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Νndice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. VI, núm. 119 (50), 1 de agosto de 2002

EL TRABAJO

Número extraordinario dedicado al IV Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)
 

TRABALHO E EXCEDENTE NA ORIGEM DE UMA CIDADE

Maria Abel Machado
Doutora em História - Universidade de São Paulo


Trabalho e excedente na origem de uma cidade (Resumo)

Caxias do Sul, surgiu na segunda metade do século XIX, como parte da política imigratória brasileira, reforçada pela Lei de Terras e pelos interesses do regime imperial em povoar as zonas desertas com mão-de-obra européia. Para tanto, a partir de 1875, foram trazidos imigrantes italianos que, na qualidade de agricultores, receberam um lote rural, num sistema de minifúndio e com a obrigatoriedade da utilização de mão-de-obra livre e branca, já que no Brasil ainda vigorava o regime de escravidão. Vencidas as primeiras dificuldades, o trabalho do agricultor transformou a economia de subsistência em uma economia de mercado, a partir do surgimento de excedentes que possibilitaram a criação de um comércio inter-regional e interestadual, responsável pelo surgimento de uma cidade que mais tarde se tornou um pólo econômico importante para a região.

Palavras chave: trabalho, agricultura, economia, mercado, Caxias do Sul (Brasil).


Work and surplus in a city's origin (Abstract)

Caxias do Sul arose in the second half of the 19th century, as part of the Brazilian Immigration policy, reinforced by the low of lands and also for the interests of the imperial regime in populating the deserted zones with European labourforce. Thus, from 1875, Italian immigrants were brought over to work as farmers and given a rural lot according to a small property system and being only allowed to use free and white labourforce, since in Brazil the slavery regime was still invigorating. Having overcome the first difficulties , the farmers’ work transformed a subsistence economy in a market economy, which started with the appearance of surpluses that facilitated the creation of an inter-regional and inter-state trade, responsible for the development of a city that later become an important economic area for all that region.

Key- works: work, economy, agriculture, market, Caxias do Sul (Brazil).


A cidade de Caxias do Sul localizada no extremo Sul do Brasil, no Estado do Rio Grande do Sul, teve a sua origem num projeto do governo imperial brasileiro, no século XIX, de colonização e povoamento das regiões despovoadas, com base na política de implementação de núcleos colônias de pequenas propriedades, onde devia vigorar o regime de mão-de-obra livre e branca, contrapondo-se ao trabalho escravo que sustentava o modelo agro-exportador brasileiro.

A Província do Rio Grande do Sul dedicada a atividade agro-pastoril, passava por dificuldades econômicas ligadas a esse setor, porque sofria a concorrência dos países do Prata, Uruguai e Argentina, ao mesmo tempo que tinha problemas com a mão-de-obra escrava que sustentava o trabalho nas charqueadas.

Nesse contexto, a Província do Rio Grande do Sul passou por dois momentos importantes que definiram um novo perfil, propiciando uma conjuntura favorável ao seu desenvolvimento econômico: o primeiro se deu a partir de 1824 com a entrada de imigrantes alemães e o segundo em 1875, com a chegada dos primeiros imigrantes italianos. Com isso, procurou-se fortalecer a atividade ganadeira, que era o alicerce da economia local, criando uma economia complementar baseada na agricultura, na pequena propriedade e na mão-de-obra livre e branca.

A localização dos imigrantes europeus obedeceu a um projeto que o diferenciava da grande propriedade rural ganadeira, respeitando as sua áreas de ocupação e, ao mesmo tempo, povoando áreas que ainda estavam vazias da presença do homem branco, constituídas por terras devolutas. "Tanto a área ocupada pela colonização alemã como, posteriormente, aquela ocupada pela colonização italiana foram áreas desprezadas geograficamente e economicamente pela grande propriedade". (SANTOS. 1978, P. 16).

Os imigrantes alemães que chegaram cinqüenta anos antes dos imigrantes italianos, foram assentados nos vales dos principais rios da Província, próximos à capital Porto Alegre, como os Rios dos Sinos, Taquari, Jacui e Cai. Ocuparam as melhores terras, dando início à produção de gêneros alimentícios para atender o mercado interno. Em 1875, teve início a imigração de italianos, que foram assentados no restante das terras devolutas, constituídas em grande parte pelas serras na Encosta Superior do Nordeste do Rio Grande do Sul, região montanhosa, revestida de florestas e localizada numa altitude superior a 750 metros.
 

A Colônia Caxias

Definida a região que passaria a sediar a Colônia Caxias, as autoridades responsáveis pela fixação dos imigrantes, preocuparam-se em criar um pequeno núcleo urbano, onde deveriam se estabelecer os funcionários da Comissão de Terras e Colonização, para administrar a distribuição dos lotes rurais e o assentamento dos colonos-imigrantes. Este núcleo deu origem à cidade de Caxias do Sul.

Figura 1
Primeira planta oficial de Caxias - 1890

Conforme é possível observar na Figura 1, o núcleo urbano da Colônia Caxias era formado de algumas poucas ruas e um largo destinado a uma praça central. A Sede se destinava preferencialmente, para a construção dos edifícios das repartições públicas necessárias à administração da Colônia, como o barracão para receber os imigrantes, a igreja, o cemitério e algumas casas de comércio e de prestação de serviços, para o atendimento das necessidades básicas da população. A atividade econômica principal estava centrada na agricultura, cujo modelo de produção estava baseado na pequena propriedade e na mão-de-obra familiar. Dessa forma, cada família com o seu lote rural passou a constituir uma unidade econômica de produção.

O imigrante, ao receber a sua terra, teve de se dedicar ao trabalho de forma integral porque recebeu uma área coberta de florestas, com ausência de estradas e de qualquer benfeitoria que pudesse amenizar a sua tarefa de fixação. Enfrentou ainda, o isolamento tanto das outras famílias imigrantes como a distância dos centros comerciais, além da dificuldade natural do idioma. Começou por derrubar as matas, tirar das árvores a madeira para construir as casas e os galpões necessários ao abrigo da família e dos animais, arrotear a terra para lançar as primeiras sementes e colher os primeiros frutos, dedicando-se inicialmente a uma economia de subsistência para garantir a sua sobrevivência. Todo o trabalho era realizado pelos membros da família e obedecia a uma divisão interna, conforme o sexo e a idade. O "colono" era o dono da terra, o dono dos instrumentos de trabalho e tinha à sua disposição a mão-de-obra dos membros da família, por cujo trabalho não recebiam salário. Com isso, ficava sedimentado o modelo de agricultura familiar baseado na pequena propriedade, "um sólido vinculo jurídico com a posse da terra, segurança que não tinham os homens livres agregados das grandes fazendas na vigência da escravidão". (SANTOS. 1978, p. XI).

Na pequena propriedade o colono procurava suprir as necessidades mais prementes, mesmo de forma rudimentar, deixando para adquirir de fora somente aqueles produtos que não tinha possibilidade de produzir ou fabricar. Aos poucos, começou a tirar da terra um excedente, isto é, a produção maior que a necessária para o sustento da família, constituído de produtos agrícolas como milho, feijão, batatas, aveia, e ao mesmo tempo que passou a produzir uma série de produtos agroindustriais como farinha de trigo, banha, embutidos, geléias e variados doces de frutas, vinho, erva-mate e madeira, produtos esses que passaram a ser comercializados com os centros consumidores mais próximos, representados por São Sebastião do Cai e os Campos de Cima da Serra. São Sebastião do Cai, que tinha o comércio melhor estruturado, ficava a 66 quilômetros de distância da Colônia Caxias. A região a ser percorrida era de serra, coberta de matas, sem estradas, apenas com algumas picadas e caminhos íngremes, abertos a picareta.

Os comerciantes teuto-brasileiros dominavam as atividades mercantis e se tornaram os intermediários entre os produtores das colônias italianas e o comércio da capital do Estado. Essa intermediação encarecia os produtos coloniais e reduzia os lucros dos comerciantes da zona italiana. O transporte das mercadorias de São Sebastião do Caí para Porto Alegre, era feito por via fluvial, através do Rio Cai, o único meio de transporte economicamente viável naquele período.

Para o agricultor que produzia o excedente, ficava muito difícil levar os seus produtos até os centros consumidores. Suas dificuldades começavam com a sua retirada da unidade colonial, de onde o transporte era feito em cargueiros ou em carretas puxadas por animais, por picadas ou estradas estreitas e em péssimo estado de conservação e terminava na entrega aos comerciantes do núcleo urbano, por preços aviltantes e na maioria das vezes no sistema de troca. Os comerciantes mantinham um serviço de cadernetas, onde era registrado o movimento anual do produtor rural, constituído pelo fornecimento dos produtos agrícolas e pela compra daqueles artigos que não produzia. Ao término de cada ano era feito um encontro de contas e o saldo negativo invariavelmente, pendia para o lado do produtor rural.

Já em 1884, a produção agrícola impressionava o primeiro Cônsul italiano que visitou Caxias, Pacale Corte, que assim se manifestou: "a agricultura é e será sempre a base da riqueza do nosso colono. O fomento nos terrenos recém desmatados permite um produto extraordinário, ou seja, 80 vezes a semente, enquanto que nos outros conseguem apenas 25 a 30 [...]. A abundância dos alimentos é tanta que se dá como parte para os animais. O vinho se oferece em quantidade aos visitantes, sempre gratuitamente. A abundância do alimento e do vinho e o ar salutar produzem por conseqüência bens naturais, isto é, ânimo jovial, força, robustez e longa vida" (Corte, 1884, p. 59)

O excedente agrícola possibilitou que houvesse uma condição básica para a aglomeração de indivíduos dedicados de forma permanente a atividades não agrícolas. (Serra, 1993, p. 43). Os comerciantes locais assumiram a condição de intermediários na comercialização dos produtos coloniais, auferindo os maiores lucros, enquanto que o produtor rural vivia numa situação de dependência cada vez maior dos comerciantes, que controlavam a produção, estabeleciam as trocas e os preços dos produtos e decidiam sobre o crédito. Com isso, a acumulação de capital se deu através das casas comerciais que geraram o capital necessário ao investimento em novas atividades, especialmente na indústria, a partir da Primeira Guerra Mundial.
 

O Núcleo Colonial - Sede Dante

A condição básica para os italianos imigrarem para o Brasil era de que fossem agricultores, contudo, inúmeras famílias das que se estabeleceram na Colônia Caxias com passaporte de agricultores, não tinham nenhuma relação com a terra, daí porque foram ocupando os lotes urbanos do núcleo colonial e passando a trabalhar em atividades como artesanato, manufaturas e oficinas de vário labores, destinados à fabricação de utensílios domésticos e instrumentos de trabalho, necessários no dia a dia da população tanto urbana como rural. Estabeleceram-se ao redor da praça, que servia também de local para as feiras que aconteciam aos domingos, quando os colonos deixavam as suas propriedades para assistirem a missa na igreja da Vila. Aproveitavam para negociar os seus produtos com pequenos comerciantes, com a população e inclusive, entre os próprios produtores.

Uma primeira relação de moradores da Sede Dante, do período de 1876 a 1883, revela que muitos trouxeram em sua bagagem, além do sonho de uma nova terra, um oficio, uma profissão, como alfaiate, carpinteiro, pedreiro, tanoeiro, costureira, fabricante de móveis, de sabão, ferreiro, boticário, oleiro, sapateiro, escultor, marceneiro, pinto, confeiteiro, relojoeiro, funileiro, entre outras: "a maior parte são agricultores, os demais fazem de tudo e tem muitas profissões. Tem escultores de madeira, pintores e fotógrafos [...]" (Brichanteau, 1893, p. 108-128).

Temos ainda que considerar o fato de que a Itália, no período da grande emigração do final do século XIX, estava se industrializando, o que permitiu que muitos dos imigrantes tivessem contato com as novas tecnologias, facilitando assim a implementação de pequenos estabelecimentos manufatureiros como funilarias, carpintarias, olarias, ferrarias, ourivesarias, fábricas de móveis, de sabão, de bebidas e de tecidos, moinhos, etc.

As distâncias dos centros urbanos e as dificuldades das estradas e dos meios de transporte forçaram o desenvolvimento das atividades manufatureiras para o atendimento das necessidades mais prementes da população. Porém as casas comerciais cresciam mais do que os demais estabelecimentos empresariais, movidas pelo aumento da produção agrícola e agro-industrial, que se acumulava a cada safra. Em 1883, já existiam em toda a Colônia 92 casas comerciais. Com isso, o núcleo urbano da Colônia Caxias, transformou-se rapidamente num entreposto comercial na região, que ficava entre os Campos de Cima da Serra de São Francisco de Paula e São Sebastião do Caí, que até 1910, intermediava o comércio com a capital do Estado. A partir de 1910, com a inauguração da Estrada de Ferro ligando Caxias a Porto Alegre, o comércio passou a ser feito diretamente com a capital do Estado, eliminando os intermediários teuto-brasileiros de São Sebastião do Caí e também da própria capital e aumentando o lucro dos comerciantes caxienses.

As casas comerciais assumiram assim, a função típica de trocas. Era o local onde ficavam armazenados os bens de consumo e onde era feita a distribuição dos produtos que vinham de fora. Muitas vezes, no entanto, o comerciante era também, o representante dos mais diversos negócios da capital e atuava como "banqueiro", recebendo dinheiro dos colonos e emprestando quando necessário. Tornava-se muito conhecido e possuía um considerável prestígio no meio colonial. Com o aumento do capital de giro, o comerciante diversificou os seus investimentos: "a medida que os colonos imigrantes deixaram de produzir apenas para a subsistência e passaram a produzir excedentes de produtos agrícolas, transformaram a agricultura colonial em um dos elementos fornecedores do capital comercial, possibilitando, através dessa acumulação, novos investimentos direcionados à indústria". (Heredia, 1997, p. 59)

O incremento das atividades econômicas da Colônia Caxias logo chamou atenção das autoridades provinciais que no ano de 1884, emanciparam a Colônia, anexando-a ao município de São Sebastião do Caí, como 5o. Distrito e no mesmo ano foi elevada à categoria de freguesia, desvinculando-se da Paróquia de São José do Hortêncio de Feliz e passando a formar a Paróquia de Santa Tereza de Caxias. Contudo, o desejo das lideranças locais era chegar à condição e município, porque, além de facilitar a administração, tornava a região independente e com autonomia para decidir sobre o seu próprio destino.
 

Criação do município de Caxias

Em 1890, através do Ato estadual 257, de 20 de junho, foi criado o município de Caxias. A sua população já tinha ultrapassado os dezesseis mil habitantes. O núcleo urbano permaneceu na condição de "Villa" e só no ano de 1910, foi elevado à categoria de cidade. Contava então, com uma população de 32.000 almas e um crescimento econômico muito significativo para a região e para o Estado, dados que foram usados como argumento no próprio Decreto 1607, de lo. de junho: "a Villa de Caxias crescia muito rápido, tendo como sustentação econômica uma agricultura forte que produzia milho, trigo, feijão, favas, ervilha, cevada, batata e centeio, produtos exportados para a capital e outros centros consumidores. As frutas como maçã, pêra, pêssego, marmelo, ameixas e uvas também eram exportadas. A criação de animais como gado suíno, caprino e ovino e aves domésticas, permitia a exportação de banha, presunto, salame, manteiga e ovos. A farinha de trigo, a madeira cortada em tábuas de diversas bitolas, aumentava muito os índices de exportação, além do vinho que ocupava o primeiro lugar na pauta dos produtos exportados para os mercados das Regiões Sul e Sudeste do País". (Machado,  2001, p. 117)

A criação do município de Caxias trouxe para a sua população as vantagens da autonomia que procurava, mas exigiu também um esforço grande na organização de suas lideranças, para que pudessem assumir os encargos correspondentes. Pela forma como foi feita a colonização na região, o governo estadual continuou mantendo o controle sobre o novo município, através da nomeação dos primeiros Intendentes, cujo escolha era feita entre seus funcionários categorizados e de confiança do partido político no poder. Como não tinham nenhum grau de identificação com as lideranças locais ou com a população em geral, eram motivo de desconfiança, mal estar e de muitos conflitos, especialmente no decorrer dos primeiros anos.

À medida que os comerciantes foram se fortalecendo como grupo, assumiram a liderança da economia e passaram a se organizar em comissões para reivindicar, entre outras coisas, a melhoria das estradas, o estabelecimento de normas e regras de conduta para regulamentar as atividades concernentes aos diversos segmentos da sociedade. No entanto, na maior parte das vezes, não eram atendidos. Desgostosos com a situação e cônscios da força que possuíam, decidiram criar uma associação que pudesse representá-los com maior poder de reivindicação. Assim, no dia 8 de julho de 1901, fundaram a Associação dos Comerciantes, entidade que tinha a finalidade de intermediar as relações com o poder público e com as instituições congêneres, existentes em outros municípios.

A nova entidade procurou plasmar o seu trabalho com base na união dos diversos setores produtivos, buscando, através da intermediação e agindo em nome dos associados, interferir no curso de processos decisórios de questões consideradas essenciais para o bom andamento de suas atividades econômicas.

O crescimento econômico, impulsionado pela agricultura, refletiu-se fortemente na zona urbana, onde o comércio, liderando a economia, aumentava o número de estabelecimentos em todo o município, chegando à casa dos 160, no ano de 1910. Ao lado do comércio cresciam também as indústrias, os artesanatos e os estabelecimentos de prestação de serviços, conforme é possível observar no Quadro no. 1, que possibilita comparar os dados do município com a cidade, assim como, visualizar a diversidade de atividades existentes, característica que sempre acompanhou a economia caxiense.
 

Quadro 1
Estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços do Município de Caxias – 1910/1911
Nº  Estabelecimentos Município Cidade
1 Casas comerciais 160 45
2 Alambiques de graspa 186 –
3 Engenhos de aguardente 10 –
4 Moinhos de trigo 74 –
5 Curtumes 10 –
6 Serrarias hidráulicas 24 –
7 Serrarias a vapor 14 –
8 Estabelecimentos vinícolas – 3
9 Açougues 25 –
10 Alfaiatarias 22 13
11 Stúdios fotográficos 4 3
12 Barbearias 7 6
13 Olarias 5 3
14 Casas de pasto 9 6
15 Carpintarias 6 2
16 Cervejarias 8 2
17 Fábricas de salame e outros 6 2
18 Fábricas de cadeiras e artefatos de vime 4 2
19 Fábricas de pós inseticidas 2 –
20 Fábricas de vassouras 2 –
21 Fábricas de pólvora 1 –
22 Fábricas de fogos de artifício 2 –
23 Fábricas de erva-mate 15 –
24 Fábricas de tecidos de lã e algodão 1 –
25 Fábricas de carros, seges e outros veículos – 2
26 Fábricas de chapéus de palha – 5
27 Fábricas de água mineral e gasosa – 1
28 Fábricas de sabão – 1
29 Fábricas de massas alimentícias – 1
30 Fábricas de tecidos de seda – 1
31 Ferrarias 38 1
32 Funilarias 10 4
33 Marcenarias 7 5
34 Artigos de barro 1 –
35 Padarias 8 7
36 Selarias 19 6
37 Sapatarias 33 10
38 Relojoarias 6 5
39 Farmácias 4 3
40 Carretas de frete 218 32
41 Diligências de aluguel 5 4
42 Hotéis – 1ª classe – 4
43 Hotéis – 2ª classe 6 2
44 Carros de praça – 15
45 Cafés-restaurantes – 4
46 Confeitarias – 3
47 Drogarias – 1
48 Depósitos de máquina – 1
49 Torrefações e moagem de café – 2
50 Oficinas de escultura – 2
51 Livrarias – 2
52 Tipografias – 2
53 Lojas de modistas – 2
54 Oficinas mecânicas – 3
55 Ourivesarias – 6
56 Oficinas de caldeira – 1
57 Oficinas de fundição – 4
58 Tanoarias – 2
59 Oficinas de artefatos de metal – 3
Fonte: Resumo Histórico e Estatístico do Município de Caxias. 1909/1911. Intendência Municipal. Arquivo Histórico Municipal.

A falta de dados relativos à produção agrícola e agroindustrial dos anos anteriores, impossibilita que seja feito um estudo comparativo com a produção do ano de 1911. Contudo, os números correspondentes às exportações realizadas no período são significativos e permitem afirmar que o município de Caxias realmente tinha se transformado no entreposto comercial da região entre os Campos de Cima da Serra, as Colônias do Nordeste do Estado e a capital, possibilitando uma certa autonomia e liderança perante as cidades vizinhas,
 
 

Quadro 2
Produtos exportados pela estrada de ferro. 
Período: 1 de janeiro a 30 de setembro de 1911
Produtos exportados
Quantidade
 
Garrafas de vinho
7.824
unidades
Décimos de vinho
195
unidades
Quintos de vinho
65.287
unidades
Bordalesas de vinho
11
unidades
Medidas de vinho
1.968.354
unidades
Banha
397.940
quilos
Erva-mate
500.000
quilos
Ovos
21.863
dúzias
Cestas de vime
694
unidades
Salame e presunto
15.718
quilos
Tábuas
13.442
dúzias
Chapas para serigotes
3.646
unidades
Cadeiras
1.391
unidades
Cabos de vassouras
470
unidades
Toucinho
714
quilos
Mel
22.804
quilos
Frutas diversas
91.086
quilos
Carne de porco salgada
50.562
quilos
Cera
3.186
quilos
Tremoços (leguminosa)
8
sacos
Cestas de palha
3.326
dúzias
Aveia
295
sacos
Cevada
69
sacos
Feijão
4.6090
sacos
Milho
1.620
sacos
Arroz
103
sacos
Pranchões
1.208
dúzias
Ripas
40
dúzias
Caibros
255
dúzias
Tirantes
1.104
dúzias
Paus de vime
9.471
unidades
Fonte:: Resumo Histórico e Estatístico do Município de Caxias. 1909/1911. Intendência Municipal. Arquivo Histórico Municipal.

O movimento econômico de Caxias se refletiu também sobre a arrecadação para os cofres públicos, demonstrada na tabela abaixo, conforme dados fornecidos pela Intendência Municipal, dos anos de 1910 e 1911.
 

Quadro 3
Arrecadação do Município de Caxias – 1910/1911
Órgão arrecadador 
1910
1911
Intendência Municipal 
111.031.250
112.462.567
Coletoria Estadual 
118.420.069
66.290.610**
Coletoria Federal 
32.600.000 
33.200.000
Estação Telegráfica 
6.504.135
---
Agência do Correio 
4.716.400
4.878.100
* Os dados de 1911 se referem ao período de 9 meses
** Os dados de 1911 da Coletoria Estadual correspondem a 6 meses
Fonte: Resumo Histórico e Estatístico do Município de Caxias – 1910/1911 Intendência Municipal - Arquivo Histórico Municipal

No mesmo ano de 1910, foi inaugurada a primeira agência bancária de Caxias, uma filial do Banco da Província do Rio Grande do Sul, com um movimento de caixa superior a 600.00$000 (seiscentos contos de réis) e com depósitos populares em conta corrente que somavam 490.000$000 (quatrocentos e noventa contos de réis), em 31 de maio de 1911.

A medida que as atividades produtivas cresciam, a população urbana também crescia, atraída pelas possibilidades de trabalho no setor empresarial. Devemos lembrar que a colonização foi feita obedecendo a um critério de distribuição dos lotes rurais no sistema de minifúndio. Os lotes não tinham as mesmas dimensões em metros quadrados, variando o tamanho em função de alguns fatores determinantes conhecidos ou não, como a existência de água, os acidentes geográficos, entre outros. Todavia, em média os lotes rurais tinham de 20 a 30 hectares e com o passar do tempo, foram se tornando pequenos para abrigar os filhos dos imigrantes que formavam suas novas famílias, obrigando-as a deixar a terra para buscar sua sobrevivência no meio urbano. A cidade, por sua vez, oferecia boas oportunidades de trabalho, especialmente a partir da Primeira Guerra Mundial, com as dificuldades de importação de peças e máquinas para a reposição e abastecimento das necessidades locais. As empresas tiveram de aumentar a sua capacidade produtiva e precisaram de mão-de-obra, facilitando as oportunidades de emprego, mesmo para aqueles que não tinham nenhuma qualificação. A população urbana que em 1900 representava 10% da população rural, foi crescendo a cada década, chegando em 1940, a 50% da população total do município.
 
 

Quadro 4
População rural e urbana – 1900 a 1940
Anos
População Total
População Urbana
%
1900
24.997
2.500
10,1
1910
23.965
3.742
15,6
1920
33.773
7.500(*)
22,2
1930
32.622
9.975
30,57
1940
39.500
20.123
50,9
Fontes: Censos Demográficos do IBGE. SA. Men de. Aspectos econômicos da colonização italiana no RS. In. Álbum comemorativo ao 75º aniversário da colonização italiana no Rio Grande do Sul. P. 79, e DALLA VECCHIA, Marisa Formolo, et. Alli. Retratos de um saber. Porto Alegre: EST, 1998, p. 31. Os dados demográficos de Caxias do Sul, nos primeiros 50 anos de sua fundação são muito imprecisos, conforme os critérios adotados pelas distintas fontes. (*) estimativa
 

A Primeira Guerra Mundial e a industrialização

No final da segunda década do século XX e durante os anos 20, foram criadas as maiores indústrias de Caxias. Algumas das que já existiam aumentaram a sua capacidade de produção e fortaleceram a sua posição no mercado regional. Contando com uma mão-de-obra disponível, com a tecnologia apropriada e com o capital suficiente, a indústria se desenvolveu com características diferentes da indústria do Estado e uma origem diversa da industrialização do restante do País.

Com a utilização da matéria prima da região, da mão-de-obra abundante e barata e do capital oriundo do comércio, as indústrias puderam ampliar as suas atividades, passando a importar máquinas modernas e tecnologias novas. A construção de estradas, a melhoria das já existentes e a ampliação da rede de energia elétrica favoreceram a produção e ajudaram no escoamento para os mercados consumidores, mas foi a Primeira Guerra Mundial que acelerou o processo industrial, obrigando as indústrias a fabricarem máquinas e peças que antes eram importadas do exterior. Assim, tanto a adaptação ao mercado consumidor, como a adoção de modernas tecnologias foram fundamentais para a expansão do parque industrial caxiense e regional e a conquista de novos mercados.

Como resultado temos as maiores empresas da região concentradas em Caxias, num total de 74,42%. Uma quarta parte da população, que em 1923 era superior a 30.0000 habitantes, era constituída de operários, enquanto que 2/3 da população dos outros municípios era de pequenos produtores. Caxias tinha ainda, 19 empresas com o capital superior a 150 contos de réis, enquanto que nos outros municípios, poucas empresas tinham um capital superior a 10 contos de réis, o que permite demonstrar o potencial que já tinham conquistado.

Em meados da década de 20, quando a cidade comemorava cinqüenta anos de existência, (1925), o parque industrial de Caxias era o mais destacado da região, por seus equipamentos sofisticados, importados da Itália e da Alemanha. Com isso, os seus produtos ganharam o mercado consumidor nacional, passando a competir com outras regiões industrializadas do país. A crise que se abateu sobre a Alemanha e a Itália, depois da Primeira Grande Guerra , abriu também, a possibilidade para a exportação dos produtos industrializados para os mercados europeus, graças ao grau de especialização e de tecnologia que tinham alcançado. (MACHADO. 1998, p. 53 a 55).

A exportação para o mercado nacional e para o mercado externo permitiu a concentração de capital nas mãos de diversas famílias de empresários e a formação de uma sociedade de classes que se distanciou muito da sociedade de produtores rurais dos primeiros tempos. Com isso, pode-se dizer que Caxias do Sul e a Região de Colonização Italiana do Nordeste do Estado do Rio Grande do Sul, ao iniciar a década de 30, já estava integrada à economia nacional e estruturada em classes sociais.

A cidade, que mantinha as características da pequena "Villa", passou a exigir uma atenção maior do governo municipal. A população urbana já somava 30% do total da população do município. O traçado da cidade se mantinha o mesmo, mas o espaço ocupado havia crescido e reclamava por organização e infra-estrutura. As ruas centrais ainda eram muito irregulares devido às características do terreno, formado de rocha de basalto, dificultando o trabalho de urbanização, inclusive pela falta de recursos reclamados pelo poder público. Todavia, na década de 30 o centro urbano passou por profundas transformações com a pavimentação de ruas, canalização de água, esgoto, abertura de novas vias públicas, modificando a paisagem urbana e definindo o seu perfil de uma cidade planejada. Em contraposição, na periferia começaram a surgir os primeiros bairros operários, sem qualquer planejamento oficial e carente de infra-estrutura mínima, onde passou a se concentrar a população trabalhadora.

Figura 2
Planta da cidade de Caxias do Sul, na década de 1940

Fonte: Álbum comemorativo do 75o. aniversário de colonização italiana no Rio Grande do Sul, p. 267.


Bibliografia

BRICHANTEAU, Edoardo dei Conti. Emigrazione e colonie. Rapporti di RR Agenti Diplomatici e Consulare. Ministero degli Affati Esteri. Roma; G. Bertoto, 1893,  p. 108-128.

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© Copyright Maria Abel Machado, 2002
© Copyright Scripta Nova, 2002
 

Ficha bibliográfica

ABEL MACHADO, M. Trabalho e excedente na origem de uma cidade. Scripta Nova, Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, vol. VI, nº 119 (50), 2002. [ISSN: 1138-9788]  http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119-50.htm


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