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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. VI, núm. 119 (99), 1 de agosto de 2002

EL TRABAJO

Número extraordinario dedicado al IV Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)
 

A GEOGRAFIA SINDICAL DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL: ESBOÇOS DE INTERPRETAÇÃO ONTOLÓGICO-GEOGRÁFICOS DO MUNDO DO TRABALHO.

Marcelo Dornelis Carvalhal
Professor de Geografia -UNIOESTE/Mal. Candido Rondon, Brasil.
Doutorando em Geografia - UNESP/Presidente Prudente, Brasil.


A geografia sindical da formação profissional: esboços de interpretação ontológico-geográficos do mundo do trabalho (Resumo)

A formação profissional é uma das principais preocupações dos gestores de políticas públicas e do empresariado, no Brasil este é um tema recorrente para justificar, entre outras coisas, o desemprego crescente, relegando a responsabilidade para os próprios trabalhadores, neste sentido os sindicatos têm sido chamados a colaborarem no esforço de formação técnica da mão-de-obra. Expressando as diferenças no meio sindical, tais esforços situam-se entre o colaboracionismo acrítico às proposições do capital e intervenções pontuais no processo, procurando reservar algumas concepções de formação profissional gestadas pelo sindicalismo. Entre os diversos sentidos que recobrem tais práticas, cabe destacar o vislumbramento dos instrumentos de "investidura" territorial do capital sobre a territorialidade do trabalho.

Palavras chave: trabalho, território, formação profissional, sindicato


A worker's geography of the professional formation: outlines of an ontological and geographical explanation of the labor world. (Abstract)

The professional formation is a of the principals preoccupation of the public policy management and the employer, in Brazil this is a usual theme to justify, among other things, the crescent unemployment, relegating the responsibility to the self worker, so the syndicate are called to collaborate in the effort of technical formation from labour. Expressionning the dispute in syndicate middle, this effort is place in the uncritical collaboration to the capital proposition and restricted intervention in the process, reserving some conceptions of professional formation gestated at the syndicates. At the various significations that reveal this practice, are detached the glimpse of instruments from territorial intervention of capital about the worker territory.

Key words: work, territory, professional formation, syndicate


O presente trabalho tem por objetivo apresentar algumas reflexões relacionadas ao meu doutorado em andamento no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente, cuja temática versa sobre a ação sindical no estado de São Paulo no que se refere à qualificação profissional. Em tal pesquisa objetiva-se esmiuçar alguns caminhos de interpretação teórica sobre a geografia sindical paulista e seus desdobramentos no campo da ação profissionalizante nas disputas e acordos com o Estado e com a burguesia.

As reflexões realizadas até então apontam para um delineamento mais profundo da questão, quando se relacionam no campo ontológico o papel da formação do ser social e o papel fundante do trabalho nos complexos de complexos deste ser social, do qual a educação e a cultura de uma forma geral são derivadas, embora mantendo sua relativa autonomia e inferindo sobre a individuação do trabalhador a dimensão contraditória inerente à formação social capitalista, que ao mesmo tempo tem no trabalho o momento fundante da humanização do ser social (o trabalho concreto produtor de valores de uso) é pela totalidade social contraditada ao centrar-se na mercantilização do trabalho, determinando a abstração do trabalho, negando a dimensão humanizante do trabalho.

Desta forma, ao ensejar esta dupla contradição, presente, portanto na formação do ser social, o capitalismo cria e re-cria nas possibilidades do trabalho a destruição da potencialidade humanizadora, e faz do trabalhador – sujeito do trabalho – o sujeito de sua contradição.

Cremos ser possível realizar a partir das reflexões de uma ontologia do ser social um aprofundamento e necessária articulação na esfera sociabilizante do ser social e do espaço, entendido como esfera partícipe da totalidade social, cuja objetivação tendo como momento fundante o trabalho, não lhe é de forma alguma reduzida a esta esfera, como todos outros complexos sociais, revelando-se em sua autonomização em relação ao indivíduo, sem que com isso se possibilite a alternativa de um espaço sem indivíduo.

Sendo esta via ontológica que nos propusemos em nossa reflexão, temos que a perspectiva lógica-gnosiológica de apreensão da dimensão territorializante da ação sindical sobre a qualificação profissional, requer uma análise do contexto que emergem as possíveis novas demandas qualificativas do trabalhador, contexto este constituído da emergência da reestruturação produtiva no plano do processo produtivo e da hegemonia liberal enquanto doutrina sócio-econômico-política, inclusive no campo ideológico do trabalho.

Estes novos paradigmas produtivos vêm sendo preconizados como portadores de uma nova necessidade qualificativa da mão-de-obra, que apontam quer para um aprendizado voltado à correta execução das atividades forjadas pela automação microeletrônica, ou para uma maior "integração" ao processo produtivo, através dos círculos de qualidade total.

Tais aspectos merecem ser delineados no contexto das reformulações do capitalismo contemporâneo, cujas tendências macro-econômicas sugerem a substituição do modelo forjado nos últimos setenta anos, o fordismo, pelas contribuições que a experiência recente em alguns países desenvolvidos, notadamente o Japão, têm revelado como sendo mais eficazes em termos da lucratividade do capital, cuja designação adotada é o toyotismo.

Os principais aspectos do toyotismo podem ser assim delineados: produção variada e heterogênea, contrastando com a produção homogênea e em massa do fordismo, inverte-se o sentido da produção e consumo do fordismo para uma produção pautada na demanda; trabalho em equipe, com funções variadas, aqui também em oposição ao trabalho fordista parcelar; processo produtivo flexível, exigindo-se do trabalhador a operação simultânea de máquinas; pauta-se no just-in-time, o melhor aproveitamento possível do tempo de trabalho; estoques mínimos controlados pelo sistema kanban; estrutura horizontalizada das empresas no toyotismo, em virtude, sobretudo da intensa terceirização, no fordismo as empresas priorizam a verticalização da produção, ou seja, concentrar na empresa principal o grosso das atividades produtivas; organização do processo de trabalho através dos Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), em que os trabalhadores são incentivados a participarem da resolução dos problemas decorrentes de sua atividades laboral, é um instrumento de aproveitamento do trabalho intelectual dos operários, desprezado pelo sistema fordista; emprego vitalício para uma parcela de trabalhadores, como compensação pelo esforço de "vestirem a camisa" da empresa (1).

Assim, as transformações no processo produtivo ensejadas pelo toyotismo, colocam como necessidade uma qualificação voltada à compreensão do processo produtivo de uma forma mais genérica e ao trabalhador exigi-se maior capacidade de executar atividades diversas, contrariando frontalmente um dos preceitos básicos do fordismo que é o da especialização extremada como fonte de aumento da produtividade do trabalho.

Além disso, ao trabalhador no toyotismo exigi-se uma participação intelectual mais intensa do que no fordismo, no sentido de repensarem o seu trabalho em equipe para melhorarem o desempenho, o que de um lado representa um certo resgate da humanização no trabalho, e por outro é a intensificação da apropriação do trabalho, através da incorporação do esforço intelectual.

Obviamente que tais aspectos requerem deste trabalhador uma nova dimensão qualificativa, no sentido de estarem preparados para compreenderem assim a dimensão mais generalizante de sua atividade produtiva, além de estarem preparados para uma multivariedade de funções.

Antes de aprofundarmos as questões em torno da qualificação profissional no capitalismo contemporâneo, torna-se necessário apontarmos algumas polêmicas em torno dos sentidos das transformações recentes nos mundos do trabalho.

As discussões que permeiam a adoção do toyotismo como novo paradigma produtivo recolocam a premência de verificarmos a extensibilidade horizontal e vertical deste paradigma, ou seja, urge compreendermos sua territorialização no mundo através da perspectiva universalista enquanto novo regime de acumulação em sua dinâmica particularizante e singularizante.

Desta forma, coloca-se como uma questão fundamental compreendermos as dimensões dos prováveis novos sentidos do trabalho e um esforço para mensurá-los, o que de fato, está longe de ser uma tarefa "tranqüila" de ser resolvida.

Talvez um dos aspectos que podem ser tomados enquanto uma característica destas novas dimensões do trabalho seja o da exigência da qualificação profissional dos trabalhadores, cujo sentido preciso desta necessidade por parte do capital coloca-se como instrumento útil de percepção da profundidade de adoção dos paradigmas toyotistas.

Em que pese a importância dada à qualificação profissional enquanto componente da atual reestruturação produtiva, faz-se necessário compreendê-la no bojo das redefinições mais amplas do sistema capitalista, com a incorporação da doutrina neoliberal nos mais diversos paradigmas da sociabilidade contemporânea.

Para compreensão destas redefinições urge analisarmos os preceitos básicos do paradigma fordista e as dimensões de sua crise, implicadoras de práxis consolidadas do movimento sindical nesta última metade de século.

Desta forma, a crise contemporânea do capitalismo enseja redefinições de paradigmas produtivos em substituição ao trabalho fordista, que se pautava na repetição de movimentos e fragmentação do processo laboral, como afirma Antunes (1999: 37)

Esse padrão produtivo estruturou-se com base no trabalho parcelar e fragmentado, na decomposição das tarefas, que reduzia a ação operária a um conjunto repetitivo de atividades cuja somatória resultava no trabalho coletivo produtor de veículos. Paralelamente à perda da destreza do labor operário anterior, esse processo de desantropomorfização do trabalho e sua conversão em apêndice da máquina-ferramenta dotavam o capital de maior intensidade na extração do sobretrabalho. A mais-valia extraída extensivamente, pelo prolongamento da jornada de trabalho e do acréscimo da sua dimensão absoluta, intensificava-se de modo prevalecente a sua extração intensiva, dada pela dimensão relativa da mais-valia. A subsunção real do trabalho ao capital, própria da fase da maquinaria, estava consolidada.

Este trabalho parcelar e "brutalizado" veio substituir precisamente o trabalho dos artesãos, redimensionando a qualificação da mão-de-obra demandada pelo capital, o que em termos de oferta da mão-de-obra significou a massificação do trabalho industrial, dado a não especificidade da qualificação exigida, que passava a ser "rebaixada" em relação ao trabalho do artesão, já que a parcelização das atividades colocava como necessidade a especialização intensa do operariado.

Contrariamente ao que se preconizava enquanto um aumento da qualificação média dos trabalhadores, ou seja, um aumento generalizado da instrução, Braveman alertou-nos para a dimensão degradante da especialização laboral, implosiva da condição do operariado em sua atividade criativa, colocando-se em sua análise a necessidade de distinguir instrução, qualificação e educação.

Assim, debatendo-se contra os que afirmam uma certa superiorização da mão-de-obra no fordismo, o autor propõe-se a contra-argumentar sugerindo que a instrução exigida pelo capitalismo no fordismo nega a dimensão científica na formação do trabalhador, pelo menos, se a tomarmos enquanto formação polarizada no contexto da intensificação da divisão técnica do trabalho, que apontam para uma diferenciação crescente entre trabalho intelectual e trabalho manual.

Deste debate, cabe-nos neste momento relevar justamente a distinção entre um formação técnica e uma educação geral do trabalhador, como formalização de constituição de quadros distintamente qualificados da força de trabalho para o capital, neste sentido, coloca-se então o conhecimento das demandas diferenciadas por formações técnicas do trabalhador.

A dimensão educacional trabalho-política é negligenciada nas formações técnicas, ou aposta-se numa formação superior a partir de uma educação genérica, estes parecem ser os caminhos extremos para a inserção diferenciada do trabalho na sociedade.

Nesta aparente contradição: formação técnica x educação reside um aspecto fundamental da qualificação profissional, que é o da necessária reflexão sobre a reprodução de estruturas socialmente diversificadas e a mobilidade social. Ou seja, resgatando o debate anterior sobre a dimensão territorializante da qualificação profissional, podemos invocar as possibilidades abertas por uma formação técnica especializada para a ascensão social de grupos "naturalmente" excluídos das profissões melhores remuneradas do que as profissões de "baixa qualificação", sendo assim as profissões que exigem nível superior privilegiam por outro lado aqueles provenientes de uma educação não-profissionalizante.

Em outros termos, a educação profissionalizante permite uma colocação no mercado de trabalho intermediária entre as profissões de "baixa qualificação" e remuneração precária e os cargos de qualificação universitária e melhores remunerados. Enseja-se neste contexto a mobilidade territorial enquanto exercício de "buscas" quer do exercício das atividades a que se formaram os trabalhadores, quer seja a busca por qualificação profissionais que permitam melhores remunerações. Outro aspecto relevante do trabalho fordista refere-se ao controle do processo produtivo pelos trabalhadores como assevera Braveman:

A massa de trabalhadores nada ganha com o fato de que o declínio de seu comando sobre o processo de trabalho está mais que compensado pelo comando crescente por parte dos gerentes e engenheiros. Pelo contrário, não apenas sua qualificação cai em sentido absoluto (naquilo que perdem o ofício e as capacitações tradicionais sem ganhar novas capacidades adequadas para compensar a perda), como cai ainda mais num sentido relativo. Quanto mais a ciência é incorporada no processo de trabalho, tanto menos o trabalhador compreende o processo; quanto mais um complicado produto intelectual se torne a máquina, tanto menos controle e compreensão da máquina tem o trabalhador. Em outras palavras, quanto mais o trabalhador precisa saber a fim de continuar sendo um ser humano no trabalho, menos ele ou ela conhece. Este é o abismo que a noção de "qualificação média" oculta (Braveman,  1987, 360).

Portanto, em concordância com o que observamos anteriormente a qualificação profissional nos termos do fordismo prima pela especialização rígida das funções, o que contrariamente ao que à primeira vista poderíamos observar como maior incorporação da ciência no saber laboral, na verdade ocorre um processo inverso de pauperização da dimensão intelectual do trabalho, através da polarização entre o trabalho intelectual e trabalho manual, sendo que o avanço científico no processo produtivo é incorporado através do trabalho morto.

As vantagens para o capitalismo da hegemonização do fordismo, enquanto paradigma produtivo universalizante podem ser mensurados pelo crescimento e expansão econômica deste século XX, através de estratégias que de um lado permitiram a incorporação da ciência e da técnica no processo produtivo e de outro a incorporação da massa de trabalhadores desapropriados no campo, através do nivelamento por baixo da exigência qualitativa da mão-de-obra, que afetou politicamente o movimento organizado dos trabalhadores, ao diminuir a capacidade de controle do processo produtivo pelos trabalhadores.

Os paradigmas produtivos emergentes aparentemente colocam-se em níveis diferenciados em relação à participação dos trabalhadores na produção, pois se referenciam na contribuição dos trabalhadores na solução de problemas da produção, assim como alternativas para melhoria da produtividade.

Assentados nos Círculos de Controle da Qualidade, os grupos formados por trabalhadores são responsáveis pela produção de componentes interios da mercadoria, essa responsabilidade por sua vez exige que estes trabalhadores respondam diretamente pela qualidade e produtividade, existindo então um mecanismo de autocontrole do grupo para punir os membros que não cumpram adequadamente suas funções.

Observa-se que a adoção destes paradigmas garante de fato maior flexibilidade do trabalhador para participar na solução de problemas ou propostas de alternativas, o que requer deste trabalhador uma compreensão mais ampla de todo processo produtivo, logo uma formação que se adeqüe nesta compreensão.

Como observado por Thomé e Catapan (2000), em muitos aspectos a direção apontada dos novos conteúdos do trabalho sugerem o aproveitamento de outras qualidades do trabalhador, o "saber fazer", com o quê o capitalista elimina de sua empresa muitos postos de gerência e através de outros processos ideológicos, obtém maior controle da produção, através da participação ativa e "espontânea" dos trabalhadores para o aumento da produtividade, da qualidade e principalmente a flexibilidade necessária para lançamento constante de novos produtos.

Assim, fica evidente que se o compromisso social-democrata do pós Segunda Guerra Mundial permitiu um crescimento estável do capitalismo mundial, em que se ensejava maior participação dos trabalhadores na distribuição da renda nacional, em muitos casos um vislumbramento enfático do pleno emprego, no contexto da acumulação flexível uma "nova" doutrina político-econômico-social emerge: o neoliberalismo.

Infelizmente não cabe neste momento desvelarmos a processualidade envolvida na emergência dos novos paradigmas produtivos em suas relações com o neoliberalismo, mas importante destacar a necessidade de não compreendermo-los apenas como situações de causa-efeito, ou seja, talvez seja imprudente afirmarmos que a reestruturação produtiva ensejou o neoliberalismo, ou foi o seu contrário, o que importa para o momento é entendê-los a partir das estratégias de superação do capitalismo de sua tendência histórica de declínio da taxa de lucro, em que o conflito de classes no pós-Segunda Guerra Mundial, e isso principalmente na Europa Ocidental, permitiu avanços significativos dos trabalhadores no sentido de uma redistribuição dos ganhos de produtividade do taylorismo, que no entanto, mostraram-se contraproducentes para o Capital quando este viu-se ameaçado em sua lucratividade.

Desta forma, o regime de acumulação pautado na produção em massa, e que necessariamente exigia um consumo em massa, passa a ser substituído por uma tendência de acumulação flexível, ou seja, uma produção voltada à satisfação das demandas, que mostram-se diversificadas. Assim, este novo regime acumulativo não mais baseiam-se na produção grande de um mesmo produto (o que forçosamente leva à um barateamento), mas sim na capacidade de diversificação dos produtos, atendendo à demandas mais específicas do mercado consumidor, isso obviamente cobrando-se o preço desta diversidade de produtos, do que decorre lançamento freqüente de novos produtos e a obsolescência forçada destes mesmos produtos num momento posterior.

O que resulta deste processo, no plano da circulação é a diminuição da necessidade de mercados de massa, talvez um dos principais sustentáculos do compromisso social-democrata, desdobrando-se em concordância com outros aspectos na diminuição da capacidade do operário-massa em resistir aos ataques dos preceitos neoliberais nas conquistas oriundas do pacto social-democrata.

Um dos efeitos mais expressivos destes "novos tempos", sem dúvida é o fim da perspectiva do pleno emprego, ou seja, a precarização do emprego em todos os níveis com agravamento do desemprego estrutural, que nada mais são do que o reflexo no mercado de trabalho da indisponibilidade de emprego decorrente do aumento da produtividade do trabalho e da mudança de enfoque da produção em massa para a acumulação flexível, dispensando também a necessidade de mercados consumidores massivos.

Este desemprego estrutural, que também pode ser compreendido enquanto mecanismo de controle da força política dos trabalhadores, está portanto inserida no bojo das reformulações do capitalismo contemporâneo, com efeitos importantes no mundo do trabalho ao precarizar a condição do trabalhador, colocando os sindicatos em atitudes defensivas dos direitos anteriormente conquistados.

Em relação à qualificação profissional o desemprego passa a ser tratado pelo Estado enquanto um problema de adaptação da mão-de-obra às exigências de qualificação, assim, bastaria fomentar a formação adequada destes trabalhadores para solucionar em parte o problema do desemprego.

Mas, mais do que isso é necessário compreender o quadro contemporâneo do emprego e da qualificação profissional em seu processo aparentemente contraditório de "alta qualificação" em alguns setores e desqualificação em outros.

Assim, faz-se necessário compreendermos a dimensão da qualificação em sua heterogeneidade a e função do exército industrial de reserva como parâmetro de ajuste do preço da mão-de-obra, ou seja, verificar quais atividades laborais sofrem mais ou menos com as atuais transformações do capitalismo e em quais sentidos o esforço de qualificação profissional por parte dos trabalhadores é um mecanismo útil para o capitalista, em seu duplo aspecto, de um lado deixando para os trabalhadores a responsabilidade por sua situação de emprego precário e a busca por qualificação exigidas pelo mercado de trabalho, por outro lado a existência de uma oferta maior de mão-de-obra qualificada pode servir para o barateamento desta força de trabalho.

Tais questões merecem ser analisadas sob a perspectiva das heterogeneidades dos mundos do trabalho e do nível de desenvolvimento dos novos paradigmas produtivos em sua territorialização contraditoriamente reprodutora de processos produtivos pautados no incremento da mais-valia absoluta e/ou relativa. Assim, suas dimensões territorializantes podem-se revelar nas relocalizações das empresas ou migração da força de trabalho enquanto mecanismos de ajustes para atender a demanda expansiva do capital em seu modelo acumulativo que lhe seja mais adequado, não querendo com isso afirmarmos a existência de modelos "puros", mas sim pautando-se na própria processualidade capitalista que não exige a pureza dos modelos, e sim processos que lhe sejam mais apropriadas para a acumulação ampliada do capital, inovando, reformulando ou renovando processos produtivos.

Neste contexto de redefinições técnico-organizacionais é preciso elencar, como já adiantamos, a hegemonização do neoliberalismo como doutrina econômica nos anos 1990, pois o ataque frontal às conquistas trabalhistas realizadas pelos Estados nacionais, vêm justamente apontar o fim dos acordos e/ou compromissos que permitiram estes avanços durante as últimas duas décadas.

Os sindicatos passam então a apresentar problemas recorrentes em sua organização e representatividade, pois de um lado estão acossados pela precarização do emprego (basta lembrar que no caso brasileiro os sindicatos são herdeiros da institucionalização forçada pela ditadura Vargas nos anos 30 e que sua representação está pautada no emprego formal para termos uma dimensão do que representa o aumento da informalidade no mercado de trabalho), de outro lado os sindicatos têm procurado adequar sua agenda de ação sindical às proposições da reestruturação produtiva.

Portanto a reestruturação produtiva e a hegemonização estão no cerne da crise sindical ao atingir a materialidade e a subjetividade dos trabalhadores, Carvalhal (2000)  ressalta que:

Ao redefinirmos a crise do trabalho, no contexto mais amplo das reformulações do próprio capitalismo, podemos vislumbrar as estratégias adotadas pelo capital para a busca do controle social, ao colocar na defensiva o movimento sindical, propalando a inexorabilidade da adequação aos ditames do mercado livre.

Desta forma, a participação das centrais sindicais no Brasil para participarem da divisão dos recursos provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), através do Plano Nacional de Formação (PLANFOR), pode ser encarada como uma estratégia bem-sucedida do governo federal para que os sindicatos, mesmos os mais combativos, se incorporassem à agenda de ações sindicais do Estado, ou seja, colocou para os sindicatos a necessidade premente de elaborarem estratégias de qualificação e requalificação profissional de seus associados, para poderem resgatar uma possível importância social perdida.

A adoção dos cursos de qualificação e requalificação profissional pelos sindicatos, pode ganhar uma nova dimensão quando analisamos a quantidade de recursos que as centrais sindicais vêm recebendo nos últimos anos, o que para alguns autores é uma nova forma de atrelamento dos sindicatos ao Estado, isso sobretudo se lembrarmos que dentro da proposta do Estado brasileiro de desregulamentação geral do mercado de trabalho, existe a possibilidade de extinção da contribuição compulsória, o que inviabilizaria muitos sindicatos.

Não obstante levantarmos dúvidas sobre as intenções que envolvem as liberações de verbas destinadas majoritariamente para a Força Sindical, o que nos instiga em nossa investigação é o caráter da aceitação, por parte de posturas políticas tão divergentes no cenário da política sindical, da infalibilidade da qualificação profissional como portadora de novas oportunidades para os trabalhadores, ou seja, a aceitação do problema da "empregabilidade" do trabalhador brasileiro, tão ao gosto do Estado brasileiro.

Neste cenário, a Central Única dos Trabalhadores destaca-se pelas discussões realizadas internamente em seus fóruns de debates, que expressam uma diversidade de posições em relação à participação da Central na divisão dos recursos do FAT e no próprio caráter da qualificação profissional exigida, colocando-se como premência a necessidade da não dissociabilidade da formação profissional e cidadã, como eles próprios denominam(2).

Assim, a formação profissional insere-se no plano mais geral das redefinições do capitalismo em suas diversas dimensões, inclusive do ponto de vista da política sindical, portadoras em sua ação profissionalizante de alternativas, ora de adestramento adequado da mão de obra em um de seus extremos, ora apostando numa formação mais abrangente, dentro de estratégias paliativas para suportarem a crise sindical.

Desta forma ao ensejarem políticas profissionalizantes diferenciadas no bojo da consolidação de novas demandas qualificativas do trabalhador, o movimento sindical apresenta-se portador de territorialidades diferenciadas, em relação à sua própria diversidade e em relação às propostas preconizadas pelo capital.

Quando apostamos numa Geografia do Trabalho como contribuição, tanto para o avanço da Geografia, quanto para a compreensão dos novos sentidos do trabalho na sociedade contemporânea, pretendemos resgatar a dimensão ontológica do trabalho na estrutura societal, e sua expressão fenomênica no espaço.

O desemprego têm-se tornado uma das questões mais freqüentes no debate político, e no fundo desta polêmica estão as alternativas reformistas do capitalismo em um extremo, e em outro a crítica radical, ela mesma rica na diversidade de proposições.

Sendo assim, a compreensão de sua dinâmica territorial poderia revelar-nos o caráter contraditoriamente homogeneizante e heterogeneizante do desenvolvimento capitalista, ao expressarem-se diferenciadamente em sua dimensão quantitativa e qualitativa nas diversas porções do território. Surgida como uma das alternativas para a crise da "empregabilidade", a qualificação profissional em suas diversas proposições, garante-nos o vislumbramento da adequação/inadequação desta alternativa para o que se propôs, em sua dimensão territorializante do próprio ethos contraditório do desenvolvimento capitalista e das resistências que encontra. Sendo assim, justifica-se tal empreitada para o exercício salutar da crítica e do desafio epistemológico na aproximação da Geografia com temas ainda precariamente explorados.
 

Notas

(1) Estes aspectos delineados acima referenciam-se na obra de ANTUNES (1999).
(2) Ver sobretudo CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS METALÚRGICOS/UNITRABALHO, 1999
 

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THOMAZ JR., Antonio "A Trama Societária da Reestruturação Produtiva e Territorial do Capital na Agricultura e os Desdobramentos para o Trabalho. (Noções Introdutórias). In: O Pensamento de Milton Santos e a construção da Cidadania em Tempos de Globalização. Organização: Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB/Bauru). Bauru, 2000.

Professor de Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), campus de Marechal Cândido Rondon, atual coordenador da linha de pesquisa Mundos do Trabalho na UNIOESTE/Mal.Candido Rondon. Doutorando em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da UNESP de Presidente Prudente, membro do Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT) e do Centro de Memória, Documentação e Hemeroteca Sindical Florestan Fernandes (CEMOSi), ambos na UNESP/Presidente Prudente. Membro do grupo de pesquisa CNPq Geografia do Trabalho. Endereço Residencial: Av. Irio Jacob Welp, 1800, apto. 3, CEP 85960-000, Jardim Líder, Marechal Cândido Rondon/PR; Endereço profissional: UNIOESTE, Rua Pernambuco, 1777, CEP 85960-000, Centro, Marechal Cândido Rondon/PR; Endereço eletrônico: tbrumatti@fsnet.com.br
 

© Copyright Marcelo Dornelis Carvalhal, 2002
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Ficha bibliográfica

CARVALHAL, M.D. A geografia sindical da formação profissional: esboços de interpretação ontológico-geográficos do mundo do trabalho.  Scripta Nova, Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. VI, nº 119 (99), 2002.  [ISSN: 1138-9788]  http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119-99.htm


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