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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. VI, núm. 119 (97), 1 de agosto de 2002

EL TRABAJO

Número extraordinario dedicado al IV Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)
 

MUDANÇAS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO COMÉRCIO VAREJISTA NOS ANOS 90

Jose Messias Bastos
Departamento de Geociências-Universidade Federal de Santa Catarina /Brasil.


Mudanças nas relações de trabalho no comércio varejista nos anos 90 (Resumo)

O aumento do poder do setor comercial frente aos oligopólios industriais, a inserção submissa da economia brasileira no cenário internacional (abandono das políticas industriais de desenvolvimento nacional) e o paradigma totalitário da busca pela competitividade imposto pelo neoliberalismo ("globalização") estão na raiz da reestruturação modernizadora ocorrida no comércio varejista brasileiro e que por sua vez implicou não só na brutal aceleração das taxas de desemprego como também no efetivo enquadramento dos trabalhadores das grandes redes de lojas (Qualidade Total, 5 S, etc.).

Palavras chaves: relações de trabalho, varejo, redes de lojas, geografia econômica


Changes in the relations of work in the retailing in the 1990’s (Abstract)

The increase of the power of the commercial sector, facing the industrial oligopolies, the submissive insertion of the Brazilian economy in the international scene (abandonment of the industrial politics of national development), and the totalitarian paradigm of the fetching for the competitiveness tax for the neo-liberalism ("globalization") are in the basis of the modernizing reorganization, that happened in the Brazilian retailing, and that, in turn, influenced not only in the brutal acceleration of the taxes of unemployment as well as in the effective location of the workers of the great chain stores (Total Quality, 5 S, etc.).

Key Words: relations of work, retailing, chain stores, neo-liberalism, economic geography


Num ambiente de crise estrutural da economia e da sociedade brasileira, a imposição por parte do governo FHC de uma política neoliberal e a aceleração da modernização do setor comercial provocaram substancial redução no número de trabalhadores empregados no setor, viabilizando, desta forma, o enquadramento mais efetivo daqueles que permaneceram empregados.

Ora, a "globalização" (termo imposto pelo neoliberalismo para caracterizar a atual fase da economia mundial) tem sua conseqüência mais perversa no mundo do trabalho, ou seja, o denominado desemprego estrutural, que no Brasil, segundo DELFIN NETO, transformou-se em "âncora do Plano Real". No meio acadêmico a temática da "globalização" alcançou grande prestígio e, como não poderia ser diferente, trouxe em seu bojo, com considerável fertilidade, os exageros e os equívocos, muitos deles impostos pela maciça propaganda imperialista.

Assim, diante da referida conjuntura, o Estado nacional perde aceleradamente sua capacidade de intervenção nas políticas econômicas nos países em desenvolvimento. O caso brasileiro é didaticamente revelador, pois, após sua captura pelas forças políticas imperialistas, o Estado realizou esforço extraordinário, tanto para "vendas" de ativos nacionais (público e privado) praticamente sem alteração do capital líquido, como também a implementou: 1) políticas de câmbio sobrevalorizado, 2) desregulamentação das importações, 3) política de juros elevados (agiotagem) e 4) desindexação da economia (sobretudo dos salários).

O resultado destas políticas imposta de fora para dentro acarretou em perdas substanciais das reservas cambiais existentes até então. Ficando o país desta forma vulnerável aos choques especulativos (em outubro de 1998, por exemplo, o ritmo de fuga foi, em média, US$ 400 milhões por dia promovendo déficit ainda maior no balanço de pagamentos) impedindo mais e mais seu desenvolvimento auto-sustentado.

Cabe neste contexto assinalar o apoio incondicional dado pelos comerciantes, em geral através de suas entidade de classe (ABRAS, etc.) a política econômica (sobretudo a de abertura do mercado as importações) posta em prática pelo atual governo (FHC). Fortalecendo desta forma ainda mais, diante da conjuntura depressiva, o poder dos compradores (comerciantes) e, por conseguinte o enfraquecimento dos vendedores (industriais). Fato que contribuiu decisivamente para forte modernização do setor comercial e a conseqüente redução dos postos de trabalho.

Nos 30 anos, denominados de gloriosos, subseqüente a 2ª Guerra Mundial de fordismo-keynesiano, a economia capitalista mundial funcionou praticamente no pleno emprego, fato este que não ocorreu em qualquer outro período dos dois séculos de capitalismo industrial. Mas a transição do fordismo para produção flexível (toyotismo) desencadeada nos anos 80 e 90, acompanhada pela automação e informatização eletrônica, a reestruturação organizacional e a imposição aos países em desenvolvimento de políticas antiinflacionárias promoveram o desaparecimento de milhões de empregos. Criando assim uma situação de "beco sem saída". Logo, para o pensamento hegemônico, o problema do desemprego não terá solução radical e, portanto, um futuro sombrio nos espera.

Nas regiões periféricas, no período expansivo subseqüente à Segunda Guerra Mundial foi possível, em alguns países, dar continuidade às políticas industriais protecionistas. Assim, o processo de substituição de importações levada a efeito no Brasil teve o mérito de completar a 2ª Revolução Industrial. Entretanto a economia política brasileira não teve força suficiente para dar o salto de qualidade para chegar a maioridade financeira e assim comprometeu em grande medida participação mais efetiva no engendramento da 3ª Revolução Industrial. Porém, sabe-se que não interessava, como não interessa ainda, ao capitalismo financeiro mundial e, sobretudo americano, o surgimento de um capitalismo financeiro periférico capaz de alavancar o desenvolvimento autônomo das economias nacionais no Terceiro Mundo. Desta forma, a estagnação econômica que se assistiu, conduzida pelo endividamento externo e interno gigantesco dos anos 80 e 90, levaram a destruição, a desnacionalização e a reestruturação de importantes setores da economia brasileira proporcionando mais dependência e a imposição da débil idéia de uma só alternativa para a retomada do desenvolvimento, ou seja, a propalada inserção competitiva na economia mundial.

No ramo de supermercados, por exemplo, assiste-se uma inserção submissa, pois em 1997 as cinco maiores empresas do ramo de auto-serviço detinham cerca de 27 por cento do faturamento, no ano 2000 esse percentual saltou para 41 por cento (Carrefour, Pão-de-açúcar, Sonae, Bompreço e Casas Sendas). Ressalte-se que destas empresas o Pão-de-Açúcar tem participação de capital estrangeiro (28% do Casino - França) e apenas a última é 100 por cento nacional, sendo as demais controladas pelo capital estrangeiro. No Sul do Brasil assiste-se presença cada vez mais forte do Grupo Sonae (Portugal) com 199 lojas a grande maioria formada pela incorporação de importantes redes nos Estados do Rio Grande do Sul e do Paraná (Real, Nacional, Extra-Econômico, Mercadorama, Muffatão e Coletão). No Estado de Santa Catarina, inicialmente, a estratégia da rede portuguesa foi a de construir novas unidades e mais recentemente o grupo comprou a loja do Carrefour que utilizava a bandeira Stoc localizada no Shopping Americanas na cidade de Joinville.

Como diz o ditado popular "o tiro saiu pela culatra", pois no jogo de força doméstico entre os varejistas e os oligopólios industriais, os interesses internacionais conseguiram submeter, via política econômica governamental, esses últimos, à concorrência externa, mas as conseqüências não pouparam o varejo que foi atingido no seu âmago com a forte desnacionalização ocorrida. Na realidade essa nebulosa situação levou os diversos setores da economia brasileira desenvolverem uma política do "salve-se quem puder" pelo fato de não conseguirem fazer uma análise mais rigorosa da conjuntura vivida pela formação sócio-econômica brasileira. Logo a palavra de ordem passou a ser o conflito aberto, uns querendo submeter os outros, mas quem perdeu coesão e força foi o país para superar este "cotovelo" que história nos impõe.

O aprofundamento da crise promove neste início de década propostas de flexibilização das relações de trabalho através de modificações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Objetivando estabelecer que os acordos entre o capital e trabalho fiquem acima das referidas leis trabalhistas.

Tem-se verificado nos últimos anos que a preparação do pessoal para a informatização e a automação é de fundamental importância. Para isso, procura-se intensificar o treinamento para "qualificar a mão-de-obra de modo a levar cada funcionário a agir dentro do negócio como um pequeno empreendedor". (Revista SuperHiper, Fev. 94) O que se propõe, com o emprego da automação através da informática, não é apenas agilizar as operações realizadas no interior de uma loja comercial, mas também selecionar os trabalhadores que são realmente os mais eficientes. Não resta dúvida de que a utilização da automação promove o desemprego, mas a recessão prolongada das duas últimas décadas até hoje provocou decréscimo na oferta de emprego industrial, inicialmente, e, ultimamente, no comercial.

A capacitação dos trabalhadores do comércio vem se intensificando mais e mais nos últimos anos, pois a busca da redução dos custos é ponto fundamental na concorrência acirrada que se trava no comércio varejista, pois, conforme a tabela 1, na década de 90 verifica-se forte crescimento dos índices de eficiência dos trabalhadores das 300 maiores empresas de supermercados. Dar condições aos empregados para o crescimento profissional através de seu próprio desempenho e iniciativa é o que procuram, por exemplo, as lojas Colombo, uma das empresas mais automatizadas do ramo de eletrodomésticos, que em 1994 passou a implementar plano de carreira para a área comercial. "Este Plano vem consolidar a importância que a empresa dá ao colaborador que é da casa.’" (QualiColombo, n. 2 – fev. de 1995)
 

Tabela 1
Índice de eficiência entre as 300 maiores redes supermercadistas (em R$)
Anos Fat. p/ funcionário Fat. p/ loja Fat. p/ m2 Fat. p/ check-out
1990 1.214.076 9.251.606 8.853 880.698
2000 1.532.200 14.030.978 9.243 1.075.027
Fonte: Revista SuperHiper, maio de 1991 e de 2001

Podemos afirmar que o sucesso da automação depende dos recursos humanos, pois estes estão em contato direto com os clientes. Como já se assinalou, os supermercados Imperatriz trabalham com competência nesta linha do bom atendimento. "A loja tem que fazer a vontade do cliente, e não o gosto do dono", salienta João Batista Lohn, que conduz a diretoria administrativa da rede e acrescenta: "Faço muito o trabalho de ouvir o cliente na loja inclusive servido-lhe cafezinhos". (Revista SuperHiper, junho de 1995) O bom atendimento é a verdadeira revolução que antecede a automação comercial como assinala Mitsuo Moriya, consultor e presidente do Instituto de Automação Comercial (IBAC). (Revista SuperHiper, dezembro de 1993)

A procura cada vez maior do aprimoramento técnico objetivando a redução dos custos tem sido a grande meta perseguida por inúmeras empresas do país. A rede de supermercados Sendas ampliou o quadro de funcionários de 12.012 em 1994 para 13.601 em 2000, mas inaugurou e adquiriu 30 lojas e aumentou seu faturamento em 175 por cento no referido período.

Pode-se dizer que esta depressão em que vive o país é uma depressão anormal, pois, na trajetória da história econômica brasileira desde 1930, em nenhum momento se assistiu à liberalização das importações de forma tão generalizada numa conjuntura de profunda crise. Nos anos 30, passou-se por crise semelhante, e o governo acelerou o crescimento pela via da substituição de importações. Atualmente, em alguns setores oligopolizados, o preço dos produtos não diminuiu, pois não houve, nestes casos, a importação de produtos similares, como é o caso dos produtos de limpeza e higiene que no início do segundo trimestre de 95, levou o presidente da ABRAS, Paulo Afonso Feijó, vir a público defender a redução das alíquotas do Imposto de Importação para produtos deste setor similares aos nacionais, pois estes tiveram reajuste que variaram entre 5 por cento e 12 por cento no mês de abril.

O processo de redução no número de empregados que vem ocorrendo no conjunto das redes supermercadistas brasileiras é reflexo cristalino da presente conjuntura. Em 1989 as 300 maiores empresas do ramo supermercadista empregavam diretamente 335.391 funcionários, este montante foi reduzido para 262.798 em 1999 (gráfico 1) representando decréscimo de 21,6 por cento. O quadro torna-se mais grave quando se verifica que o faturamento deflacionado a preço de 2000 cresceu 21 por cento entre 1990 e 2000 conforme o gráfico 2. É importante, ainda, chamar a atenção para a queda de faturamento registrada em 1991 e 1992, provocada pela política recessiva e pelo confisco dos ativos monetários - Governo Collor.

Gráfico 1
Faturamento deflacionado das 300 maiores empresas de supermercados (ano base 1990 = 100)

Gráfico 2
Número de Funcionários dos 300 maiores supermercados do Brasil (em milhares)


Assim, o abandono das políticas industriais vigentes no Brasil até a década de 70, a política neoliberal de combate à inflação, acompanhada da recessão e do arrocho salarial, a forte concorrência empreendida pelas pequenas, médias e grandes empresas do varejo e o avanço da automação comercial (scanners, PDVs, EDI, correio eletrônico, código de barras, impressoras de cheques etc.) são os fatores mais significativos, responsáveis pelas modificações que vêm se processando nas relações de trabalho desse setor, onde o enquadramento da mão-de-obra tornou-se fundamental para a colocação em prática das medidas inerentes ao processo de modernização. Cabe acrescentar que a terceirização utilizada e o aumento do contingente dos promotores de vendas, sobretudo nas grandes redes, mascaram , por outro lado, o emprego no setor, sem contar a utilização cada vez mais freqüente de ocupação dos postos de trabalho, nos períodos de maior movimento nas lojas, por estagiários ou bolsistas com idade inferior a 18 anos ou por aposentados como empacotadores.
 

Bibliografia

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© Copyright Jose Messias Bastos, 2002
© Copyright Scripta Nova, 2002
 

Ficha bibliográfica

BASTOS, J. M. Mudanças nas relações de trabalho no comércio varejista nos anos 90.  Scripta Nova, Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. VI, nº 119 (97), 2002.  [ISSN: 1138-9788]  http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119-97.htm


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