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Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. VI, núm. 119 (62), 1 de agosto de 2002

EL TRABAJO

Número extraordinario dedicado al IV Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)
 

CRISE, REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E TRABALHO NAS REGIÕES METROPOLITANAS BRASILEIRAS

Marlene Maria Moreira Guimarães
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Departamento de pós-graduação de Geografia - Doutorado
Ilha do Fundão - Cidade Universitária/Rio de Janeiro/Brasil


Crise, reestruturação produtiva e trabalho nas regiões metropolitanas brasileiras (Resumo)

A partir dos anos 70, a sociedade global vem apresentando profundas transformações nas relações de trabalho e nos processos produtivos. Essas mudanças vinculam-se às grandes alterações no padrão de industrialização fordista, nos países centrais. As respostas dadas pelo capital diante da crise foram o neoliberalismo e a reestruturação produtiva, acarretando profundas mutações para o trabalho, como: o desemprego estrutural, a precarização do trabalho, etc. No Brasil, as mudanças se intensificaram a partir dos anos 90, com a adoção do receituário neoliberal. Os efeitos da crise têm impacto muito forte no conteúdo social e espacial das áreas urbanas, nos processos de produção, reprodução e gestão da força de trabalho. A queda do emprego formal, a contração dos salários e a precarização das relações de trabalho, são alguns dos problemas que se acentuam nas regiões metropolitanas.

Palavras chaves: crise,reestruturação produtiva,trabalho,regiões metropolitanas


Crisis and Re-structure productive in the Brazilian metropolitan regions (Abstract)

"Global" Society has carried out radical changes in work relationship and productive processes from the 70's onwards. Those changes are strongly linned to great alterations in the "fordist" industrialization model in the main economies. The capital's responses to such a crisis were neoliberalism and the re-structure in production triggering, therefore, a wide range of considerable changes. Structural unemployment, labour fragilization to mention just a few. In Brazil, however, these changes have been intensified in the 90's with the prescribed adoption of neoliberalism. The effects has caused a significant impact in the social and space condition in the urban areas, process of production and labour management. The fall of formal employement, wage reduction and work relationship fragilization are but some of the problems which have consistently risen in the country's main metropolitan areas affecting, thus, the labour market.

Key words: crisis,re-structure productive,work,metropolitan regions


Desde a virada dos anos 70/80 até os dias atuais, a sociedade global vem sendo marcada por profundas transformações nas relações de trabalho e nos processos produtivos. Essas mudanças vinculam-se às grandes alterações no padrão de industrialização fordista, consolidado no pós-guerra nas nações capitalistas avançadas. Tal paradigma, que vigorou desde o pós-guerra até o início dos anos 70, vem sendo substituído por um novo padrão de produção que depende cada vez mais de sua capacidade de inovação, de melhores produtos e de melhorias no processo de produção, de maneira a assegurar maior flexibilidade e elevação da produtividade. Nesse contexto, surgiram modelos de relações industriais capazes de fazer frente às novas condições da economia mundial deste final de século, configurando-se uma nova divisão internacional do trabalho que vai alterar profundamente sua divisão espacial, técnica e social.

Segundo Antunes ( 1995), a crise experimentada pelo capital -- e suas respectivas respostas, como o neoliberalismo e a reestruturação produtiva, que expressam a era da acumulação flexível, tem acarretado, entre tantas conseqüências, profundas mutações no interior do mundo trabalho, tais como: o desemprego estrutural, a precarização do trabalho, "além de uma degradação que se amplia, na relação metabólica entre homem e natureza, conduzida pela lógica societal voltada prioritariamente para a produção de mercadoria e para valorização do capital" ( Antunes, 1995: 45).

No Brasil, a crise econômica vai se acentuar no início da década de 80, quando a economia se torna cada vez mais internacionalizada e a sua dinâmica interna cada vez mais limitada pela exclusão e concentração de renda perdendo o fôlego de crescimento, mergulhando numa profunda recessão (1) Nesse período, embora o padrão de acumulação e o modelo econômico conservador adotado permanecesse o mesmo, já era possível presenciar algumas mutações organizacionais e tecnológicas no interior do processo produtivo e de serviços.

A partir dos anos 90 as mudanças em processo se intensificam com a implementação de inúmeros elementos do receituário neoliberal adotado pelos países centrais, e seguidos a risca pelo Brasil. Os efeitos da crise tem impacto muito forte no conteúdo social e espacial das aglomerações urbanas, nos processos de produção, reprodução e gestão da força de trabalho. A queda do emprego formal, a contração dos salários e a precarização das relações de trabalho são, entre vários, os problemas que se acentuam nas principais regiões metropolitanas do país, configurando-se também como uma crise tanto quantitativa quanto qualitativa do mercado de trabalho nas principais regiões metropolitanas do país.
 

Crise do fordismo e reestruturação produtiva da economia brasileira

No final da década de 60 e início dos anos 70, o modelo de industrialização fordista começava a dar sinais de saturação nos países centrais. Segundo Storper ( 1990), inicialmente a crise de produção nas economias avançadas pareceu "beneficiar" os países da América Latina, entre os quais se inclui o Brasil, uma vez que uma das respostas iniciais à crise por parte das indústrias dos países centrais era localizar novas filiais no Terceiro Mundo à procura de redução de custo dos fatores.

"os sistemas técnicos criados recentemente se tornaram mundiais, mesmo que sua distribuição geográfica seja, como antes, irregular e o seu uso social hierárquico (...) Os sistemas técnicos presentes, superpondo-se aos sistemas técnicos precedentes, como um sistema técnico hegemônico, utilizado pelos atores hegemônicos da economia, da cultura e da política torna-se um dado essencial do processo de globalização (Santos, 1994:42-43).

No Brasil, o desenvolvimento do fordismo periférico foi viabilizado a partir do financiamento externo estatal ou investimento privado fortemente subsidiado. O fordismo, enquanto princípio de organização ocorreu de maneira limitada e desigual no que se refere às diferenças regionais e setoriais( Ferreira, 1997).

A difusão desse sistema no Brasil vai apresentar características próprias, bem diferentes daquelas vigentes nos países centrais, adequando-se à nossa formação histórico-social e conjuntural, assumindo especificidades de cunho econômico, social e político.

No Brasil, a implantação do fordismo não acarretou a desqualificação da mão-de-obra devido às mudanças tecnológicas, ao contrário, ele significou alguma qualificação. A fraca organização e resistência da classe trabalhadora, a estrutura de cargos e salários, nunca assumiram o caráter das normas fordistas, muito pelo contrário, sempre foram impostas pelas empresas que se beneficiavam da grande disponibilidade de mão-de-obra e da profunda segmentação do mercado de trabalho. A estrutura sindical pouco expressiva e extremamente dependente do Estado, após o golpe militar de 1964 foi totalmente destruída, com proibição de greves e repressão violenta a qualquer manifestação contra as normas impostas pelos governos militares.

Nesse período, foi instituído o FGTS que abolia a estabilidade no emprego, aumentando a rotatividade da mão-de-obra, contribuindo para aumentar a superexploração e o caráter predatório da força de trabalho, pela intensificação do trabalho e pelo aumento da jornada de trabalho ( instituição da hora extra), além do congelamento dos salários.

A conjuntura política reforçou o caráter autoritário das relações capital/trabalho, com controle rígido por parte do estado sobre os salários e remunerações, sempre estabelecidas abaixo das taxas de inflação e do aumento da produtividade que não era paga.

Entretanto, do ponto de vista econômico, os resultados foram positivos, verificando-se um vigoroso crescimento tecnológico liderado pela indústria, desde o período do pós-guerra até 1980, período em que foi construída uma estrutura industrial moderna e diversificada.

No final dos anos 70 e início dos anos 80 esta situação se transformou radicalmente. O mercado internacional de crédito entrou em colapso, ao ocorrer a elevação dos juros norte-americanos, gerando a crise internacional do endividamento e a subseqüente retração dos fluxos financeiros internacionais, tendo o Brasil mergulhado num profundo impasse que se estendeu pela década de 1980. Esgotou-se a capacidade de autofinanciamento do setor produtivo e de mobilização de poupança compulsória pelo Estado. Num primeiro momento, as medidas de austeridade fiscal e monetária levaram a economia à recessão e, com isso, o desemprego exacerbou-se e os salários reais sofreram perdas. Nos anos 80 esgotava-se o padrão de intervenção do Estado que viabilizou o fordismo periférico (Melo, 1990: 176).

Segundo Mattoso "as opções adotadas pela política econômica (maximizando as exportações e retraindo o mercado interno) visavam assegurar o pagamento da dívida externa. O resultado foi uma década de estagnação e elevada inflação, sendo que o país, de absorvedor de recursos externos, tornou-se um exportador de divisas"(Mattoso,1999: 6)

O desemprego e a precarização cresceram no período de retração das atividades devido às intensas oscilações do ciclo econômico e do processo inflacionário, pois nos períodos de crise a primeira medida das empresas é a redução dos custos com a redução de mão de obra. Entretanto, foram preservadas as estruturas industrial e produtiva; o desemprego e a precarização das condições de trabalho eram relativamente baixos.

No Brasil este modelo não foi plenamente implantado pelo Estado, pois o Estado-Providência não assumiu as mesmas características dos países centrais, atuando de maneira restrita e seletiva na reprodução da força de trabalho, seja em termos de uma infra-estrutura, de modo a viabilizar o crescimento da produção, seja para viabilizar o consumo de massa.
 

Crise e mudanças no mercado de trabalho nas principais metrópoles brasileiras

Nos últimos anos, o medíocre desempenho da economia brasileira tem como resposta a deterioração da qualidade de vida nos principais centros urbanos, trazendo em seu bojo o aumento da pobreza , da violência e dos conflitos sociais( Sabóia, 1999).

No mercado de trabalho das principais metrópoles brasileiras - São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Recife, tem havido uma tendência à redução da mão-de-obra assalariada , assim como à precarização das relações de trabalho medida pela acentuada queda das relações formais de trabalho. Há dois movimentos verificados no mercado de trabalho que têm características distintas: o relativo ao assalariamento sem carteira atinge principalmente pessoas jovens, do sexo feminino, que entram no mercado de trabalho; e o relacionado ao trabalho por conta própria que é prioritariamente exercido por pessoas mais velhas, do sexo masculino, possuindo mais experiência. A redução do assalariamento não deve ser atribuída apenas à crise econômica, podendo ser relacionada a outras causas, tais como a tendência estrutural à terceirização da produção de bens e serviços.

O mercado de trabalho (2) vai apresentar um comportamento espacial diversificado segundo as características de cada região metropolitana e o seu grau de inserção na economia regional, nacional e global. Analisando os dados da tabela abaixo pode-se perceber o comportamento diferenciado para as capitais metropolitanas, num intervalo de tempo que atravessa todo o período da crise iniciada nos anos 80 e que se estende até a década de 90. As regiões podem ser classificadas em três grupos.

O primeiro corresponde à região metropolitana de São Paulo, que deve ser observada isoladamente, por ser o principal centro metropolitano do país, onde o mercado de trabalho é mais desenvolvido.
 

Tabela 1
População Ocupada por Posição na ocupação –Regiões metropolitanas  1982/92
  S P Porto Alegre R J B H Salvador Recife
Empregados 

Com carteira 

Sem carteira 

Por conta própria

79,0 

62,2 

16,8 

16,1

74,9 

61,5 

13,4 

20,1

73,1 

53,8 

19,3 

22,7

72,9 

53,6 

19,3 

22,1

69,7 

49,1 

20,6 

27,1

69,1 

44,0 

25,1 

27,4

Fonte: PME/IBGE ( Sabóia, 1997)

Em São Paulo, no período 1982/92 o número de trabalhadores com carteira assinada era de 62,2 por cento, e o assalariamento total – incluindo os trabalhadores sem carteira , chegava a 79 por cento. Sendo menor o percentual de trabalhadores por conta própria entre as regiões 16,1 por cento.

O segundo grupo é representado pelas outras regiões metropolitanas do Sul e Sudeste - Porto Alegre, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. A taxa global média de assalariamento neste período varia entre 72, 9 por cento em Belo Horizonte e 74, 9 por cento em Porto Alegre , enquanto os trabalhadores por conta própria situam-se entre 20,1 por cento em Porto Alegre e 22,7 por cento no Rio de Janeiro. A taxa de assalariamento com carteira assinada em Porto Alegre é bem mais elevada 61, 5 por cento, aproximando-se dos valores de São Paulo, enquanto no Rio de Janeiro e Belo Horizonte se reduz a 53,85 e 53,6 por cento, respectivamente. O percentual de empregados sem carteira assinada é bem maior no Rio e em Belo Horizonte (19,3 por cento) do que em Porto Alegre (13,4 por cento). A diferença entre as três regiões favorece a Porto Alegre.

O terceiro grupo engloba as duas regiões metropolitanas do nordeste – salvador e Recife - , onde a situação é bem pior. As taxas de assalariamento são as mais baixas, crescendo o assalariamento sem carteira assinada. Em Salvador, nesse período, o assalariamento global médio atinge 69,7 por cento e em Recife, 69,1 por cento . A participação do trabalho com carteira assinada era maior em salvador ( 49,1 por cento) que em Recife, onde era de 44,0 por cento, As duas metrópoles é que possuem as maiores taxas de assalariamento sem carteira assinada, sendo Recife, com 25 por cento, a campeã. As duas regiões também possuem os maiores percentuais de trabalhadores por conta própria, 27,1 por cento e 27,4 por cento, além de receberem as menores remunerações. Os diferenciais de rendimentos entre os três grupos de regiões são bem significativos, conforme se pode ver na tabela 2.
 

Tabela 2
Rendimentos do trabalho por posição na ocupação - regiões metropolitanas – 1982/92
( por cententagem em relação aos empregados com carteira assinada em relação a SãoPaulo)
  S P PortoAlegre R J Belo Horizonte Salvador  Recife
Empregados com carteira 100 77 80 74 81 61
Sem carteira 48 46 33 26 22 21
Por conta própria 76 61 50 44 39 31
Fonte: PME/IBGE

Os maiores rendimentos são pagos aos trabalhadores com carteira assinada em São Paulo, e os menores, em Recife, correspondendo a 61 por cento. Os trabalhadores por conta própria em São Paulo recebem mais que os trabalhadores com carteira assinada de Recife e Belo Horizonte, aproximando-se dos trabalhadores com carteira assinada de Porto Alegre e Rio de Janeiro. Os trabalhadores sem carteira de Recife e Salvador recebem pouco mais que a quinta parte dos trabalhadores com carteira assinada em são Paulo.

Pode-se concluir que os mercados de trabalhado regionais refletem as desigualdades econômicas entre as regiões metropolitanas Nos últimos onze anos têm sido consideráveis as flutuações dos mercados de trabalho metropolitanos. Esta dinâmica está associada ao comportamento da economia, com pequenas variações ao longo do tempo. No inicio da década há uma tendência de redução do assalariamento com carteira assinada e de crescimento do assalariamento sem carteira e por conta própria. Este movimento se modificou no período 1984/86, quando houve recuperação da economia durante o plano cruzado. No início dos anos 90 ocorre uma acentuada queda do emprego com carteira assinada, elevando-se o assalariamento sem carteira, e, principalmente, o trabalho por conta própria.

Em São Paulo, o emprego com carteira assinada sofre forte redução em 1984, recuperando-se ate 1986. Em 1990 inicia-se o processo de redução, apresentando as menores taxas em 1992. E continua em descenso. O movimento ocorrido em São Paulo repete-se em maior ou menor grau de intensidade nas outras regiões metropolitanas. Cabe destacar o crescimento do trabalho por conta própria, especialmente a partir de 1990. Os anos 90 vão se caraterizar pela ampla desestruturação do mercado de trabalho, que se tornou tão grave que o desemprego, apesar de extraordinário, afetando duramente milhões de pessoas, aparece como a ponta do icerberg. Menos visível é precarização das condições e relações de trabalho. As condições de trabalho tornaram-se crescentemente informais, precárias, com trabalhos e salários descontínuos, e de curta duração. Segundo pesquisas do IBGE, DIESE e SEADE, atualmente mais de 50 por cento dos ocupados das grandes cidades encontram-se em algum tipo de informalidade, sem registro de carteira e garantias mínimas de saúde, aposentadoria, seguro desemprego, FGTS.

As empresas brasileiras na atual fase de reestruturação, optaram por maior flexibilização da força de trabalho, sendo as mudanças tecnológicas ainda restritas e pontuais. Segundo Ramalho (1996), a introdução de novas formas de gestão tem significado grande mobilidade de mão-de-obra, crescimento do trabalho informal, redução dos salários reais na maioria dos setores e aumento da subcontratação, levando a uma precarização das relações de trabalho, devido ao aumento da terceirização e do desemprego, como podemos observar na tabela 3.
 

Tabela 3
Taxas de desemprego – Brasil (1) e São Paulo (2) 1989-1999
Tipos Desemprego 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Aberto (3)

Total (SP) 

Aberto-SP 

Oculto-SP 

Precário 

Desalento

3,4 

8,7 

6,5 

2,2 

1,5 

0,7

4,3 

10,3 

7,4 

2,9 

0,9

4,8 

11,7 

7,9 

3,8 

2,9 

0,9

5,8 

15,2 

9,2 

4,6 

1,4

5,3 

14,6 

8,6 

4,7 

1.3

5,1 

14,2 

8,9 

5,3 

4,0 

1,3

4,6 

13,2 

9,0 

4,2 

3,3 

0,9

5,4 

15,1 

10 

5,1 

3,8 

1,3

5,7 

16 

10,3 

5,7 

4,2 

1,5

7,6 

18,3 

11,7 

6,6 

4,6 

1,9

7,8 

19,5 

12,3 

7,2 

4,9 

2,2

Fonte: PED/SEADE-DIESE;PME/IBGE
1-Total das regiões metropolitanas; 1999 = média janeiro-maio
2- Região metropolitana de São Paulo; 1999 - média janeiro-junho

Nestes últimos anos, o desempenho produtivo foi inexpressivo, apresentando grandes dificuldades para ampliar o número de empregos capazes de absorver o aumento da população economicamente ativa. A crise do emprego abateu-se com intensidade sobre a indústria, repercutindo com força nos principais centros industriais, especialmente sobre a região metropolitana de São Paulo (Sabóia, 1999), acompanhada do desmonte das estruturas preexistentes, sem que se tenham colocado, no lugar, outras capazes de substituí-las ( Mattoso, 1999).

As dificuldades enfrentadas pelas indústrias são resultantes dos efeitos de oscilações do ciclo econômico, com efeito dramático sobre o mercado de trabalho, com taxas de desemprego aberto bastante elevadas. Se considerarmos o desemprego oculto e desemprego oculto por desalento o resultado é alarmante. Como podemos observar na tabela 3, durante o período entre 1993/95, ocorreu uma ligeira diminuição do desemprego, que voltou a crescer nos anos posteriores. Outro fator importante que contribuiu para fraco desempenho industrial foi a abertura da economia aumentando o nível da competição internacional, associado a importante processo de modernização, principalmente em termos organizacionais, elevando consideravelmente o nível de produtividade, sem ampliar, contudo, novas oportunidades de emprego.

Segundo Sabóia, à medida que as indústrias se modernizavam, ocorria paralelamente o seu deslocamento geográfico em dois sentidos. No sentido intraregional provocando o esvaziamento do principal pólo da indústria do país, dirigindo se para o interior do estado. E no sentido interregional, de modo mais amplo, se estendendo do centro de Minas Gerais ao nordeste do Rio Grande do Sul, principalmente em direção às cidades de porte médio, havendo uma tendência de mobilidade dos empregos para o interior (Sabóia, 1986), ( ver Diniz e Crocco1996). Para Mendonça (1999), nada indica que o deslocamento industrial para o interior tenha gerado um número suficiente de empregos capazes de compensar a evolução do desemprego nas regiões metropolitanas. Nada indica que tenha havido um deslocamento espacial do emprego que possa ter compensado minimamente a perda maciça de postos trabalhos que ocorreram nas grandes cidades. Como as mudanças são recentes não há pesquisas suficientes para confirmar tal tese, carecendo de maior aprofundamento.
 

Considerações finais

Ao longo dos anos 90, intensificou-se o processo de desestruturação do mercado de trabalho, quando foram destruídos cerca de 3,3 milhões de postos de trabalhos formais da foram destruídos 1, 8 milhões de empregos formais, segundo os dados do Cadastrado Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), do Ministério do Trabalho. Os subsetores mais atingidos foram os das indústrias têxtil ( -364 mil), metalúrgica ( -293 mil), mecânica (- 214 mil), química e produtos farmacêuticos ( -204 mil), e material de transporte ( - 92 mil). Na economia brasileira; só em 1995, quando Fernando Henrique Cardoso assumiu o governo, construção civil desapareceram cerca de 322 mil empregos formais. O setor financeiro reduziu cerca de 345 mil. Apenas o subsetor de serviços apresentou um comportamento positivo (alojamento, alimentação, reparação e diversos), com a criação de cerca de 160 mil postos de trabalho .

Além do desemprego, tem aumentado também a precarização das relações de trabalho, com o aumento do trabalho sem carteira assinada e a informalidade. Houve a preservação dos baixos salários e, sobretudo, a ampliação das diferenças de rendimentos dos ocupados, além de se acentuar a queda dos níveis de sindicalização.

O desemprego é inversamente proporcional à idade, chegando a atingir taxas de 50 por cento entre os mais jovens. Do ponto de vista do longo prazo, mostra a incapacidade do país de gerar novos postos de trabalho para absorver a força de trabalho jovem. Mas a curto prazo, o desemprego nessa faixa etária pode ser socialmente menos grave, pois, de um modo geral, os chefes de família - homens e mulheres – não estão concentrados aí. Acima dos 40 anos as pessoas têm dificuldades adicionais para encontrar uma vaga no mercado de trabalho, não pela idade, mas porque um grande número de pessoas possui baixa escolaridade.

O deslocamento de uma profissão para outra pressupõe uma base de escolaridade superior à do brasileiro médio. A requalificação profissional modifica a oferta de trabalho, mas não expande a demanda, que depende da retomada do crescimento econômico e de políticas sociais mais justas.

Outra desigualdade significativa refere-se àquela que se dá entre os sexos. As mulheres são as mais atingidas pelo desemprego do que os homens. Elas formam 40 por cento da força de trabalho urbana e correspondem a 50 por cento do contingente dos desempregados. Como muitas entram no mercado para complementar a renda familiar, tendem a ter menos experiências, além de terem inserção mais precária, com grande peso do emprego doméstico.

O desemprego é indicador social dramático, pois tem uma série de efeitos sociais e espaciais. Socialmente leva à desagregação familiar, ao trabalho infantil, amplia a violência urbana, aumento da miséria. Estas características são encontradas em maior ou menor grau em todas as regiões metropolitanas brasileiras.
 

Notas

(1) "a gestão passiva e conservadora ao longo dos anos 80 foi solidária com os grandes credores internacionais e sua lógica financeira evitou quaisquer mudanças estruturais. O objetivo primeiro foi pagar a dívida externa seguindo o receituário conservador: promovendo ajustes recessivos, acentuando a "competitividade espúria" de nossas exportações com ampliação de subsídios, dificultando ainda mais as importações, elevando juros para assegurar a rolagem da dívida interna, favorecendo, assim, a estagnação tecnológica e condenando a estrutura industrial `a virtual obsolescência em que hoje se encontra" ( Mattoso, 1991:10)

(2) O conceito de mercado adotado no texto inclui os trabalhadores por conta própria, considerada usualmente como pertencentes ao "mercado de produto"( Sabóia, 1997: 94)

(3) Baseando-se em recomendações da Organização Internacional do trabalho ( OIT), o IBGE mede apenas o desemprego aberto: a pessoa deve estar sem ocupação e sem rendimento, tendo buscado trabalho ativamente nos sete dias anteriores à pesquisa. Além disso ele considera ocupado quem trabalha pelo menos uma hora por semana. Os critérios do DIESE são mais amplos, pois aumenta para uma mês o período relevante para a procura de trabalho. Além disso considera mais dois tipos de desemprego: o oculto pelo trabalho precário ( o desempregado recebe alguma renda através de ocupação irregular) ou eventual e o oculto por desalento: a pessoa parou de procurar emprego, embora o deseje, porque percebe que não há oferta disponível ou não pode mais arcar com o custo da procura ( Mendonça, 1999: 10 –11) Jornal dos economista/marco/1999
 

Bibliografia

ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre a metamorfose e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortês, 1995.

FERREIRA, C.G. O "fordismo", sua crise e algumas considerações sobre o caso brasileiro. In: Nova economia. Belo Horizonte, 1991,vol. 7, n.2.

Lipietz, A. Miragens e Milagres: problemas de industrialização no terceiro mundo. São Paulo. Nobel, 1988.

Mattoso, J. Brasil desempregado. São Paulo. Fundação Abramo/Diese. São Paulo, 1999.

Mattoso, J. Notas sobre a Terceira Revolução Industrial: crise e trabalho no Brasil. São Paulo/USP – mimeo, 1991.

MELO, M. A. "Regimes de acumulação, Estado e articulação de interesses na produção do espaço construído"( Brasil, 1940/1988). In: Valladares & Pretecelle ( Coord.), Reestruturação Urbana: tendências e desafios. Rio de Janeiro. Nobel/UPERJ, 1990.

SABÓIA, J. Desconcentração Industrial no Brasil nos anos 90. In: Boletim de Conjuntura. Rio de Janeiro:IE/UFRJ, 1999, vol.1, n.4.

SANTOS, M. Técnica, Espaço, Tempo. São Paulo. Hucitec, 1994.

STORPER, M. A industrialização e a questão regional no Terceiro Mundo. In Valladares & Pretecelle ( Org.) - Reestruturação Urbana: tendências e desafios . São Paulo. Nobel/UPERJ, 1990.
 

© Copyright Marlene Maria Moreira Guimarães, 2002
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Ficha bibliográfica

GUIMARÃES, M.M.M. Crise, reestruturação produtiva e trabalho nas regiões metropolitanas brasileiras.  Scripta Nova, Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, vol. VI, nº 119 (62), 2002. [ISSN: 1138-9788]  http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119-62.htm


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