Biblio 3W
REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. XV, nº 895 (15), 5 de noviembre de 2010

[Serie  documental de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

RIO 2016 E O URBANISMO OLÍMPICO

 

Savio Raeder
Doutorando em Geografia (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
raeder@ufrj.br


Recibido: 30 de mayo de 2010. Devuelto para revisión: 9 de septiembre de 2010. Aceptado: 30 de septiembre de 2010.


Rio 2016 e o urbanismo olímpico (Resumo)

Os eventos olímpicos modernos se tornaram gradativamente ao longo destes pouco mais de cem anos de história em oportunidades para a realização de transformações urbanas. É possível se afirmar a existência de um urbanismo olímpico (Muñoz, 2006; Raeder, 2010) para tratar dos impactos na cidade promovidos pelos vultosos recursos envolvidos na organização dos Jogos. Este breve artigo discute inicialmente o urbanismo olímpico das edições mais recentes dos Jogos e em seguida avança sobre os contornos específicos que o tema vem tomando na Cidade do Rio de Janeiro, com especial atenção para as operações em curso na Barra da Tijuca e no Porto do Rio.

Palavras chave: Jogos Olímpicos, Geografia Urbana, Rio de Janeiro


Rio 2016 and the Olympic Urbanism (Abstract)

Through approximately the last century of history, the modern Olympic events have gradually become opportunities to the accomplishment of urban transformations. It is possible to assert the existence of an Olympic urbanism (Muñoz, 2006; Raeder, 2010) to approach the impacts promoted by the great resources involved in the Games’ organization in the city. This short paper discusses initially the Olympic urbanism of the latest Games, then approaches specific outlines of the subject in the city of Rio de Janeiro, with special attention towards the present operations in Barra da Tijuca and Rio’s harbour.

Key words: Olympic Games, Urban Geography, Rio de Janeiro


Urbanismo Olímpico

Andranovich et al. (2001) realizam uma discussão em seu trabalho sobre os GEEs enquanto estratégia de desenvolvimento local em cidades americanas. Tal estratégia, chamada pelos autores de estratégia de megaeventos (mega-event estrategy), está associada à competição entre cidades por trabalho e capital num contexto de escassez de transferência de recursos do governo central para administrações locais. O uso de eventos para a atração de investimentos não é propriamente uma novidade, no entanto esse recurso passou a ser mais utilizado a partir de mudanças na política urbana e do acirramento da competição global. Reconhece-se que desde os anos 1980 houve um corte dos investimentos do governo central americano nas cidades, o que levou políticos de algumas administrações locais a adotar um posicionamento empreendedor na gestão de seu território (Harvey, 2005 – original de 1989). Este novo cenário gerou um novo ordenamento urbano voltado para as demandas de corporações, indústrias de alta tecnologia e produtores de serviços cada vez mais sofisticados.

Gold e Gold (2007) traçam um panorama histórico das intervenções urbanas realizadas em virtude dos Jogos Olímpicos de Verão, cabendo aqui destacar as mais significativas a partir de 1988. Intensas transformações urbanas visando a requalificação de áreas foi o que se observou em Seul 1988 e Barcelona 1992. Vultosos investimentos foram aportados na reconstrução de áreas degradadas destas cidades. Em Seul esta requalificação ocorreu à custa de diversas remoções de favelas e contou também com a recuperação de muitos sítios históricos. Considerada por muitos pesquisadores como o caso de maior sucesso no desenvolvimento urbano associado aos Jogos, Barcelona 1992 foi privilegiada por decisões locacionais coerentes com os desafios que enfrentava. Contando com um histórico de planejamento urbano, a cidade catalã se serviu dos Jogos para promover as transformações de forma a fortalecer as potencialidades turísticas e reduzir as fragilidades sociais existentes. É tomada hoje como referência para as intervenções orientadas para a realização de Londres 2012 e Rio 2016. Por outro lado, Atlanta 1996 se diferenciou bastante das duas edições anteriores por não ter sido palco de grandes mudanças urbanas, sendo financiada em sua maior parte por capitais privados.

Com grande preocupação ambiental, Sydney 2000 se destacou pela recuperação de uma área degradada (Homebush Bay) pela poluição gerada por décadas de atividade industrial. Com equipamentos esportivos concentrados nesta área da Cidade, a sede australiana, a despeito de seu sucesso ambiental, enfrenta problemas com a manutenção de equipamentos esportivos subutilizados. Tal problema se repetiria tanto em Atenas 2004 como em Pequim 2008, sendo mais difícil a solução para o primeiro considerando a crise econômica atual. Já Pequim, com suas arenas imponentes, foi palco para a demonstração de força da potência emergente que promoveu grandes transformações urbanas para se apresentar ao mundo.

As próximas edições dos Jogos, Londres 2012 e Rio 2016, se deparam com desafios semelhantes àqueles enfrentados pelas edições anteriores, com destaque para os temas da sustentabilidade e do legado. Realizar o evento com permanente preocupação ambiental desde a construção das instalações até a adoção de soluções de mobilidade com baixo carbono é, atualmente, o que se observa dentre as preocupações dos organizadores dos próximos Jogos. Por outro lado, há um intenso debate sobre os usos futuros das arenas esportivas, levando seus planejadores a redimensionar escalas ou até mesmo propor alterações nas decisões locacionais firmadas nos Cadernos de Encargos. É nesse contexto que o Rio 2016 será analisado a seguir considerando os riscos e as oportunidades da cidade olímpica.


Rio 2016: da Barra da Tijuca ao Porto

É fato que a vitoriosa candidatura olímpica carioca se apoiou fortemente na experiência de realização dos Jogos Pan-americanos de 2007 (Pan 2007) e que este condicionou as decisões locacionais do Rio 2016. Nesse sentido se privilegiou novamente a região da Barra da Tijuca, local da maior parte das estruturas construídas para o Pan 2007, no Caderno de Encargos apresentado pelos gestores cariocas ao Comitê Olímpico Internacional (COI). Tal escolha sinalizava ao COI um compromisso de realização dos Jogos em uma região com grande estoque de terras disponíveis para a construção de novas formas e que, além disso, já tinha seus fluxos associados a um megaevento esportivo realizado. Contudo, os atuais desafios urbanos cariocas passam também pela revitalização portuária, que gradativamente foi inserida na agenda olímpica.

Neste cenário a Cidade do Rio de Janeiro se depara com dois grandes desafios urbanísticos: (1) a construção de novas formas na Barra da Tijuca e (2) a revitalização das antigas formas da zona portuária. Em ambos os casos se pretende inaugurar novos fluxos que promovam processos espaciais reconfiguradores do tecido urbano. No primeiro caso, busca-se reforçar a forte dinâmica imobiliária da Barra da Tijuca (cerca de um quarto dos novos empreendimentos são lançados na região). Em relação à zona portuária a intenção é reestruturar uma área muito próxima do principal centro financeiro e de serviços. Investimentos públicos e privados da ordem de bilhões de dólares serão destinados às duas áreas cariocas com cronogramas determinados pelos Jogos Olímpicos.

A Barra da Tijuca é uma área de expansão das classes média e alta da Cidade, e conta com amenidades naturais (praias, lagoas e vegetação) que proporcionam grande valorização imobiliária. Apesar de contar apenas com cerca de 5 por cento da população carioca, aproximadamente um quarto dos novos empreendimentos imobiliários são lançados na Barra da Tijuca. A região conta com um grande estoque de terras nas mãos de grandes agentes imobiliários privados, que aproveitam a positiva imagem dos jogos para aumentar suas vendas. Esse fenômeno foi observado no Pan 2007: na Avenida Abelardo Bueno, conhecida como Alameda do Pan, diversos empreendimentos imobiliários foram lançados logo após a realização dos Jogos em 2007.

Estão planejadas para a Barra da Tijuca novas estruturas de transporte que viabilizarão tanto os fluxos demandados pelo evento olímpico, como os fluxos posteriores que deverão ser exigidos pelo adensamento populacional. Duplicação da auto-estrada Lagoa-Barra, implantação do BRT (Bus Rapid Transit) e a expansão do metrô são soluções previstas para incrementar a integração da região com o restante da Cidade. Neste caso, a oportunidade de se ter um legado em transportes pode contribuir para a melhoria da circulação dos citadinos. Além dos transportes, a região contará com um aporte adicional de unidades residenciais decorrente da construção da vila dos atletas, e de boa parte da vila de mídia, em áreas próximas àquelas onde ocorreram os Jogos do Pan 2007. Em relação à dinâmica residencial apontada é possível reconhecer o risco do excesso de oferta imobiliária na região em detrimento da construção de novas unidades em espaços populares. O cartograma abaixo apresenta a concentração de estruturas viárias e residenciais na Barra da Tijuca previstas pelo Comitê de Candidatura Rio 2016.

 

Figura 1: Cartograma das Estruturas Previstas para o Rio 2016
Fonte: Caderno de Encargos do Rio 2016, adaptado.

 

Apesar de o Caderno de Encargos do Rio 2016 ter destinado um papel secundário à zona portuária (indicada de forma adaptada no cartograma acima), a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (PCRJ) tem empreendido grandes esforços na promoção da revitalização da área. Denominado “Porto Maravilha”, o projeto de revitalização portuária tem como marco legal a Lei Complementar Municipal 101 (23 de novembro de 2009), que institui a Operação Urbana Consorciada como principal instrumento de transformação dos usos do solo correntes. Tal operação é capitaneada pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Porto (CDURP), empresa municipal criada com o objetivo de gerir de forma flexível as obras e serviços públicos planejados.

Contando atualmente com cerca de 20 mil moradores, o projeto Porto Maravilha pretende estimular a ocupação da área para aproximadamente 100 mil habitantes até os Jogos Olímpicos. Além de transformações viárias, sanitárias e de comunicações, está prevista a construção de diversos equipamentos culturais no Porto (museus, aquário, etc). Tais equipamentos vão ao encontro do papel previsto para a área na operação dos Jogos: suprir a demanda de espectadores por leitos de hotel com a acomodação destes turistas em transatlânticos atracados no Porto. Desta forma, os equipamentos servirão para a qualificação dos espaços de lazer na zona portuária, importante fator de atração de investidores e moradores para a área. Segundo recentes anúncios realizados pelos organizadores do Rio 2016, a zona portuária abrigará: a vila de árbitros, parte da vila de mídia, o museu olímpico e a sede do Comitê Organizador dos Jogos.

Há riscos e oportunidades na agenda do urbanismo olímpico carioca. A maior oportunidade é a de promover a melhoria dos fluxos no tecido urbano, especialmente por meio de novas estruturas de transporte. Sem embargo, o maior risco é o do acirramento da fragmentação urbana carioca caso estes grandes projetos urbanos não respeitem o direito à cidade.

 

Bibliografia

ANDRANOVICH, Greg; BURBANK, Matthew; HEYING, Charles. Olympic cities: lessons learned from mega-events politics. Journal of Urban Affairs: v. 23, n. 2, 2001. p. 113-131.

GOLD, J.; GOLD, M. Olympic cities: city agendas, planning and the world’s games, 1896-2012. New York: Routledge, 2007.

HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. 2 ed. São Paulo: Annablume, 2005.

MUÑOZ, Francesc. Olympic urbanism and Olympic Villages: planning strategies in Olympic host cities, London 1908 to London 2012. In: The Sociological Review. v. 54, December 2006. p. 175-187.

RAEDER, Savio. Jogos e cidades: ordenamento territorial urbano em sedes de megaeventos esportivos. Brasília: Ministério do Esporte, 2010.

 

[Edición electrónica del texto realizada por Miriam-Hermi Zaar]



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Ficha bibliográfica:

RAEDER, Savio. Rio 2016 e o urbanismo olímpico. Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. XV, nº 895 (15), 5 de noviembre de 2010. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-895/b3w-895-15.htm>. [ISSN 1138-9796].