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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. VI, núm. 119 (84), 1 de agosto de 2002

EL TRABAJO

Número extraordinario dedicado al IV Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)
 

JOVENS OPERÁRIOS E OPERÁRIAS: OLHARES SOBRE O TRABALHO

Maria Carla Corrochano
USP/Ação Educativa


Jovens operários e operárias: olhares sobre o trabalho (Resumo)

Este artigo apresenta um estudo sobre jovens operários e operárias trabalhadores do setor de autopeças de São Bernardo do Campo. Mesmo com baixos salários e ocupando cargos que exigem pouca qualificação e muito esforço físico, a maior parte dos entrevistados considera o emprego atual como central em suas vidas, o que se relaciona à conjuntura vivida. Assim, a realização profissional ocupa segundo plano, mesmo dentre os mais escolarizados. Mas isso não significa que o Trabalho deixa de ter sentidos diferenciados, e para além do acesso à renda, como independência, realização pessoal e dignidade. A cada um desses sentidos correspondem diferenças de gênero, naturalidade e trajetória escolar, bem como uma diversidade de projetos profissionais.

Palavras chaves: juventude, trabalho, educação, Região do Grande ABC, autopeças.


Young workers and the labour meanings (Abstract)

This article summarises a research about young workers (male and female) in the autoparts sector of São Bernardo, Brazil. Despite the low wages and the occupations general features (low qualification levels and very hard physical labour), most of the interviewed young workers considers their job as central in their lives, especially in a difficult economic period. Professional realisation comes second, even among the educated people. But Labour has different meanings, beyond the access to income, such as independence, personal realisation and dignity. Each meaning relates to gender differences, birth place and school trajectories, as well as a big diversity of professional projects.

Key words: young workers, labour, education, Grande ABC region, autoparts.


O artigo ora apresentado (1) tem como referência a questão do trabalho entre jovens operários e operárias entre 18 e 24 anos (2), trabalhadores de três indústrias do setor de autopeças da cidade de São Bernardo do Campo. Em um primeiro momento faremos uma breve análise das principais mudanças e permanências que atingem o mundo do trabalho e, de maneira particular, a região onde foi realizado nosso estudo. Posteriormente, apresentamos um breve perfil dos sujeitos investigados e sua experiência no espaço fabril. Por fim, revelamos os significados do trabalho entre os jovens operários e operárias, para além da centralidade do emprego fabril, em um cenário de crise e mudanças no mundo do trabalho.
 

O contexto e a problemática do estudo

Nos últimos anos presenciamos no mundo do trabalho mudanças físicas e organizacionais nos diferentes espaços, ao lado de transformações na estrutura de emprego, seja no campo das ocupações e qualificações, seja nas exigências para concessão de emprego. No entanto, as mudanças não atingem igualmente todos os indivíduos, setores, regiões (Harvey, 1996). Até mesmo em um único espaço de trabalho é possível encontrar um tipo de organização taylorista-fordista convivendo ao lado de novas tecnologias e formas organizacionais. Neste sentido, também percebemos um aumento da diversidade de situações vividas por trabalhadores e trabalhadoras, jovens e adultos, brancos e negros. No Brasil ela pode ser observada também ao longo de cadeias produtivas e em regiões como o Grande ABC, marcadas pela forte presença industrial.

Diante disso, significativos estudos sobre o setor industrial vêm apontando como este tem se modificado, e evidenciando a heterogeneidade destas mudanças, tanto no aspecto tecnológico quanto organizacional (3). Algumas outras pesquisas irão investigar os atributos para inclusão/exclusão do mercado de trabalho por meio de estudos de trajetórias de trabalhadores e análise de dados estatísticos, como Alves (1997), Consoni (1998) e Cardoso (2000 e 2001). No campo educacional, estudiosos da relação Trabalho e Educação começam a refletir sobre essas "metamorfoses", questionando a relação linear estabelecida entre os mundos da produção e escolar (Ferretti, 1994; Frigotto, 1994; Kunzer, 1998; Arroyo, 1999).

Procurando evidenciar parte da heterogeneidade da crise e das mudanças que atingem o mundo do trabalho, este estudo estenderá seu olhar para jovens operários e operárias trabalhadores do setor de autopeças na cidade de São Bernardo do Campo, em uma das regiões bastante afetada pelas mudanças.

A indústria do ABC, após mais de 30 anos de crescimento, sofreriam enorme impacto da combinação entre recessão e abertura às importações que caracterizam o cenário macroeconômico dos anos 90. Com enorme velocidade, o setor industrial cai de 52 por cento dos empregos formais na região em 1989 para apenas 30 por cento em 1999 (4). Na indústria de material de transporte (montadoras e autopeças), o tamanho médio das fábricas cai de 666 para 357 empregados entre 1989/96, retrato da profunda reestruturação ocorrida.

Em São Bernardo do Campo, os setores de comércio e serviço passam portanto a predominar, mas é ainda notável a importância do setor industrial, particularmente em termos de geração de valor agregado e arrecadação de tributos. A cidade permanece como importante referência para o complexo automotivo, mas isto não diminui a gravidade da crise ocupacional vivida na região, que se combina também ao mais drástico esvaziamento industrial da cidade de São Paulo.

Como os trabalhadores jovens de um dos setores mais afetados pela crise vivem e significam o trabalho nesta cidade? Sabemos que se a redução do emprego assalariado agrava-se nos anos 90, entre os jovens a crise é ainda maior. Segundo Pochmann (2000:36-7), "o emprego assalariado ocupado por jovens foi comprimido em quase 1,4 milhão de vagas, sendo as ocupações não assalariadas responsáveis pela elevação em 940 mil novos postos de trabalho". O emprego assalariado com registro é fortemente atingido, principalmente no setor secundário (5).

Na região do ABC paulista, na faixa etária focalizada em nossa pesquisa (18 a 24 anos) a taxa de desemprego se mostra bastante superior à média da região entre 1998 e 2000, segundo a pesquisa Seade-Dieese. Desagregada para o ABC, esta taxa fica cerca de 8 pontos percentuais acima das referidas taxas médias (entre 27 e 30 por cento no triênio 1998/2000), sendo apenas inferiores àquelas presentes na faixa etária de 15 a 17 anos.

Por que os jovens (6)? Como já afirmamos, suas transformações podem ser vividas e significadas de modo diverso e singular pelo conjunto dos trabalhadores. Isto porque

"enquanto o adulto vive ainda sob o impacto de um modelo de sociedade que se decompõe, o jovem ainda vive em um mundo radicalmente novo, cujas categorias de inteligibilidade ele ajuda a construir. Interrogar essas categorias permite não somente uma melhor compreensão do universo de referências de um grupo etário particular, como também da nova sociedade transformada pela mutação" (Peralva, 1997:23).

Além dessas questões, a delimitação de nosso tema, o espaço de investigação e a metodologia estiveram pautados por um revisão da produção discente na pós-graduação em Educação no país (7), entre 1980 e 1998. Aqui iremos apenas apontar as conclusões mais significativas para justificarmos a relevância de nossa reflexão sobre a tríade formada por jovens, trabalho e escola.

Em relação ao total da produção discente da pós-graduação que investiga a juventude (8) no período (1980-1998), as relações entre trabalho e educação ocuparam 21,3 por cento dos estudos, constituindo-se no assunto com maior número de dissertações e teses. Toda essa produção aparece fortemente vinculada a pesquisas realizadas sobre as relações Trabalho-Educação, presentes no campo educacional desde o final dos anos 60 e intensificando-se nos anos 80 (9).

A dimensão Trabalho em sua relação com os jovens e a escola já se faz sentir nas pesquisas investigadas na década de 80. Uma das maiores contribuições dessa produção discente reside na capacidade de abordar a esfera do trabalho ao tratar o estudante (Mafra e Cavalcanti, 1992).

A partir dos anos 90 alguns estudos começam a alargar a compreensão sobre os alunos que trabalham, mediante a incorporação da categoria Juventude (10), e realizando um esforço em articular as dimensões analíticas das classes sociais, tradicionais nos estudos da área da Educação, com os recortes sócio-culturais do momento da vida.

Outra mudança observada nas pesquisas educacionais diz respeito ao contexto vivido no mundo do trabalho. Surgem problemas ligados aos efeitos das mudanças sobre o jovem e sua busca de qualificação, ou sobre o sentido do trabalho na construção de sua identidade. O trabalho como local de ação, vivência e aprendizagem dos jovens passa a ser pesquisado mais intensamente na década de 90, ainda timidamente (11).

A partir desse estado do conhecimento, nosso estudo foi planejado visando considerar o Trabalho como dimensão importante na vida dos jovens, e investigá-lo concretamente no espaço produtivo. Assim, nosso questionamento sobre os sentidos do trabalho e algumas questões sobre a escolaridade, estarão pautados pela explicitação da vivência juvenil em seu atual emprego, seus principais dilemas e questões. Além disso, também será preciso conhecer este sujeito. Para além de operário ele é jovem, homem ou mulher, migrante ou não, estudante ou não, filho de operário ou não.

As informações aqui apresentadas são parte de uma investigação de natureza quantitativa e qualitativa. Nosso trabalho de campo foi realizado por meio de um formulário com questões abertas e fechadas para 72 jovens operários e operárias entre 18 e 24 anos, e de entrevistas com parte do corpo administrativo de três empresas do setor de autopeças da cidade de São Bernardo do Campo, no segundo semestre de 1998.
 

Jovens e fábricas – breve perfil

As 3 empresas pesquisadas, de pequeno (ILETRO), médio (CABO) e grande porte (SETA) (12) pertencem ao segmento de autopeças em São Bernardo do Campo, e integram a cadeia produtiva de veículos automotores. Embora com algumas diferenças, não observamos mudanças profundas em relação às inovações técnicas e ao trabalho realizado pelos jovens operários e operárias. Inegavelmente todas procuravam contratar trabalhadores mais escolarizados visando promover ou consolidar limitadas mudanças organizacionais. Contudo, percebemos outros critérios no momento da adm issão, principalmente relacionados à "indicação", e na visão dos jovens a escolaridade pouco influía no seu trabalho diário. Era nessas empresas, pouco transformadas internamente, restritas em termos da participação dos trabalhadores nos processos de inovação, com elevada instabilidade, que se encontravam os jovens analisados.

Quem eram esses jovens? Apesar da semelhança do seu lugar no mundo do trabalho, estes jovens operários também podem ser considerados em sua diversidade, marcando o sentido que as instituições – principalmente o trabalho – têm em suas vidas. A sua idade média girava em torno de 22 anos. Em relação ao sexo, pela tabela 1 a seguir observamos que as mulheres representam 37,5 por cento de nossa amostra, uma porcentagem menor em relação aos homens, o que corresponde às estatísticas gerais relativas à menor presença feminina na indústria, muito embora o contingente de mulheres tenha crescido, bem como a participação feminina no mercado de trabalho (13).
 

Tabela 1
Distribuição dos jovens operários segundo o sexo em porcentagem
Sexo/ Empresa Iletro Cabo Seta Total
Feminino 0 52,4 44,4 37,5
Masculino 100,0 47,6 55,6 62,5

A porcentagem de migrantes era elevada – 48,6 por cento. Encontramos jovens que recentemente chegavam de outros estados, e principalmente da atividade agrícola, bem como filhos de operários. Suas famílias eram marcadas pela crise de dois mundos: o rural e o urbano industrial.

Apesar de inseridos no mercado formal de trabalho, boa parte dos jovens entrevistados ainda permanece solteira – 63,9 por cento dos jovens e dentre estes a renda média familiar é de R$ 1450, caindo para R$ 900 para os jovens casados. A renda mais baixa girava em torno de R$ 300 e concentrava-se entre os casados e os trabalhadores da empresa que pagava os menores salários – a média empresa CABO.

Em relação à escolaridade, a grande maioria dos jovens 78 por cento já concluiu o ensino fundamental, sendo que 59 por cento avançaram para o ensino médio e 4 por cento chegaram ao ensino superior. Considerando as estatísticas mais gerais relativas à escolarização dos jovens entre 18 e 24 anos na Região Metropolitana de São Paulo, o grau de escolaridade em nossa amostra não é baixo (14), mas também encontramos operários e operárias que não haviam completado o Ensino Fundamental e o Ensino Médio.

Ainda que 75 por cento dos jovens aqui retratados não tenham completado a escolaridade básica, apenas 25 por cento deles frequentam a escola atualmente. Metade desses está matriculada no ensino supletivo, enquanto a outra metade, sem nunca ter deixado a escola, encontra-se finalizando o ensino médio e cursando o ensino superior.

A idade média de entrada no mercado de trabalho girou em torno de 14-15 anos, mas grande parte começou a trabalhar antes da idade permitida por lei. O setor industrial foi a porta de entrada para 39 por cento deles, e as ocupações mais frequentes eram as de auxiliar de montagem, ajudante de produção, embalador e office-boy – tarefas pouco qualificadas e que a maioria continua realizando atualmente.

Apenas três deles iniciaram-se como aprendizes do Senai na grande empresa SETA, ocupando cargos de ferramenteiro. Um número pequeno de jovens realizava atividades micro-industriais. No setor rural, parte deles trabalhava com os pais e parte em cooperativas canavieiras ou em grandes fazendas. No comércio, as atividades mais destacadas foram as de balconista, caixa de supermercado, empacotador, frentista, garçom, além dos ajudantes no estabelecimento familiar. No setor de serviços começam a trabalhar predominantemente as mulheres, como empregadas domésticas, faxineiras e babás. Muitos homens se iniciam como ajudantes de pedreiro ou em oficinas mecânicas.

Tendo ingressado cedo no mercado de trabalho, 75 por cento desses jovens já teve uma ou mais experiências de desemprego e todos mostravam-se preocupados com o cenário de desemprego que se configura no país ou região: 93 por cento afirmou ter algum amigo desempregado, mas a maior parte deles não atribui aos indivíduos a responsabilidade pelo desemprego. Para 70 por cento deles ele é resultado de uma crise geral, ausência de políticas e evasão industrial da região do grande ABC paulista.

A despeito da crise, estes jovens estão empregados no mercado formal de trabalho. Como conseguiram? Esta é a questão retratada no Gráfico 1 e não houve diferenças entre as empresas. Os migrantes recém-chegados e os nascidos na região, todos com baixa escolaridade, ingressam nas empresa por meio de uma rede de relações pessoais, geralmente através de algum amigo ou parente.

Por outro lado, processos formais para obtenção do emprego, como a resposta a anúncios e o envio de currículos, não deixam de existir mas ficam em segundo plano. Neste caso, o ingresso parece vinculado principalmente à maior escolaridade, pois todos os ingressantes pelo processo formal já tinham completado o Ensino Fundamental.

O lugar do trabalho fabril em suas vidas não vinha dissociado do seu perfil, e notamos sua diversidade em relação à naturalidade, estado civil, renda, família, escolaridade. Encontramos jovens que recentemente chegavam de outros estados, e principalmente da atividade agrícola, bem como filhos de operários, ora mais e ora menos escolarizados. Todos trabalhando no mesmo espaço e exercendo basicamente as mesmas funções, com exceção dos raros jovens qualificados.
 

Jovens operários e a experiência fabril

Esses jovens passam no mínimo 8 horas de seu dia no ambiente fabril. Em seu interior, a maior parte realiza funções semi ou não qualificadas (15). Encontramos apenas um número pequeno deles em postos qualificados, predominantemente do sexo masculino. As mulheres, assumem postos menos qualificados na produção, como vemos a seguir:
 

Tabela 2
Distribuição dos operários e operárias segundo tipo de ocupação em porcentagem
Ocupação Mulheres Homens Total
Não-qualificada 55,6 11,1 27,8
Semi-qualificada 37,0 71,1 58,3
Qualificada 7,4 17,8 13,9
Total 100,0 100,0 100,0

Considerando o total de mulheres, 56 por cento ocupam postos de trabalho não-qualificados, enquanto entre os homens esta porcentagem cai para 11 por cento. Poucas delas encontram-se em postos qualificados, o que também é válido para o conjunto de mulheres nas empresas (16).

Todos os jovens tinham registro em carteira e benefícios, como convênio médico, cesta básica ou vale alimentação, vale transporte, horário regular e a garantia de um salário mensal. A média salarial era de 550 reais, sendo menor na média empresa – R$ 300 e mais elevada na grande empresa – 600 reais. As maiores diferenças salariais entre os jovens são notadas na empresa SETA e relacionam-se com ocupação e escolaridade técnica. Salários diferenciados são pagos para os três jovens da Ferramentaria nessa empresa. Na linha de montagem, onde trabalha a quase totalidade dos jovens, não percebemos diferenças salariais em relação a sexo e escolaridade.

Ao chegarem à fábrica, a compreensão do espaço e da atividade é lenta e conduzida, fundamentalmente, com o apoio de outros colegas de trabalho:

"Aqui você chega e não tem assim um treinamento especial. A gente já começa a trabalhar e vai aprendendo. O chefe explica uma vez, mas aí você vai aprendendo com outros colegas. E sempre é assim. Qualquer mudança a gente vai aprendendo com os colegas." (H, 21 anos, SQ, empresa ILETRO). (17)

Em nenhum dos casos os novos funcionários, ao ingressarem na fábrica, recebem um treinamento mais específico sobre a atividade que irão realizar. Seu treinamento ocorre portanto no próprio posto de trabalho.

Na relação com os adultos no interior da fábrica, a falta de experiência acaba sendo-lhes desfavorável. Mesmo os jovens mais qualificados alegam a dificuldade em expor suas idéias no trabalho:

"Aqui é sempre assim. A chefia só ouve os funcionários mais velhos, que eles dizem que têm mais experiência. E se tem que demitir alguém, já demite logo o mais novo." (H, ferramenteiro Q, 18 anos, empresa SETA). (18)

Além de enfrentarem as dificuldades de uma organização do trabalho que dá pouca voz aos trabalhadores de maneira geral, a idade e a pouca experiência acabam criando mais dificuldades para que sejam ouvidos de fato. Além disso, há um receio em participar mesmo quando chamados a fazê-lo, já que as relações ainda são muito hierarquizadas, com pouco espaço para participação no cotidiano (19).

Dentre os problemas destacados pelos jovens (como baixos salários, condições pouco adequadas de trabalho), principalmente na pequena e média empresas, o que emerge como mais central entre operários e operárias é a grande dificuldade em mudar de cargo e função no interior das empresas, mais acentuado entre aqueles que têm mais anos de trabalho e são um pouco mais velhos, embora presente entre todos. Isto revela um elemento importante a respeito da entrada dos jovens na fábrica: ao ingressarem como auxiliares de produção, ajudantes ou operadores de máquinas, objetivam ascensão, dificultada pela diminuição cada vez maior de postos de trabalho na indústria.

"Aqui não muda não. Eu já fiz muitos cursos no Senai desde que estou aqui e não consigo sair do lugar. A gente quer mudar mas não tem chance. Só alguns mais puxa-sacos ou as meninas mais bonitinhas que ainda podem conseguir alguma coisa" (H, 23 anos, Q, empresa SETA).

Em alguns casos a mudança de cargo e função acontecia, mas o salário e o registro em carteira permaneciam os mesmos:

"Aqui você trabalha e não muda de cargo. Me deram mais responsabilidade, me colocaram na máquina mas eu continuo registrada como ajudante. Se mudasse na carteira, seria legal. A gente acaba ficando sem profissão; quando sair como vai dizer a profissão?" (M, 22 anos, SQ, empresa CABO).

É interessante confrontar esta expectativa dos jovens com a visão dos gestores. Estes, principalmente na pequena e média empresas, afirmam que os jovens operários consideram a fábrica apenas como um "trampolim" para outras atividades.

O ingresso em espaços com número considerável de mulheres trabalhando, revelou as muitas vezes invisíveis questões relativas ao seu trabalho. As mulheres ingressam na fábrica, de modo geral, para realizar trabalhos para os quais, segundo as gerências, os homens são menos aptos. Mãos delicadas e paciência são os atributos destacados (20). Ou seja, o trabalho que fazem é considerado "fácil", "simples" (especialmente no discurso das chefias), sem exigência de qualificação. Assim, para as mulheres, a questão do conteúdo é mais enfatizada (21). Como cabe a elas a realização do trabalho mais repetitivo, suas queixas em relação ao conteúdo são maiores. Suas falas evidenciam os dilemas vividos:

"Eu fico enjoada de todo dia fazer a mesma coisa. Passa o tempo e você vai ficando até meio tonta de tanto olhar essas pecinhas" (M, 24 anos, NQ, SETA).

A persistência de práticas e atividades associadas ao modelo taylorista-fordista é mais clara entre as mulheres. E essas jovens não deixam de fazer uma crítica viva ao modelo; além da repetição, na linha de montagem o ritmo imposto é excessivo:

"O trabalho mesmo eu não gosto, é muito monótono, o ritmo cansa muito. Quando a gente pára um pouquinho, vem o chefe e já dão mais serviço. Aí a gente faz o que eles pedem, vou fazendo..." (M, 23 anos, SQ, empresa CABO).

Além da relação com tarefas repetitivas e cansativas, essas mulheres também convivem com os encontros e desencontros entre os universos feminino e masculino. Ser considerada bonita ou feia pelos homens, e fundamentalmente pelas chefias, poderia levar a mudanças no próprio trabalho. Ainda que a existência do assédio sexual tenha sido negada pelas chefias, tanto homens quanto mulheres evidenciaram que esta é uma questão muito presente, influenciando nas mudanças de cargo, na obtenção de favores, em regalias no trabalho e por vezes se convertendo também em problemas, como sinaliza o fato de 18,5 por cento das mulheres terem destacado como problemática a relação com colegas de trabalho e chefias.

"Bem.. aqui se você tem aparência mais ‘fraquinha’, não consegue subir não. Você é sempre posta de lado, eu vejo isso aqui. Muitas ‘bonitinhas’ é que conseguiram mudar de função" (M, 23 anos, SQ, empresa SETA).

Poucos jovens deram destaque positivo ao conteúdo das atividades. Para boa parte, seu trabalho é fácil, com dificuldades iniciais mas ainda muito ligado ao esforço físico, principalmente nas duas empresas menores. Demonstram pouco orgulho, e ao mesmo tempo enfatizam o pouco interesse da empresa em torná-los mais qualificados.

"O trabalho aqui ainda é força bruta. A gente é peão mesmo, tem que usar muito a força, fica repetitivo. Como a gente pode se realizar com um trabalho desses?" (H, 23 anos, SQ, empresa CABO).

Neste caso, o trabalho exercido ainda requeria dos operários muita força física. Nas entrevistas com as gerências, foram apontadas mudanças nos maquinários, visando tornar o trabalho mais leve. No entanto, quando observamos as atividades no chão da fábrica, as falas dos jovens operários ganham mais sentido.

Para os raros jovens que exerciam atividades mais complexas (10 jovens com trabalho mais qualificado), a fala sobre o conteúdo vem mais aliada à preocupação em realizar as tarefas adequadamente, em encontrar boas ferramentas, na satisfação com o trabalho realizado, ainda que também tenham destacado problemas; não falam em repetição, peso, rotina ou na facilidade de seu trabalho. Têm mais orgulho daquilo que realizam seja por sua qualificação técnica para o trabalho – no caso dos jovens ferramenteiros ou que fizeram cursos técnicos, seja por estarem operando máquinas consideradas mais complexas, que exigem um grau maior de responsabilidade. Mas não percebem, nas empresas, maior valorização de seu trabalho.

"Temos que saber muito das ferramentas para dar conta de nosso trabalho. Eu gosto do que faço, mas gostaria de aprender ainda mais e que fosse mais reconhecido" (H, 19 anos, Q, empresa SETA).

As queixas dos jovens qualificados são geralmente dirigidas contra as chefias e motivadas pela pouca autonomia. Aqueles com qualificação técnica não conseguiam usar sua criatividade para resolver problemas e promover melhorias nos processos (22), tendo sempre que recorrer a um nível superior. Já no caso dos migrantes, o conteúdo do trabalho fabril era contraposto àquele realizado na roça ou no pequeno comércio.

No caso das mulheres, principalmente das casadas, as tarefas realizadas na fábrica acabam tendo uma conotação mais positiva quando comparadas às tarefas domésticas (23):

"Claro que esse trabalho aqui é muito importante, não me traz só problemas. Além de construir minha casa com ele, aqui a vida com os colegas é bem legal. Eu não agüentaria ficar em casa, estou gostando de estar aprendendo, conhecendo mais gente." (M, 22 anos, SQ, empresa SETA).

A fala desta jovem acaba por revelar que a fábrica também é para esses jovens e principalmente para as mulheres, um importante espaço de aprendizado e de sociabilidade. Para os jovens pouco escolarizados, a experiência de trabalho fabril também era vista como mobilizadora para o retorno à escola e, embora inicialmente por razões instrumentais, este retorno acabava também por significar a possibilidade de se tornarem bem informados e melhor inseridos socialmente.

"Eu voltei a estudar porque foi uma exigência da fábrica. Eu voltei e continuo aqui, mesmo salário, mesma função. Mas eu cresci muito com a escola também, mais fora daqui, né? Sei mais das coisas, um pouco mais" (H,23 anos, SQ, SETA).

Mas aqui vale ressaltar o espanto inicial desses jovens com as exigências de retorno à escola por parte das empresas, principalmente dentre os jovens da grande empresa. Revelam inicialmente que não compreendem o porquê da necessidade de um maior tempo de estudos. Para os jovens, parecia claro que o interesse da empresa estava mais centrado na obtenção das certificações de qualidade. Ao mesmo tempo, em um segundo momento relacionavam a escolaridade a algumas mudanças concretas no espaço de trabalho. Alguns deles acabam evidenciando que o trabalho realizado passara a exigir ao menos alguns conhecimentos básicos de Língua Portuguesa e Matemática, embora muitas vezes de forma vaga.

Entretanto, as desconfianças em relação ao investimento em uma escolaridade mais prolongada estão presentes principalmente entre os mais escolarizados:

"A gente estuda, estuda e acaba tendo que fazer um trabalho desses... não tem nada a ver. Não precisava nem da 4ª série para estar aqui fazendo esse serviço. Quando alguém muda de lugar aqui é difícil ter a ver com o fato de ter estudado mais." (M, 20 anos, NQ).

No exercício de suas tarefas diárias, os jovens vêem pouca relação com o conhecimento formal obtido na escola. Ainda que alguns acabem por enfatizar a importância da matemática e da língua portuguesa, não deixam de reiterar a pouca necessidade do ensino fundamental completo e a relação das exigências menos com o conteúdo do trabalho que com a obtenção das certificações por parte das empresas. Além disso, percebem que a ascensão na empresa, as mudanças de cargos e salários, a permanência no emprego estão menos relacionadas com a escolaridade que com as relações sociais construídas no interior da própria fábrica.

Mas dentre todos os destaques dados à importância do trabalho fabril em suas vidas, o principal refere-se à importância da relação de emprego. A despeito de todos os aspectos positivos e negativos vividos no interior do espaço fabril, a grande maioria dos jovens acaba por afirmar que gostando ou não, ocupam seus empregos e só pensam em deixá-los quando um novo posto surgir, ou se conseguirem ascender na própria empresa.

"Eu acho que o importante de estar aqui na fábrica é o emprego mesmo. E até mais do que o salário que a gente recebe, sabe? Ter emprego hoje, com registro, convênio, essas coisas, não é fácil, não" (H,22 anos, SQ).

Diante de um cenário de diminuição do número de empregos formais ao longo dos anos 90, que atingiu fortemente a região do Grande ABC, os jovens valorizam portanto de maneira incisiva o lugar que ocupam no mercado de trabalho.
 

Os significados do trabalho – considerações finais

Para todos os jovens operários, a fábrica era vista como central por representar um locus seguro em termos de renda e benefícios. A busca pela construção de uma carreira operária não era vista como um movimento fundamental. A possibilidade de ascensão social pela fábrica mostrava-se frágil principalmente entre filhos e filhas de trabalhadores metalúrgicos. Entre os migrantes, as expectativas e o desejo de permanecer no ambiente fabril também eram pequenos. No cenário em que faltam empregos, as expectativas se fragilizam.

O vínculo formal de trabalho representa um privilégio que é preciso manter, independentemente do que fosse considerado positivo ou negativo no interior de suas empresas. Nesse sentido mostram-se satisfeitos: querem permanecer na condição de trabalhadores que lhes conferia identificação positiva de si mesmos, e também como jovens, o que lhes permitia pensar na perspectiva de mudança.

Entre os jovens operários e operárias ficou evidente portanto a centralidade do emprego, também relacionada à conjuntura vivida. Se isso acaba tornando menos importantes outros aspectos do trabalho, não significa que este trabalho deixe de ter sentidos diferenciados, para além do acesso à renda (Bajoit e Franssen, 1997).

Também identificamos outros sentidos do trabalho entre os jovens que extrapolavam a relação com o mundo fabril:

1)A independência pessoal: vista principalmente entre as mulheres casadas, pois trabalhar significa a possibilidade de sair da esfera doméstica, relacionar-se socialmente, sentir-se independente de seus parceiros, contribuindo para uma visão positiva de si próprias. Como afirma uma das jovens: "Olha, não dá para ficar em casa todo dia passando, lavando, cozinhando, pedindo dinheiro para o marido. Trabalhar também serve para me distrair, fazer amizades, ter meu próprio dinheiro" (M,21 anos, SQ). Entre aqueles mais jovens e solteiros, esta independência adquire um outro sentido: a independência em relação aos pais, a autonomia financeira e a partir desta, a maior autonomia em outras esferas da vida.

2) A dignidade: se o sentido anterior era predominantemente feminino, este é exclusivamente masculino, e vem associado à possibilidade de prover sua família com os meios necessários para sobrevivência de maneira honesta, bem como o fato de não ser confundido com o "bandido", o "marginal". "Tirando o dinheiro, trabalhar é para mim uma maneira de ser mais bem visto na sociedade, não ser encarado como ladrão".

3) O último sentido foi enfatizado por jovens mais escolarizados, solteiros, nascidos na cidade. Trata-se da busca de realização pessoal pelo trabalho. Nesse caso, é atribuído um sentido ao trabalho futuro (em geral longe da fábrica) que poderá trazer satisfação pessoal, tornar-se fortemente ligado à sua vida, e não apenas meio para sobrevivência. A escolaridade ainda é vista como um meio para seu alcance. Apenas entre poucos jovens que realizavam um trabalho mais qualificado, o trabalho atual era associado a este sentimento de realização. "O trabalho tem a ver com satisfação pessoal para mim. Eu quero fazer um trabalho que goste de fato, não qualquer coisa. Brigo muito com meu pai por causa disso. Ele acha que tenho que ficar aqui a qualquer custo. Eu não vou ficar, não estou feliz. Quando conseguir fazer faculdade vou sair, até antes disso se der. (...) Mas também agora ainda tá difícil pensar em sair. Como fazer com toda essa crise? (M, 19 anos, NQ).

A este conjunto de sentidos, associavam-se projetos que tornaram mais evidentes a importância do trabalho na vida desses jovens. Ao mesmo tempo contudo, o trabalho na fábrica perde relevância. Com exceção daqueles jovens operários que já exerciam um trabalho mais qualificado e acreditavam poder se estabelecer na fábrica como engenheiros ou ocupando postos de chefia; com a cautela de outros trabalhadores, cuja idade mais elevada, baixa escolaridade e formação técnica ausente não lhes permitia vislumbrar muitas alternativas - a não ser acreditar na possibilidade de permanecer na fábrica até conseguir emprego em uma montadora-, na realidade a maior parte do conjunto pesquisado tinha outros projetos para o seu próprio mundo do trabalho.

Os homens pouco escolarizados e também boa parte dos migrantes buscavam a saída no negócio próprio, expectativa há tempos existente no Brasil. As mulheres casadas, com poucas expectativas em relação à vida escolar, pensavam em subir do chão de fábrica até o escritório. E a maior parte dos jovens nascidos na região e com escolaridade elevada, projetava seu ingresso no ensino superior, ou mesmo o término de seus cursos para engajar-se em trabalho mais realizador.

Mas, a despeito dos sentidos e dos projetos para o mundo do trabalho há algo de comum que perpassa todos esses jovens: a dificuldade em acreditar que o alcance de suas expectativas seja possível e, consequentemente, o seu firme atrelamento ao momento presente (Melucci e Frabbrini, 1992; IARD, 1997). Diante da crise, a sua realização profissional acaba sendo deixada para segundo plano. Era apenas o fato de se considerarem jovens que lhes permitia acreditar na possibilidade de mudança.

Em um campo de possibilidades e limites, o trabalho permanece como esfera importante para a maioria dos jovens operários e operárias que aqui encontramos, e para além de uma dimensão exclusivamente instrumental. Embora não seja o único, o trabalho permanece portanto como um lugar significativo de seu intenso mundo, no qual ainda depositam boa parte de seus sonhos e projetos.
 

Notas

(1) As reflexões aqui desenvolvidas são parte da pesquisa desenvolvida para nossa dissertação de mestrado intitulada: Jovens olhares sobre o trabalho: um estudo de jovens operários e operárias de São Bernardo do Campo, defendida na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), em agosto de 2001, sob orientação da Prof. Dra. Marilia Pontes Sposito e apoio parcial da FAPESP.
(2) Esta delimitação relaciona-se com as orientações demográficas contidas em um amplo estudo sobre a juventude brasileira (CNPD, 1998) e com a realidade fabril. Segundo esse estudo, a juventude no Brasil corresponde à faixa etária entre 15 e 24 anos, podendo ser dividida em adolescência (15-19 anos) e juventude propriamente dita (20-24 anos). Como nosso intuito era estudar jovens operários com vínculo formal de emprego, optamos por entrevistar jovens acima dos 18 anos de idade.
(3) Dentre a abrangente produção brasileira podemos citar os estudos produzidos ou organizados por Salerno (1991, 1999), Quadros (1993 e 1995), Zilbovicius (1999), Gitahy (2000), Bresciani (2001).
(4) O número de empregos industriais no ABC cai de 295 mil para 224 mil entre 1990 e 1997, com uma perda líquida de 71 mil postos formais (cf. Dieese Metalúrgicos do ABC, 1999:66).
(5) Segundo Pochmann (2000), 31por cento dos empregos perdidos estavam no setor primário, 46por cento no secundário e 23por cento no terciário. Estas análises utilizam dados da PNAD.
(6) A juventude não pode ser considerada uma categoria una e homogênea, mesmo em um determinado contexto histórico-social (Pais, 1993; Dubet, 1996; Sposito, 2001). Em nosso caso, é preciso enfatizar esta questão, porque estaremos apresentando percepções de sujeitos que além de jovens, são também operários. Estaremos aqui considerando tanto a experiência juvenil enquanto parte de uma geração, quanto seu pertencimento de classe e, portanto, sua diversidade no tempo presente. Ao lado disso, também atentaremos para as diferenças de gênero.
(7) A análise de todas as dissertações e teses sobre a temática Jovens, Trabalho e Escola, produzidas entre 1980 e 1998, pode ser encontradas em Corrochano e Nakano (2001). Este estudo é parte do Estado do Conhecimento sobre Juventude, realizado para o INEP sob a coordenação de Sposito (2001).
(8) Do total de teses e dissertações produzidas na área de Educação no período entre 1980 e 1998, o tema da Juventude correspondeu a 4,4por cento (Sposito, 2001).
(9) Cf. Kuenzer (1987), Frigotto (1987), Arroyo (1991), Trein (1996) e Yamamoto (1996).
(10) Como podemos notar nos estudos de Urt (1992); Freitas (1994); Marques (1995); Vieira (1997).
(11) Em relação a esse subtema podemos apontar os estudos de Kappel (1992); Ulup (1994); Silva (1998).
(12) Essas empresas foram escolhidas por concentrarem maior número de jovens e mulheres trabalhando no setor produtivo na cidade de São Bernardo do Campo e por permitirem a realização de nossa investigação. Seguimos a classificação do SEBRAE: Pequena Empresa – até 99 empregados, Média Empresa – de 100 a 499 empregados; Grande Empresa – acima de 499 empregados.
(13) Entre 1994 e 1998 a participação feminina no mercado de trabalho da Região Metropolitana de São Paulo cresceu de 47,3por cento para 50,9por cento. Todavia, a participação feminina no mercado de trabalho industrial permaneceu menor (Fundação SEADE, Pesquisa de Condições de Vida, 1998). Em relação ao setor de autopeças em São Bernardo do Campo, 31por cento dos jovens entre 18 e 24 anos são do sexo feminino.
(14) Segundo dados da Fundação Seade para a RMSP, em 1998. Os jovens investigados só apresentam escolaridade menor que os jovens da RMSP em relação ao ensino médio e superior completos.
(15) Para essa divisão seguimos critérios de classificação em torno do conceito de qualificação – ainda que esteja clara sua limitação. Discute-se hoje o próprio conceito de profissão, assim como a noção de "competência". Como não é o objetivo de nossa pesquisa, limitamo-nos a fazer uma conceituação a partir da Classificação Brasileira de Ocupações, na distinção de tarefas "mais simples e mais complexas", da opinião de pesquisadores dedicados ao estudo de sistemas produtivos, e refletindo diferenças percebidas nas observações de campo. Assim, selecionamos jovens alocados na produção, de maneira direta ou indireta, classificando-os em qualificados, semi-qualificados e não-qualificados.
(16) Do total de operárias nas três empresas, apenas cinco (1,3por cento) ocupavam postos de trabalho qualificados, número bastante inferior aos 24,2por cento de operários qualificados.
(17) Para identificar as falas juvenis aqui retratadas utilizaremos o seguinte código: H=homem, M=mulher; idade; Q=qualificado, SQ=semi-qualificado; NQ=não qualificado.
(18) Acabamos conversando informalmente com alguns funcionários mais velhos que parecem construir argumentação contrária, como um dos ferramenteiros: "Agora com essas mudanças ficam valorizando os mais jovens, só porque são mais estudados. Mas muitos de nós, que nem completamos a 8a série, sabemos muito bem fazer o serviço aqui. E muita molecada não quer nem saber de ouvir a gente". Sobre a participação e o aproveitamento das contribuições do trabalhador direto aos programas de reestruturação nas empresas, cf. Quadros (1994 e 1995), Graziadio (1998) e Bresciani (2001).
(19) Todas as formas organizacionais encontradas para incentivar a participação do trabalhador, como atividades em pequenos grupos, círculos de qualidade e programas de melhoria contínua, estavam pouco presentes nessas empresas. Só encontramos a tradicional caixa de sugestões, que segundo as próprias gerências ficavam vazias. Apenas na grande empresa SETA havia uma política mais efetiva para participação dos trabalhadores, ainda assim limitada, na opinião dos jovens.
(20) Cf. Lobo (1992:149): "no caso da divisão sexual de funções e tarefas incidem tanto estratégias de utilização (apropriação) do corpo, através de suas ‘qualidades’ naturais ou sociais, como representações de qualidades. Assim, os dedos ágeis, a paciência, a resistência à monotonia, são considerados próprios da força de trabalho feminina. (...) a própria qualificação é sexuada e reflete critérios diferentes para o trabalho realizado por homens e mulheres, ocorrendo freqüentemente uma desqualificação do trabalho feminino, assimilado a dons naturais, desconsiderando-se o treinamento informal."
(21) Dos 8 jovens que apontam problemas com o conteúdo das tarefas em primeiro lugar, 5 são mulheres. Ou seja, este problema é enfatizado por 18,5por cento das jovens operárias, e entre os homens por 6,7por cento.
(22) Sobre a recorrência deste padrão e suas possibilidades de transformação na indústria brasileira, cf. Salerno (1991 e 2000), Quadros (1994 e 1995), Roberto Marx (1998), Gitahy (2000) e Bresciani (2001).
(23) Cf Hirata, 1998.
 

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Ficha bibliográfica

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