encontram solitários na função parental. A partir das trajetórias de crianças colocadas (em instituição ou família de acolhimento) Cadoret[50] observa que as dificuldades de suas famílias relacionam-se, sobretudo ao fato de que um adulto não é suficiente para assumir todos os papéis parentais. A colocação da criança, em sua interpretação, testemunha «a miséria afetiva ou (e) social da genitora» que não pode contar com a aliança conjugal ou o suporte de uma outra linhagem para assumir a tarefa parental. As situações familiares que conheci em CAVAL corroboram esta interpretação e trazem a tona a difícil conciliação entre os propósitos de suporte a parentalidade e a garantia de autonomia familiar em relação ao cuidado com as crianças. Ou seja, a tênue fronteira entre ajuda e intervenção moralizante. Além disto, diferentes situações do cotidiano desta instituição expõem a tensão permanente entre a condição de tutelado dos pais e a legitimação de suas autoridades sobre os filhos. Apesar de não ter acompanhado as trajetórias destas famílias após suas passagens pela ilha d’Yeu, as notícias que tive a respeito de algumas delas indicavam a permanência de suas vinculações aos serviços de assistência social.

Ao concluir este trabalho no qual revisitei contextos de pesquisa com o intuito de identificar imaginários e práticas de intervenção que têm como alvo as famílias das crianças designadas em risco adoto um tom duplamente propositivo. Primeiro no que se refere à busca por alternativas consequentes de apoio social e, segundo, quanto a temas de pesquisa que possam subsidiar as atuais intenções de manutenção dos vínculos familiares. Pensar a proteção às crianças como indissociável do apoio às famílias inclui o desenvolvimento da reflexão em termos de modos de suporte à parentalidade culturalmente adaptados. Neste sentido e conforme o que já foi apontado no início deste trabalho, cabe elucidar ou dar visibilidade aos imaginários que subjazem, são produzidos ou atualizados nas práticas simbólicas dirigidas às famílias das crianças que se entende necessário proteger. Por outro lado, na contracorrente da recusa etnográfica apontada por Claudia Fonseca[51] em relação aos temas de pesquisa priorizados pela antropologia brasileira nos últimos 20 anos, é fundamental o incentivo ao desenvolvimento de pesquisas que tenham como objeto as dinâmicas familiares, as práticas de cuidado e os modos de vida de grupos populares urbanos. Isto não com o intuito de transformá-los, educá-los ou qualificá-los, mas como “contrapeso a estereótipos que tenderiam a reduzir essa parte da população a um nível pré-cultural de existência”[52].

Quanto à busca por alternativas de intervenção cabe interrogar se a preferência pela manutenção dos laços familiares de origem deve excluir, necessariamente, formas de apoio temporárias como, por exemplo, a colocação provisória sob demanda de familiares ou modos de internamento que coexistam com a manutenção das relações familiares[53]. Atualmente no Brasil, nas situações familiares mais dramáticas em termos das possibilidades de apoio vindo da família extensa, a opção, na perspectiva dos pais, parece limitar-se a autorizar a adoção plena e abdicar (mesmo que involuntariamente[54]) da filiação ou a permanência indefinida da criança em abrigo[55]. No entanto, alternativas mais flexíveis –lares substitutos[56], famílias de acolhimento ou modos de internamento provisório– não são novidades históricas, nem experiências absolutamente estranhas, mas ainda pouco estimuladas e apoiadas pelas políticas de proteção à infância[57]. Pesquisas[58] apontam para o fato de que historicamente as instituições de internamento faziam parte das opções educativas de parcelas importantes da sociedade brasileira. A partir de 1990, o ECA preconiza o abrigamento como medida provisória e excepcional. De fato esta legislação teve um de seus pontos de apoio na luta contra a institucionalização de crianças e o desmonte das grandes estruturas. Os importantes avanços neste sentido poderiam, no entanto ser conjugados com a diversificação de modos de guarda que, no espírito do Plano Nacional de Convivência Familiar, defendam a manutenção dos laços familiares como medida protetiva tanto das crianças quanto de seus familiares. A colocação de uma criança em adoção é uma medida radical que implica na anulação da filiação biológica, na transferência total e irrevogável dos direitos dos pais e, portanto na substituição do vínculo parental em sentido amplo. Ou seja, trata-se de uma intervenção que incide, definitivamente, sobre a identidade social original. Propor alternativas a esta medida radical exige conceber arranjos que permitam separações provisórias conjugadas com efetivos apoios sociais em termos de moradia e renda; soluções de guarda em função de necessidades de trabalho ou adoecimento; concepção de práticas coeducativas ou a incorporação da possibilidade da circulação de crianças. Dito de outra forma, além de medidas estruturais que possibilitem, por exemplo, a distinção (ao menos mais clara) entre pobreza e o que no campo do atendimento é designado como negligência, construir social e culturalmente um leque flexível de alternativas adaptado a diversidade das necessidades de ajuda.

 

Notas

[1] Estes dados foram publicados na Gazeta do Povo (PR) em 26/04/2009, no Jornal do Brasil (RJ) em 29/04/2009 e divulgados no boletim diário da Agência de notícias dos direitos da infância (ANDI) - resumo de notícias sobre crianças e adolescentes, publicadas em mais de 80 revistas e jornais brasileiros. Atualizado diariamente, de segunda a sexta-feira. http://www.andi.org.br.

[2] Interlocuções em sala de aula e entrevistas realizadas recentemente junto a conselheiros tutelares de Porto Alegre me levam a pensar que a noção “família desestruturada” persiste enquanto idéia que circula em relação às famílias das crianças e adolescentes atendidos pelo sistema de proteção à infância. E por consequencia como explicação para os problemas sociais. O adjetivo “desestruturada” (em contraposição à família nuclear moderna) segue resumindo, sem maiores detalhes, as características daquelas famílias cujos filhos necessitarão seja da proteção tutelar do estado, seja de seu aparato dito socioeducativo.

[3] Godelier, 2007.

[4] No livro «Au fondement des sociétés humaines» (2007) Godelier retoma as principais teses de sua obra e descreve a sociedade do século XXI na qual o antropólogo exerce seu ofício. Argumentando que as noções de imaginário e simbólico se confundem nas teorias antropológicas, o autor propõe uma distinção que aqui retomo por considerá-la didática para a análise do campo de atendimento à infância.

[5] Godelier, 2007, p. 38-39. A tradução de textos cuja referência bibliográfica encontra-se em francês foi feita pela autora.

[6] Em outros trabalhos descrevi detalhadamente a trajetória de pesquisa e minha inserção como pesquisadora nas instituições que serão referidas a seguir (Ribeiro, 2007b, 2007c).

[7] Esta hipótese é inspirada nas interpretações de historiadores franceses acerca da visão negativa das classes populares naquele país. A partir de um estudo baseado nos arquivos de polícia da França do século XVIII, Farge interroga as maneiras de descrever as classes populares e mostra que de forma recorrente elas são representadas como «animalescas. Crédulas, supersticiosas e sem inteligência». Num Colóquio sobre o tema, a historiadora considera que apesar do discurso dominante sobre os pobres e seus filhos ter mudado muito desde então, a sociedade francesa contemporânea permanece herdeira das formulações de outra época. Por isso, argumenta a autora «só podemos compreender o presente através de todo este sistema mental que pesa sobre nossos ombros.» (Farge, 1991). Ao invés de aplicar estas conclusões ao Brasil, parto delas para interrogar as visões relativas às classes populares neste país.

[8] No presente artigo não são avaliados os possíveis efeitos da lei nº 12.010 aprovada no Brasil em agosto de 2009. Esta lei que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes” (art. 1º) e determina que a intervenção estatal “será prioritariamente voltada à orientação, apoio e promoção social da família natural, junto à qual a criança e o adolescente devem permanecer, ressalvada absoluta impossibilidade, demonstrada por decisão judicial fundamentada” (parágrafo 1º, art 1). Na linha de argumentação proposta neste trabalho, caberá futuramente analisar os desdobramentos desta lei em termos das práticas efetivas de apoio e promoção social da família natural.  

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12010.htm

[9] Fonseca, Cardarello, 1999.

[10] Também  serão classificados como pupilos do estado aqueles que forem retirados da família com perda da autoridade parental. Neste caso, no entanto, os pais mantêm o direito de consentir à adoção, assim como ao casamento ou a emancipação do menor.

[11] Thévenet, 1998.

[12]http://www.paris.fr/portail/accueil/Portal.lut?page_id=1&elected_official_directory_id=8814&portal_component=17&document_id=13809

[13] São missões da ASE: missão preventiva mediante suporte educativo, psicológico ou material a crianças em suas famílias e através de ação social em favor dos desfavorecidos, realizada junto a crianças fora de suas famílias; encargo físico e financeiro de crianças que lhe são confiadas pelos pais ou pelo juiz; vigilância das condições materiais e morais de abrigamento de uma criança; ações de prevenção de maus tratos e de proteção as crianças maltratadas. http://www.ecosante.fr/FRANFRA/558.html

[14] Fonseca, 1995.

[15] ODAS, 2004, p. 2-3.

[16] Desde a metade dos anos 90 este termo recobre a função parental sob seus aspectos jurídico, moral e educativo (Tillard, 2003).

[17] Dekeuwer-Défossez, 1991, p. 55.

[18] Fonseca, 1995; Sarti, 1996 entre outros.

[19] Bianco, Lamy, 1980, p. 4.

[20] Sobre a formulação e utilização deste conceito no campo da proteção social ver: http://www.lamaisondelautonomie.com/dmdocuments/bientraitance_%20guide_anesm_2008.pdf

[21] Oxley, 1993.

[22] Dumaret, Mackiewicz, Ribeiro, 2005.

[23] Dumaret, Mackiewicz, Ribeiro, 2005, p. 138.

[24] Godbout, 1997.

[25] Godbout, 1997, p. 46-47.

[26] Derrida, 2001, p. 118.

[27] Ribeiro, 2007.

[28] Geertz, 1989, p. 29.

[29] Gotman, 1997; Gaudin, 1997; Godbout, 1997.

[30] Cadoret, 2000, p. 235.

[31] A pesquisa num Conselho Tutelar de Porto Alegre foi realizada em 1994, na associação Alésia 14 situada em Paris, de 1999 a 2002 e na associação CAVAL localizada na ilha d’Yeu, França, de 2000 a 2002.

[32] Os boletins diários da ANDI são fonte para a identificação de constantes denúncias sobre as condições de funcionamento dos CTs.

[33] Cardarello, 1998.

[34] Fonseca, Schuch, Uriarte, Soares, 2006.

[35] Neste lugar realizei a pesquisa de campo para minha tese de doutorado (Ribeiro, 2005).  A ilha d’Yeu tem dez quilômetros de comprimento e sua largura máxima não ultrapassa quatro quilômetros. Sua população permanente é de 5000 habitantes e 70% da economia local depende da pesca e das atividades a ela relacionadas. Entre as dezesseis ilhas distribuídas pela fachada atlântica da França, ela é a segunda mais distante do continente e atualmente a travessia se faz por barco e helicóptero a partir do porto de Fromentine. As estações funcionam como princípio de diferenciação da vida na ilha: durante o verão a população pode quadruplicar com a presença de turistas e residentes secundários que moram no continente, mas têm casa na ilha. Nesta estação diversificam-se as possibilidades de horário de travessia. Mais da metade das casas da ilha são residências secundárias construídas principalmente a partir dos anos 60 e seus proprietários pertencem a categorias socioprofissionais privilegiadas – médicos, comerciantes, professores, engenheiros, empresários, militares. (Chaussade, 1991, p. 109).

[36] Lepoutre, 1997, p. 33.

[37] Bourdieu, 1993, p. 259.

[38] CAVAL, 1976.

[39] Lallemand, 1991, p. 7.

[40] Lemaignan, Gauthier, 1992.

[41] A partir de 1981 o INSEE reúne sob a categoria monoparental, a situação das unidades domésticas nas quais um adulto vive sem cônjuge, com um ou vários filhos de menos de 25 anos.

[42] Lefaucheur, 1987, p. 82.

[43] Lefaucheur, 1987, p. 214.

[44] Le Gall, Martin, 1996, p. 29.

[45] Lefaucheur, 1987, p. 85.

[46] De acordo com as estatísticas atuais sobre a estrutura das famílias das crianças ao encargo da ASE vê-se que a participação das «famílias monoparentais» neste universo é três vezes mais importante do que na população em geral e que para dez famílias monoparentais da ASE, nove são formadas pela co-residência da mãe e das crianças.

[47] Mackiewicz, 1998.

[48] Este modelo de residência familiar em instituição em nome da proteção à infância permanece como bastante particular. No entanto, o agravamento da crise econômica das últimas décadas tem produzido o aumento de situações em que além da  criança também os adultos passam a viver em instituição. Este é o caso do acolhimento de mulheres grávidas ou com filhos pequenos nas chamadas Casas e Centros Maternais ou de famílias nos Centros de Abrigamento e de Reinserção Social (CHRS).

[49] De Gaulejac, 1996.

[50] Cadoret, 1996.

[51] Fonseca, 2006.

[52] Fonseca, 2006, p. 17.

[53] São exemplos desta modalidade os internatos profissionalizantes nos quais os jovens permanecem durante a semana e retornam as suas casas nos finais de semana.

[54] Apoiada nos inúmeros casos de mulheres que mesmo após terem assinado todos documentos que autorizam a adoção buscam reaver os filhos Fonseca (1995) sugere que as genitoras não entendam verdadeiramente o espírito da lei que vai de encontro a práticas (como a da circulação de crianças) e valores (como o da indissolubilidade do laço de sangue, “mãe é uma só”) tradicionais de grupos populares urbanos. 

[55] Estas observações referem-se ao período anterior à lei nº 12.010 aprovada em agosto de 2009 e que no artigo 19, parágrafos 2° e 3° estabelece: “a permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 anos, salvo comprovada a necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judicial” ; “ a manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será incluída em programas de orientação e auxílio (...)”. Observe-se que a atual legislação não limita o tempo de permanência em programa de acolhimento familiar.

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12010.htm

[56] Balsamo, 2005.

[57] A possibilidade de inserir a criança em programa de acolhimento familiar e que foi prevista na lei n° 12.010 de 2009 poderá modificar este cenário.

[58] Rizzini, Rizzini, 2004; Fonseca, 1995 entre outros.

 

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[Edición electrónica del texto realizada por Beatriz San Román Sobrino]

 

Ficha bibliográfica:

BITTENCOURT RIBEIRO, Fernanda. Acolhimento de famílias e modos de apoio à (pluri) parentalidade. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 15 de marzo de 2012, vol. XVI, nº 395 (4). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-395/sn-395-4.htm>. [ISSN: 1138-9788].

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