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Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. XVI, núm. 418 (62), 1 de noviembre de 2012
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

A AMÉRICA LATINA FACE À POLÍTICA DE INTEGRAÇÃO ECONÔMICA REGIONAL NO MUNDO SUBDESENVOLVIDO

Francisco Fransualdo de Azevedo
Departamento/Programa de Pós-Graduação em Geografia – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
ffazevedo@gmail.com

A América Latina face à política de integração econômica regional no mundo subdesenvolvido (Resumo)

Em tempos de globalização, ou mundialização do capital, o sistema mundo se apresenta significativamente integrado, por meio da combinação entre técnica, ciência e informação. Valoriza-se ao máximo a capacidade de produção, circulação e consumo, portanto, a capacidade máxima de fluxos, de dinheiro, informação, mercadorias, insumos e pessoas. Nesse contexto surgem os blocos econômicos de poder, que dentre outros aspectos reconhecem e acirram as desigualdades socioespaciais, dentro e fora das regiões. Assim, este trabalho busca analisar a política de integração econômica regional no mundo subdesenvolvido, especialmente na América Latina, atentando para as desigualdades geradas ou reproduzidas no interior desse processo, especialmente no contexto da integração econômica do MERCOSUL. No caso da América Latina, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), instituiu-se em 1991 através do Tratado de Assunção, objetivando integrar ainda mais as economias nacionais sul-americanas. Porém, é notória a produção e reprodução concomitante da riqueza e da pobreza, e o aumento das desigualdades e das contradições socioespaciais, portanto da segregação social. No MERCOSUL, destaca-se a posição do Brasil e da Argentina no cenário regional, considerando os níveis diferenciados de industrialização e desenvolvimento, não obstante as desigualdades socioterritoriais internas destes. Na divisão territorial e regional do trabalho os demais países mostram-se ainda mais dependentes e fragilizados, sobretudo em tecnologia e economicamente, embora em situações diferenciadas. 

Palavras chave: América Latina, MERCOSUL, integração econômica, desigualdades.

Latin America in relation to the politics of regional economic integration in the developing world (Abstract)

In times of globalization or mundialization of the capital, the world system presents itself significantly integrated, through the combination of technique, science and information. It values ​​to the fullest the capacity of production, circulation and consumption, thus, a maximum capacity of flows, of money, information, commodities, as well as supplies and people. In this context emerges the economic blocs of power, that among other things reinforce and recognize the socio-spatial inequalities within and outside regions. Thus, this paper seeks to analyze the policies of regional economic integration in the developing world, especially in Latin America, paying attention to the inequalities generated or reproduced inside this process, mainly in the context of the economic integration of MERCOSUL. In the Latin America case, the Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), establish edit self in 1991 by the Asunción Treaty, aiming to integrate even more the economies of South America. However, it is notorious the production and reproduction with the wealth and poverty, and the increasing inequalities and sociospatial contradictions, therefore the social segregation. Brazil and Argentina are in the top position in the regional scenario, considering the different levels of industrialization and development, despite these internal socio-territorial inequalities. In relation to the territorial and regional division of labor other countries show themselves even more dependent and vulnerable, especially in terms of technology and economy, although indifferent situations.

Key words: Latin America, MERCOSUL, economic integration, inequalities.

América Latina frente a la política de integración económica regional en un mundo en desarrollo (Resumen)

En los tiempos de la globalización, o mundialización del capital, el sistema contribuye  de manera significativa a la integración de mundo, a través de la combinación del arte, la ciencia y la información. Los valores que prevalecen son los de la capacidad máxima de producción, la circulación y el consumo, por lo tanto influyen en la amplificación de los flujos de dinero, de información, de bienes, de suministros y de personas. En este contexto surgen los bloques de poder que, entre otras cosas, acentúan la manifestación de las desigualdades socio-espaciales dentro y fuera de las regiones. En este estudio se analiza la política de integración económica regional en el mundo en desarrollo, especialmente en América Latina, con especial atención a las desigualdades generadas o reproducida sen este proceso, especialmente en el contexto de la integración económica en el MERCOSUR. En el caso de América Latina, el Mercado Común del Sur (MERCOSUR) fue instituido en 1991 por el Tratado de Asunción, con el objetivo de integrar aún más las economías nacionales en América del Sur. Sin embargo, se evidencia de forma simultánea la producción y la reproducción de las desigualdades de riqueza, la pobreza, la creciente segregación socio-geográfica y las contradicciones en el ámbito social. En el MERCOSUR cuentan mucho las posiciones de Brasil y Argentina en el escenario regional, con sus diferentes niveles de industrialización y de desarrollo, a pesar de sus desigualdades socio-territoriales internas. En la división territorial de los países de la región es posible identificar que se muestran aún más como dependientes y vulnerables, especialmente en términos de tecnología y de comportamiento económico, aunque en diferentes formas.

Palabras clave: América Latina, integración económica, MERCOSUR, desigualdades.


Neste texto analisaremos o processo de integração econômica regional no mundo subdesenvolvido, buscando entender o papel da América Latina no contexto dos blocos econômicos de poder, especialmente do MERCOSUL, mostrando o conjunto de ações que marcam esta fase e que, por conseguinte refletem na dinâmica da sociedade e na reorganização dos territórios nacionais e regionais.

A formação dos blocos econômicos de poder se constitui em estratégias político-econômica-institucionais de determinados países, no sentido de tentarem se fortalecer frente à lógica de (re)produção do capitalismo contemporâneo, numa escala espaço-temporalmente desigual. Diante disso analisaremos o papel do MERCOSUL no cenário econômico regional, buscando entender como o Brasil e a América Latina, se inserem nesse processo dinâmico que marca o atual período.

O principal objetivo do trabalho é discutir como a formação de blocos econômicos contribui para a diminuição das fronteiras comerciais e para o fortalecimento da economia regional através da integração de mercados nacionais, mas busca-se entender, sobretudo, em que medida esse processo de integração acirra as desigualdades socioespaciais intraregionalmente.

Não obstante o contexto de mudanças percebe-se que a formação e consolidação dos blocos econômicos, principalmente no que tange à realidade sulamericana, têm corroborado para o aprofundamento da divisão internacional do trabalho e para a emergência de um novo e complexo cenário de desigualdades regionais. Os procedimentos metodológicos adotados nessa análise constituem-se de revisão bibliográfica, coleta e análise de dados secundários, e construção textual.

A economia global caracteriza-se, dentre outros aspectos, por avanços na infraestrutura, transporte e comunicação, por exemplo, no sentido de garantir maior dinamismo e fluidez ao modo de produção capitalista como um todo (matéria-prima, mercadorias, informações, dinheiro, pessoas, etc.). Associado a esses eventos tem-se a elaboração de um avançado sistema de tecnologias da informação e da comunicação, financeirização, desregulamentação e liberalização estatal praticada por diversos países, além de novas formas de cooperação internacional, evidenciando muitas vezes o que Ulrick Beck chama de “topoligamia de lugares”, isto é, o casamento do sistema econômico global com vários lugares ao mesmo tempo, como forma de fazer com que esse momento histórico aconteça em benefício do capital. Para Beck (1999) é preciso atentar para os equívocos que envolvem a noção de globalismo, e de modo particular o chamado livre comércio mundial.

Nesse contexto, constitui-se um núcleo de controle dotado de um conjunto de elementos necessários à interligação global do sistema econômico, isto é, componentes como: os mercados financeiros, o comércio internacional, produção transnacional, ciência e tecnologia. Assim, a economia global pode ser entendida como “uma economia cujos componentes centrais têm a capacidade institucional, organizacional e tecnológica de trabalhar em unidade e em tempo real, ou em tempo escolhido, em escala planetária”[1].

Tudo converge para uma velocidade cada vez maior das transformações, especialmente tecnológicas, refletindo significativamente no mundo do trabalho, do consumo, portanto, no sistema econômico, favorecendo, sobretudo os países que detêm maiores níveis de riqueza e de desenvolvimento científico-tecnológico, impactando de forma direta na organização socioespacial dos diferentes lugares e regiões.

Corroborando com essa análise Harvey (1999, p. 121) afirma que “os novos métodos de trabalho são inseparáveis de um modo específico de viver e de pensar e sentir a vida”. Logo, os Estados nacionais são impulsionados pelas grandes empresas a fazerem mudanças nas suas estruturas econômicas e políticas para que possam atender à lógica neoliberal de produção e acumulação de riqueza.

Ianni (1996, p. 134) afirma que “as corporações transnacionais desempenham um papel básico, que pode ser decisivo na criação, institucionalização e dinamização dos sistemas econômicos regionais”. Um conjunto de países integra-se, a fim de aumentar sua força e representatividade, pois quando esses se unem, suas influências têm um maior alcance espacial, de modo que seus interesses serão supostamente mais facilmente garantidos, ampliando seu mercado consumidor e sua produção.

O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), instituído em 1991 através do Tratado de Assunção, foi criado para integrar ainda mais as economias nacionais sul-americanas no contexto da economia global. Este bloco tem por objetivo desenvolver o potencial econômico dos países membros, aumentando as relações econômicas e políticas dentro do próprio grupo.

Nos últimos anos, o ritmo de importações e exportações tem sido crescente entre os países do MERCOSUL, o que justifica uma relativa diminuição da dependência de importação desses países, em relação aos Estados Unidos, o qual era responsável por mais da metade das importações feitas por estes, antes da criação do bloco.

Nesse sentido, Arroyo (2006) constata um aumento não só das relações econômicas, mas também políticas, diplomáticas e empresariais entre os países membros, e entre estes e o resto do mundo. Na medida em que este bloco comercial cresce, verifica-se a ampliação do seu mercado, configurando uma nova escala no processo de produção e de circulação, bem como uma mudança nos fluxos que, por sua vez modificam o território[2].

No entanto, muitas vezes os blocos econômicos aumentam as desigualdades e as contradições socioespaciais, dentro e fora dos países e regiões. Isso normalmente depende do nível de industrialização de cada país e do nível de desenvolvimento, bem como das condições políticas e culturais aí existentes.

No caso do MERCOSUL, merece destaque a posição do Brasil e da Argentina no cenário regional, tendo em vista a diferenciação observada no tocante ao processo de industrialização e desenvolvimento, apesar das desigualdades socioterritoriais internas destes. Os demais países apresentam-se num contexto de maior fragilidade, vulnerabilidade e dependência, sobretudo econômica e tecnológica, embora em situações diferenciadas. 


Breve contextualização sobre a economia global e os blocos econômicos

Nessa análise partiremos do princípio de que a economia capitalista mundializada é diferenciada e heterogênea espaço-temporalmente, ao mesmo tempo contraditória. Isso envolve e desencadeia diferentes processos e diferentes eventos, abrangendo diversos atores, ditos globais e/ou locais, imbuídos de relações de forças e interesses muitas vezes consideravelmente desiguais e contraditórios.

As transformações ocorridas no modo de produção capitalista contemporâneo, observadas especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial, associam-se, sobretudo ao avanço do meio técnico-científico-informacional, proporcionado principalmente pelos avanços da ciência moderna. Logo, notam-se no contexto econômico global significativas transformações em infraestrutura que, por conseguinte, garantem maior dinamismo e fluidez ao sistema econômico capitalista.

Tais mudanças aportam-se na elaboração e no funcionamento de um complexo e avançado sistema de tecnologias da informação e da comunicação, desregulamentação e liberalização estatal praticada pelos Estados nacionais, caracterizando o que se intitulou de neoliberalismo econômico, difundido principalmente a partir de meados do século XX. Paralelamente a esse processo, surgem novas formas de cooperação internacional, criando uma espécie de “topoligamia de lugares”, isto é, a associação do sistema econômico global com vários lugares ao mesmo tempo, como forma de garantir o acontecer desse momento histórico, tudo isso em benefício do próprio sistema econômico.

No entanto, Beck (1999) alerta sobre os equívocos que envolvem a noção de globalismo, especialmente o chamado livre comércio mundial. Para o autor é um equívoco, por exemplo, acreditarmos que a economia globalizada é a mais adequada para oferecer o bem-estar para todo o mundo, ou que esta é capaz de eliminar as desigualdades socioespaciais. É evidente que não haverá jamais a partilha igualitária da riqueza gerada pela economia global, tampouco o alcance universal da dignidade de sobrevivência e da constituição da cidadania. O que ocorre de fato é um acirramento das desigualdades socioespaciais entre nações e regiões, assim como num mesmo país ou região, aumentando a diferenciação socioeconômica entre ricos e pobres. Há de fato uma supervalorização das relações de mercado, em detrimento das questões e problemas sociais.

É notória a constituição de um núcleo de controle e comando dotado de um conjunto de elementos que são responsáveis pela interligação global do sistema econômico capitalista, envolvendo componentes como: os mercados financeiros, o comércio internacional, a produção transnacional, a ciência e a tecnologia, que segundo Castells (2007, p. 143) gerou “uma economia cujos componentes centrais têm a capacidade institucional, organizacional e tecnológica de trabalhar em unidade e em tempo real, ou em tempo escolhido, em escala planetária”.

Nesse sentido, o movimento que se apresenta evidencia uma velocidade cada vez maior das transformações socioespaciais, em contraposição ao movimento dos espaços e homens do tempo lento. Tais transformações refletem diretamente no meio ambiente, no mundo do trabalho, e no contexto do consumo, portanto, no sistema econômico, o que favorece especialmente os países que detêm maiores níveis de riqueza e de desenvolvimento científico e tecnológico.


Discutindo os blocos econômicos como uma estratégia capitalista normativa no processo de integração regional

Apesar de certo anacronismo em torno do processo de integração econômica, nota-se que a diminuição progressiva das barreiras, no que concerne às trocas comerciais, bem como o próprio processo de integração numa perspectiva econômica data do início do século XVI, quando os europeus iniciaram os movimentos de expansão e de investimentos no mundo, por meio das grandes navegações europeias e das companhias de comércio. E essa integração progressiva se constituiu nas bases do que mais tarde se denominou processo de globalização ou mundialização do capital.

O período de expansão do pós-guerra entre 1945 e 1973 estava embasado na disciplina da força de trabalho para os propósitos de acumulação do capital - controle social das capacidades físicas e mentais - tecnologias, hábitos de consumo e configuração/valorização de poder político e econômico por parte de determinados agentes. Logo, a esse conjunto de práticas deu-se o nome de Fordista - Keynesiano. 

Havia aí o anseio de se estabilizar o capitalismo e evitar as crises recorrentes, bem como o nacionalismo das soluções nacional–socialistas, que só seria possível por meio do estabelecimento de um conjunto de estratégias administrativas científicas e poderes estatais. De acordo com Harvey (1990) o capitalismo ainda era bastante instável e dependia da ação coletiva, ou seja, dependia de uma regulamentação e intervenção do Estado.

Ocorre que na década de 1970, especialmente em 1973, desencadeia-se a crise do petróleo, originada principalmente pelo desequilíbrio na oferta do produto, o que elevou expressivamente o preço do barril do produto, gerando conflitos entre os países árabes, maiores produtores, como também acirrando a crise marcada por recessão nos Estados Unidos e no continente europeu, o que afetou sobremaneira a economia mundial. A partir dos anos 1990 difundem-se as políticas de reestruturação do sistema, induzindo uma nova divisão territorial e internacional do trabalho, com ênfase no desenvolvimento tecnológico como subsídio da estruturação dessa nova divisão, principalmente nas áreas da informática e da comunicação. E é essa mesma revolução tecnológica que vai agir diretamente em todo o sistema social, econômico, político e cultural do mundo.

É sabido que o final do século XX foi marcado por mudanças na economia política do capitalismo. As marcas dessas modificações podem ser observadas em processos de trabalho, hábitos de consumo, configuração geográfica, regime de acumulação e modo de regulamentação social e política diferenciado e muitas vezes anacrônico. Assim, os mercados globais e os blocos econômicos de poder surgem no contexto da globalização, por meio da nova dinâmica do capital, pressupondo uma maior capacidade de fortalecimento das forças produtivas capitalistas.

A partir desse período, as economias mundiais passam a conviver com a “necessidade” de integração, tendo em vista a dinâmica e a agilidade/velocidade dos processos que marcam o funcionamento da economia-mundo. Logo, vários países são impulsionados pelo setor econômico, representado pelas grandes empresas (de produção, comércio e finanças, etc.) a fazerem mudanças nas suas estruturas econômicas e políticas para que possam assim atender à lógica neoliberal de acumulação e (re)produção da riqueza. Nesse contexto, os Estados Nacionais passaram a ter um papel fundamental, pois o mercado cobra a qualquer custo a viabilização por parte do Estado das condições necessárias para garantir a tecnicização e a fluidez do território, como forma de garantir maior produção (e produtividade), circulação e consumo. Passamos a conviver com o que Santos (2001) chamou de imperativo do consumo, marcado pelo despotismo deste. Já Ianni (1996, p. 134) afirma que “as corporações transnacionais desempenham um papel básico, que pode ser decisivo na criação, institucionalização e dinamização dos sistemas econômicos regionais”.

Nota-se que a partir daí um conjunto de países integra-se, a fim de aumentar seu poder econômico e geopolítico, pressupondo, portanto ganho de força e representatividade no cenário geopolítico mundial, pois quando essas economias nacionais se unem, pressupõe-se que suas influências têm um maior alcance espacial, de modo que seus interesses serão supostamente mais facilmente garantidos, ampliando seu mercado consumidor e sua produção. Dessa forma, é possível observar que, enquanto alguns desses blocos comerciais encontram-se bem estruturados, outros ainda demonstram incipiência, muitos limites e fragilidades.

Alguns dos principais blocos econômicos mundiais como: União Europeia, Nafta, MERCOSUL, APEC, ASEAN, SADC e CEI respondem pela maior parte das transações econômicas/financeiras da economia capitalista na contemporaneidade, esta, dita integrada. Ainda como parte intrínseca da política de integração econômica outros tipos de integração têm surgido no Sistema-Mundo como forma de garantir as condições necessárias para o processo integrador das economias nacionais e regionais. Exemplo disso é o que tem ocorrido na América Latina, com o surgimento da ALADI (Associação Latino-Americana de Integração), com a instituição da IIRSA (Iniciativa para a Integração Regional Sul-Americana), entre outros.

Até recentemente (2008) a União Europeia se constituía no bloco econômico com maior representatividade econômica e política no cenário geopolítico mundial. O bloco foi instituído em 1992, passando a exercer forte poder sobre os demais países e regiões do mundo, pois conforme afirma Castells (2007), este passou a dinamizar a economia global, estabelecendo alianças, realizando fortes transações comerciais em tempo recorde, de modo que passou a ser responsável por expressivos fluxos financeiros e uma circulação veloz, complexa e mundialmente conectada.

É importante destacar que as noções de soberania, austeridade e territorialidade são elementos marcantes entre as nações europeias. Ressalta-se que a consolidação de um sistema de cooperação e integração econômica entre estes países demorou décadas e enfrentou diversos obstáculos, os quais se fazem notar ainda hoje. Isso pode ser evidenciado pelos diferentes tratados que foram realizados, objetivando essa configuração, a exemplo dos tratados de Roma, Maastricht e Amsterdã, buscando conciliarem interesses e forças que convergiram para a consolidação do bloco econômico regional formado por vários dos países europeus na década de 1990. Em 2007, o bloco passou a se constituir de 27 Estados soberanos.

Dos principais objetivos da União Europeia destacam-se uma política de comércio comum, bem como uma política agrícola comum; promoção do bem-estar socioeconômico dos países membros; política comum no setor de infraestrutura, como energia, transporte e telecomunicações; livre circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais; política monetária comum, o que ainda não atingiu todos os países membros, a exemplo da Inglaterra que não aderiu à moeda comum – o Euro.

Vale destacar que há divergências e fortes desigualdades entre os países membros da União Europeia, pois nem todos apresentam o mesmo nível de desenvolvimento e/ou a mesma força política e econômica, pelo contrário, há países em situação, por exemplo, socioeconômica, de acentuada fragilidade, a exemplo da Romênia.

Além da União Europeia, merecem destaque os blocos econômicos NAFTA, MERCOSUL, APEC e ASEAN, além de outros blocos com menor representatividade política e econômica, mas que participam do cenário da economia global e da nova configuração dos blocos regionais de poder.

O Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) foi instituído em 1988 e entrou em vigor em 1994, reunindo o Canadá, os Estados Unidos e o México, formando “um grande mercado e um poderoso sistema produtivo, com influências em todo o mundo”[3].

De acordo com Castells (2007), já existia uma forte relação entre esses países, de modo que o NAFTA surgiu apenas para institucionalizá-la. Atentando para as transformações na dinâmica econômica global no final do século XX, Castells (2007, p. 154) observa que na verdade “há uma economia norte-americana, composta por EUA, Canadá e México, e não o surgimento de um bloco”.

Assim, para o autor, há de fato uma intensificação das relações que já existiam entre esses países, inclusive com uma dependência histórica do Canadá e do México, em relação aos Estados unidos. Assim, o bloco também apresenta fortes desigualdades entre os países do próprio bloco, haja vista o papel do México perante os demais membros.

A configuração da APEC teve início em fins dos anos 1980 e início dos anos 1990, prevendo-se a instalação gradual e a configuração de uma área de livre-comércio abrangendo países asiáticos, americanos e da Oceania, banhados pelo Pacífico. O principal objetivo do bloco prevê o fortalecimento econômico da bacia do Pacífico e da costa oeste do continente americano, tendo em vista que os Estados Unidos e o Canadá são países banhados tanto pelo Atlântico quanto pelo Pacífico. De alguma forma a APEC também inclui outros blocos, a exemplo do NAFTA, e alguns blocos menores, como o Pacto Andino e ASEAN. O bloco é composto por 21 países membros, dos quais se destacam várias potências econômicas mundiais, a exemplo dos Estados Unidos, China, Japão, Canadá, Coréia do Sul, etc.

Entre os blocos menores destacam-se: o Pacto Andino (CAN - Comunidade Andina), CARICOM (Mercado Comum do Caribe), ALADI (Associação Latino-Americana de Integração), MCCA (Mercado Comum Centro-Americano), SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral), COMESA (Mercado Comum dos Países do Leste e Sul da África), ANZCERTA (Acordo Comercial sobre Relações Econômicas entre Austrália e Nova Zelândia).

É importante ressaltar que todos os blocos econômicos são marcados por um contexto de relações desiguais internas, sejam elas econômicas, políticas ou sociais, bem como dentro dos países-membros. Essa mesma situação marca as relações entre os blocos, sobressaindo blocos hegemônicos, em detrimento de blocos frágeis, econômica e politicamente. De modo geral, os blocos de maior representatividade política e econômica no cenário geopolítico mundial são a União Europeia e o NAFTA, com maior representatividade de alguns países europeus (Alemanha e Inglaterra, por exemplo) e os Estados Unidos.

Já o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), instituído em 1991 através do Tratado de Assunção, foi criado com o objetivo de viabilizar uma maior “inserção” das economias sul-americanas no contexto da economia global. Este bloco visa desenvolver o potencial econômico dos países membros, aumentando as relações econômicas dentro do próprio grupo de países.

Os dados mostram que nos últimos anos tem aumentado o ritmo de importações e exportações entre os países do MERCOSUL, o que de certo modo justifica uma diminuição da dependência quanto às importações desses países perante os Estados Unidos, os quais respondiam por mais da metade das importações destes. Desse modo, este bloco comercial cresce concomitante a ampliação do seu mercado, configurando uma nova escala no processo de produção e de circulação, bem como uma mudança nos fluxos que, por sua vez modificam o território[4].

O fato é que toda essa articulação não promove a inclusão total das regiões e de todos os indivíduos, mas intensifica as diferenças sociais entre os países e regiões, bem como entre as classes sociais aí existentes. Ou seja, normalmente os blocos econômicos aumentam as desigualdades e as contradições socioespaciais, dentro e fora dos países, regiões, e do próprio bloco. Cria-se geralmente um conjunto de relações de poder marcado por forças desiguais, no qual sempre haverá concessão de benefícios e beneficiados em detrimento de prejuízos e explorados. 

Ao estudar as Geografias das desigualdades na contemporaneidade, Souza (2006) fundamentada em Olivier Dollfus (1991) aponta que “o sistema mundial não pode ser equilibrado”, logo, é desigual e contraditório. A nova ordem mundial circunscrita com o fim da Guerra Fria, associada à hegemonia econômica norte-americana, europeia e japonesa impõe uma nova dinâmica no sistema-mundo. Para a autora “a crise do modelo do Estado, a limitada eficiência das grandes instâncias de regulação mundial, ampliação das desigualdades, em todos os níveis e em todos os lugares, a velocidade da informação subvertendo os mercados mundiais”, onde as “fronteiras se abrem aos produtos e se fecham aos homens” impossibilitam um melhor funcionamento do território, haja vista o estabelecimento do “caos” em toda parte, ocasionando o “rompimento entre Sistema Mundo e Sistema Terra” o que reflete e impacta diretamente no processo de sobrevivência dos homens.

Nesse sentido, os mercados mundiais acabam impondo um contexto tal de desigualdades, marcado essencialmente por fortalecimento e enfraquecimento ao mesmo tempo, isto é, fortalecimento dos atores que já são hegemônicos, e enfraquecimento, ainda maior, dos atores não-hegemônicos.

O mercado comum sul-americano (MERCOSUL) é constituído pelo Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela. O bloco ainda dispõe de cinco países associados: Bolívia, Chile, Columbia, Peru e Equador. As relações comerciais deste com o resto do mundo mostram-se bastante desiguais, na inter-relação entre seus membros, evidenciando estreitas relações entre alguns integrantes do próprio bloco e algumas potências econômicas mundiais (Quadro1), justamente pelo caráter desigual do desenvolvimento do Sistema Mundo, intrínseco à divisão internacional do trabalho.

 

 

Depreende-se que o maior volume de capital das exportações do MERCOSUL em 2007, considerando o montante das transações dos cinco principais países de destino, evidencia a representatividade comercial, sobretudo do Brasil e da Argentina, merecendo destaque o valor transacionado entre estes dois, bem como entre estes e os Estados Unidos e a China. Os principais itens exportados do Brasil para os Estados Unidos são: petróleo bruto, aviões, ferro, álcool, café, etc. Para a Argentina o Brasil exporta, sobretudo veículos com motor à explosão, terminais portáteis de telefonia celular, minério de ferro, etc. Para a China o país exporta produtos como: soja, minério de ferro, petróleo bruto, óleo de soja, fumo, aviões, etc. Para Alemanha destacam-se: minério de ferro, café, soja, automóveis com motor à explosão, etc.[5]. Torna-se visível, portanto, a importância e a valorização da política de “comoditização” no contexto das principais transações comerciais no bloco.

De modo geral, os demais países apresentam montantes bastante reduzidos no contexto de exportações do bloco, muito embora, destaca-se ainda a relação da Venezuela com os Estados Unidos, a partir da importância do petróleo no contexto das exportações entre os dois países. O Brasil aparece como principal importador de três países-membros, a saber: Argentina, Paraguai e Uruguai, sobressaindo o montante de capital transacionado com a Argentina.

No tocante às importações a situação também se mostra bastante complexa, pois há forte dependência econômica do bloco em relação aos Estados Unidos e a China, embora seja notória a dependência da maioria dos países-membros do bloco em relação ao Brasil (Quadro 2).

 

 

Depreende-se que a Argentina e o Paraguai importam, sobretudo do Brasil, enquanto o Uruguai e a Venezuela importam mais da Argentina e dos Estados Unidos sucessivamente; Quanto ao Brasil, as importações originam-se sobretudo na China, Argentina, Alemanha e Nigéria. Este último exporta principalmente petróleo bruto para o Brasil, o que representa aproximadamente 55% da aquisição brasileira deste produto. Já a Nigéria importa do Brasil principalmente produtos como açúcar, álcool, arroz e fumo[6]. Dos Estados Unidos o Brasil importa principalmente turborreatores, óleo diesel, equipamentos, peças e acessórios para aeronaves, locomotivas diesel-elétricas, trigo, etc.[7].

A China aparece como uma importante economia de base de exportações no cenário econômico mundial e regional, haja vista a influência econômica do país no contexto das importações (e exportações) do MERCOSUL. Todos os países do bloco mantêm relações expressivas de importações com a China, sobressaindo o Brasil, a Argentina e a Venezuela como principais mercados consumidores de produtos chineses no âmbito do MERCOSUL.

Avaliando as transações comerciais do MERCOSUL no intervalo de seis anos (2002 a 2008), observa-se que o volume de exportações e importações aumentou consideravelmente no período, destacando-se o saldo comercial da relação Brasil – Argentina e Brasil – Venezuela (Quadro 3).

 

Quadro 3.
Intercâmbios comerciais do mercosul– 2002 a 2008 (us$ mil – fob)

Brasil - Argentina

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

EXPORTAÇÕES (FOB)

2.346.508

4.569.767

7.390.967

9.930.152

11.739.592

14.416.946

17.605.621

IMPORTAÇÕES (FOB)

4.743.785

4.672.610

5.569.811

6.241.110

8.053.263

10.404.246

13.257.926

SALDO COMERCIAL

-2.397.277

- 102.843

1.821.155

3.689.043

3.686.329

4.012.700

4.347.695

 

Brasil – Paraguai

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

EXPORTAÇÕES (FOB)

559. 625

708.750

873.352

962.720

1.233.639

1.648.191

2.487.561

IMPORTAÇÕES (FOB)

383.087

474.750

297.825

318.936

295.899

434.120

657.496

SALDO COMERCIAL

176.537

234.000

575.527

643.785

937.740

1.214.071

1.830.065

 

Brasil – Uruguai

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

EXPORTAÇÕES (FOB)

412.541

405.791

670.582

853.137

1.012.598

1.288.440

1.644.126

IMPORTAÇÕES (FOB)

484.847

537.868

522.855

493.653

618.225

786.386

1.018.199

SALDO COMERCIAL

-72.305

-132.076

147.726

359.484

394.373

502.054

625.927

 

Brasil – Venezuela

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

EXPORTAÇÕES (FOB)

798.974

608.229

1.469.802

2.223.705

3.565.424

4.723.940

5.150.188

IMPORTAÇÕES (FOB)

633.060

275.154

199.083

255.605

591.553

345.925

538.549

SALDO COMERCIAL

165.914

33.307

1.270.718

1.968.100

2.973.871

4.378.015

4.611.639

Fonte: M   Fonte: MRE/DPR/DIC, 2012.

 

Vale frisar que o montante avaliado em valor FOB diz respeito comumente às cotações internacionais de mercadorias. A expressão FOB – FreeOnBoard – significa Preço Livre a Bordo, o que representa o preço auferido cobrindo todas as despesas e riscos do produto até que o mesmo chegue ao país comprador. Assim, no interstício 2002-2003 o saldo comercial do intercâmbio entre Brasil e Argentina foi negativo, assim como entre o Brasil e o Uruguai, passando a apresentar notório crescimento nos anos subsequentes.

No início de 2011, a balança comercial brasileira apresentou um saldo de aproximadamente R$ 300 milhões de reais no contexto comercial do MERCOSUL, merecendo destaque a relação comercial entre o Brasil e a Argentina (exportações e importações). Sendo que as exportações brasileiras para a Argentina movimentaram valores superiores às importações. Transações essas representadas, principalmente pelo comércio de commodities. Já as relações comerciais do Brasil com o Paraguai e Uruguai mostram-se tímidas, representando menos de 20% em relação à Argentina, tanto no tocante às exportações quanto às importações (Gráfico 1).

 

Fonte: Sistema Alice, 2012. Adaptado de: Secretaria de Comércio Exterior – SECEX.

 

Os dados evidenciam também que um ano depois, isto é, entre janeiro de 2011 e janeiro de 2012, as relações comerciais entre o Brasil e a Argentina se ampliaram, aumentando, sobretudo as importações brasileiras perante aquele país, ao passo que houve diminuição no volume de capital transacionado entre os demais países, sobretudo nas relações comerciais com o Uruguai (Gráfico 2).

 

Fonte: Sistema Alice, 2012. Adaptado de: Secretaria de Comércio Exterior – SECEX.

 

Ao avaliar o papel da Argentina nas relações comerciais do MERCOSUL, verifica-se uma participação semelhante ao desempenho do Brasil, isto é, o país apresenta notório desempenho comercial no mercado sul-americano, sobretudo nas transações com o Brasil (77% das exportações e 90% das importações), enquanto os demais participam de forma incipiente das transações comerciais do bloco. Juntos os demais países representam 23% das exportações e 10% das importações da Argentina (Gráfico 3 e 4).

 

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2012.

 

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2012.

 

Diante do exposto, depreende-se que a desigualdade comercial no Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) evidencia, de certo modo, as disparidades observadas no cenário econômico internacional, realidade presente também nos mercados comuns dos demais blocos, embora que em proporções diferenciadas, característica essencial da lógica de acumulação e de reprodução capitalista. A esse respeito Oliver Dollfus (2002, p. 35) assinala que “o poderio mundial se exerce numa concentração geográfica dos poderes. O controle das vastas extensões territoriais quase já não intervém, daí a obsolescência dos Impérios difíceis de gerir, de manejo dispendioso e fontes de conflitos internos”.

Tais desigualdades podem explicar também o nível de desenvolvimento tecnológico e o processo de internacionalização das economias do bloco, associado dentre outros fatores ao funcionamento do neoliberalismo e ao papel dos Estados nacionais nesses países, até porque as principais transações comerciais do bloco apresentam necessariamente uma forte dependência tecnológica do processo produtivo, em relação ao mundo desenvolvido, dependendo também de forte intervenção estatal quanto à geração e manutenção da infraestrutura necessária e do financiamento da produção, mesmo que isso implique (e tenha implicado) em endividamento dos Estados nacionais perante organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, etc.

Assim, “por toda parte as mesmas grandes infraestruturas, plataformas, aeroportuárias e portuárias, redes rodoviárias e ferroviárias, os mesmos grandes hotéis e as altas torres onde têm sede as grandes empresas; por toda parte os preços dos imóveis nos grandes centros urbanos são justificados pelo número de negócios das empresas mundiais que aí se encontram”[8].

Além do mais a principal base econômica regional na América do Sul é primário-exportadora, sobressaindo produtos como grãos (soja, milho, etc.), carnes, frutas e minérios, ao passo que no interior do bloco, as principais transações comerciais correspondem a veículos com motores à explosão, peças e acessórios do setor automobilístico, cuja produção, bem como tecnologia utilizada são detidas, normalmente, por empresas multinacionais do setor, sejam elas europeias, americanas ou asiáticas. Logo, as remessas dos lucros desse sistema de produção e comércio destinam-se aos países de origens de tais agentes econômicos. Por causa disso, “nos últimos trinta anos viu-se uma reconfiguração dramática da geografia da produção e da localização do poder político-econômico”[9].

No caso do Brasil destaca-se ainda a participação do país no contexto das relações comerciais dos BRICS, isto é, no importante mercado constituído pelo grupo de alguns dos países que mais crescem economicamente no mundo, isto é, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, embora não normatizado territorialmente como um bloco econômico.

Entretanto, esses países, e de modo particular o Brasil, se apresentam de fato na contemporaneidade como importantes potências econômicas mundiais sem, contudo, atenuar as desigualdades socioespaciais e territoriais historicamente aí constituídas e reproduzidas. Aliás, nota-se uma realidade socioespacial semelhante entre os citados países, isto é, assim como no Brasil, os citados países apresentam fortes desigualdades socioespaciais e territoriais, não obstante o “progresso econômico” verificado nos últimos anos.

Nesse sentido, a presente análise contrapõe a tese que prima pelo economicismo, ou seja, que valoriza a capacidade de pensar o desenvolvimento numa perspectiva meramente econômica, pautada na elevação dos índices econômicos, PIB, PNB, superávit primário, etc.. A esse respeito Dollfus (2002, p. 35) assinala que no interior desse processo “matérias-primas e gêneros que só intervêm em alguns centésimos no PNB são adquiridos no Mundo ao melhor custo e transportados com poucas despesas. O essencial é assegurar um abastecimento regular mediante estratégias de controle econômico e político segundo a diversidade dos lugares de produção”.

Portanto, nesse contexto de primazia pelo crescimento econômico, as forças hegemônicas do modo de produção, mas, sobretudo os Estados nacionais esquecem-se muitas vezes das condições sociais e materiais de vida dos indivíduos que permanecem à margem do “progresso econômico”, haja vista a defesa justificada dos recordes da balança comercial, do crescimento do PIB e do PNB nos citados países, sem que se alterem as liberdades individuais e grupais, e portanto o desenvolvimento humano propriamente dito[10].

Ao analisar o crescimento do PIB de alguns países e de algumas regiões do mundo é possível um melhor entendimento sobre a complexidade da questão ora analisada (Quadro 4). Nesse contexto, nota-se que o imperativo do crescimento econômico mostra-se com destaque no mundo subdesenvolvido, especialmente nos países que recentemente passaram a integrar o grupo denominado BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Nos países ditos “ricos” o crescimento verificado no interstício 1990-2003 não passa de 2,5%, com estimativa inferior para o período 2003-2030. No entanto, em países como China e Índia o crescimento mostra-se acelerado e diferenciado no período 1990-2003, com relativa diminuição no período subsequente. A Europa Ocidental e os EUA, juntamente com a Austrália, Canadá e Nova Zelândia apresentam taxas de crescimento relativamente próximas. O Japão apresenta taxa anual de mudança relativamente baixa no contexto dos “países ricos”.

 

Quadro 4.
Crescimento do PIB: o mundo e as principais regiões, 1950-2030

 

Níveis em bilhões de dólares (1990)

Taxa anual média da mudança

Regiões /Países/Mundo

1950

1973

1990

2003

2030

1990-2003

2003-2030

Europa Ocidental

1.396

4.097

6.033

7.857

12.556

2,05

1,75

EUA

1.496

3.537

5.803

8.431

16.662

2,91

2,56

Austrália, Canadá e Nova Zelândia

180

522

862

1.277

2.414

3,07

2,39

Japão

161

1.243

2.321

2.699

3.488

1,17

0,95

“RICOS”

3.193

9.399

15.019

20.264

35.120

2,33

2,06

Europa Oriental

185

551

663

786

1.269

1,33

1,79

Rússia

315

872

1.151

914

2.017

-1,76

2,98

Outros Países da Antiga URSS

199

641

837

638

1.222

-2,17

2,43

América Latina

416

1.389

2.240

3.132

6.074

2,61

2,48

China

245

739

2.124

6.188

22.983

8,56

4,98

Índia

222

495

1.098

2.267

10.074

5,73

5,68

Outros Países da Ásia

363

1.387

3.099

5.401

14.884

4,36

3,83

África

203

550

905

1.322

2.937

2,96

3,00

“RESTO”

2.148

6.624

12.117

20.648

61.460

4,19

4,12

MUNDO

5.341

16.022

27.136

40.913

96.580

3,21

3,23

Fonte: HARVEY (2011, p. 31).

 

É importante observar que no mundo subdesenvolvido tal crescimento é fortemente marcado por desigualdades socioterritoriais e regionais, isto é, segregação social nos próprios países e numa mesma região, a exemplo da América Latina e África. A título de exemplificação, verifica-se que a China e a Índia apresentam significativas taxas de crescimento médio anual, no entanto convivem com sérios problemas sociais, como o cerceamento das liberdades individuais e grupais, analfabetismo, baixa remuneração da força de trabalho, precárias condições de trabalho, déficit no sistema de saúde, no saneamento básico, insegurança, etc.

Diante desse processo, o investimento de capital no setor produtivo é feito de forma extremamente seletiva e desigual, concentrado espacialmente, o que interfere decisivamente na divisão territorial do trabalho, gerando regiões densas e dinâmicas economicamente, ao lado de regiões e zonas periféricas, opacas, habitadas por populações pobres, muitas vezes indigentes; exemplo disso é o que ocorre nas zonas do agronegócio brasileiro, onde convive lado-a-lago as grandes multinacionais, produtoras de commodities para a exportação, avizinhadas por grupos humanos pauperizados e indigentes.

Assim, conforme explicitado, a América Latina apresenta importante potencial econômico, a partir da capacidade produtiva e de consumo de países como o Brasil e a Argentina, no entanto, níveis elevados de indigência e de pobreza mantêm-se nesses mesmos países, assim como nos demais. A segregação social chega a níveis extremos, isto é, empresas e agentes capitalistas regionais constituem o seleto grupo dos mais ricos do mundo, ao passo que boa parte da população vive abaixo da linha de pobreza, mantendo-se, sobretudo analfabeta, mal alimentada e desassistida socialmente. Só no Brasil, o Estado reconhece e estima que aproximadamente 30 milhões de pessoas vivam nessas condições.

Sem embargo, o país deixou de ser essencialmente agrário-exportador até meados do século XX, para se tornar a sexta economia do mundo no início do século XXI, o que tem implicado necessariamente na produção e reprodução simultânea da riqueza e da pobreza. Ao estudar as desigualdades socioespaciais no Brasil, Souza (2006, p. 26) afirma que a produção da riqueza “paradoxalmente, se reverte a cada dia em um cruel, persistente e agravante sistema de pobreza, com todas as suas consequências desumanas: a fome, o analfabetismo, as epidemias, a violência, que afeta toda população brasileira, mas sobretudo os mais pobres”. E isso ocorre em todos os estados, cidades e regiões do país.

Por causa das desigualdades socioespaciais e regionais, e relacionado ao processo de integração econômica, no contexto do MERCOSUL o Brasil e a Argentina se constituem em países de forte convergência de imigrantes. Por exemplo, só em São Paulo (maior metrópole regional) estima-se que vivem cerca de 100 mil imigrantes bolivianos[11], boa parte destes submetida a condições de trabalho análogo ao trabalho escravo. Mas, somam-se a esses, milhares de imigrantes peruanos, colombianos, venezuelanos, equatorianos, etc., todos praticamente submetidos a uma mesma lógica de expropriação e exploração do trabalho, bem como vivendo nas mesmas condições de vida, isto é, sujeitos a precárias condições alimentares, de moradia, de saúde, de educação e segurança.


Considerações finais

Algumas questões emergiram no decorrer dessa análise sobre a política de integração econômica regional no mundo subdesenvolvido, sobretudo na América Latina e particularmente a partir da política do MERCOSUL. O texto buscou apresentar aspectos relevantes da política de integração econômica regionalizada mundialmente, em curso desde o final do século XX, mostrando que apesar do discurso que eleva a perspectiva de “integração” entre países, produz-se e reforçam-se as desigualdades inter e intraregionais, bem como nos territórios nacionais dos países membros dos mercados comuns.

Trata-se de uma capacidade de integração, sobretudo econômica, tendo em vista a política de exportações e importações de mercadorias, insumos e aquisição de tecnologias, a qual vem sendo adotada pelo bloco. Nem de perto tal política permite a integração de culturas, por exemplo. A relação de integração e interação estabelecida não representa simetria política ou econômica, basta avaliar o desempenho do Brasil e da Argentina no contexto do MERCOSUL face aos demais países membros, Uruguai, Paraguai e Venezuela.

Negligenciam-se problemas como os conflitos territoriais, historicamente presentes nos países “integrados”, assim como normalmente desconsidera-se ou pouco se atenta para a complexa questão das fronteiras nacionais, para os recursos e os interesses em jogo, questões ambientais, questões étnicas, culturais, violência, tráfico de pessoas, de mercadorias e de drogas, etc., a exemplo dos sucessivos e frequentes eventos que ocorrem na fronteira do Brasil com os países limítrofes, problemas esses relacionados a essas e outras questões socioambientais.

Assim, entende-se que muitas vezes os blocos econômicos (e os mercados comuns) legitimam e/ou aumentam as desigualdades e as contradições socioespaciais nos países e regiões. Isso ocorre principalmente devido à seletividade espacial do capital que prima pela concentração de investimentos, técnica e informação nos territórios, reforçada pelos avanços da ciência contemporânea, também desigualmente constituídos e distribuídos.

Portanto, no MERCOSUL destaca-se a posição do Brasil e da Argentina no cenário regional, considerando os níveis diferenciados de industrialização e desenvolvimento que esses países apresentam apesar das suas próprias desigualdades socioterritoriais. No caso do Brasil, o país deixa de ser essencialmente agrário-exportador em meados do século XX, com sua população vivendo, sobretudo no campo, e passa a ser a sexta maior economia do mundo no início do século XXI, com sua população vivendo, sobretudo no espaço urbano, sem, contudo alterar a complexa estrutura social marcada por uma elevada concentração de riqueza por parte de uma minoria. Reproduz-se então uma dramática situação de geração e produção de riqueza e pobreza simultaneamente, tanto no campo quanto na cidade.

Internamente, o país também apresenta fortes desigualdades regionais, a exemplo do que se observa no contexto das exportações para o MERCOSUL, pois sobressaem as relações do Centro-Sul do país, considerado mais industrializado e mais desenvolvido, em detrimento das regiões Norte e Nordeste, consideradas as regiões mais pobres do país. Diferenciam-se também os níveis regionais de pobreza e de indigência, considerando que essas últimas regiões são as áreas que apresentam maior gravidade e complexidade quanto a tais questões. Ademais, no contexto do MERCOSUL, os outros países-membros apresentam desempenhos e papéis incipientes, se comparados ao Brasil e a Argentina, evidenciando dependência, sobretudo econômica e tecnológica, embora marcados por especificidades e diferenciações.

 

Notas

[1] Castells, 2007, p. 143.

[2] Arroyo, 2006.

[3] Ianni, 1996, p. 132.

[4] Arroyo, 2006.

[5] Portal Global 21 – Guia do Exportador, 2012.

[6] Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil, 2012.

[7] Portal Global 21 – Guia do Exportador, 2012.

[8] Dollfus, 2002, p. 35.

[9] Harvey, 2011, p. 34.

[10] SEN, 2001.

[11] Cacciamali & Azevedo, 2005.

 

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Ficha bibliográfica:

AZEVEDO, Francisco Fransualdo de. A América Latina face à política de integração econômica regional no mundo subdesenvolvido. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de noviembre de 2012, vol. XVI, nº 418 (62). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-418/sn-418-62.htm>. [ISSN: 1138-9788].

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