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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. VI, núm. 119 (101), 1 de agosto de 2002

EL TRABAJO

Número extraordinario dedicado al IV Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)
 

O SINDICALISMO NA INDÚSTRIA PETROLÍFERA NO BRASIL: TENDÊNCIAS RECENTES

Paulo S. C. Neves
Professor adjunto da Universidade Federal de Serpige, Brasil


O sindicalismo na indústria petrolífera no Brasil: tendências recentes (Resumo)

Durante os anos 80, no Brasil, a forte presença sindical no chão da fábrica garantia um poder de barganha importante aos representantes sindicais de categorias chaves. Contudo, a partir de meados dos anos 90 isso começou a se modificar. Novas políticas de reestruturação produtiva levaram à redução do trabalho vivo nas empresas, acarretando uma diminuição do nível de emprego nos setores econômicos onde havia uma maior penetração do chamado "novo sindicalismo" e tornando mais difícil o processo de mobilização operária. Tudo isso vai atingir profundamente aos trabalhadores da indústria petrolífera no Brasil. Neste texto procuraremos discutir, a partir da análise da greve nacional de 1995, como os petroleiros se adaptaram a esta nova situação, buscando identificar suas semelhanças e diferenças em relação ao restante do movimento sindical no país.

Palavras chaves: sindicalismo, trabalhadores do petróleo, esfera pública


Syndicalism in the brazilian petroleum industry: recent tendencies (Abstract)

During the 80’s in Brazil, the strong presence of the syndicate helped its negotiators on the key issues. However, in the beginning of the 90’s it started to change. New policies on productive restructuring resulted in reduction of the workforce, causing cuts in the economic sectors where there was a greater influence of the so-called "new syndicalism", making workers less able to organize themselves. All of this had a great impact on the workers of the Brazilian Petroleum Industry. In this text we will discuss, based on the analysis of the 1995 national strike, how the petroleum workers adapted themselves to this new situation and the difference between their movement and other Brazilians syndicates.

Key words: syndicalism, oil workers, public sphere


Muito se tem debatido acerca das debilidades do sindicalismo no mundo contemporâneo (1). Com efeito, as transformações pelas quais passou o mundo do trabalho nas duas últimas décadas (novas técnicas de gestão do trabalho, aumento da robotização nas indústrias com a conseqüente diminuição do trabalho vivo, flexibilixação das jornadas de trabalho, dualização do mercado de trabalho, aumento do desemprego, etc.) impuseram novos limites e desafios aos trabalhadores e às suas organizações sindicais. Neste novo contexto, não só os sindicatos têm-se mostrado incapazes de evitar a difusão destes novos fenômenos, como também eles pouco têm podido fazer para barrar as mudanças nas políticas públicas de seguridade e de bem estar social que põem em cheque as conquistas do chamado welfare state.

Em suma, os sindicatos estão em crise! Crise que não é apenas dos sindicatos, diga-se de passagem, mas de todo um modelo social.

Entretanto, malgrado esta tendência mundial de retração dos sindicatos, alguns movimentos grevistas têm demonstrado que os sindicatos ainda têm um peso relevante nas sociedades modernas. Greves importantes como as greves de dezembro de 1995 na França, ou a greve dos petroleiros no Brasil entre maio e junho de 1995, mostram-nos que os sindicatos são ainda, em determinados contextos, atores capitais nas relações de poder.

Este texto tem por vocação, a partir do estudo das repercussões públicas de duas greves nacionais no Brasil, contribuir para este debate. Com efeito, através da análise das duas últimas greves nacionais ocorridas no Brasil (a dos petroleiros entre maio e junho de 1995 e a dos professores universitários da rede federal de ensino entre abril e junho de 1998), pretendemos mostrar algo que vem caracterizando o movimento sindical brasileiro nos últimos anos: o deslocamento do "locus" privilegiado dos conflitos laborais para a esfera pública, o campo de debates da sociedade civil. Isto faz com que sejam relegados a um segundo plano tanto os espaços tradicionais de negociação e alianças do movimento sindical (por exemplo, os acordos com atores políticos influentes no governo), como os espaços de negociação direta, conquistados pelo nível de organização sindical nos locais de trabalho, entre trabalhadores e patrões.

Em outros termos, se durante os anos 80 a forte presença sindical no chão da fábrica garantia um poder de barganha importante aos representantes sindicais de categorias chaves, a partir de meados dos anos 90 isso começou a se modificar. Novas políticas de reestruturação produtiva levaram à redução do trabalho vivo nas empresas, acarretando uma diminuição do nível do emprego nos setores econômicos onde havia uma maior penetração do chamado "novo sindicalismo" e tornando mais difícil o processo de mobilização operária (2).

Ao mesmo tempo, a chegada ao poder central de grupos políticos de tendências neo-liberais modificam sobremaneira a correlação de forças na sociedade, deslocando as representações sociais hegemônicas no sentido da constituição de um quase consenso social sobre a necessidade de redução de importantes vantagens dos trabalhadores mais bem organizados para permitir um maior desenvolvimento do país.

Todos estes fatores acabam por enfraquecer o poder de negociação dos trabalhadores, tanto na esfera política quanto na esfera da produção. É neste contexto que alguns grupos sindicais vão procurar melhorar sua imagem pública, abrindo a possibilidade de alianças no âmbito da sociedade civil (3).

Ou seja, nessas condições, para que um movimento grevista de categorias chaves para a população obtenha resultados expressivos em suas negociações, não basta que ele esteja respaldado por uma participação efetiva dos trabalhadores na greve (fato preliminar, sem o qual não haveria qualquer negociação); é preciso também que, ao nível da sociedade civil, o movimento consiga agenciar aliados, obtendo o apoio da opinião pública, elemento importante nas tomadas das decisões dos governos nas sociedades democráticas modernas. Paradoxalmente, este espaço público ganha importância na medida mesma em que atores sociais chaves da sociedade civil perdem espaço político e social (os sindicatos, os movimentos sociais, etc.).

De todo modo, esta centralidade da esfera pública explicaria, ao menos em parte, a derrota infligida aos petroleiros (cujo movimento tinha uma imagem negativa) pelo governo em 1995 e a relativa vitória dos professores universitários (que conseguiram angariar a simpatia da opinião pública) em 1998. Para além de aspectos contextuais importantes (por exemplo, em 1995 o governo acabara de tomar posse, enquanto que em 1998 a greve dos professores se dera ás vésperas das eleições presidenciais, o que tornava o governo mais sensível à sua imagem pública), parece-nos que estas greves nos mostram algo de novo: a necessidade de grandes movimentos grevistas tornarem-se também grandes "movimentos sociais" para lograrem êxito, incorporando demandas ou insatisfações de outros setores da sociedade.

Buscaremos, pois, a partir da comparação entre estas duas greves, tecer considerações sobre algumas características do espaço público e da democracia brasileira que vêm influenciando as relações de trabalho no país. Implícita aqui, está a idéia de que o sindicalismo não é só um fenômeno de cunho social e institucional (ligado ao mundo do trabalho apenas), ele é também um fenômeno de cunho político.

Para escrevermos este artigo consultamos diversas fontes e tipos de materiais empíricos. No que se refere à greve dos petroleiros de 1995 utilizamo-nos do acervo que serviu de base à nossa tese de doutorado (Neves, 1999) sobre a ação sindical dos trabalhadores do petróleo, que incluía entrevistas com líderes sindicais, panfletos dos sindicatos, jornais de circulação nacional e regional, etc. Já com relação à greve dos professores universitários em 1998, além de uma gama considerável de dados obtidos através da observação participante durante a greve, pudemos consultar uma grande quantidade de boletins sindicais e de artigos publicados em jornais de circulação nacional e regional.

Dito isto, faz-se necessário precisar que, dada a exigüidade de espaço, não pretendemos traçar aqui o histórico ou todas as repercussões destas duas greves, coisa que alhures fizemos com relação ao movimentos dos petroleiros (4). Mais que uma análise aprofundada de cada uma dessas greves, buscaremos mostrar, através de uma comparação entre elas, suas similitudes e diferenças maiores, ligadas no essencial à forma como elas aparecem no espaço público.

Neste sentido, as greves citadas acima são, antes de tudo, pretextos para abordarmos uma questão subjacente e, entrementes, de extrema importância no contexto brasileiro contemporâneo: a forma como os debates na esfera pública influem nas decisões políticas.
 

A greve dos petroleiros (1995)

A greve dos petroleiros entre maio e junho de 1995 é uma greve paradigmática do debate público sobre a economia e dos dilemas do movimento sindical brasileiro durante os anos 90. Durante 31 dias, os trabalhadores da PETROBRAS realizaram uma greve que ameaçava paralisar completamente o país. As cadeias nacionais de televisão e todos os jornais, mostravam quotidianamente as imensas filas diante dos postos de revenda de botijões de gás e dos postos de gasolina. Os industriais, de seu lado, sublinhavam incansavelmente, diante dos microfones e gravadores da imprensa, os riscos que a greve trazia para a economia do país; já os representantes do governo acusavam os petroleiros de manter todo um país refém de seus interesses corporativistas.

De todo modo, a greve dos petroleiros de 1995 não pode ser compreendida a não ser situando-a na conjuntura política e social da época.

Os sindicatos dos trabalhadores do petróleo haviam conseguido realizar – sob a influência da CUT (Central Única dos Trabalhadores), braço sindical da esquerda brasileira – importantes movimentos grevistas durante os anos 80, tornando-se assim um dos segmentos operários mais importantes do país, tanto em termos de repercussões políticas como econômicas. No início dos anos 90, com a adoção de políticas liberais pelo governo Collor de Mello (o que, pensava-se, poderia levar ao fim do monopólio estatal do petróleo), inaugura-se um momento de grande tensão entre os sindicatos e a direção da PETROBRAS (a empresa petrolífera estatal) e o governo federal.

A queda de Collor em 1992, acompanhada da ascensão do seu vice, Itamar Franco, terá como conseqüência o abrandamento dos conflitos trabalhistas dos petroleiros, em consonância com igual tendência a nível nacional. Entretanto, com a aproximação das eleições presidenciais de 1994 e com o agravamento da crise econômica (cujo principal indício era o descontrole inflacionário) (5), o governo Itamar Franco tornar-se-á um dos alvos principais da oposição de esquerda. Ainda mais que o candidato das esquerdas, o sindicalista Lula (líder das greves dos metalúrgicos do final dos anos 70 que tornara-se figura emblemática da luta pelo retorna à democracia no país), aparecia em todas as pesquisas de opinião como favorito na corrida à Presidência da República.

Neste contexto, quando do lançamento do Plano Real (6), os sindicalistas ligados à CUT, inclusive os petroleiros, tentarão realizar uma Greve Geral entre os dias 5 e 6 de julho de 1994. Apesar da pouca repercussão dessa estratégia (7), ela permitiu aos trabalhadores do petróleo a retomada de seus preparativos de mobilização para a negociação coletiva que se daria em setembro do mesmo ano.

Nestas negociações, frente ao desacordo entre a PETROBRAS e os sindicatos, a Justiça do trabalho determina que a empresa deveria dar um reajuste salarial de 13,74 por cento, o que ia de encontro aos 108 por cento pedidos pelos trabalhadores. Face ao impasse, os trabalhadores do petróleo realizam, a partir de 27 de setembro, uma greve nacional de duração de 10 dias. Esta greve chega ao fim graças a um acordo, intermediado pelo presidente da CUT, entre os sindicalistas e o próprio Presidente da República Itamar Franco, onde o governo garantia a reabertura das negociações com a PETROBRAS em troca da suspensão da greve pelos sindicatos.

Logo em seguida, representantes da empresa estatal e dos sindicatos assinaram um acordo, na presença do Ministro das Minas e Energias, concedendo uma anistia aos sindicalistas demitidos em outras greves, a garantia de emprego durante um ano e a aplicação de um plano de cargos e salários que, na prática, significaria um aumento salarial. Entretanto, em razão da repercussão negativa deste acordo na imprensa, a empresa volta atrás e recusa-se a aplicar as cláusulas acordadas.

Isto levará os trabalhadores a uma nova greve em 23/11/94. Após sete dias de greve nacional e de intensa mobilização de parlamentares e do presidente da CUT junto ao presidente da República, os trabalhadores e a empresa (na figura do seu Superintendente Adjunto de Recursos Humanos (8) assinam um novo acordo concedendo um aumento salarial escalonado entre 10 e 12 por cento acima do índice dado pelo TST e a readmissão dos sindicalistas demitidos.

Contudo, este acordo, firmado no final do governo Itamar Franco (dezembro de 1994), não será respeitado pelo novo governo, que tomou posse em janeiro de 1995. De fato, no programa de estabilização da economia adotado pelo governo FHC (Fernando Henrique Cardoso), o controle dos salários dos empregados das empresas estatais (como estratégia de redução do déficit público) era um ponto importante. Assim, aproveitando-se das fragilidades legais dos acordos assinados anteriormente entre a PETROBRAS e os seus empregados, o governo vai se recusar a reconhecer a validade dos mesmos.

Além disso, nos primeiros meses de seu governo, o presidente envia ao Congresso Nacional vários projetos de leis reformando a Constituição. Dentre estes projetos, o de fim dos monopólios de estado, inclusive o do petróleo, era essencial para a aplicação da política de privatização prevista no programa do Presidente.

É neste contexto que a greve dos petroleiros tem início em maio de 1995. De início, essa greve deveria ser o primeiro passo de um movimento que deveria desembocar em uma greve geral dos trabalhadores do setor público contra as reformas constitucionais e contra as privatizações anunciadas pelo governo.

Entretanto, esta estratégia não era aceita sem resistências pelo conjunto dos sindicatos brasileiros. A legitimidade do novo governo, eleito com 54,28 por cento dos votos já no primeiro turno das eleições presidenciais, tornava receosos certos líderes sindicais ligados à CUT de entrar em conflito direto com o governo naquele momento; isto, ainda mais que o secretário geral da Força Sindical (a Segunda maior central sindical do país) havia ameaçado organizar mobilizações e paralisações dos trabalhadores em favor das reformas propostas pelo novo presidente, argumentando que os funcionários públicos e trabalhadores das empresas estatais eram privilegiados (9).

Assim, desde março de 1995, durante a reunião da direção da CUT, não havia um consenso sobre a estratégia a ser adotada para impedir as reformas da Constituição anunciadas. Em entrevista ao jornal A Folha de São Paulo de 13 de março de 1995, por exemplo, o secretário Geral da central propunha que a CUT participasse às negociações políticas sobre as reformas, apoiando àquelas que parecessem importantes para o país e combatendo as que iam de encontro aos princípios da central (principalmente as privatizações e as modificações nos direitos dos trabalhadores). Entretanto, para outros líderes sindicais cutistas – sobretudo os de trabalhadores do setor público, entre os quais os petroleiros – o único meio de se evitar a reforma constitucional pretendida pelo governo seria a organização de grandes greves e mobilizações populares.

Desta forma, quando as principais categorias do setor público (10) entram em greve em 03 de maio de 1995, o que estava em jogo verdadeiramente eram as políticas que o governo pretendia por em prática. No caso dos petroleiros, a esta vontade geral se juntava a frustração dos acordos feitos com a empresa no ano anterior e até então não postos em prática. O que explica o fato de que, quando os outros trabalhadores decidem por fim às suas greves por falta de mobilização das bases, os petroleiros decidem continuar sozinhos no movimento.

Sendo assim, podemos dizer que esta greve tinha dois objetivos distintos: um, ao nível interno das relações trabalhistas da PETROBRAS, o de fazer valer acordos não respeitados pela empresa; e, outro, o de mobilizar a sociedade civil contra as reformas propostas pelo governo, especialmente contra o fim do monopólio estatal do petróleo.

Desta forma, os interesses que gravitavam em torno da greve dos petroleiros não eram apenas de ordem econômica ou de gestão de trabalho de uma empresa; eles eram também interesses de cunho políticos. Isto foi mesmo reconhecido por um dos representantes da empresa durante o conflito (11).

De igual modo, quando o Tribunal Superior do trabalho declarará, em 11/05/95, os acordos realizados em 1994 sem valor legal, o ex-presidente da república Itamar Franco, que havia avalizado as negociações entre os sindicalistas e a PETROBRAS, criticará energicamente a decisão do TST e a posição do governo, acusando-os de politização de uma greve de trabalhadores (12).

Tudo isto tornava esta greve um evento importante sob o plano político e simbólico. Para o governo se tratava de quebrar definitivamente as resistências do movimento sindical às medidas liberalizantes da economia, verdadeira pedra de toque do projeto do presidente Fernando Henrique Cardoso (não era por mera coincidência que a imprensa fazia a comparação entre a greve dos petroleiros no Brasil e a greve dos mineiros no final dos anos 70 na Inglaterra, em oposição às medidas tomadas por Margaret Tchatcher), enquanto que para os sindicalista ela significava um meio de impor limites a este projeto.

São estes interesses contraditórios que podem explicar a radicalização das partes envolvidas durante o movimento grevista. Os petroleiros, por exemplo, após o julgamento do TST declarando o caráter abusivo da greve, irão paralisar quase que completamente a produção de petróleo e de derivados, ameaçando seriamente o abastecimento de combustíveis do país. De seu lado, o governo, aproveitando-se do caráter impopular do movimento enviará o Exército às principais unidades da empresa, procurando assim obrigar o retorno ao trabalho dos petroleiros (13).

Nesta queda de braço, o governo, apoiado pela opinião pública, sairá largamente vitorioso: não somente ele obrigará os trabalhadores a por fim à greve, após 31 dias, sem que alguma de suas reivindicações tenham sido aceitas, como, além disso, ele conseguirá aprovar no Congresso Nacional o fim dos principais monopólios estatais, inclusive o mais importante de todos sob o plano simbólico, o monopólio estatal do petróleo.

O resultado desta greve mostra claramente os limites, durante os anos 90, da ação sindical baseada exclusivamente no conflito. Malgrado o impressionante poder de organização e mobilização interna demonstrado pelos sindicatos dos petroleiros (afinal de contas eles conseguiram parar todas as refinarias e poços de petróleo da PETROBRAS) a greve termina, após 31 dias de paralisação, com uma flagrante derrota dos trabalhadores.

Dito de outra maneira, os trabalhadores do petróleo não conseguiram transformar o seu poder de pressão, fruto da mobilização da categoria, em simpatia popular, haja vistas a imagem negativa do movimento junto à população (14): o movimento deixa a imagem de uma greve corporativista de um grupo de trabalhadores privilegiados que não temiam prejudicar todo o conjunto da população na defesa de seus privilégios (15). Não resta dúvida pois que foi esta imagem pública negativa o ponto frágil do movimento dos petroleiros.

Esta greve põe em evidência a dimensão mediática, no Brasil contemporâneo, das greves em setores essenciais para a população; ela mostra também, a importância da informação e da mídia na formação da opinião pública no país; além disso, fica evidente o quanto o movimento sindical necessita de aliados no interior da sociedade civil nos seus conflitos com o empresariado e, sobretudo, com o Estado. O fim traumático desta mobilização operária significou também uma derrota das tendências sindicais que pregam a radicalização dos conflitos do trabalho como meio de fazer avançar a consciência de classe dos trabalhadores.

Gostaríamos de chamar a atenção, aqui, para o fato de que esta greve mostra os limites do sindicalismo de inspiração revolucionária em uma sociedade democrática. Os petroleiros foram vencidos não no interior da empresa petrolífera onde, até o fim do movimento, a participação dos trabalhadores permaneceu elevada. Eles foram vencidos ao nível da sociedade civil brasileira, ao nível das representações sociais sobre a legitimidade da greve e das demandas dos trabalhadores. O que explica que mesmo o presidente do Partido dos Trabalhadores, LULA, acabou tomando suas distâncias com relação à greve dos petroleiros:

"Defendo o direito de greve para as categorias essenciais também. Mas as greves não podem ser as mesmas. Se paro uma metalúrgica ou uma gráfica, não estou mexendo numa categoria essencial ou no material chamado ser humano. Se paro uma sala de aula, estou mexendo com o ser humano. Tenho que pensar de qual forma vou fazer a greve para prejudicar politicamente o governo sem prejudicar minha base de apoio. É o grande desafio para pensar greves de condutores, metroviários, saúde, professores." (in: Folha de São Paulo, 6/08/95, pp.1-18)

Assim, dentro desta perspectiva, o sindicalismo, para sobreviver, deve demonstrar não só uma grande capacidade de organização dos trabalhadores nos locais de trabalho (o que, dada a conjuntura econômica e social brasileira e mundial, tem sido cada vez mais difícil), mas também de uma capacidade de passar uma boa imagem de suas reivindicações para a sociedade civil. Ou seja, estas reivindicações devem ser vistas não apenas como simples reivindicações corporativas, mas como reivindicações de enlarguecimento da cidadania plena no país.
 

A greve dos professores das universidades públicas em 1998

A greve dos professores das universidades federais entre final de março e início de julho de 1998 seguiu todo um outro percurso. Um primeiro ponto a se destacar é que esta greve se deu no final do mandato do presidente FHC, enquanto que a greve dos petroleiros se dera logo no início deste governo. Isto tinha implicações políticas evidentes: em 1995 o governo tinha uma grande legitimidade, não só por conta da eleição por vias diretas recente como também por ter conseguido baixar a inflação do país; já em 1998, durante a greve dos petroleiros, às vésperas de uma nova eleição eleição presidencial e às voltas com uma crise econômico-financeira de proporções mundiais, o governo via sua popularidade se deteriorar a cada dia. Neste contexto, não seria exagerado dizer-se que a greve dos professores das universidades públicas federais foi em grande medida alimentada pelas dificuldades do governo em outras áreas.

Há mesmo um certo consenso entre os jornalistas que acompanharam a greve que ela foi provocada pela inabilidade do Ministério da Educação em conduzir as negociações sobre os reajustes salariais do funcionários federais do magistério superior (16). Os professores universitários que estavam há mais de 4 anos, em 1998, sem reajustes salariais (como grande parte do funcionalismo público) tentavam organizar, sem êxito até então, mobilizações que pudessem forçar o governo a conceder-lhes um aumento salarial.

Ante as críticas que o governo vinha sofrendo sobre o tratamento dispensado ao ensino público e buscando conter no nascedouro a insatisfação dos professores universitários (os quais tinham a expectativa de receber um reajuste salarial especial, como o que fora concedido aos militares no mesmo período) (17), o Ministro da Educação envia ao Congresso Nacional um projeto de lei instituindo um programa de bolsas (PID - Programa de Incentivo à Docência) previsto para beneficiar apenas cerca de 40 por cento dos professores (os pós-graduados que davam mais de oito horas semanais na graduação).

No entanto, o efeito desta medida foi exatamente o contrário dos objetivos do governo, pois os professores universitários das principais universidades públicas do país entram em greve em 31/03/98 reivindicando justamente a retirada do PID, além de aumento salarial de 48,65 por cento, liberação de mais recursos para o ensino superior e a abertura de concursos para as vagas não preenchidas nos Institutos Federais de Ensino Superior (IFES) – estimadas em 8100 pelos sindicatos.

Esta greve, que teria uma duração de 105 dias, começaria nas grandes universidades federais do país (a exemplo da Universidade Federal de Minas Gerais –UFMG– que desde o dia 27/03/98 já estava em greve) mas no momento de maior pico conseguiu paralisar praticamente todo o sistema de ensino superior federal.

Apesar disso, o principal peso do movimento se deu ao nível do apoio da opinião pública. Isto é evidente mesmo no discurso de parte dos líderes sindicais (tradicionalmente empenhados em valorizar o nível de organização interna); veja-se, a título de exemplo, como o Presidente da ANDES (Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior) fará um balanço da greve ao seu final:

"O grau de mobilização atingido pelos professores e pela comunidade universitária mostrou que a universidade pública está longe de entregar os pontos, como parecia apostar o MEC no momento em que anunciou o Programa de Incentivo à Docência (...). Além disso, a repercussão que obteve junto à opinião pública, a ponto de ser co-responsável pela queda de popularidade deste governo, mostrou que não estamos isolados da sociedade. Esta, cada vez mais consciente de suas necessidades, identifica na universidade pública um direito seu ..." (in: Folha de São Paulo, 13/07/98, pp. 1-3).

Efetivamente, durante todo o período da greve, o grande embate entre os grevistas e o governo se daria no sentido de convencer a opinião pública sobre seus respectivos pontos de vista. Neste sentido, do lado dos professores, é preciso considerar que esta tarefa não era apenas levada a cabo pelos sindicatos, mas também por diversos outros segmentos da comunidade universitária (professores universitários próximos aos sindicatos (18), docentes ligados ao governo (19) e até mesmo os reitores (20)).

Para os representantes do governo, a implantação do Programa de Incentivo à Docência era não apenas uma forma de levar os professores mais qualificados a dar aulas nas graduações, como também uma forma de implantar uma forma de vincular os aumentos salariais a uma avaliação dos docentes. Esta era uma das principais idéias do Ministro da Educação com relação à reforma universitária, a qual incluía ainda a autonomia financeira das universidades. Além disso, ao não estender aos aposentados os benefícios previstos no PID, o governo pretendia não onerar a folha de pagamentos do estado federal com seus inativos, obedecendo assim à lógica de contenção de despesas que a política de redução do déficit público impunha.

Seja como for, será esta última temática a de maior peso no discurso do MEC para justificar o aumento diferenciado. Ou seja, o próprio governo admitia a defasagem salarial dos professores universitários, mas argumentava que, em virtude das metas macroeconômicas, não podia conceder o reajuste reivindicado pelos professores. Com isso, o governo e seus porta-vozes admitiam, no plano argumentativo, exatamente aquilo que era o grande ponto colocado pelos grevistas.

Já para os representantes dos professores, a discussão salarial não poderia deixar de ser associada a uma discussão mais ampla da situação geral das universidades públicas. O que explica que em todos os textos oficiais do sindicatos dos docentes consultados o debate sobre os salários vinha associado à discussão sobre o financiamento público do ensino superior, através de temas como: o déficit de professores nas universidades, a degradação da estrutura física, o êxodo dos docentes mais qualificados para as universidades privadas, a redução da qualidade de ensino, etc.

Isto talvez explique a boa receptividade e a atitude simpática dos principais jornais e canais de televisão à greve dos professores universitários. Ou seja, no plano mediático, houve uma relativa vitória dos professores.

Nesta luta pela imagem pública da greve, os professores vão obter aliados importantes e insuspeitos na imprensa. Isto a tal ponto que mesmo os editoriais de alguns dos principais jornais de circulação nacional, tradicionalmente refratários às greves de trabalhadores, reconheciam, senão a validade da greve, ao menos as razões que a desencadearam:

"Esta greve, no entanto, ainda que indevida, não pode ser reduzida a uma reação apenas corporativista de professores descontentes com a política governamental para o ensino superior público. É claro que há nas escolas federais uma cultura corporativa (...). Não obstante, há motivos para protestos. O salários dos docentes, congelado há três anos e meio, está depreciado...Somados, esses fatores apontam para um perigoso desmonte do sistema federal de ensino superior e pesquisa, o qual custou décadas para ser erigido e do qual depende parte importante da capacidade nacional de fazer ciência e tecnologia..." (in Folha de São Paulo, 15/04/98, pp. 1-2)

Isto é também visível neste outro editorial do mesmo jornal, onde o tom era ainda mais duro para com a greve, reconhecendo contudo a posição predatória do governo para com as universidades:

"A Folha é contrária ao movimento grevista, o qual, embora tenha bons motivos, prejudica a prestação de um serviço público – a educação de milhares de estudantes (...). É preciso reconhecer, porém, que o MEC não vem agindo de maneira satisfatória em relação às federais. (...)

Esta Folha já demonstrou sua preocupação com o risco de desmonte de um sistema público de ensino e de pesquisa, tanto federal como estadual, que levou décadas para ser construído, responsável por cerca de 90 por cento dos doutoramentos do país. Que sirva de advertência o que disse recentemente o filósofo José Arthur Giannotti: ‘Nesse ritmo, quando a reforma vier, não haverá mais o que reformar’." (in: Folha de São Paulo, 20/05/98, pp. 1-29).

Alguns elementos nos fazem pensar que esta atitude crítica com relação ao governo e à sua política educacional ganhou uma certa repercussão popular. Durante debate televisivo entre representantes dos docentes em greve e representante do Ministério da Educação promovido pela Rede de Televisão Bandeirantes (21), foi realizada uma pesquisa por telefone com os telespectadores, dos quais mais de 60 por cento eram favoráveis aos professores.

Isto se dava em um momento de queda de popularidade do governo: em pesquisa de opinião realizada em meados do mês de maio pelos Diarios associados/Vox Populi acerca da popularidade do presidente Fernando Henrique, constatou-se que cerca de 15 por cento dos seus eleitores na eleição de 1994 não pensavam mais votar no presidente; dentre os fatores que prejudicavam a imagem do governo, os mais citados foram a seca no Nordeste, o incêndio florestal ocorrido recentemente em Roraima, o crescimento no número de casos da dengue em diversos estados do país e a greve dos professores nas IFES (22). Isso se dava em pleno período de campanha eleitoral para a presidência da República (23), o que levava alguns segmentos do governo a pressionar o Ministério da Educação para que uma solução fosse encontrada ao impasse criado nas negociações com a ANDES.

O que explica a atitude do Congresso Nacional, onde as forças aliadas ao governo tentavam evitar que a candidatura FHC levasse a pecha pública de não levar a sério a educação pública no país. Assim, já em meados de maio (13/05/98) o Congresso derruba o projeto de criação do PID (24), obrigando, na prática, o Ministério da Educação a reabrir as negociações com os professores e a ceder em alguns pontos de seu projeto inicial.

Neste contexto, o MEC volta atrás em sua decisão de não pagar os salários dos professores em greve e envia ao Congresso Nacional um novo projeto de lei instituindo um novo programa (a Gratificação de Estímulo à Docência – GED), o qual era extensivo a todos os professores (incluindo os aposentados), mas mantinha certos diferenciais (ligados à titulação, ao desempenho acadêmico e à separação entre ativos e inativos).

Ante a posição contrária da ANDES a esse novo projeto (25) e ante a posição do governo de não mais negociar, o palco das negociações se transfere para o Congresso Nacional. O que leva a ANDES a lançar mão de estratégias mediáticas para manter a greve em evidência (realização de passeatas, campanhas de informação ao público, greve de fome de 14 professores entre 15/6/98 e 27/06/98, jejuns coletivos de professores em diversos estados, etc.), ao mesmo tempo em que se busca uma articulação política para alterar o projeto da GED no Congresso.

Havia, entretanto, uma limitação legal: para que os professores pudessem beneficiar-se de qualquer tipo de reajuste salarial, o projeto de lei deveria ser votado e sancionado no mais tardar no início de julho, uma vez que a legislação eleitoral impede aumentos salariais ao funcionalismo nos três meses que antecedem às eleições (as quais estavam previstas para o mês de outubro).

Esse aspecto favorecia, certamente, a estratégia do MEC de deixar a responsabilidade de decisão sobre a GED nas mãos do Congresso Nacional: caso o projeto não fosse votado a tempo, a responsabilidade recairia nas mãos da oposição parlamentar, a qual, próxima das expectativas da Andes, boicotavam a votação do projeto. Ante o impasse instaurado e com a premência do tempo, o projeto é finalmente votado e sancionado pelo presidente da República em 05/07/98.

Com isso, a greve se esvazia e o Comando Nacional de greve da Andes decide, no dia 07, pelo final da greve, mas com retorno ao trabalho apenas a partir do dia 13/07/98 (de forma a favorecer o retorno conjunto de todas as universidades em greve).

Após a análise panorâmica deste movimento, podemos dizer que muito do sucesso relativo da greve dos professores universitários se deve não apenas à capacidade organizativa da categoria (houvera greves destes trabalhadores tão ou mais bem organizadas no passado), mas sobretudo às condições conjunturais que faziam com que o sistema político fosse mais aberto às variações da opinião pública a respeito da greve e da política universitária implantada pelo governo. Onde houve uma verdadeira vitória dos professores universitários foi no plano das representações hegemônicas na sociedade acerca da universidade pública no país.
 

Uma análise comparativa entre as duas greves

O que as greves em tela nos mostram é que os conflitos do trabalho, ao menos os conflitos envolvendo certas categorias de trabalhadores, têm se tornado palcos de disputas de visões diferenciadas de organização da sociedade; disputas que se dão prioritariamente no espaço público, procurando influenciar a opinião pública, na busca senão do consenso, ao menos de uma hegemonia ideológica na sociedade.

Estas duas greves nos mostram também que as lutas sindicais não podem ser estudadas sem se levar em conta as relações de poder na sociedade em que estes movimentos eclodem. Isto significa dar uma outra dimensão aos sindicatos, para além da representação dos interesses dos grupos envolvidos diretamente no conflito.

Os sindicatos desenvolvem suas ações no campo da sociedade civil: em um espaço de "significações" móveis acerca do justo e do injusto (opinião pública). Neste sentido, a ação sindical ao mesmo tempo em que é influenciada pela opinião pública, influencia a mesma, estabelecendo-se uma relação dialética entre ambas.

De fato, é a partir da simpatia ou da antipatia da opinião pública a um movimento grevista que se mede as suas chances ou não de obter sucesso; isto será mais evidente ainda no que diz respeito às categorias de trabalhadores ligados direta ou indiretamente ao estado (caso dos professores universitários e dos petroleiros). Ou seja, em alguns casos, o espaço público torna-se o espaço essencial de ação de grupos organizados (como os sindicatos).

Com base nestas observações podemos propor uma tipologia de greves de trabalhadores segundo a sua repercussão na esfera pública, a saber:

a)greves localizadas: greves que envolvem essencialmente apenas os sindicatos e os patrões durante as negociações, afetando pouco o público ou a população em geral; são greves com pouca ou nenhuma visibilidade pública, com influência limitada, localizada;

b)greves estendidas: são as greves que envolvem vários setores sociais, ou por ganharem uma conotação de crítica ao sistema político e social (exemplo das greves dos metalúrgicos do ABC em 1978 e 1979) ou por terem uma repercussão muito grande no cotidiano da população (caso das greves nos serviços públicos essenciais e nos setores de prestação de serviços ao público); são essas greves as que ganham maior centralidade no espaço público.

A principal vantagem desta tipologia, para nossos fins, é que ela deixa em aberto a possibilidade de se compreender as greves que começam centradas em contextos locais e que aos poucos vai se ampliando, se estendendo, ganhando novas conotações e contornos, até tornar-se um evento socialmente importante. Da mesma forma, o processo inverso também é possível. Além disso, esta tipologia evita o maniqueísmo da distinção das greves entre greves políticas e greves não-políticas, corrente na linguagem cotidiana no Brasil.

Tomando como base estes critérios, podemos classificar as duas greves aqui estudadas como greves estendidas, de grande impacto na sociedade. Apesar disso, houve diferenças importantes entre elas.

Embora a greve dos petroleiros tenha estado mais presente na imprensa do que a greve dos professores universitários – o que se explica pela maior importância econômica da atividade petrolífera – a posição dos professores foi mais bem explicada para a sociedade do que a posição dos trabalhadores do petróleo. Ou seja, nos debates públicos, os professores universitários conseguiram, mais do que os petroleiros, explicitar publicamente seus pontos de vistas.

Isto tinha causas que ligavam-se ao prestígio social desfrutado pelos professores universitários na sociedade brasileira (26) os quais têm uma prática profissional voltada para a produção de textos e artigos científicos (27), o que levou-os a estabelecerem contatos freqüentes com a imprensa (muitos deles escreviam regularmente em jornais e revistas).

Contudo, mais que as causas, nos interessam aqui as repercussões desta dicotomia entre as imagens públicas das duas greves aqui estudadas. Em primeiro lugar, o uso constante dos veículos da imprensa feito pelos professores universitários (de forma individual e coletiva) fez com que as suas reivindicações aparecessem sempre associadas às reivindicações pela melhoria do ensino no país ou, ainda, à defesa do ensino universitário público. Ou seja, embora as reivindicações fossem principalmente salariais (como no caso dos petroleiros), estas reivindicações estavam inseridas em discursos e em uma argumentação pública que se dava em nome do bem coletivo: o ensino universitário gratuito.

O mesmo não se deu com relação aos petroleiros. A atitude da mídia era claramente mais crítica com relação à greve destes trabalhadores, não só pelas resistências mais e mais difundidas na sociedade à participação do estado na economia – e, por conseguinte, à idéia do monopólio estatal no setor petrolífero – mas também por conta dos prejuízos e transtornos causados à população pela greve (mais imediatos e paupáveis que os da greve nas IFES).

Note-se, a propósito, que um dos pontos sobre os quais havia mais consenso nos debates internos durante as greves dos professores universitários era a idéia de que o grande aliado do movimento era a opinião pública favorável, razão pela qual eles deveriam garantir a reposição das aulas uma vez terminada a greve. Já com os petroleiros embora o discurso fosse centrado na necessidade de se garantir o bem público (o monopólio estatal do petróleo), não houve uma maior preocupação em se atrair a opinião pública para suas posições (28). Ainda mais que a decisão dos petroleiros de não garantir o atendimento das necessidades de consumo mínimas da população (29) tornava o movimento grevista extremamente impopular.

Ou seja, na maneira como a imprensa vai retratar a greve dos petroleiros, havia uma dicotomia muito grande entre o discurso e a prática destes, o que vai fortalecer a imagem corporativista dos petroleiros.

Quer dizer, embora as duas greves tivessem ambas tanto reivindicações salariais quanto políticas, a greve dos petroleiros apareceu publicamente como essencialmente corporativista (o monopólio aparecendo como um meio de garantir as vantagens trabalhistas dos petroleiros), enquanto os professores conseguiram construir uma imagem pública para o seu movimento como sendo essencialmente em defesa da universidade pública.

Isso vai ter enormes repercussões sobre a forma como o governo vai agir durante as negociações com os dois sindicatos.

O governo FHC começou com uma determinação política de quebrar as pernas do movimento sindical mais mobilizado, como forma de diminuir as resistências contra seu projeto liberalizante e de abertura econômica. Neste sentido, a CUT e os sindicatos a ela ligados, foram considerados como os inimigos número 1. Isto explica a atitude inicial do governo nas duas greves aqui em foco de não negociar e de forçar um confronto, de tentar humilhar e desqualificar os líderes sindicais.

Ainda mais que as greves em empresas públicas, ou na administração direta, eram realizadas por categorias intrinsecamente anti-governistas (petroleiros, professores universitários, etc.), razão pela qual estas greves tendiam a aparecer na mídia como imbuída de uma proposta política opostas ao projeto do governo.

Isto deslocava o conflito para além de seu contexto e motivos imediatos: a reivindicação por melhores salários nos casos dos petroleiros e dos professores universitários eram vistas como a aparência de demandas pela manutenção do monopólio estatal do petróleo no caso dos petroleiros e pela universidade pública no caso dos professores. Isso se deu a tal ponto que a solução dada pelo governo às crises seguia a tendência da opinião pública.

Ou seja, ante a má repercussão da greve dos petroleiros, uma resistência do governo maior; na verdade, a força dos petroleiros acabou voltando-se contra eles.

Da mesma forma, ante uma situação de queda do prestígio do governo e um certo consenso sobre o papel das universidades públicas na sociedade, uma posição mais conciliatória do governo.

Vale dizer, o que vai dar ou não sustentação à posição do governo será a imagem pública que se conseguir construir dos movimentos grevistas. Dadas as condições conjunturais do momento, a ação repressiva do governo com relação aos petroleiros não poderia ter sido reproduzida com relação aos professores universitários, senão às custas de uma repercussão negativa na sociedade.

È nesse sentido que podemos afirmar haver um deslocamento, na sociedade brasileira atual, do espaço da luta sindical, o qual não se restringe mais apenas ao chão da fábrica ou aos lugares do trabalho, mas também à disputa ideológica pela hegemonia no espaço público (30). Hegemonia aqui entendida como "poder" de "instituir" o "discurso legítimo" sobre determinadas questões (mas não só o legítimo, também o ilegítimo...).

O sindicalismo é um fenômeno político (Pizzorno, 1971; Bunel, 1990 e 1991; Weffort, 1973e 1978-1979; Rodrigues, 1981), vale a pena repeti-lo; e, como tal deve ser estudado. E como todo fenômeno político na sociedade moderna, devemos estudá-lo inserido nos debates públicos.
 

Notas

(1)Ver a respeito Rosanvallon (1988); Noblecourt (1989) e Mouriaux (1986).
(2) Entre 1990 e 1996, por exemplo, houve a supressão, segundo dados do IBGE, de 2.060.000 postos de trabalho do mercado formal brasileiro. Da mesma forma, entre 1990 e 1994, houve a supressão de 58.000 postos de trabalho na indústria metalúrgica do ABC paulista, um dos bastiões do novo sindicalismo (in: Folha de São Paulo, 12/12/96).
(3) Isto é patente desde o início dos anos 90, quando o líder da CUT, Vicentinho, procura melhorar sua imagem pública, incorporando ao seu discurso demandas de cunho racial e preocupação com a pobreza, com a fome, com a violência, etc.
(4) In: Neves (1999).
(5) A inflação em 1993 atingiu a impressionante marca de 2.489 por cento ao ano.
(6) Plano de estabilização econômica inspirado no plano de estabilidade argentino e que tinha como pedra de toque a paridade entre a moeda nacional (o Real) e o dólar.
(7) O que demonstrava já o forte apelo popular do plano econômico (que tinha como leitmotiv o fim da espiral inflacionária), o que seria ainda mais visível no resultado das eleições presidenciais em outubro de 1994, com a vitória do candidato governista Fernando Henrique Cardoso sobre LULA.
(8) Esta informação é importante, pois no futuro, o TST iria julgar a que este acordo não tinha valor legal pois ele não fora assinado pelo presidente da empresa.
(9) Isto, em uma entrevista dada ao jornal A Folha de São Paulo, em 02/05/95.
(10) Sobretudo os petroleiros, os eletricitários, os trabalhadores das telecomunicações, etc.
(11) Em entrevista publicada no jornal A Folha de São Paulo em 8 de maio de 1995, o gerente de Recursos Humanos da PETROBRAS declarou que a empresa estava em condições econômicas de honrar os acordos realizados anteriormente, mas isto dependia do aval do governo federal.
(12)  A Folha de São Paulo, 12/05/95.
(13) O que para muitos significava um retorna a certas práticas vigentes durante a ditadura militar.
(14) Segundo uma pesquisa de opinião realizada pelo DATAFOLHA e publicada pelo jornal A Folha de São Paulo em 24/05/95, a maioria absoluta da população da cidade de São Paulo era contrária à greve (60 por cento), enquanto apenas 21 por cento dos entrevistados apoiavam totalmente as reivindicações dos trabalhadores.
(15) Ao menos era essa a imagem que a imprensa passava do movimento; o poder desta imprensa, sobretudo a televisiva, sobre a formação da opinião pública no Brasil é tamanho que não causa muita surpresa se os sindicatos dos petroleiros não conseguiram lutar contra esta tendência.
(16) Ver por exemplo matéria na Folha de São Paulo em 5/03/98, pp. 3-6.
(17) O próprio Presidente da República havia anunciado em entrevista coletiva antes do envio do projeto do PID ao Congresso que o governo concederia aumento salarial aos professores universitários.
(18) Uma diferença fundamental entre a estratégia dos petroleiros e a dos professores dos IFES é que estes últimos, por terem uma atividade profissional ligada à produção de textos e por terem certos vínculos com os responsáveis dos órgãos da imprensa, ocuparam muito mais a mídia para expressar os seus pontos de vista. Durante o levantamento que fizemos nos principais jornais do país, por exemplo, havia muitos artigos de professores universitários comentando a crise da universidade pública no Brasil e o papel da greve dos professores de chamar a atenção para esta crise.
(19) O caso com maior repercussão foi o do filósofo José Arthur Giannotti, amigo pessoal do presidente e que já havia ocupado cargo na área educacional do governo. Em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, Giannotti declarara, dentre outras coisas, que o governo "... não tem um projeto para a universidade brasileira como um todo, e sem universidade pública não pode ter projeto de nação."
(20) Os quais, em diversos momento deixaram transparecer a sua simpatia pelas demandas dos grevistas. Isto foi mais evidente no mês de maio (19/05/98), quando a grande maioria dos reitores se negou a enviar ao Ministério da Educação os nomes dos professores em greve em suas universidades. O pedido dos nomes dos grevistas, para desconto de salário, se dera com base em decreto do Presidente da república de 3/05/95, usado pelo governo durante a greve dos petroleiros. O ponto a destacar aqui é que os reitores, mesmo com a ameaça de intervenção nas universidades e de suas exonerações, negaram-se a participar da estratégia do governo para por fim à greve.
(21) Trata-se de debate realizado em 24/04/98 no programa Fogo Cruzado, animado por Paulo Henrique Amorim.
(22) Correio Brasiliense, 21/05/98.
(23) Chegou-se a especular sobre a possibilidade das eleições presidenciais serem levadas para o segundo turno, revertendo a tendência apontada de algumas pesquisas iniciais, onde o presidente Fernando Henrique tinha mais de 60 por cento das intenções de voto.
(24) Isso se deu em uma negociação entre o líder governista do Congresso e os líderes oposicionistas que obstruíam a votação de outras matérias importantes para o governo.
(25) Havia dentro da ANDES um embate muito grande acerca do encaminhamento a ser dado ao movimento. Para alguns grupos, com forte representação no Comando de greve, era preciso aproveitar o memento de fragilidade do governo e radicalizar a greve, a fim de se obter uma vitória importante, maculando ainda mais a imagem do governo; para outros grupos (que haviam ganhado as eleições sindicais da ANDES entre 12 e 13 de maio, mas que só tomariam posse em junho), era chegado momento de negociar o final da greve, a qual estava ganhando um caráter político muito forte, o que poderia prejudicar a imagem pública do movimento. Na prática, após as eleições sindicais, passou a haver uma dicotomia muito grande entre o Comando de Greve e a nova Direção Sindical, com repercussões importantes nas estratégias que seriam desenvolvidas a seguir pelo sindicato.
(26) No Brasil, os intelectuais têm um grande peso social, capacitando-os a exercer um papel político considerável (ver Pécaut, 1990).
(27) Não esqueçamos que a ciência ganhou nas sociedades modernas um papel legitimante fundamental (ver Habermas, 1973).
(28) O que não significava que os petroleiros não tivessem bem claro que o apoio público era essencial para seus propósitos de mobilização, tanto que em praticamente todos os congressos sindicais dos trabalhadores do petróleo eram aprovadas propostas de criação de um fundo para que matérias pagas defendendo a Petrobras e o monopólio do petróleo fossem publicadas na imprensa nacional.
(29) O que, em indústrias de processos contínuos como as refinarias, não é de fácil execução, pois o número de trabalhadores necessários para produzir uma pequena quantidade de produtos é o mesmo necessário para produzir a capacidade máxima da unidade; isso, na visão dos sindicalistas era visto como um perigo para a efetividade da greve.
(30) Esta tendência é visível mesmo em empresas privadas, onde a interferência do Estado é menor que nos dois casos aqui retratados. Veja-se, por exemplo, as greves mais recentes na indústria metalúrgica de São Paulo, onde a pressão da opinião pública contra o desemprego tem levado o Estado e os empresários a aceitar formas de acordos que preservam o emprego.
 

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© Copyright Paulo S.C. Neves, 2002
© Copyright Scripta Nova, 2002
 

Ficha bibliográfica

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