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Scripta Nova.
 Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.
Universidad de Barcelona [ISSN 1138-9788] 
Nº 94 (13), 1 de agosto de 2001

MIGRACIÓN Y CAMBIO SOCIAL

Número extraordinario dedicado al III Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)

O CASO DOS MIGRANTES DA CIDADE DE CRICIÚMA BRASIL/ PARA OS ESTADOS UNIDOS

Gislene Aparecida dos Santos
Universidade do Oeste do Paraná, Brasil
Campus Francisco Beltrão


O caso dos migrantes da cidade de Criciúma para os Estados Unidos (Resumo) (1)

Ao final da década de 1990 constata-se um fato inédito na cidade de Criciúma, localizada ao sul do estado de Santa Catarina: aproximadamente 26.000 criciumenses estariam residindo nos Estados Unidos, concentrados espacialmente em Boston. A trajetória dessa migração não foge às regras das atuais migrações internacionais: forte presença das redes sociais - legais e ilegais - e oferta de serviços desqualificados para o migrante criciumense. É também na década de 90 que a região de Criciúma se torna sede das maiores empresas nacionais produtoras de revestimento cerâmico, com significativa incorporação de tecnologia e redução de funcionários. Nossa reflexão aponta para a necessidade de compreender a lógica desse processo migratório, procurando um nexo explicativo entre um lugar que se destaca na economia nacional e fornecedor, ao mesmo tempo, de mão-de-obra barata para o mercado de trabalho norte americano.

Palavras-chave: migração/ mobilidade do trabalho /rede / Criciúma (Brasil)


Why do people from Criciúma/Brazil migrates to the United States (abstract)

In the end of 90’s a very interesting fact happened in Criciuma city which located in the South of Santa Catarina: about 26.000 citizens from Criciuma would be living in the United States most of them were living in Boston. The trajectory of this migration is not far from international migration rules: a strong presence of social nets – legal and illegal. On the other hand, there is an offer of disqualified social services to Criciuman citizens. It’s also in the 90’s that the Criciuma Region became the headquarter of the major companies that still produces ceramics coating, with a meaningful incorporation of technology and reduction of employees. Our reflection points to the necessity of understanding the logic of this migratory process, seeking for an explanatory connection in a place that is outstanding in the national economy and, at the same time, supplier of cheap labor cost to the American work market.

Key words: migration /work mobility /net/ Criciúma (Brazil)


Durante o mês de abril do ano de 2000, o Jornal da Manhã, de circulação local em Criciúma (Estado de Santa Catarina), publicou pela primeira vez notícias dos criciumenses que estariam vivendo em Boston, cidade situada no nordeste dos Estados Unidos. Pelo jornal, os emigrantes enviavam mensagens às suas famílias, falavam de suas conquistas, das saudades e das atividades que desempenhavam por lá. A estimativa do jornal era de que aproximadamente 20.000 pessoas, provenientes do sul de Santa Catarina, estariam vivendo em Boston. Nas páginas seguintes, uma outra matéria foi editada durante o mês de abril: o fato ocorrido em São Paulo na Feira Nacional da indústria cerâmica e o destaque era dado à participação da Cecrisa e da Eliane, empresas que, segundo o jornal, lideravam no Brasil a produção e exportação de pisos cerâmicos.

No sul catarinense, existem cerca de 10 empresas de revestimento cerâmico que se distribuem por 6 municípios : Criciúma, Tubarão, Urussanga, Cocal do Sul, Içara e Morro da Fumaça. O destaque tem sido para Criciúma e Cocal do Sul, que sediam as 2 maiores empresas de cerâmicas de grande porte, não só da região, como também, segundo Campos (1999) são as maiores empresas de cerâmicas do país. A "região sul-catarinense participa com 46% da produção nacional e 45% das exportações."(2)

Esses mesmos 6 municípios são também os locais onde se origina o maior fluxo emigratório para os Estados Unidos, tendo como líderes as cidades de Criciúma e Cocal do Sul (3), sede das duas maiores empresas de revestimento cerâmico do país. É desses municípios que, cerca de 26.000 pessoas partiram para os Estados Unidos ao longo da década de 80 (4), o que levou estudiosos da migração internacional de brasileiros como Sales (1999a) e Martes (1999), a mencionarem esse fato.

O que nos interessa é analisar a dinâmica dessa emigração, a partir de uma coincidência pontual: as localidades onde se verificam uma alta produtividade econômica no setor ceramista, são também no sul catarinense, os locais onde se verifica o maior número de emigrantes com destino aos Estados Unidos. Nossa ênfase será dada às indústrias de revestimento cerâmico, visto que representam hoje, segundo Campos (1999), o "setor econômico mais importante da região" com alta incorporação de tecnologia, porém com um reduzido número de funcionários. Nossa pretensão não é estabelecer uma relação de causa e efeito entre inovações na cerâmica e emigração dos funcionários demitidos, mas situar a emigração internacional como um sintoma e ou uma resposta a esse novo rearranjo econômico pelo qual tem passado a região.

Apesar da evidência dessa emigração em Criciúma não há, ainda, nenhum estudo sobre esse movimento. Quem são os migrantes, o que fazem, a trajetória da migração, se permanecerão nos EUA ou retornarão, são perguntas que ainda não foram nem levantadas e nem respondidas. Assim, esse trabalho é uma tentativa, ainda inicial, de colocar em evidência esse processo migratório. Para tal buscamos entender as condições internas econômicas do município a partir da década de 90, que consideramos como o período auge da corrente migratória(5). Nosso intento é colocar em evidência que, no sul catarinense, está ocorrendo um fluxo migratório que se insere, considerada suas particularidades, no contexto das atuais migrações internacionais. Para tal nos apoiaremos em algumas contribuições teóricas sobre as migrações internacionais, e no segundo momento, apresentaremos introdutoriamente o contexto da migração no sul de santa catarina, mais especificamente o caso de Criciúma.

Contribuições teóricas

Piore (1980) em seu livro Birds of passage considera que a economia americana na década de 70 estruturou-se sobre dois pilares: 1) o setor de economia de ponta, requerendo uma mão-de-obra qualificada e com salários altos; 2) as decadentes manufaturas no nordeste dos EUA, com baixa incorporação de capital que, para sobreviver, depende da mão -de- obra barata do imigrante. Os serviços qualificados, sendo supridos pela própria população dos países desenvolvidos, e serviços desqualificados ofertados para os imigrantes. As inovações tecnológicas e a reestruturação produtiva não eliminam os serviços desqualificados, mas, ao contrário, cada vez mais dependem dele. Parcela da população (os que se inserem no mercado de trabalho qualificado), tem necessidades (como alimentares, de vestuário, limpeza) que somente a mão- de- obra imigrante desempenha. A relação e dependência entre esse dois setores é denominada por Piore, de teoria do "mercado de trabalho segmentado". Considera ainda que o nordeste dos EUA é caracterizado por uma forte organização da classe trabalhadora. O migrante nesse contexto ocupa funções que o trabalhador nativo não aceitaria desempenhar. Sua tese se fundamenta em dois pontos: 1) a mão-de-obra do imigrante é necessária para a manutenção da economia americana, justamente por aceitar serviços que a população local rejeitaria; 2) os migrantes se originam de países pobres e atrasados economicamente. A relevância do trabalho de Piore é entender a dinâmica econômica do país receptor no qual o migrante é inserido, porém desconhece as variáveis econômicas, sociais e culturais do país de origem do imigrante. Sua análise se centra apenas nas condições econômicas do país receptor.

Ainda, ao analisar a emigração de porto-riquenhos para os EUA, especificamente para Boston, constata que um dos fatores que induzem esta migração é a intervenção direta dos empregadores americanos que recrutam sua mão-de-obra diretamente em Porto Rico, pagando inclusive, para os imigrantes - trabalhadores retornarem para Porto Rico e "recrutar seus amigos e parentes para seguir para a Nova Inglaterra" (p.23). Assim, o que ele nos sugere é que não é o porto-riquenho que descobre e se sente atraído pelos Estados Unidos, mas são empregadores americanos, especificamente proprietários de manufaturas que descobrem a mão-de-obra barata do porto-riquenho.

No livro The mobility of labor and capital Sassen (1992) apresenta uma visão um tanto quanto diferente da de Piore. Mesmo considerando que as alterações produtivas no nordeste dos EUA e a relocalização de muitas das empresas do nordeste para o sul deste país, estariam também configurando um novo perfil na mobilidade dos trabalhadores, Sassen levanta duas hipóteses, que difere da perspectiva de Piore: 1) As migrações para os EUA, a partir da década de 70, estão diretamente relacionadas à migração de capitais; 2) os países que enviam migrantes para os EUA, não são países cuja economia esteja estagnada. A questão principal, que será formulada em seu livro, é entender de que maneira a internacionalização da produção e a mobilidade do capital está articulada com a migração do trabalho. Assim, segundo Sassen, no contexto histórico atual, em que capital, serviços e informações se deslocam com rapidez de um lugar para outro, o trabalhador também se desloca. Nesse sentido, é preciso entender de que maneira o migrante se insere nessa economia internacionalizada. Reconhece ainda que, cidades como Nova-York e Los Angeles, centros financeiros da economia mundial, são também os lugares receptores do maior fluxo de imigrantes no mundo. Centrando sua análise nos imigrantes dos países do sudeste asiático e do Haiti, Sassen considera que nesses países ocorreu entre a década de 70 e 80, um maior investimento externo dos EUA. Em função desse investimento, ocorreu no sudeste asiático elevado crescimento econômico na década de 80, acarretando inovações na estrutura produtiva e um elevado crescimento industrial. Porém, parcela da população não foi absorvida no mercado de trabalho local. Ao mesmo tempo que ocorrem alterações internas produtivas e econômicas nos EUA, cresce a oferta de emprego no setor da economia informal neste país. O imigrante asiático, excluído do mercado de trabalho do seu país, seria incorporado nos EUA no setor da economia informal.

Assim, a contribuição maior de Sassen é lançar uma outra interpretação aos estudo migratórios: os países que têm enviado migrantes para os EUA, não têm uma economia estagnada, e nem com baixa produtividade, mas são países que, na década de 70, tiveram um alto crescimento econômico. A migração então passa a ser vista não como originada da pobreza, mas de uma dada forma de crescimento econômico, que não absorve parcela da população. Sua perspectiva, diferente da de Piore, é articular a migração com a economia do país receptor e com o país de origem do migrante.

Ao analisar a migração de haitinianos para os EUA, Sassen verificou que mesmo o Haiti sendo um país pobre e com uma superpopulação, a emigração aí tem uma data certa: a partir de1970. E por que não antes, visto que o Haiti muito antes da década de 70 contém todas as características de um país subdesenvolvido? Em suas palavras:

"A possibilidade às pressões migratórias sob condição de desemprego, pobreza e superpopulação não pode ser negada. Entretanto tem se tornado evidente que estas mesmas condições não promovem emigração em larga escala. É necessário identificar aqueles processos que transformam estas condições induzindo a uma situação de migração. Estas distinções podem trazer implicações significativas para a política." (p.6) (grifo nosso).
A proposta de Sassen em identificar os agentes indutores não se concentra no papel das redes sociais, mas sim nas condições econômicas que aliciam e atraem os migrantes. Apesas das diferenças, tanto a proposta teórica de Sassen, quanto a de Piore, têm como convergência que as décadas de 70 e 80 apresentam-se como um período de alterações produtivas e conseqüentemente um período de alterações na mobilidade dos trabalhadores. Tal reestruturação, como considera Sassen, se dá pela incorporação de tecnologia nas atividades produtivas. Assim, ambos consideram que as inovações técnicas criam empregos mais qualificados, mas também geram empregos desqualificados.

No Brasil , a importante contribuição de Sales (1999), será dada, ao considerar os fatores indutores à emigração. Sua contribuição maior será desvendar a funcionalidade das redes sociais e a inserção do migrante brasileiro na sociedade americana. A presença de amigos e parentes, amenizam os impactos emocionais da emigração, tornando tais motivos para a decisão de emigrar tão importantes quanto a oferta de empregos. Tanto em seu livro, Brasileiros longe de casa, como em seus artigos, Sales adota a perspectiva das redes sociais e do mercado de trabalho segmentado seguindo Piore, o que lhe possibilita especificar quais são as atividades que os brasileiros desenvolvem nos EUA. Chegou a algumas evidências interessantes como a que, além de trabalhar como disha (expressão que significa lavador de pratos), garçom, dançarina de noite ou faxineiros, os brasileiros (alguns) têm incrementado e revitalizado bairros decadentes em Framingham(6).

Todas essas reflexões aqui apontadas nos auxiliam a inserir a migração em Criciúma no contexto das abordagens das migrações atuais internacionais. Entretanto, essa migração tem sua própria particularidade. Abaixo, teceremos, de uma maneira ainda introdutória, o contexto dessa migração.

A emigração em Criciúma: uma abordagem introdutória.

"É um sacrifício deixar o seu país e familiares para tentar uma vida diferente. Sair do seu país não é ir a um mero acampamento. É dar "duro", "ralar" muito e não ter vida própria. Você entra numa maratona onde tem que alcançar o dinheiro...dinheiro...e mais dinheiro...Isso foi a minha ida para lá." (7)
Criciúma é uma cidade de porte médio, localizada no extremo sul catarinense, contendo aproximadamente 167.661 habitantes (8). No sul catarinense, é a cidade com o maior contingente populacional, seguida por Tubarão com 86.321 e Araranguá com 55.842 habitantes. Em um total de 5.028.339 pessoas distribuídas no estado de Santa Catarina, Criciúma é a 4a cidade com maior número de habitantes, perdendo para Joinville com 428.011 habitantes, Florianópolis 281.928 e Blumenau com 244.379 habitantes.(9)

Colonizada em 1870 por imigrantes italianos, que se dedicavam à atividade agrícola de subsistência e também mercantil.A partir de 1918 ocorre, em Criciúma, a extração das primeiras minas de carvão (10). Contudo, ésomente na década de 60, que a exploração carbonífera se incrementa, deixando impressas "as negras paisagens da zona do carvão," conforme expressou Mamigomian (1965:48), ao se referir ao sul catarinense. De uma população estimada em 1960 com 62.650 habitantes, Criciúma passa a contar em 1980 com 110.604 habitantes, ou seja a população quase que duplica, representando no sul catarinense a cidade com o maior índice de crescimento populacional, causada principalmente por uma migração interna, provinda dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e do próprio estado de Santa Catarina. Contudo, num intervalo de 30 anos, no início de 1990, a atividade carbonífera entra em crise. Dos 10.898 empregos diretos gerados pela indústria carbonífera em 1984, somente 3.275 permaneceram em 1994 (AMREC, 1999:311).

A década de 90 pode ser considerada como um período significativo de alterações econômicas e populacionais no município de Criciúma: a crise fatal do carvão em 1990, o incremento das indústrias de revestimento cerâmico e, ao mesmo tempo, Criciúma passa a perder população para os municípios limítrofes como Morro da Fumaça e Içara, e a emigração com destino aos Estados Unidos.

Em relação as indústrias de revestimento cerâmico, somente à partir da década de 60 as cerâmicas encontram um estímulo econômico para serem incrementadas. Favorecidas pela política do Sistema Financeiro Nacional de Habitação na década de 60, que impulsiona e dinamiza a produção de pisos e azulejos para a construção de residências, essas indústrias, embora sejam atividades produtivas paralelas à exploração carbonífera, tornam-se importantes para a economia da região, visto que em 1985 o revestimento cerâmico representava 25% do VTI (Campos, 1999:16). Em 1994, porém, as indústrias ceramistas da região são atingidas por uma forte crise, tendo como conseqüência direta a restrição das vendas ao mercado interno. Para se impor no mercado externo, essas indústrias passam a incorporar novas tecnologias. Nessa incorporação ocorre uma reestruturação nas formas de organização, administração e gerenciamento do trabalho. Essa reestruturação, pautada na incorporação de tecnologia, tem levado o Brasil a ocupar hoje o 4o lugar na produção mundial de cerâmicas e Criciúma a ser considerada como o pólo nacional das indústrias de revestimento cerâmico, superando o estado de São Paulo. Porém, se na década de 60, essas empresas geraram algo em torno de 15.000 empregos, em 1992 geram somente 4.895 empregos diretos, distribuídos entre as 10 empresas da região (AMREC,1999).

A alta produtividade desta região tem levado a uma reorganização de toda a atividade produtiva em torno da cerâmica de revestimento. Contudo, um dado é significativo: a Cecrisa, que tem sua sede localizada em Criciúma e que é responsável por 60% da produção local (11) e 27% da nacional (12), no intervalo de 5 anos, reduziu pela metade o número de seus funcionários. Em 1995 e 96, a empresa contava com 3.600 empregos, em 2000, a Cecrisa emprega somente 1.830 funcionários. Pelos dados da AMREC (1999:331), podemos verificar que quanto maior é a produção de pisos cerâmicos (que é o produto exportado), maior se torna também a redução dos empregos diretos. Se em 1989, as indústrias ceramistas produziram 12.502m2 de pisos cerâmicos com 8.585 funcionários, em 1992, a produção, ao atingir 18.324m2, empregou 4.895 pessoas, ou seja mais do que duplicou a redução de funcionários.

Cocal do Sul, sede da Eliane, uma das maiores indústrias de revestimento cerâmico do país, desde 1997 tem um crescimento demográfico praticamente lento. Em 1997 contava com 12.621 hab., em 1998 12.735 e 1999 aproximadamente 12.849 habitantes. Supõe-se que 500 pessoas que emigraram de Cocal do Sul com destino aos EUA foram empregados da empresa Eliane, a segunda maior empresa da região(13). Os mesmos seis municípios produtores de cerâmica, foram também responsáveis pela atividade carbonífera, o que nos sugere que na reorganização econômica, a nova atividade de destaque, a cerâmica de revestimento, não tem conseguido ofertar o mesmo número de empregos, o que implica na possibilidade das pessoas emigrarem em busca de melhores salários e ascensão econômica.

Para Sassen (1992), os lugares de origem dos migrantes que têm se dirigido para os Estados Unidos, tem sua economia centrada no setor secundário. Em Criciúma, conforme a AMREC (1999), 49,6% da PEA está ligada ao setor secundário e 45,6% ao setor terciário. Contudo, no setor secundário é a indústria do vestuário que emprega o maior número de pessoas. Apesar do incremento no setor de vestuário e na alta produtividade do revestimento cerâmico, o município de Criciúma convive com 12% de sua PEA desempregada (AMREC, 1999).

Entrevistamos em Criciúma 25 migrantes que retornaram dos EUA e mais 5 pessoas que têm parentes (marido, irmão, filhos, mãe), que lá residem(14). Dos 30 entrevistados, pudemos constatar que 5 estavam desempregados quando partiram, 1 já era aposentado e os demais deixaram seus empregos por estarem ganhando pouco e foram, então, buscar outras rendas nos EUA. Todos afirmaram que o objetivo da partida para os EUA foi a procura de auferir maiores rendimentos.

No Brasil, como já demonstrado por Sales (1995), 1.250.000 brasileiros teriam deixado o país entre a década de 85 e 87. Deste total 330.000 brasileiros rumaram para os EUA: 100 mil residindo em Nova York e 150 mil em Boston. A região de Criciúma, como já dito, teria contribuído com aproximadamente 26.000 novos migrantes, o que representa quase 8% dos migrantes brasileiros, com destino aos EUA. Se considerarmos a população do sul de Santa Catarina com aproximadamente 750.000 pessoas, algo em torno de 3,5 % da população migrou para os EUA nas décadas de 80 e 90. Isso significa cerca de 0.5% em relação à população total do estado.

O início dessa migração remonta ao final da década de 60, quando um empresário de Criciúma migra para Boston(15). Contudo, foi só entre a década de 80 a 90 que o ir e vir para os Estados Unidos se tornou um ato quase que rotineiro entre os criciumenses. Em conversas nos ônibus, nas lojas, supermercados, nas ruas, nas escolas, enfim em toda a cidade é corriqueiro ouvirmos a palavra Estados Unidos. As pessoas trocam informações, contam as notícias de quem foi e quem será o próximo a partir. A mesma impressão que Glaúcia de O . Assis (1999) evidenciou quando estudava os migrantes valadarenses, também sentimos quando vivíamos em Criciúma. Vale a pena reproduzirmos aqui as palavras da autora:

"Em meados dos anos 80, devido ao grande fluxo de valadarenses para o exterior, principalmente para os EUA, a emigração extrapolou as vidas dos emigrantes, passando a fazer parte da vida da cidade. (...) não é raro encontrar duas senhoras conversando num supermercado sobre os filhos que estão nos EUA – se casaram ou não, como vai o trabalho, os doláres – como se emigrar fosse uma experiência "natural", como se os EUA não estivessem a 8 mil milhas de distância." (1999:128).

Em Criciúma, essas 8 mil milhas de distância também se encurtam, como se a América estivesse bem ali. O ir para os Estados Unidos se tornou, aparentemente, algo tão normal na vida do criciumense que corre-se o risco, como apontou a autora acima, de "naturalizar" essa travessia, como se fosse por ordem da natureza, alguém largar sua terra de origem e ir viver, sob duras condições, em um país distante. Pensamos que a aparente naturalização desse processo pode ser impelido pela forte presença das redes sociais, que implicam no apoio e incentivo que se forma entre os migrantes já residentes no país receptor com os novos migrantes que estão chegando. É comum que antigos amigos se reencontrem nos EUA e dividam a mesma residência, ou morem próximos uns dos outros quando chegam nos EUA.

Entretanto, se as redes sociais amenizam o impacto da migração, por outro, elas também facilitam a reprodução do migrante como força de trabalho. Se criam as condições favoráveis da migração, produzindo no país receptor um modo de vida próximo ao do país de origem do migrante, por sua vez, é essa rede social que cria as condições também favoráveis à "liberdade" do migrante de movimentar-se de um país para outro como trabalhador. Nesse sentido, as redes socias têm um duplo efeito: suavizam o processo da migração e criam as condições para a mobilidade do trabalho.

Ainda, se as redes sociais merecem ser um fator chave para se estudar a migração, por outro lado, é possível e necessário identificarmos ainda outros agentes indutores à migração. No caso de Criciúma há agências de viagem que servem como fornecedoras de mão-de-obra para as empresas nos EUA. Além de fornecerem o passaporte e financiarem o pagamento das passagens, servem como mediadoras entre empregadores americanos e os futuros emigrantes de Criciúma(16). Vendem trabalho para os migrantes e organizam toda a viagem, legal ou ilegalmente. Nos Estados Unidos, já existem profissionais criciumenses que são proprietários de agências de emprego. Com US$ 180, 00, o migrante é auxiliado a encontrar um subemprego em Boston(17). Há ainda uma rede de atravessadores de migrantes que, por um custo inicial em torno de R$ 1.000.00, prometem a travessia da fronteira mexicana para os Estados Unidos(18). Todas essas variáveis indutoras confirmam que em Criciúma formou-se um ambiente que favorece a emigração. Dólares são remetidos para Criciúma, que são aplicados em parte no setor imobiliário. Em 1995, segundo o presidente da United Soccer Club, U$$ 800 mil por mês foram enviados dos EUA pelos imigrantes para os familiares em Criciúma(19).

Nos EUA os migrantes trabalham como caminhoneiros, músicos, ajudantes de garçom, faxineiros, eletricistas, lavadores de defunto, confeiteiros e entregadores. Trabalham no mínimo em torno de 10 hs. por dia e recebem em média 1 400 dólares por mês. Todas as 30 pessoas que entrevistamos em Criciúma realizavam atividades desqualificadas nos EUA, o que coincide com a pesquisa que Scudeler (1999) realizou com os migrantes brasileiros em Boston e com a perspectiva de "mercado de trabalho segmentado" de Piore: ou seja, os migrantes realizam atividades de baixa remuneração e com alta rotatividade no trabalho e servem para ocupar funções desqualificadas no mercado de trabalho norte americano. É importante frisar que os migrantes que chegam aos EUA não estão desprovidos de recursos materiais: custeiam suas viagens, estão na idade propícia para o trabalho, e principalmente partem com o objetivo que, através do trabalho podem voltar enriquecidos para sua terra de origem.

Antes de terminamos nossa comunicação também pretendemos deixar público que há ainda outras questões que necessitam ser discutidas e analisadas como a ilegalidade da migração e o retorno forçado dos migrantes criciumenses, que às vezes nem conseguem pisar no solo americano, passando por situações de humilhação e de amedrontamento. Para além de somente considerarmos as condições econômicas do município, que têm levado a uma alta taxa de desemprego, é ainda necessário refletirmos sobre a questão da moralidade dessa migração. Quais os países que ditarão as regras para essa migração? O país que recebe ou o país que envia o migrante?

Em síntese, temos como evidência, como já apresentado, que em Criciúma o desemprego é alto e as inovações técnicas na indústria ceramista, ao reduzir diversas fases da produção, reduzem também funcionários. No Brasil, as empresas ceramistas localizadas no sul catarinense, são as que mais tem investido em P&D, "sendo que aproximadamente 83% gastam até 2% de P&D em relação ao seu faturamento" (Campos, 1999:41). Como a indústria de revestimento é, entre as atividades econômicas do município de Criciúma, a que tem tido um maior crescimento e destaque no contexto nacional e, por sua vez, tem tido uma redução de funcionários, isso implica que significativa parcela da população de Criciúma terá que buscar trabalho em outros lugares.
 

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Notas

1. O início de nossa reflexão sobre esse processo migratório ocorreu quando lecionávamos no curso de Geografia da UNESC - Universidade do extremo sul catarinense, localizada em Criciúma, durante o ano de 1998 e início de 1999. Agradeço a coordenadora Rose Maria Adami, por ter criado condições favoráveis para que pudesse iniciar esse trabalho, como também aos acadêmicos do curso de Geografia: Vanilda Pazzini Uribi, Vagner Vicente e especialmente a Vanessa Medeiros da Silva, por terem me apresentado os migrantes de Criciúma.

2. Cf. Filho, Alcides G.; Neto, Roseli J. A Indústria do Vestuário. p.44

3. Em consultas as agências de viagem, tivemos uma informação consensual: Criciúma lidera o fluxo emigratório, seguida por Tubarão, Içara e Cocal do Sul. Encontramos outro município, Santa Rosa do Sul, que não teve suas atividades econômicas voltadas à mineração e ou à cerâmica, mas a produção de fumo, que tem também participado no fluxo emigratório com destino aos EUA.

4. Revista Veja, 1999. p.28-29.

5. Segundo as informações obtidas em agências de viagem em Criciúma constatamos que 1989 foi o ano em que mais se vendeu passagens aéreas para os Estados Unidos e é também o momento no qual se iniciam as migrações ilegais, visto que os migrantes de Criciúma passam a ter dificuldades para conseguir o visto americano.

6. Os brasileiros em Framingham, segundo Sales (1999), se concentram em um antigo bairro ferroviário. Por ser uma área desvalorizada economicamente, alugam ou compram velhas casas e passam a dar uma dinâmica comercial: oferecendo serviços de restaurantes, bares, confeitarias, cabelereiros. O que Sales ainda evidencia é que a presença desses brasileiros tem sido considerada positiva pela população local, visto que além de não trazerem encargos sociais ao governo americano, consertam por conta-própria ruas esburacadas, passeios, etc. O brasileiro é visto como bom trabalhador.

7. Relato de um migrante que retornou dos Estados Unidos. Agradeço ao acadêmico Marcos Vargas, do curso de Geografia da UNESC, por ter cedido-me essa entrevista.

8. Conforme Estimativa da população de Santa Catarina – IBGE – 1999

9. Idem

10. Filho, A . G.; et al. Op. cit. p.28

11. Cf. Campos, R.; et al. O Cluster da indústria cerâmica de revestimento dem Santa Catarina: um caso de sistema local de inovação. 1999

12. Cf. Filho, A . G.; et al. Op. cit.

13. Esta informação foi obtida em entrevista com o presidente do Sindicato dos empregados da cerâmica em Criciúma, no mês de julho do ano de 2000. Este sindicato está sistematizando um levantamento (que ainda não está disponível) sobre o destino dos ex-funcionários das empresas ceramistas.

14. Entre os meses de março a maio do ano de 2000, entrevistamos em Criciúma, como já apontado acima, 30 pessoas diretamente envolvidas com a migração. Mais do que uma entrevista, os migrantes se dispuseram a contar, relembrar e relatar o percurso desta migração. O número é ainda insuficiente para podermos aqui afirmar com segurança o perfil dessa migração. Contudo, esse número pode ser multiplicado por 4 ou 5, visto que os migrantes não viajam sozinhos. Geralmente 2 ou 3 pessoas vão juntas e já há alguém de Criciúma os esperando. Moram geralmente em apartamentos, dividindo com mais de 3 pessoas, também oriundas do sul catarinense.

15. Cf. Jornal da Manhã, 04/2000. p.15-16

16. Em Criciúma visitamos 4 agências de viagem e uma delas nos informou diretamente que realiza esse serviço. Essa constatação nem precisava ser expressa pelo proprietário. É uma agência que se diferencia das demais, visto que o número de pessoas ali presente é alto, e em sua maioria jovens e um número pequeno de idosos. Pela conversa desses futuros emigrantes com os funcionários da agência já se percebia que não era somente a passagem aérea que estava sendo vendida, mas também um emprego nos EUA.

17. Cf. Jornal da Manhã, 11 de agosto de 2000. p.15

18. Essa informação foi relatada através de entrevista realizada com um migrante que retornou dos EUA. É preciso também mencionar que, como os demais fluxos migratórios que se dirigem para os Estados Unidos, a migração do sul de Santa Catarina também tem sido feita ilegalmente. Quanto a migração ilegal, recomendamos o artigo: Migrações internacionais não documentadas – uma tendência global crescente, do autor Graeme Hugo. Revista Travessia, nº 30, 1998.

19. Cf. Jornal da Manhã, 15 e 16 de abril de 2000.
Observamos em Criciúma que o migrante aplica o capital acumulado nos EUA no setor imobiliário: constrõem casas em Criciúma e também no litoral mais próximo. Supomos que essa migração esteja causando efeitos diretos no setor imobiliário de Criciúma, visto que nos encartes dedicados a migração no Jornal da Manhã (abril de 2000) há propagandas com os seguintes dizeres: "Saudades a parte, morar nos Estados Unidos é sinônimo de investir em negócios aqui."(Construtora Fontana); "Imóvel. A melhor maneira de transformar dólares em bons negócios aqui."(Construtora Fontana); "A realidade é azul e vermelho. O sonho é verde e amarelo."(Construtora Fontana). E em todas as reportagens sobre o migrante há também o logotipo "Duda Imóveis". Também já se encontram representantes do setor imobiliário de Criciúma residindo em Boston, com o objetivo de lá mesmo efetuarem suas vendas. Quanto a essa questão recomendamos o artigo de Weber Soares: Emigração e (i)mobilidade residencial: momentos de ruptura na reprodução/continuidade da segregação social no espaço urbano. In: Cenas do Brasil Migrante, 1999. Nesse artigo, o autor analisa a valorização imobiliária que ocorreu em Governador Valadares-MG com o capital dos imigrantes aplicadas em imóveis.
 

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