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Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. VI, núm. 119 (9), 1 de agosto de 2002

EL TRABAJO

Número extraordinario dedicado al IV Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)
 

A NOVA GEOGRAFIA DA NATUREZA: DOS VALORES AFETIVOS E SIMBÓLICOS À UNIVERSALIZAÇÃO DOS VALORES TÉCNICOS

Fabrício Pedroso Bauab
Doutorando em Geografia
Universidade Estadual Paulista-UNESP-Presidente Prudente, Brasil.


A nova geografia da natureza: dos valores afetivos e simbólicos à universalização dos valores técnicos (Resumo)

A transição interpretativa e de utilização da natureza efetuada pelo advento da ciência moderna bem como a possibilidade, gerada no movimento de consolidação dessa, de suplantação dos antigos mitos surgida pela negação das transposições do sujeito para o mundo natural, buscada por Galileu e Francis Bacon em Demócrito, que possibilitou a apreensão e reprodução dos ritmos da natureza nas máquinas, nas técnicas, que, atualmente, habitam o corpo do mundo, intencionalizando-o no sentido de (re)produção do capital. Diante disso, temos, nesse processo de busca de apropriação dos objetos naturais pelo espírito, um papel preponderante do trabalho, evolutivamente atrelado à formação da consciência e a própria recriação da natureza enquanto força produtiva, cujas conseqüências se fazem atreladas à atual crise ambiental.

Palavras clave: natureza, técnica, espaço/tempo, trabalho



Nature’s new geography: from affective and symbolical values to the universalization of technical values (Abstract)

The interpretative and nature’s utilization transitions effected by the approach of the modern science and the possibility of supplantation of old myths introduced by the negative of the subject’s transposition to the natural world, searched for Galile and Francis Bacon in Democrito, which enabled nature’s rhythm’s seizure and reproduction in machines and techniques, which, nowadays, live in the world’s body, intenting the capital (re)production. With all this, in this process of searching the nature’s objects assumed by the spirit, we have a preponderant part of the work, evolutivily joint to the conscience shape and the recreation of nature while productive strength which consequences are joint to the actual enviroment crisis.

Key  words: nature, technique, space/time, work


A meditação no retiro, o estudo da natureza, a contemplação do universo forçam um solitário a lançar-se continuamente sobre o autor das coisas e a procurar com uma doce inquietude a finalidade de tudo o que vê e a causa de tudo o que sente. Quando meu destino me lançou na torrente da sociedade, nada mais encontrei que pudesse deleitar, por um momento, meu coração. (Jean-Jacques Rousseau, em Os devaneios do caminhante solitário).

Toda vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que levam à teoria do misticismo encontram a sua solução racional na práxis humana e no compreender desta práxis. (Karl Marx e Friedrich Engels, nas Teses sobre Feuerbach).

Primeiramente, gostaríamos de ressaltar que o presente artigo fez-se estimulado por dois fatores primordiais. O primeiro deles refere-se à própria variedade de leituras que efetuamos para a confecção de um projeto que permitisse a nossa entrada no curso de doutoramento, o que de fato acabou acontecendo. Tal projeto, que leva o mesmo título do artigo, também em muito foi estimulado por nossa pesquisa de mestrado, referente a um estudo sobre a obra Quadros da Natureza, de Alexander von Humboldt (ver Bauab, 2001). O segundo dos fatores citados acima se refere estritamente ao estímulo para leituras referentes à chamada geografia do trabalho que nos foi dado pelos companheiros Marcelo Dornelis Carvalhal, Júlio César Ribeiro e Marcelino Andrade Gonçalves, integrantes do CEGeT (Centro de Estudos de Geografia do Trabalho), sediado na Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Presidente Prudente.

Foi principalmente através desse estímulo que, pelos subsídios teóricos fornecidos por certas leituras, delimitamos, visto a clara necessidade disso, o trabalho enquanto uma categoria fundamental para o entendimento do projeto de reconstrução da natureza na configuração da força de seu movimento em força produtiva no capitalismo, o que nos remete a uma retrospectiva vital deste processo de reconstrução que perpassa pela própria capacidade de manipulação, previsão e desencantamento que alicerçam a gênese da ciência.

Desta feita, o ponto de partida para as discussões que dão conteúdo a este artigo é a chamada Revolução Científica do século XVII, principalmente no que tange às influências que tal revolução sofreu do pensamento do grego Demócrito, um defensor assíduo, em seu combate contra os filósofos pitagóricos, de uma busca de objetividade no estudo da realidade, da natureza, que suprimisse os atributos, os fins, enfim, toda medida humana sempre, até então, transferida para o independente mundo físico.

Assim, esta busca de liberdade para o mundo natural, que perpassa pela própria retirada dele da história da salvação cristã, refere-se ao primeiro subitem do nosso artigo e condiz com a base estrutural fundamental de nosso texto: a passagem da mudança interpretativa da cristandade para a científica e, gradativamente, a própria reconstrução, material/intencional da natureza "adornada" pelo manto da técnica, da consolidação e continuidade do modo de produção capitalista.

A reconstrução acima citada perpassa, como o artigo procura demonstrar, por um processo lento, fragmentado, mas impactante e contínuo de retirada dos símbolos, de supressão dos mitos – o nosso segundo subitem irá, frente a tal contexto, enfatizar a reação da afetividade romântica gerada na retirada dos fins teleológicos do mundo – em que a separação cartesiana entre cogito e substância extensa torna-se primordial, bem como o aprisionamento das leis da natureza no interior das frias máquinas, nas equações vazias – de representatividade humana – dos números, na busca do conhecimento legítimo de Demócrito.

Por fim, discutiremos, com base nas questões ressaltadas nos dois subitens anteriores, a própria questão da relação sujeito objeto sob o prisma fundamental do trabalho, procurando demonstrar, na dialética do externo-interno, a alteração do mundo dos objetos pelos fins postos pela consciência e desta última pelo próprio resultado e novas exigências que resultam das concretizações de suas projeções. Aqui, o trabalho enquanto estabelecedor da relação sujeito-objeto é elemento fundamental e será utilizado no sentido de debate acerca da possibilidade, tão avultada nos primórdios da ciência, de uma apreensão plenamente objetiva do real, atrelada a uma liberdade de consciência, da separação do cogito, da alma, da extensão do mundo, visando problematizar a construção da totalidade do conceito de natureza sob o prisma do capitalismo, construção esta que perpassa por uma intencionalização das forças da natureza, manipuladas, transformadas, para a reprodução do capital, que se refere também, a uma intencionalização, plenamente ideológica, das atividades do cientista, o que, desde já, coloca a neutra apreensão da objetividade do mundo fenomênico recheada de valores sociais. Nestes termos, a ciência, que permite que os instrumentos de trabalho saltem do corpo do trabalhador para o corpo do mundo, aplicando, particularmente nas técnicas, as leis gerais descobertas, reconstrói, neste tipo de relação, o sujeito que a produz para fins sociais claros, ao mesmo tempo em que faz dos objetos da natureza meios que, em sua independência "natural" dos fins humanos, atrelam-se substantivamente a esses, dando gênese, por assim dizer, a uma nova geografia da natureza, de um totalizante conceito de natureza que, neste artigo, problematizamos, visando contribuir para a reflexão, para um aprofundar no entendimento das atuais relações sociedade –natureza, bem como de suas derivações do passado.
 

A Revolução Científica do século XVII e o livro da natureza: o indutivismo, a mecanização e a quantificação

As perspectivas previstas neste artigo recaem, desde já, sobre a necessidade de um constante diálogo com o passado, no sentido de se perceber os diversos fatores que condicionaram a emergência de uma atual concepção de natureza, o que nos remete, também, à construção de um sujeito cuja atitude perante os quadros naturais constrói sua consciência sobre ele, ao mesmo tempo em que faz aflorar uma nova produção da natureza.

É justamente este contato com o passado que nos permite constatar uma radical mudança de postura do homem frente à interpretação da natureza, o que, simultaneamente, nos conduz a uma mudança de olhar e, conjuntamente, de utilização.

Aqui, o século XVII é digno de nota. Foi no decorrer dele que o qualitativo cosmos medieval foi sendo suprimido, os céus não mais preenchidos por fixas estrelas, a Terra não mais jazendo no centro do mundo e a natureza tendo um comportamento independente da moral cristã.

A Revolução Científica, eclodida neste momento, fez-se em consonância com uma cultura leiga e técnica que se avultou ao lado de um secularismo religioso, de uma cultura literária (Japiassu, 1985), moldando-se enquanto uma racionalidade mais afim com um empreendimento mercantil, que foi recriando materialmente o mundo – aqui, o fenômeno urbano é um bom exemplo – ao mesmo tempo em que foi associando a cognoscibilidade do planeta em seu incremento empreendedor.

Era o início da distinção entre as palavras de Deus e a obra de Deus e foi este, justamente, o argumento encontrado por Galileu Galilei na busca de livrar a filosofia natural – a ciência nascente – das máximas das sagradas escrituras que deveriam ser confirmadas em qualquer conhecimento produzido. Ora, Galileu corrompeu os céus ao perceber as manchas solares, trazendo imperfeição para a obra divina e, foi mais longe, ao privar o geocentrismo de sua existência quando experimentalmente provou a centralidade do sol, ao sugerir o caráter infinito do universo. Sendo o livro das escrituras a vontade de Deus e a natureza a Sua potência, esta última deveria ser apreendida com métodos diferentes, próprios à sua imutabilidade e independência (Rossi, 1992) e, para tanto, Galileu buscou em um filósofo pagão os elementos para a sua empresa de reinterpretação da natureza.

A noção de Phisys, advinda de Demócrito, se mostra portadora de uma independência de toda medida, de toda psicologia humana, sendo que tal independência advém da percepção da existência de dois tipos de conhecimento: o "bastardo", que seria o conhecimento sensível que expressa antes as disposições do sujeito do que a realidade objetiva (para Demócrito, os pitagóricos faziam isto); o conhecimento "legítimo", a compreensão de que a phisys do universo ganha uma fragmentação na multidão de átomos corpóreos que se movem em um vazio infinito (Souza, 2000) (1) já que "as qualidades são relativas a nossos sentidos e a matéria é quantitativa" (Japiassu, 1985, pág. 44).

Se durante a Idade Média, a natureza foi, com Santo Agostinho, inspirado em seu mestre Santo Ambrósio, lugar do carnal, da bestialidade e, após o abrandamento de Santo Tomás de Aquino, o lugar da graça de Deus (Lenoble, s.d.), habitada por um homem que em si detém a escolha entre o trilho do bem e o do mal (Andery, 1989), depois da Revolução Científica do século XVII o seu caráter vai ser outro. A natureza, como ressalta Robert Lenoble, vai deixar de preencher a afetividade humana, pois se hoje distinguimos a natureza do físico, do biólogo da "natureza sonhada" do poeta, no período medieval estas eram a mesma coisa "porque a própria realidade física deste mundo é concebida como um símbolo: o símbolo do mundo religioso e moral" (Lenoble, p. 217, s.d.).

A transferência de uma psicologia humana para o meio natural passa a ser vista enquanto fragilidade de consciência e, aqui, Francis Bacon vai concordar com Galileu em seu recuo até Demócrito (2) e o seu "conhecimento legítimo". Os falsos ídolos precisam ser afastados da natureza. A verdade cristã é uma verdade histórica, moral, cabendo ao filósofo natural captar a imutabilidade das leis que configuram a natureza expressas em seu conteúdo: a matéria cuja resistência foi estudada por Galileu, os átomos e vazios que tornam as leis do mundo natural inescrutáveis para as leis do coração humano.

Se o mundo deixa de expressar as disposições do sujeito, tornando o sonhável incompatível com a inexorável realidade dos fatos, será justamente uma construção humana que irá tomar o modelo de universo e fortalecer a conjunção entre artes liberais e mecânicas que, no período medieval, faziam-se apartadas, sendo a genialidade dos doutos incompatível com o braçal trabalho do mecânico (3). A máquina, cujo tipo mais perfeito centrou-se na figura do relógio mecânico, uma invenção do século XIII, agiganta-se com modelo (4). A arte de fabricar, como afirma Lenoble, tornou-se o protótipo da ciência. O engenheiro, nas suas elaborações mecânicas, aprisionou o movimento da natureza, imitando-o (Rossi, 1989), tornando-o manipulável, simplificado nos seus nexos de causa e efeito.

Aos poucos, um novo cosmos se instala na síntese newtoniana, na sua máquina-mundo que tornou as leis do macrocosmos idênticas às do micro, inalienáveis, atemporais (Prigogine, 1996), aprisionáveis enquanto força produtiva. A natureza, agora, "fora finalmente apropriada pela inteligência como uma máquina projetada e construída pela mão do homem"(Casini, 1987, pág. 85).

Contrariando a visão de Francis Bacon de uma natureza enquanto selva a ser desbravada pelo uso do método indutivo, Galileu torna os fenômenos naturais verdadeiras equações, indutivamente perceptíveis, dando à ciência um caráter de empreendimento cognitivo que implica em uma dominação prática, como ressalta Japiassu (1985). Tal dominação resvala em uma máxima de Descartes, que afirma, de acordo com o seu contexto, ser a natureza uma máquina e a ciência uma técnica de exploração desta máquina (Lenoble, s.d.).

Este grande mundo máquina ganhou, em sua estrutura interna, uma linguagem matemática, o que facilitou a dominação referida por Descartes, pela possibilidade de manipulação dos números que afiguravam um Deus enquanto força de organização que geometriza as suas criações. Aqui, a quantificação da realidade, expressão de uma racionalidade burguesa, se estendeu por toda a sociedade, gerando a música polifônica, os mapas portulanos, a mensuração mecânica do tempo, o que deu ao Ocidente uma singular realização intelectual que consistiu em

(...) unir a matemática e a mensuração e impor-lhes a tarefa de dar sentido a uma realidade sensorialmente perceptível, a qual os ocidentais, numa desabalada demonstração de fé, presumiram ser temporal e espacialmente uniforme e, portanto, passível de tal exame (Crosby, 1999, pág. 29).

Desta feita, o advento da chamada Revolução Científica do século XVII implicou em uma fase ímpar das relações sociedade- natureza.

Se nos primórdios da existência humana os antigos mitificavam a natureza fazendo-a interagir representativamente com as limitações de sua existência (Lenoble, s.d.), de sua consciência, temos, na gênese do conhecimento científico, um homem que se avoluma diante dela como nunca, que entende seus signos de acordo com algo por ele engendrado nela– o modelo das máquinas, a universalidade dos números, a precisão das figuras geométricas – e que se jacta de seu manipulador conhecimento, tão diferente do advindo da contemplativa ciência grega.

Esta manipulação faz-se via uma associação entre técnica e ciência. Enquanto os cientistas buscavam leis gerais para os fenômenos da natureza, desvencilhando-se, diretamente, de um projeto de mundo burguês, suas descobertas eram, como ressalta Japiassu (1985), aplicadas particularmente por artesãos e engenheiros, inseridas na racionalidade do mundo que estava se edificando. Aos poucos, os dias foram sendo moldados sob a perspectiva do lucro, dos bancos, de uma racionalidade que detinha frente ao mundo um pragmatismo brutal, um utilitarismo acentuado em que a natureza não mais contava a história da salvação e Deus, o mediador das relações do homem medieval com o mundo, era alçado para o plano de um ainda sagrado domingo (Glacken, 1996), o dia para Dele nos lembrarmos. Em contrapartida, nunca o princípio cristão de dominação de uma natureza tornada hostil após o pecado original esteve tão bem representado (Thomas, 1996).
 

Do sensualismo filosófico à reação da afetividade romântica: o silêncio do mundo

Neste contexto, Japiassu (1985) ressalta que a natureza vai se assemelhando a um burguês, obedecendo às exigências de uma gestão contábil. O desenvolvimento das forças produtivas, segundo o aludido autor, luta contra o tempo no sentido de se produzir mais em tempo igual, subordinando a ciência a um papel de aprimoramento das técnicas, o que permitiu o aparecimento de fontes de energia, indústrias têxteis, minas, uma agricultura que redimensionou sua relação com o tempo. O mundo passava a ganhar uma face técnica que adiante discutiremos, o que alterou a sua geografia, vitalizando o empreendimento de um homem que passou a resguardar a alma em si, retirando-a do mundo.

A alma fica restrita ao homem (5) que, ao retirá-la da natureza, do mundo exterior, projetou e introduziu em si o próprio mecanicismo desta, ficando o sujeito embebido na própria desaventura finalista atribuída a uma natureza e a uma ciência que, "(...)com efeito, já não é como outrora, a contemplação das verdades eternas, mas um jogo de símbolos cômodos para contemplar as aparências que passam" ( Lenoble, pág. 286-7)

Aqui, a metafísica, começa a perder terreno. A referida perenidade dos seres, ontologicamente puros, alheios a uma mutante realidade sensível (Jolivet, 1972), serviu, por muito tempo, para a perpetuação de hierarquias sociais, "cosmologicamente justificadas" na imutabilidade dos céus, na distinta qualidade dos seres e isso estava sendo rompido pela ascenção burguesa.

Por outro lado, no século XVIII o conhecimento do mundo objetivo, rompeu de forma mais brusca, com esta metafísica, principalmente, com a de Descartes. Neste período, para Lenoble (s.d.), David Hume (1711-1776), Condillac (1715-1780) e, um pouco antes, John Locke (1632-1704), vieram retirar do homem a propriedade de substância pensante que foi atribuída a este pelo legado cartesiano, transformando a alma em uma mecânica de sensações reveladora das aparências que passam. Disso resultou a reação da afetividade promovida por Jean-Jacques Rousseau que culminou no movimento romântico (Lenoble, s.d.).

Gostaríamos, mesmo que brevemente, de destacar esta reação da afetividade geradora do movimento romântico e que encontrou, nos diversos estados germânicos, uma expressão filosófica maior, cujo eixo de discussões se deu em torno da relação do sujeito com o mundo em um sentido muito diferente das perspectivas que avultaram a ciência.

Tomemos como exemplo o poeta alemão Goethe (1749-1831) (6), em sua obra A metamorfose das plantas. Narra ele, em tal livro, que certa vez, conversando com o também poeta Schiller, fez uma exposição e um desenho acerca de uma idéia de protoplanta, de um ser essencial, portador das características de toda diversidade vegetal. A resposta obtida não foi a esperada, uma vez que Schiller achou a idéia totalmente descolada da experiência, obtendo, em contrapartida, de Goethe, a seguinte resposta: "é muito agradável para mim ter idéias sem o saber, e até mesmo vê-las com os meus próprios olhos (1997, pág. 8)".

A protoplanta de Goethe bem expressa as disposições do movimento romântico. Novalis, célebre expressão do movimento, dizia: "o que está fora de mim está em mim" (Bornheim, 1978) e Schelling, com a sua chamada intelectualidade intuitiva, já se perguntava:

¿Como podemos nosotros fundir, en cierto modo espiritualmente aquella forma dura em apariencia, para que fluyan juntas la intensa fuerza de las cosas y la fuerza de nuestro espíritu, y hacer de ambas un único molde? (Schelling, 1963, pág. 40).

Esta identificação entre homem e natureza, ocorre por um apelo ao discurso poético, ao sentimento como fonte de conhecimento, uma vez que, para Goethe, o artista possui uma sensibilidade produtiva, que vê idéias espalhadas pelo mundo (Simmel, s.d.), como este bem o demonstrou no argumento sobre a protoplanta. Aqui, as disposições do sujeito, rejeitadas por Bacon e Galileu no século XVII, voltaram a clamar por um preenchimento do mundo, encontrando no gênio do artista romântico um instrumento para a manutenção dos antigos mitos outrora suprimidos.

Esta reação da afetividade foi, em muito, um reflexo de um mundo que passou por um processo de desencantamento, de queda dos antigos valores sem que novos emergissem. A famosa frase de Pascal bem ilustra este momento, revolucionário em diversos sentidos, inquietante, também, pela própria ausência de sentidos: "o silêncio eterno desses espaços infinitos me aterroriza, pois o homem se situa sob um céu onde não se fazem mais ouvir nem a harmonia das esferas celestes nem as cantatas dos anjos" (Pascal apud Japiassu, 1945, pág. 41).

Esta mudança de atitude do homem frente ao mundo, frente à natureza, que caracterizou a gênese da ciência, implicou em uma situação de desaconchego pela não mais compatibilidade entre o "mundo que vivemos, amamos e morremos e o mundo da quantidade, da geometria deificada que (...) distanciou-se e separou-se inteiramente do mundo da vida, que a ciência é incapaz de explicar" (Koyré apud Japiassu, 1985, pág. 61). O espírito moderno consegue resolver o enigma do universo, pondo-o miniaturizado nas máquinas, ao tato da mão humana, mas, como enfatiza Koyré, substitui tal enigma por outro: o enigma de si mesmo.

Ora, esta separação entre mundo qualitativo e quantitativo, mundo dos objetos sensíveis e o da própria vivência humana, amparada no amar e no morrer, se faz, inclusive, um dos fatores chaves para o alicerce da tão discutida separação sujeito-objeto e, no caso do já citado movimento romântico, fez do irracionalismo uma tentativa de submeter a razão ao domínio da vida (Gomes, 1996).
 

A construção da nova geografia da natureza: quando os instrumentos de trabalho vão habitar o mundo

Morin (1996) ressalta que todo conceito remete-se ao objeto concebido e, simultaneamente, para o sujeito que concebe. O mecanicismo que o homem projetou/encontrou na natureza cumpriu semelhante função. Destituído de seus instrumentos de trabalho, tornou-se ele, em sua maioria, proletário, uma peça ínfima diante da grandiosidade de um mundo máquina cuja racionalidade social fez-se transposta para o plano do natural. Aqui, a fábrica passa a ser a mediadora da relação do nascente proletário com uma natureza antes conhecida em um sentido cósmico, diretamente apreendida em seus ciclos naturais pela prática da agricultura (Bihr, 1999) e, esta nova mediação demonstra-se antiecológica, subordinada a uma prática capitalista depredatória que contabiliza as criações da natureza, individualizando sua posse, seu acesso. Aqui, como ressalta Moreira (2001), o homem é limitado a uma coisa físico-econômica e a natureza torna-se um grande repositório, arsenal inesgotável de recursos naturais.

Por seu turno, a mecanização do tempo, tornando-o mensurável, implicou, como afirma Moreira (1997), na possibilidade de controle sobre o trabalhador e, em paralelo a isso, na própria busca de superação constante da produtividade, em um mesmo intervalo de tempo, respaldada pelas aplicações particulares – técnicas – das leis gerais desacortinadas pela ciência. Neste contexto, os instrumentos de trabalho, antes presos ao corpo do trabalhador, vão, renovadamente, habitar o corpo do mundo enquanto novos objetos geográficos, intencionalizando-o (Santos, 1996), recriando a natureza enquanto força produtiva, (Smith, 1988), dando gênese a uma nova geografia e, simultaneamente, a um novo ser social.

Marx e Engels (1984), ressaltam que pela confecção de instrumentos de trabalho, os homens vão se diferenciar dos demais seres da natureza, produzindo os meios para a sua vivência ao mesmo tempo em que transformam a própria natureza que os circunda em potencial para esta referida produção. É nesta relação com os outros seres da natureza, inclusive com os da sua própria estirpe, que o homem toma consciência de si mesmo (7), uma consciência forjada via apreensão do movimento de um real acionado pelo homem, mas também existente e apreendido nos demais ciclos da natureza.

Temos, então, no trabalho, um elemento primordial na transição do ser biológico para o ser social, no sentido ressaltado por Lukács (s.d), em que a consciência deixa de ser um epifenômeno incrustado somente na necessidade de reprodução biológica, para se construir, em um processo gradual de hominização pela dialética do externo interno, como ressalta Moreira (2001), em que a projeção teleológica dos fins, retira da natureza seu percurso prescrito inserindo-a no processo de gestação do ser social, na finalidade da sobrevivência, do vir a ser humano que, na busca de realização, cria meios, exterioridades para a objetivação do mentalmente projetado, disso resultando um aprimorar da consciência, uma interiorização da novidade constituída simultaneamente a uma transposição para certos objetos naturais de uma potência para a concretização dos diferentes fins projetados, que recria, para tanto, meios, instrumentos que se fazem, por seu turno, em consonância com a necessidade de conhecimento da natureza, de uma proximidade com o conhecimento científico, da afirmação da consciência que, sem suprimir todas as barreiras naturais, vai, na gênese da linguagem, dos conceitos, aproximando suas projeções da realidade ontológica (Lukács, s.d.). Temos, então, que

(...) Somente no trabalho, quando põe os fins e os meios de sua realização, como um ato dirigido por ela mesma, com a posição teleológica, a consciência ultrapassa a simples adaptação ao ambiente – o que é comum também àquelas atividades dos animais que transformam objetivamente a natureza de modo involuntário – e executa na própria natureza modificações que, para os animais, seriam impossíveis e até mesmo inconcebíveis (Lukács, s.d., pág.15)

Nesta gênese do ser social via trabalho, apontada por Lukács, temos, desde já, tal atividade enquanto produtora de valores de uso que segundo Moreira (2001) transformam os meios naturais em meios sociais de existência realizando o salto de uma natureza natural para uma natureza socializada. Aqui, neste salto, temos inserido o próprio aparecimento do ser social.

Nesta perspectiva, Bornheim (1977), discutindo a questão da tese nas dialéticas de Hegel e Marx, coloca o sujeito como ponto de partida do primeiro, que do mundo objetivo faz um obstáculo para atingir o espírito absoluto. Marx, por seu turno, não inverte apenas simetricamente o ponto de partida hegeliano, mas toma como princípio o mundo objetivo e faz do trabalho um princípio que estabelece uma relação entre sujeito e meio. O sujeito, aqui se humaniza historicizando o natural, absorvendo o movimento do real que ele mesmo ajudou a impulsionar, criando consciência não pela sua separação da natureza, mas na sua imersão própria nela, ao mesmo tempo em que a sociedade se naturiza (Moreira, 2001), sendo disso resultado não uma dissociação, mas uma complexa imbricação em que rumos diferentes para ambos – sociedade e natureza – não existem, pois, principalmente após a consolidação do capitalismo, os objetos naturais ganham uma amplitude condizente com o todo da sociedade, com uma extensa gama de fins que subordina o movimento da natureza ao movimento das relações societárias Daí a validade do que afirma Thomaz Júnior (2000), com relação ao mundo contemporâneo, ao dizer que "põe-se a configurar o que se apresenta como crise ecológica, como algo pertencente às formas de gestão da natureza, portanto, da sociedade como um todo"(pág.16).

Cabe ressaltar que a distinção sujeito objeto, fruto do processo do trabalho, refere-se a uma própria apropriação espiritual dos objetos naturais pondo-os em consonância com próprio fim teleológico ideado pela consciência do homem, sendo assim, como afirma Lukács, "base para o modo de existência especificamente humano" (s.d., pág.16). Contudo, isso não deve resultar em uma absolutização de um dos dois. A própria objetividade enquanto tese na dialética marxiana implica na sua reconstrução constante pela práxis humana, relação esta que também reconstrói o sujeito ativo.

Ora, temos no alicerce da ciência clássica, uma já aludida absolutização metafísica, inspirada em Descartes, de uma das esferas do conhecimento, da natureza, a substância extensa e do espírito, substância pensante (cogito) em que, paradoxalmente, o segundo, para penetrar na essência da primeira, deve se destituir de tudo aquilo que o faz sujeito – os ídolos do teatro de Francis Bacon – sua consciência, sua capacidade de refletir e de armazenar conhecimento, para penetrar na objetividade da natureza, explicá-la por si só, sem muitos porquês, grandes especulações. Whitehead (1994) bem delineia esta necessidade de uma filosofia da coisa percebida em detrimento de uma metafísica da realidade que inclui o perceptor, os "porquês" do pensamento:

Para a filosofia natural, tudo quanto é percebido encontra-se na natureza. (...). Para nós, o fulgor avermelhado do poente deve ser parte integrante da natureza quanto o são as moléculas e as ondas elétricas por intermédio das quais os homens da ciência explicariam o fenômeno (Whitehead, 1994, pág.37).

Nestes termos, temos que a filosofia da natureza encontra no próprio interior de seu objeto a fonte de todas as conclusões possíveis. Este é justamente o ponto de partida da Revolução Científica do século XVII, do conhecimento legítimo que Galileu retomou de Demócrito. É a plenitude da consciência que discerne o que é humano do natural, disso fazendo uma melhor apreensão do mundo, pelo homem almado – alma no sentido de propriedade racional – , dos fenômenos naturais.

Contudo, é justamente tal perspectiva que queremos aqui problematizar, tendo em vista que a própria atribuição de uma linguagem independente para o livro da natureza, amparada na sua matematização e geometrização, possui implicância, como já ressaltamos, com uma possibilidade de manipulação jamais vista, que sucumbiu certos valores – a feminilidade da natureza dos antigos, a obra moral do Deus dos cristãos – tipicamente antrópicos, de transposição das disposições do sujeito, em nome de uma interpretação que possibilita uma recriação dos quadros naturais, social por excelência, e que coincide com a periodização sugerida por Santos (1996), no que tange à gradual inserção de um sistema de técnicas, no meio natural, que no estágio atual aumenta a cognoscibilidade do planeta, a extração de uma mais valia universal (Santos, 2000), já que

A técnica potencializa a produção e a circulação, a primeira através do sistema de máquinas-ferramentas e a segunda através dos meios de transporte e comunicação e, sob essa forma, viabiliza, torna possível e implementa a sucessão do primado entre as esferas, implementando a hegemonia da forma dominante de capital (Moreira, 2001, pág.12).

De um meio natural, habitado por um nômade que se sedentarizou na imitação dos ritmos da natureza que gerou a agricultura, a domesticação de animais e imprimiu novas marcas no espaço, a um meio técnico, propiciado pela ampliação da instrumentalização do/no espaço, via incorporação de instrumentos de trabalho, tivemos um processo de reconstrução do sujeito via apreensão da passagem de um desses períodos para o outro.

Tal reconstrução perpassa pela própria busca de autonomia de sua consciência diante do mundo objetivo, que culminou no advento da ciência. Contudo, tal autonomia não se restringe a uma pergunta epistemológica como a sugerida por Montague (1948): como são as coisas que se apresentam diante de nossa mente com relação às coisas que cremos e que, por esta razão, chamamos de reais ou certas?

O ponto de partida para o entendimento da natureza sob o prisma da relação sujeito objeto perpassa por tal questão. Contudo, esta busca de reflexão sobre a relação daquilo que creio com a percepção de um mundo objetivo que independe de minha existência, do socialmente adquirido, relaciona-se, e aqui voltamos para a formação da consciência que discutimos com relação a Marx e Engels, pela absorção do movimento de um real impulsionado pela atitude humana.

Assim, a questão da autonomia da consciência, de uma percepção plenamente objetiva que espelhe a realidade de fato, torna-se uma lacuna teórica de difícil solução e, se levarmos em conta que sob o capitalismo, a natureza ganha uma unificação prática no processo de produção, tornando-se um meio universal para esta (Smith, 1988) e que isso redunda em uma atitude de um sujeito que se enquadra aos ditames – da condição para a reprodução global do sistema – desta perspectiva ao torná-la objeto pelo seu trabalho e, simultaneamente, ao absorver as conseqüências deste seu trabalho, temos uma lacuna assentada na prática em que objeto concebido e sujeito que concebe se entrelaçam, remontando o conceito de natureza em uma totalidade que não permite uma distinção plena entre pensamento e realidade. Aqui, devemos negar a absolutização metafísica dos dois mas, ao mesmo tempo, suprimir o materialismo mais fugaz que toma o mundo objetivo remetente de toda e qualquer emanação recebida por uma alma tornada – e aí voltamos ao século XVIII – uma mecânica de sensações.

Por fim, dentro deste longo processo de relação homem/natureza, em que o primeiro se constrói na simbiose de seu trabalho com o segundo – e desta relação resulta uma unidade, não uma dissociação – temos, na atualidade do capitalismo, a emergência de um meio técnico científico informacional como o meio geográfico atual, onde os objetos mais proeminentes são elaborados a partir dos próprios mandamentos da ciência, servindo-se de uma técnica informacional que lhes empresta o alto coeficiente de uma intencionalidade servidora das diferentes modalidades do modo de produção (Santos, 1996). Há, na implementação deste meio, a clara emergência de uma troca de símbolos, onde a incrustação da técnica sobre a superfície do mundo faz dele um relator, na empiricização de mecanismos do sistema, de uma nova racionalidade, de um novo fim posto para o conhecimento, de um olhar recentemente construído.
 

Considerações finais

Outrora portadora da bestialidade, de um carnal moralmente condenável por uma depreciação dos prazeres sensuais bem explicitada por Santo Agostinho ou de toda a benevolência divina como ressaltou o filósofo Leibniz (8) no século XVII e primórdios do XVIII, a natureza agora fala ao sujeito os ditames do trabalho social que este sobre ela deposita. Fala, entretanto, o que este anseia escutar.

A preservação, no que tange aos chamados países subdesenvolvidos como o Brasil, dá-se muito mais no tom de manutenção de reservas para a expansão do capital (Bressan, 1996). A própria construção de uma potencialidade de intervenção e manipulação, de reprodução controlada dos ritmos da natureza pôs, de fato, em consonância com a verdade a utopia de Francis Bacon, na Nova Atlântida, de uma intervenção societária sobre a natureza que colocava o conhecimento de fato para a vida prática do homem, preocupando-se com um bem estar de que nos falava Diderot no século XVIII: "se os homens fossem sábios, eles se entregariam por fim, a pesquisas relativas ao seu bem estar"(1989, pág. 84).

Entretanto, o desenvolvimento de um conhecimento cujas descobertas fizeram-se atreladas a um não pensar sobre os efeitos de seus usos, pela separação entre a genialidade de quem cria e o pragmatismo de quem utiliza é um fator que merece ser repensado, posto no âmbito da ideologia (9), pois dos usos militares aos exclusivismos sociais, a ciência caminhou, como afirma Morin (2000), afirmando que certos tipos de decisão não lhe competem, cabem aos políticos, ao Estado. Isso tudo sem deixar de se jactar acerca de suas descobertas.

Aqui, a substância extensa é tomada em separado do cogito, do espírito que recria o mundo sem perceber a sua reconstrução nesta relação e, inclusivamente, a própria prática depredadora resultante da construção de um conceito de natureza tão arraigado às necessidades de reprodução do sistema.

Ora, o que discutimos no início deste artigo foi justamente a busca deliberada da nascente ciência em se desapegar das antigas tradições (10), de uma natureza recheada de uma moral cristã, de entidades mágicas dos antigos. O conhecimento de sua objetividade, independente dos sonhos e aspirações humanas, ou de nosso próprio pensamento, fazia-se indispensável, como ressaltou Whitehead (1994). Contudo, aclamar esta independência e fazer dela o fim último do conhecimento científico em um momento como o atual em que, como ressalta Smith (1988), o capital, na busca de lucro, percorre o mundo inteiro colocando uma etiqueta de preço em qualquer coisa que vê, determinando com isso o destino da natureza, dos homens que em tal relação se constroem, é um equívoco.

É justamente na totalidade da natureza, resultante da universalização da sua produção pelo sistema, é que temos engendrado a construção de uma interpretação dos quadros naturais. É justamente a necessidade de se refletir sobre essa interpretação que devemos fazer e aqui cremos estar contribuindo. Uma reflexão que destrinche a construção do conceito de natureza sob o prisma do capitalismo, construção esta repleta de ideologia, de celeumas teóricas e, acima de tudo, de contradições que permitem sua revisão.

É essa revisão que deve subsidiar a prática, as políticas públicas, o planejamento em sua relação com o total de variáveis que cria o fenômeno passível de intervenção, pois cremos que em momentos de uma tão divulgada crise ambiental, que clama pela ação da ciência na supressão de sua gênese, repensar o conhecimento científico faz-se de uma necessidade inadiável, ponto de partida para qualquer intervenção na realidade.
 

Notas

(1) Assim, dizia Demócrito, "por convenção existe o doce, por convenção há o quente e o frio, mas na verdade há somente átomos e vazios" (Souza, 2000, pág. 32).

(2) No Novum Organum, Francis Bacon assim se expressou: "o intelecto humano, por sua própria natureza, tende ao abstrato, e aquilo que flui, permanente lhe parece. Mas é melhor dividir em partes a natureza que traduzi-la em abstrações. Assim procedeu a escola de Demócrito, que mais que as outras penetrou os segredos da natureza. O que deve ser sobretudo considerado é a matéria, os seus esquematismos, o ato puro, e a lei do ato que é o movimento" (Bacon, 1999, pág. 44).

(3) Aqui, como ressalta Lenoble (s.d.), há uma clara depreciação do trabalho manual cuja inspiração encontra-se na Grécia, em que tal trabalho era todo feito por escravos e que também se refere a uma distinção platônica entre mão e mente (Casini, 1987).

(4) Lukács, na sua obra Por uma ontologia do ser social, também ressalta a às vezes apropriação da ciência dos objetos do trabalho no sentido de utilizá-los como modelos explicativos para certo tipo de fenômeno. Sobre tal fato, assim se expressou: "os modelos ideais que estão por trás das hipóteses cósmicas, físicas, etc. são – em geral inconscientemente – determinados também pelas idéias ontológicas que vigoram na respectiva cotidianeidade, que, por sua vez, se ligam estreitamente às experiências, aos métodos, ao resultado do trabalho naquele momento" (s.d., pág. 13)

(5) Boa parte dessa restrição da alma ao homem, desse processo de retirada da "alma" do mundo, encontra em Descartes seu máximo representante, uma vez que torna indissociável o ser almado do ser pensante, como bem atestam as suas palavras: "(...) ao analisar com atenção o que eu era e vendo que podia presumir que não possuía corpo algum, ou lugar onde eu existisse, mas que nem por isso podia supor que não existia; e que, ao contrário, pelo fato mesmo de eu pensar em duvidar da verdade das outras pessoas, resultava com bastante evidência e certeza que eu existia; ao passo que, se somente tivesse parado de pensar (...) já não teria razão alguma de acreditar que eu tivesse existido (...) de maneira que eu, ou seja, a alma, por causa da qual sou o que sou, é completamente distinta do corpo (...)" (1999, pág. 62).

(6) Cabe ressaltar que Goethe foi mais um integrante do movimento pré-romântico denominado Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto) do que um claro e assumido representante do romantismo em si. Contudo o impulso dado por suas obras, principalmente no que se refere a Werther, foi fundamental para a eclosão do movimento.

(7) Já dizia o geógrafo Élisée Reclus (1830-1905): "o homem é a natureza adquirindo consciência de si própria".

(8) Dizia Leibniz: "Dios há provisto tan excelentemente, que los cambios de la matéria no pudieram hacerlos perder nunca las qualidades Morales de Su personalidad" (s.d., pág. 30).

(9) Aqui, a contribuição de Thomaz Júnior (2000) elucida bem a impossibilidade de se ver a produção científica sob o prisma de uma neutralidade científica, que Löwy (1994) bem explicitou no que tange ao projeto positivista. Segundo tal autor, "a fetichização faz do cientificismo, por um lado, instrumento de dominação da burguesia sobre o proletariado – com todos os desdobramentos ideológicos – e por outro lado o culto de que as ciências detêm a chave de todos os problemas da humanidade" (2000, pág. 17)

(10) Apesar de em muito se inspirar nelas como a simpatia que Newton nutria pelo poeta neoplatônico Henry More (1614-1687) e pelos estudos alquímicos.
 

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© Copyright Fabrício Pedroso Bauab, 2002
© Copyright Scripta Nova, 2002
 

Ficha bibliográfica

PEDROSO BAUAB, F.A nova geografia da natureza: dos valores afetivos e simbólicos à universalização dos valores técnicos.  Scripta Nova, Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. VI, nº 119 (9), 2002.  [ISSN: 1138-9788]  http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119-9.htm


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