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Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. VI, núm. 119 (102), 1 de agosto de 2002

EL TRABAJO

Número extraordinario dedicado al IV Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)
 

AS IMPLICAÇÕES DO TRABALHO EM COOPERATIVAS DE TRABALHADORES RURAIS

Geraldo Magela Braga
P.D.S Comunicacao Rural, Universidad Autonoma de Barcelona

Leonardo Pinheiro Deboçã
Graduando em Administração de cooperativas, Universidade Federal de Viçosa, Brasil

Jose Mauro Ferraz Andrade
Graduando em Administração de cooperativas, Universidade Federal de Viçosa, Brasil

Rosiane Maria Lima Gonçalves
Graduanda em Administração de cooperativas, Universidade Federal de Viçosa, Brasil


As Implicações do Trabalho em Cooperativas de Trabalhadores Rurais (Resumo)

A cooperativa de trabalho é um meio pelo qual os trabalhadores rurais se organizam e gerenciam suas forças com maior poder de barganha no mercado, para alcançar melhores condições de trabalho, particularmente em situações em que se encontram desprovidos total ou parcialmente de direitos trabalhistas. Enquanto trabalhadores autônomos, por meio da assistência social da cooperativa, os associados podem melhor adequar os benefícios trabalhistas alcançados às suas necessidades prioritárias. Entretanto, para que a organização cooperativa funcione em condições de atender ao que se propõe é necessário o desenvolvimento de um processo de comunicação e de educação cooperativista em consonância com os princípios e valores do cooperativismo, para uma efetiva participação dos associados na gerência do empreendimento.

Palavras-chave: trabalho rural, organização, cooperativa, auto-gestão.


The implications of the work in rural workers' cooperatives (Abstract)

The work`s cooperative is a way where rural workers organize themselves and administrate their energies with bigger power in the market, to reach better conditions of work, specially in situations where they are totally or particully devoid of the rights respected to work. While self workers, by the social assistance of the cooperative, the associates can better adapt the benefits of the labour reached to their priority needs. However, in order to answer all these needs, it`s necessary for the organization to have a development of a communication process and cooperative education in work`s cooperative, with the beginnings and values of the cooperativism, to have an effective participation of the associates in the management of the enterprise.

Key words: rural work, organization, cooperative, self management.


As modificações recentes no mundo do trabalho indicam para uma crescente terceirização, aumento do número de trabalhadores autônomos e crescimento do mercado informal, o que faz parte de uma reestruturação produtiva que vem modificando a configuração do trabalho e do emprego. Tal processo traz graves conseqüências sociais negativas, como a concentração de renda e poder aos que dominam a tecnologia e o agravamento da situação dos sem trabalho, que passam a ser desprovidos de garantias trabalhistas.

Nesse ambiente, as cooperativas de trabalho ou empresas de trabalho associado se configuram como alternativa para o trabalhador, especialmente o desempregado, pois permitem ao mesmo estabelecer controle sobre sua organização, pela escolha de seus dirigentes, definição das políticas e prioridades desta, assim como permite resgatar a responsabilidade do saber técnico do qual o trabalhador é espoliado no sistema capitalista. Essa forma de organização recupera ao trabalhador a dimensão humana do trabalho, mais digna, segura e autônoma. A sociedade cooperativa, quando constituída através da força de vontade de seus cooperados, tem a legitimidade de uma organização administrada e organizada onde todos contribuem de forma igualitária para a formação do capital.

Particularmente no meio rural, onde prevalece o trabalho informal, a adoção de um modelo em que os trabalhadores gerenciam e comercializam o seu trabalho tem sido uma forma pela qual estes se unem em defesa de seus interesses e para solução de seus problemas. As cooperativas de trabalho rural têm mostrado se como uma forma de emancipação do trabalhador rural.
 

O cooperativismo e a organização do trabalho rural por meio cooperativas

O movimento cooperativista surgiu em um contexto de profundas mudanças do sistema de produção e de trabalho, provocadas pela Revolução Industrial, na qual os trabalhadores eram submetidos a excessivas horas de trabalho, baixos salários e exploração do trabalho infantil e feminino.

Neste contexto, vinte e oito tecelões (operários) na Inglaterra uniram esforços e criaram um pequeno armazém cooperativo de consumo: a "Sociedade dos Eqüitativos Pioneiros de Rochdale". O cooperativismo tomou impulso e se organizou a partir das idéias dos precursores, conhecidos como socialistas utópicos, dentre os quais se destacam Robert Owen, Phillippe Buchez, Charles Fourier, Louis Blanc e Willian King, que idealizavam uma sociedade futura conduzida pelos trabalhadores. Os precursores, de modo geral, viam no cooperativismo uma forma de resolver os problemas de injustiça social advindos do capitalismo, procurando definir um sistema social, baseado em princípios morais, na justiça, na ação consciente e conjunta dos seres humanos. (Braverman, 1987 e Rios, 1987, p.19).

O desenvolvimento do cooperativismo de trabalho na atualidade se dá de forma similar ao surgimento do cooperativismo na história, uma vez que sua expansão está geralmente ligada a épocas em que ocorrem drásticas mudanças no mundo do trabalho com rápidas e generalizadas inovações, com conseqüente automação do processo produtivo, sendo que tais mudanças se repercutem sobre o trabalhador geralmente com o aumento do desemprego.

No cooperativismo de trabalho, o homem deixa de ter vínculo empregatício não estando sujeito às normas trabalhistas da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e passa a gestionar seu próprio trabalho, de forma que se transforma em patrão de si mesmo, e as vantagens daí decorrentes se estendem além dos benefícios ao próprio trabalhador, que é melhor remunerado e não trabalha de forma alienada, alcançando também o tomador do serviço, visto que além de diminuir o custo de produção, está livre de burocracias do sistema tradicional.

Nas cooperativas de trabalho, diferentemente do que ocorre na CLT, na qual é assegurado uma série de direitos trabalhistas tais como o fundo de garantia por tempo de serviço e décimo terceiro salário, os benefícios sociais não estão previamente determinados, sendo possível uma adequação dentro da realidade dos trabalhadores, respeitando suas diferentes necessidades. A exemplo disto, se em determinada comunidade há maior carência de assistência médica, ou de transporte para o trabalho, a cooperativa pode então alocar recursos para suprir estas necessidades.

No meio rural brasileiro, principalmente em regiões caracterizadas pela existência de grandes latifúndios torna-se mais intensa a marginalização e dependência do trabalhador rural, com a separação deste em relação aos meios de produção. Por meio das cooperativas de trabalho rural os trabalhadores tornam-se autônomos, gerenciando sua força de trabalho, de maneira que com a organização adquirem maior poder de negociação para melhores condições de trabalho e de vida.

O objetivo dessas cooperativas é contratar, com empresários rurais, mediante acertos verbais ou escritos, a execução, pelos associados, de tarefas vinculadas direta ou indiretamente à produção agropecuária, tendo sempre em vista obter, para seus membros, melhores remunerações e condições de trabalho do que obteriam individualmente.

No que tange às funções administrativas, distintamente das empresas capitalistas onde uma cúpula executiva cuida de todo o processo, a gerência nas cooperativas se caracteriza pela figura da Assembléia Geral como órgão máximo que delibera quanto à alocação e distribuição de recursos, às diretrizes e ao plano geral da organização, bem como elege membros para assumir a gerência e cumprir suas deliberações.

A Assembléia Geral é o meio pelo qual todos os cooperados, independentemente da quantidade de capital que detêm, podem participar do processo administrativo com igualdade no poder de decisão, ou seja, os votos dos associados são equivalentes.

O Conselho Administrativo, eleito pela Assembléia Geral, representa os associados no plano administrativo, sendo o aparelho que dá suporte à diretoria, normalmente eleita dentre estes conselheiros. A diretoria é o órgão de representação dos associados perante a comunidade e o mercado, cuidando das medidas cotidianas e emergenciais para que a sociedade exista.

O Conselho Fiscal, também eleito pela Assembléia Geral, é o instrumento pelo qual o quadro social exerce a fiscalização sobre o Conselho Administrativo, zelando pelo cumprimento das determinações da Assembléia Geral, pelas responsabilidades atribuídas à diretoria, bem como pela situação econômica e financeira da entidade.

Para decisões imediatas é necessário maior autonomia ao corpo administrativo, para que a organização não perca em competitividade em um mercado de rápidas mudanças, onde a agilidade nas decisões é um dos fatores determinantes.

"O associado à cooperativa, como gestor do empreendimento comum, deve harmonizar a sua participação política - definição de objetivos e metas - com a sua participação econômica - capital e operações - e, a ambos, com a capacidade gerencial da empresa em efetivar suas relações com o mercado" SCHULZE (1987: 51).

O meio rural brasileiro é marcado pela baixa escolaridade, por um trabalho de natureza braçal e cansativa, e por razões históricas e culturais há, em grande parte, um modo de vida submisso do trabalhador, em que este não participa ativamente na definição de seus próprios rumos, sendo dependente dos proprietários das terras e de políticas assistencialistas de governantes.

Nesse contexto, a organização do trabalho rural em cooperativas, implica necessariamente na compreensão da realidade cultural dos trabalhadores e na identificação de suas necessidades a partir de um processo em que estes são levados a refletir sobre suas condições de vida, questionando a realidade e identificando suas limitações e potencialidades, deixando a condição de passividade para uma atitude reivindicatória e consciente. Tais mudanças ocorrem à medida em que se utilize de um eficiente sistema de comunicação e se desenvolva um processo contínuo de educação cooperativista adequado à realidade destes trabalhadores, para que então ocorra uma participação efetiva dos associados em todos os níveis da organização.
 

A comunicação no meio cooperativista rural

A comunicação deve ser entendida como um processo dialógico construtivo, de forma que não se trata de uma simples transmissão de conhecimento, mas sim uma interação entre os vários atores envolvidos.

Para aplicar-se toda e qualquer forma de conhecimento de forma eficiente, eficaz e de maneira bem sucedida, é preciso antes conhecer o código a ser utilizado, de modo que o mesmo seja entendido por quem o está recebendo. Também é preciso que antes se conheça o universo cultural e estrutural que dá formação a essa sociedade, para assim indicar os melhores métodos que possibilitarão maior absorção e entendimento do público (FRIEDRICH, 1988).

As dificuldades de comunicação entre o quadro social e os dirigentes das cooperativas no meio rural, podem ocorrer em função da desconsideração do ambiente cultural, o qual possui uma linguagem própria, e da utilização inadequada dos meios de comunicação, o que faz com que as informações não cheguem aos associados ou cheguem de forma distorcida, vindo a comprometer a participação destes, causando o não envolvimento com a cooperativa. Nesse sentido, é de fundamental importância identificar e analisar como o associado decodifica as informações recebidas que lhes darão suporte para contribuir no processo decisório.

Uma importante medida para o melhor funcionamento da comunicação, é a criação de um sistema de avaliação dos meios utilizados e do processo como um todo, que pode ser realizado ao nível das associações comunitárias em suas reuniões ou mesmo pela presença de um representante da administração interna da cooperativa. Tal sistema de avaliação teria por objetivo identificar as possíveis falhas e deficiências, bem como aperfeiçoar os pontos positivos encontrados, sejam na linguagem ou nos veículos de comunicação, ou seja, verificar os pontos fortes e fracos do sistema tanto na emissão, no transcurso e na recepção das mensagens, tal como identificar as diferentes percepções sobre uma mesma mensagem recebida, para que a comunicação seja moldada de forma a atingir diferentes pessoas.

Uma comunicação clara, constante e adequada à realidade das pessoas que se pretende atingir, que transmita mensagens relevantes e que estejam de acordo com o cooperativismo, é capaz de fazer o diferencial na busca de uma maior conscientização do quadro social. Dessa forma, é preciso transmitir aos cooperados a importância de se conhecer, além de seus direitos de receber assistência da cooperativa, o direito e o dever de participar de forma ativa, consciente e consistente, do processo de tomada de decisão, para que se faça, assim, valer a premissa de que a cooperativa é do associado e cabe ao mesmo decidir os rumos a serem tomados.
 

A educação cooperativista e a participação dos trabalhadores na cooperativa

As cooperativas, independente do ramo em que atuam, devem praticar de maneira autêntica os valores e os princípios cooperativos para que sejam um empreendimento de sucesso. Os valores baseiam-se de ajuda mútua, responsabilidade, democracia, igualdade, equidade, solidariedade, honestidade, transparência e preocupação pelo seu semelhante. Os princípios cooperativos se constituem nos meios pelos quais as cooperativas levam os seus valores à prática, são eles a adesão voluntária e livre; a gestão democrática e livre; a participação econômica dos membros; a autonomia e independência; a educação, formação e informação; a intercooperação e o interesse pela comunidade.

Os valores e os princípios constroem a identidade cooperativista, e o que distingue fundamentalmente as cooperativas das organizações capitalistas é o fator participação de seus integrantes, que para ser alcançado necessita de um eficiente sistema de comunicação e educação cooperativista entre a cooperativa e o cooperado para um suficiente grau de adesão deste, tornando-o mais comprometido com sua organização.

O cooperativismo não é simplesmente um instrumental de comércio, mas acima de tudo uma integração de pessoas com interesses em comum, sendo fundamental a educação para que se atinja o papel de interação social (Moura, 1964).

Cooperados conscientes, tornam uma cooperativa mais autogestionada, e consequentemente mais eficiente, pois as decisões tomadas são por voto da maioria dos associados, estando de acordo com os objetivos e as prioridades, não havendo o desvirtuamento do real propósito de uma cooperativa, o bem estar social de seus cooperados.

A educação cooperativista busca a formação e conscientização do indivíduo no âmbito da cidadania trabalhando esses aspectos de acordo com os objetivos de cada cooperativa e com o relacionamento dessas com a sociedade.

As cooperativas desenvolvem um relacionamento com a comunidade, tendo um compromisso recíproco para a mudança das situações adversas, favorecendo o desenvolvimento regional e nacional. A educação cooperativista deve estabelecer procedimentos adequados ao seu sistema de finalidades, respeitando as particularidades das comunidades cooperativadas, conhecimentos e gostos populares (OCB, 1989).

No meio rural brasileiro, onde prevalece um baixo nível de escolaridade, o compromisso das cooperativas é ainda maior no sentido de melhorar a qualidade de vida e o desenvolvimento social por meio de um processo educativo que retire as pessoas de sua condição de submissão e passividade, tornando-as pessoas de opinião, que sugerem mudanças para transformação de sua realidade.
 

Bibliografia

BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista: a degradacao do trabalho no sec XX. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1987. 397p.

FRIEDRICH, O. A. Comunicação rural: proposição crítica de uma nova concepção. 2ª edição. Brasília: EMBRATER, 1988. 64 p.

LAUSCHNER, R. Perspectiva Econômica, Ano XIX, vol. 15, nº 49, (Cooperativismo 15), 1985.

MOURA, V. Temática rochdaleana. Rio de Janeiro: Cooperativa Cultural dos Esperantistas. 1964. 474 p.

OCB. Organização do quadro social em cooperativas. São Paulo: OCB, 1989. 46 p.

PINHO, D.B. Manual do cooperativismo - tipologia cooperativista. São Paulo: CNPq, vol. 4, 1991. 346 p.

RIOS, G.S.L. O que é cooperativismo. São Paulo: Brasiliense, 1987. 70 p.

SCHNEIDER, J. O. Uma proposta para o balanço social das cooperativas. Perspectiva Econômica, ano XIX, vol. 14, nº 45, 1984, p. 78.

SCHULZE, E. Estrutura do poder em cooperativas. Perspectiva Econômica, vol, 22, Nº 59, 1987, (Cooperativismo 22), p. 51.
 

© Copyright Geraldo Magela Braga, Leonardo Pinheiro Deboçã, Jose Mauro Ferraz Andrade, Rosiane Maria Lima Gonçalves, 2002
© Copyright Scripta Nova, 2002
 

Ficha bibliográfica

BRAGA, G.M. y otros. As Implicações do Trabalho em Cooperativas de Trabalhadores Rurais.  Scripta Nova, Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, vol. VI, nº 119 (102), 2002. [ISSN: 1138-9788]  http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119102.htm


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