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Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. VI, núm. 119 (122), 1 de agosto de 2002

EL TRABAJO

Número extraordinario dedicado al IV Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)
 

O MIGRANTE SOB A DOMINAÇÃO DO CAPITAL. OPRESSÃO E IMPACTOS SOCIAIS. (ENSAIANDO A REFLEXÃO)

William Ribeiro da Silva
Mestrando em Geografia pela Universidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente-SP.


O migrante sob a dominação do capital. Opressão e impactos sociais. (Ensaiando a reflexão) Resumo

O presente trabalho trata-se de um ensaio reflexivo ausente de discussão empírica, em que se questiona conceitualmente as bases que alicerçam o modo de produção capitalista, através das modificações tecnológicas e nas estruturas de exploração do trabalho e seus conseqüentes reflexos nos processos migratórios (1). Num momento histórico em que não existe mais a mesma necessidade de exploração da mão-de-obra, como ficam os fluxos migratórios? Para onde iriam? Tendem a diminuir? A acabar? O migrante se fixaria definitivamente e deixaria de ser migrante? E quanto aos aparelhos do Estado, desapareceriam? Estas perguntas surgem numa perspectiva de entendimento de uma nova realidade, uma nova condição de atuação do capital e da sociedade.

Palavras-chave: trabalho, migrante,  dominação do capital


The migrant on the capital dominance.  Opression and social impacts (Abstract)

The present work is a rehearsal reflexive absentee of empiric discussion, in that conceptual is questioned the bases that secure the way of capitalist production, through the technological modifications and in the structures of exploration of the work and its consequent reflexes in the migratory processes. In a historical moment in what it doesn't exist more the same need of exploration of the labor, as they are the migratory flows? Where they would go? Do they tend to decrease? To end? Would the migrant notice definitively and would she stop being migrating? And with relationship to the apparels of the State, would they disappear? These questions appear in a perspective of understanding of a new reality, a new condition of performance of the capital and of the society.

Key words: work,  migrant, dominance of the capital


Várias são as concepções que surgem sobre as causas dos processos migratórios, variando de acordo com a abordagem teórica, no entanto, para que se possa, efetivamente, entender o processo é necessária, entre outros fatores, a sua vinculação com a mobilidade da força de trabalho e, portanto, com as necessidades de (re)produção do capital.

Com o desmembramento das relações feudais de produção, as relações pessoais de dominação tendem a desaparecer e dar lugar às relações de dominação do capital. Com isto, os homens passam a ser livres para venderem suas forças de trabalho como condição (única) de realizarem suas necessidade de sobrevivência. Esta liberdade, no entanto, é para servir aos interesses do capital, que necessita de constante readaptação populacional, de acordo com seu estágio de desenvolvimento e de implementação de tecnologias.

A partir do desenvolvimento das relações capitalistas de produção, os homens passaram a se deslocar espacialmente de forma generalizada, sempre atendendo aos anseios do capital, que utiliza-se de vários meios de atração, passando pela ilusória venda de uma vida melhor, através de signos da modernidade (2), que o migrante os aceita pelo fetiche que causam para sua realização pessoal, até mesmo as formas de opressão desveladas, com o uso de força.

No entanto, a atuação do mercado necessita do auxílio do Estado, enquanto instrumento de dominação, que serve de regulador e que controla os rumos dos processos migratórios, abrindo ou fechando fronteiras, de acordo com os interesses do capital.

Mas com o aumento da tecnologia, e uma automatização das relações de produção, o trabalho humano se faz supérfluo. Num momento em que não se tem mais a mesma necessidade de exploração da mão-de-obra, como ficam os fluxos migratórios? Para onde iriam? Tendem a diminuir? A acabar? O migrante se fixaria definitivamente e deixaria de ser migrante? E quanto aos aparelhos do Estado, desapareceriam? Estas perguntas surgem numa perspectiva de entendimento de uma nova realidade, uma nova condição de atuação do capital e da sociedade.
 

O processo migratório e os impactos sociais

Sob o chamado imperativo do capital para mobilidade da força de trabalho, o migrante passa a modificar suas relações sociais, passa perder seu vínculo territorial, e inicia um constante processo de adaptação que dificilmente se encerra.

Com isto o migrante passa por uma busca incessante por fixação, mas está sob a dominação do capital e muitas vezes, iludido pela ideologia capitalista, vai buscar sua realização pessoal na migração, acreditando estar agindo sob suas decisões individuais. Este migrante sofre a alienação e deixa de reconhecer espaços públicos como seus, evidenciando uma crise na própria concepção de cidade. (relação entre público e privado)

Quando parte do local de origem deixa sua vida social, suas relações pessoais, familiares etc. Deixa seus sonhos, suas realizações e parte para uma terra que lhe é estranha e que não a reconhece como sua, perdendo sua identidade e, portanto, sendo um ser social, abdica a si próprio.

Sayad (2000, p. 13) lembra da importância da noção de pertencimento nacional, que se faz:

"ao tempo, ao espaço, ao grupo, os principais quadros que estruturam a vida social e mesmo toda vida social e mesmo toda existência individual – existir no tempo, no espaço e no interior de um grupo social (é a condição da existência política) – sempre está em causa um pertencimento nacional, um pertencimento nacionalmente definido: o pertencimento a cada um a seu tempo é um pertencimento à história nacional; o pertencimento ao espaço é um pertencimento ao território nacional; o pertencimento ao grupo dos nacionais é um pertencimento à nação e à nacionalidade que lhe são comuns."

E quando o migrante parte, rompe os laços de tempo e de espaço com sua terra de origem, e não possui laços em sua terra de destino, desta forma não se encontra em lugar nenhum.

Com isto, Sayad (2000) considera que a emigração deve ser realizada e vivida necessariamente na dor, uma dor compartilhada entre os que partem e os que ficam. E ainda considera que sua ausência causa modificação na sociedade que deixa e com suas novas vivências/experiências causa uma modificação em si próprio.

"a ilusão da qual se alimenta a nostalgia que tem, por contrário, a decepção – e sobretudo, como se ter partido por tanto tempo não houvesse mudado em nada o emigrante que retorna, no fundo, não para reencontrar a si mesmo, tal como era (ou acreditava ser) quando partiu: é desta outra ilusão que freqüentemente participa a decepção engendrada pelo retorno (ou uma certa forma de retorno), reação inversa, mas totalmente complementar à consciência nostálgica. Em resumo, não se deixa sua terra impunemente, pois o tempo age sobre todos os seus pares." (Sayad, p. 14)

A migração que parece ser temporária, pode durar sua vida toda, pode ser uma busca incessante por sua fixação, que por muitas vezes somente se faz com sua morte.

No entanto, o migrante sempre parte com a intenção de voltar, com a intenção de melhorar sua vida, de encontrar sua felicidade, que acredita estar nos signos da modernidade, os quais são amplamente fetichizados. Mas, mesmo quando retorna, o migrante não encontra mais sua terra de origem, tal como deixou, pois quando parte leva consigo parte das relações sociais e ainda retorna com outra vivência, com outra realidade em mente (uma visão mais crítica). Encontra uma modificação espacial que se fez com o tempo, onde modificam-se as pessoas e, portanto, a sua concepção de ideal, aquilo que buscava incessantemente recuperar.

As considerações de Martins (1988) colaboram com o pensamento e contribuem com novos direcionamentos a respeito do impacto da migração ao migrante, pois,

"... a sua migração temporária tem um efeito devastador sobre sua vida: rompe laços familiares, expressa a miséria e a impossibilidade da sobrevivência econômica no pequeno lote agrícola, próprio ou arrendado, denuncia a exploração que inviabiliza a vida sedentária e lhe impõe a vida nômade que desmoraliza, empobrece sua vida social.

(...) vivendo precariamente do dia a dia, freqüentando,em seus pequenos intervalos de liberdade, os puteiros de beira de rua, sem família e sem vínculos.

(...) o supérfluo é a festa e, consequentemente, a negação do trabalho e do trabalho e da carência que o torna obrigatório. Mais ainda, é uma celebração da liberdade, pois não se trata da festa do patrão-festeiro ou padre, da festa que lhe dão de comer, mas da festa para ostentar."(grifo nosso)

Temos, portanto, a vida do migrante se efetivando somente fora do trabalho, fora do cotidiano e, portanto, sendo uma negação do mesmo. Tempo para si próprio.
 

As formas de opressão sofridas pelo migrante

Como dito anteriormente, as migrações tendem a acontecer de acordo com a necessidade do capital, ocorrendo de acordo com suas imposições, mas tem-se que considerar, inegavelmente a figura do Estado como regulador e agente do capital para controlar e direcionar os processos migratórios.

No entanto, esta regulação não se faz de forma pacífica, necessitando por muitas vezes do uso da força, da imposição e da opressão (3). Desta forma, o Estado impõe a mobilidade forçada, quando é a necessidade do capital e impõe a imobilidade forçada (4), quando também é a necessidade do capital.

Impõe restrições a circulação e desmonta o princípio de liberdade proposto pelos iluministas, o direito de ir e vir. Evidencia que o homem moderno, inserido nas relações de dependência do capital, possui sim a liberdade de vender sua força de trabalho e portanto de se mover livremente no espaço, mas não possui autonomia para escolher os locais de sua mobilidade ou de sua imobilidade.
 

O migrante frente o fim do trabalho

Tem-se então, o migrante sendo levado de um lado a outro, ou aprisionado, de acordo com as necessidades/possibilidades de vender sua força de trabalho, porém, no mundo atual, em que se instaura uma crise do trabalho, em que o momento histórico de prosperidade do trabalho entra em crise e se criam novas formas de atuação do capital, de que forma se efetiva o processo de migração da força de trabalho se esta não se faz mais necessária?

"na terceira revolução industrial da microeletrônica finda o mecanismo de compensação pela expansão, até então vigente. É verdade que, obviamente, através da microeletrônica muitos produtos também são barateados e novos são criados (principalmente na esfera da mídia). Mas, pela primeira vez, a velocidade de inovação do processo ultrapassa a de inovação do produto. Peça primeira vez, mais trabalho é racionalizado do que o que pode ser reabsorvido pela expansão dos mercados. Na continuação lógica da racionalização, a robótica eletrônica substitui a energia humana, ou as novas tecnologias de comunicação tornam o trabalho supérfluo. Setores inteiros e níveis da construção civil, da produção, do marketing, do armazenamento, da distribuição e mesmo do gerenciamento são excluídos. Pela primeira vez o deus-trabalho submete-se, involuntariamente, a uma ração de fome permanente. Com isso, provoca sua própria morte." (Kurz, p. 13-14)

Sendo o trabalho supérfluo, como se efetivaria a migração? Como se teria a mobilidade do trabalho, se esta não se faz mais necessária? Seria o fim das migrações? Seria a fixação definitiva do migrante, sua territorialização? E com o desaparecimento do Estado, as fronteiras seriam abertas e ainda assim não haveriam deslocamentos populacionais, a não ser por necessidades individuais? Seria o fim da opressão?

Estas questões que são postas, são inquietações que não podem ser respondidas no momento, pois o processo de redefinição histórico está por ocorrer e a negação do trabalho ainda aparece muito abstrata, dando apenas prenúncios de sua aparição.
 

Considerações finais

Percebe-se que o migrante sofre constantemente uma relação de opressão, uma relação em que é transformado em instrumento a serviço do capital, servindo apenas por sua força de trabalho imanente. Tem-se uma expropriação de sua vida pessoal, é arrancado de suas relações sociais, de seu meio social, de suas cumplicidades, de seu território. É obrigado a perder sua identidade pessoal, e portanto, a não se reconhecer mais em qualquer lugar que passe.

Estas forma de opressão/dominação se fazem em função do capital, que necessita única e exclusivamente de sua força de trabalho e que se utiliza da figura do Estado para regular o processo e garantir-lhe maior eficiência de reprodução.

Mas atenta-se para a redefinição da migração e da condição de migrante sob a não mais necessidade do capital de comprar força de trabalho e portanto, de não mais necessitar de controle para deslocamento populacional ou para sua imobilidade como forma de regular salários, já que estes não se fazem mais existentes. Seria o quadro de colapso da modernização.
 

Notas

(1) Ensaio redigido como avaliação parcial da disciplina "Migração e dinâmicas territoriais nos processos de modernização" ministrada pelo Prof. Dr. Heinz Dieter Heidemann, do Programa de Pós-graduação da Universidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente-SP, no ano de 2000.

(2) Utensílios que dão a idéia de sucesso, de crescimento. Fetiches que são adornados pela sociedade. José de Souza Martins, em "Sociabilidade do homem simples" dá o exemplo do significado que o uso de óculos escuros possuem para o imigrante nordestino em São Paulo.

(3) Deve-se enfatizar que a opressão não se faz somente em extremas crises ou em guerras, mas sim, sempre que o capital necessitar.

(4) Conceito aplicado por Gaudemar (1977), em a Mobilidade do Trabalho e acumulação de capital.
 

Referências bibliográficas

GAUDEMAR, J. P. Mobilidade do trabalho e acumulação do capital. Lisboa: Editora Stampa, 1977

MARTINS, José de Souza. Migrações temporárias. Problema para quem? Revista Travessia – mai-ago/1988.

MARTINS, José de Souza. A sociabilidade do homem simples. São Paulo: HUCITEC, 2000.

KURZ, Robert. Manifesto contra o trabalho. Tradução de Heinz Dieter Heidemann. (texto mimeo. s/d)

SAYAD, Abdelmalek. O retorno. Revista Travessia – edição especial / jan-2000.

VAINER, Carlos B. A violência como fator migratório. Silêncios teóricos e evidências históricas. Revista Travessia / mai-ago / 1996.
 

© Copyright William Ribeiro da Silva, 2002
© Copyright Scripta Nova, 2002
 

Ficha bibliográfica

SILVA, W. .R. da. O migrante sob a dominação do capital. Opressão e impactos sociais. (Ensaiando a reflexão). Scripta Nova, Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, vol. VI, nº 119 (122), 2002. [ISSN: 1138-9788]  http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119122.htm


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