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Scripta Nova.
 Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.
Universidad de Barcelona [ISSN 1138-9788] 
Nº 94 (92), 1 de agosto de 2001

MIGRACIÓN Y CAMBIO SOCIAL

Número extraordinario dedicado al III Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)

LÓGICAS FAMILIARES DA MOBILIDADE DOS FILHOS DE COLONOS
NUMA FRENTE PIONEIRA AMAZÔNICA(*)

Xavier Arnauld de Sartre
Doctorante Cotutela Universidade de Toulouse le Mirail – Universidade Federal do Pará.
UMR Dynamiques Rurales, Université de Toulouse le Mirail, Toulouse (França).


Lógicas familiares da mobilidade dos filhos de colonos numa frente pioneira amazônica. (Resumo).
Este trabalho tenta entender o avanço e a estabilização da frente pioneira da Amazonia Oriental ao longo da rodovia Transamazonica (Brasil). Parte da observação e da compreensão das migrações dos filhos de colonos na idade de decidir aonde vão morar. Tentamos livrar-nós de representações sedentárias dos movimentos para tomar conta tanto da vontade dos agricultores de sedentarizar-se como da tradição de migração deles. Trata-se de entender as estabilizações e as migrações deles. A partir da localização atual dos filhos de colonos, e da demonstração da importância da escala familiar para entender essas localizações, analisamos a historia das famílias e o funcionamento delas para situar os movimentos dos jovens dentro das teorias da reprodução social e do que chamamos as "lógicas familiares das mobilidades". Numa perspectiva de geografia social, tentamos explicar movimentos espaciais a partir de causas sociais.

Palavras-chave: frente pioneira/ migrações/ agricultura familiar /Geografia social / Amazonia.


Family logics of settlers sons mobility in the Amazonian frontier (Abstract)
This paper tries to understand the stabilization and the advance of an Amazonian frontier installed along the Transamazon Highway (Brazil). The emphasis is put on the observation and the understanding of the migrations of the settlers' sons who are old enough to decide where they want to live. It is first tried to do without sedentary representations of family moves to take into account both their stabilization wish and their migration tradition : the objective is to understand the reasons why people settle or migrate. Through locating the settlers' sons and demonstrating the importance of family scale to understand those locations, family stories are then analyzed to perceive their young members' moves in terms of social reproduction theories and what is called here "the family logics of migrations". In a social geography perspective, it is finally tried to explain spatial moves by social factors.

Key-words: Frontier / Migrations / Family farming / Social geography / Amazony.


Este trabalho baseia-se em uma pesquisa realizada na Amazônia Brasileira, na frente pioneira da Transamazônica, área de colonização recente da floresta ao longo da rodovia Transamazônica. Insere-se nos trabalhos de uma equipe de pesquisa —desenvolvimento—formação, o Núcleo de Estudos sobre a Agricultura Familiar (NEAF) da Universidade Federal do Pará (UFPA). Essa equipe, junto com outras, constatou que a muitas vezes os agricultores familiares presentes na Amazônia migram depois de 25 anos numa terra, até menos (10 a 15 anos) (De Reynal e al., 1996): as migrações são analisadas como processo de acumulação capitalista (com um modelo do tipo Homo œconomicus) ou como conseqüência das lutas pela terra.

Portanto, essas migrações não foram estudadas por si mesmas (senão, no caso dos agricultores do Sul, por Le Borgne – David, 1998), nas suas manifestações sócio-geográficas. Fazendo parte de uma tese de doutorado, o trabalho no qual se insere esse artigo tenta entender, como propõe Souza Martins (2000), as lógicas desses agricultores que, supõe-se, migram regularmente. Mais particularmente, trata-se de identificar essas lógicas num momento chave, o da instalação dos filhos de colonos. É nesse momento que saem da casa dos pais e decidem aonde vão instalar-se (cf. em particular Woortmann, 1996), que decidem uma possível migração. Tratar-se-á, então, de identificar quem são os jovens que migram, para onde eles vão e quem são os que ficam.

Esse objetivo só será possível se se levar em conta uma dimensão essencial das migrações das famílias de colonos: o passado migratório dessas famílias e a tensão constante entre mobilidade e "sedentaridade" que caracteriza-os. Uma vez esclarecidos esses elementos do contexto da questão, localizaremos os filhos de colonos de três localidades de povoamento bastante antigo (30 anos de colonização) para tentar entender o que pode explicar as localizações deles. Vamos mostrar que isso só será possível enfocando sobre a família e fazendo uma análise do discurso dos pais desses jovens, que mostrará que os itinerários dos jovens inserem-se nas lógicas familiares.

Finalmente, proporemos uma ferramenta que achamos interessante para analisar a tensão entre mobilidade e sedentaridade dos agricultores dessa frente pioneira (e talvez de outras): a inserção da localização atual dos jovens na trajetória dos pais deles através do conceito de "lógica familiar da mobilidade".
 

Os agricultores familiares em tensão entre mobilidade e sedentaridade.

O objetivo, nessa primeira parte, é questionar os conceitos e preconceitos sobre as migrações dos jovens a partir do contexto histórico, social e científico brasileiro, francês e mundial. Com efeito, se se considera, numa perspectiva da sociologia das ciências, que os conceitos são dependentes do contexto no qual foram produzidos, é perigoso analisar as migrações nas frentes pioneiras sem interrogar-se sobre a pertinência social daqueles conceitos nas realidades amazônicas. Por isso, um olhar crítico sobre os conceitos e a sua validade na Amazônia parece necessário.

A necessidade de sedentarizar os agricultores…

Na França, e ainda mais no caso das frentes pioneiras, a maneira de pensar as migrações, os conceitos usados, são influenciados por elementos do contexto científico e social tanto internacional como francês, brasileiro, e local. A idéia, nessa etapa da apresentação, é mostrar como as análises tradicionais das migrações na Amazônia inserem-se numa vontade de sedentarizar a agricultura familiar e que essa vontade nem sempre corresponde aos objetivos dos agricultores.

Um elemento particularmente forte das migrações na Amazônia é a dificuldade das condições de vida nas regiões de colonização. É preciso lembrar que as condições de saúde, de escolarização, de transporte, são muito difíceis nas colônias: numa área de colonização muito recente, não há nada de infra-estrutura pública; os agricultores que entram na mata para instalar-se expõem-se a muitos riscos. Imagina-se então o custo de uma migração. Essa frase de uma colona ilustra isso: "quem não tem terra suficiente tem que andar no mundo". O uso do verbo "ter que" mostra o caráter forçado das migrações.

Essa citação sobre as migrações na busca de terras livres para agricultura revela um dos problemas fundamentais do Brasil contemporâneo: a falta de terras livres que obriga os mais pobres, que não podem comprar terra, a migrar. Ora, essas migrações fazem pensar que a agricultura familiar está buscando terras para instalar-se definitivamente no mesmo lugar.

Paralelamente, a importância no Brasil do êxodo rural e o crescimento das favelas nas grandes cidades fazem das migrações dos agricultores em direção à cidade fenômenos pouco desejáveis. Isso também traz a vontade, para os atores do desenvolvimento, de limitar o êxodo dos jovens às cidades e de fazê-los ficar no campo.

Enfim, o problema do desmatamento, que por uma parte é o motivo de os agricultores familiares migrarem nas frentes pioneiras, favorece a vontade de ver os agricultores sedentarizar-se. Trata-se então de limitar o máximo possível as migrações em direção às novas frentes pioneiras, estabilizando os agricultores que têm terras nas suas terras . No nosso caso, tratar-se-á de evitar as migrações dos filhos de colonos na direção de uma outra frente pioneira.

Todos esses aspectos estão contidos nas problemáticas do desenvolvimento sustentável que tenta aumentar o nível de vida dos agricultores através de uma agricultura eficaz a longo prazo. Implica uma estabilização dos agricultores no mesmo lugar. Custo social e perigo das migrações, contexto político e ambientalista, moda do desenvolvimento sustentável… Tudo isso leva a considerar as migrações na Amazônia como um fenômeno contra o qual tem que lutar e a inseri-la no que Alain Tarrius (2000) chama um "paradigma sedentarista"; os colonos são vistos como campesinos que tentam se estabilizar geográfica e definitivamente.

Ora, vamos ver que isso não é a maneira local de considerar os fenômenos e que é preciso complexificar a situação, interrogar-se sobre o uso de conceitos em realidades diferentes das quais eles foram construídos. É sobre essa base que poderemos construir a nossa problemática.
 

… Se opõe a mobilidade desses últimos…

Analisar os colonos como sedentários potenciais parece um erro quando se analisa a migração não só como um fenômeno isolado mas que procura levar em conta os itinerários migratórios das famílias que se encontram hoje na Amazônia. Com efeito, quando se analisa a história das famílias dos colonos, percebe-se que as famílias têm um longo passado migratório.

Esse passado já foi analisado na literatura: Ellen Woortmann (1996) mostrou que os agricultores do Sul do Brasil migram desde a chegada deles ao Brasil; Anne Le Borgne –David (1998) mostrou, no caso dos colonos do Sul do Brasil presentes na Amazônia, que esse movimento se repetiu para colonização da região.

Constatei, nas entrevistas que fiz com colonos originários do Brasil inteiro, que sobre as 50 famílias entrevistadas, podia-se concluir que 92 por cento delas fizeram, além da migração que lhes permitiu chegar ao Brasil, ao menos uma outra migração na direção de uma outra frente pioneira. Mais da metade fez ao menos 2 migrações além da última constatada. Pode-se concluir que essas famílias têm uma verdadeira tradição migratória, que o movimento faz parte do passado delas.

Se se considera que a migração é um fenômeno pontual de câmbio de residência (cf. crítica dessa definição do Rosental, 1999), falar de migração para caracterizar esses movimentos regulares é inadequado. Precisa-se mudar de ponto de vista, colocar o enfoque sobre o fato de que a migração é um fenômeno essencial da história das famílias. Fica melhor então falar de mobilidade para designar o conjunto de migrações das famílias, e reservar o termo de migração para designar um movimento só e considera-la como uma etapa da mobilidade das famílias.

Trata-se, então, de trabalhar dentro do quadro de uma antropologia da mobilidade como a define Alain Tarrius (2000). Nesse caso, olhar o movimento não só como uma coisa anormal, mas como fazendo parte da história das famílias, significa trabalhar de maneira diferente. É isso que queremos analisar agora.
 

… E impõe a escolha de um novo quadro de análise para dar conta da tensão entre mobilidade e sedentaridade.

Analisar a mobilidade como um fenômeno essencial da história das famílias de agricultores presentes na frente pioneira impõe mudar a maneira de considerar os territórios amazônicos e as famílias que moram neles. A questão da estabilização das famílias que estão na frente pioneira, que é do ponto de vista do desenvolvimento sustentável e dos custos das migrações justificada, não pode justificar o fato de ver os agricultores familiares como pessoas procurando a qualquer preço uma estabilização territorial. Sem afirmar que uma tradição migratória os condena à mobilidade, podemos olhar os agricultores hoje presentes na Amazônia como estando em tensão entre mobilidade e sedentaridade.

Trata-se então de situar-se dentro de um debate sobre a mobilidade e saber que estatuto dar a ela sabendo que tem um custo importante, mas que faz parte da história dos agricultores. Situar-se no meio entre dois extremos é difícil; levando em consideração o peso do paradigma sedentário nas representações que temos das migrações nas frentes pioneiras, acho preferível liberar-me desse peso escolhendo com consciência a perspectiva de mobilidade que apresentei no parágrafo precedente.

Os trabalhos de Alain Tarrius, que têm um forte valor operatório, são particularmente úteis para pensar esse quadro. Propõe examinar as migrações em três escalas de tempo diferentes: a das mobilidades cotidianas ou regulares, a das mudanças ( muitas vezes ligadas aos câmbios de geração) e a das grandes migrações internacionais ou inter-regionais. Considerando o passado migratório dos agricultores, tentei analisar as mudanças e as migrações inter-regionais dos agricultores familiares a partir de biografias de famílias e da localização de jovens de três frentes pioneiras entre julho e dezembro de 2000. Esses dados deviam permitir o entendimento de elementos de estrutura mais profundos, a mobilidade sendo considerada como uma ferramenta para entender esses grupos sociais (Simmel, 1908).

Mas fica evidente que nós não podemos esquecer que a migração é uma escolha difícil para os agricultores, que tem um custo alto e que a saída na direção da cidade é muitas vezes (e os agricultores sabem disso) sinônimo de pauperização. Nós tentamos ler esses movimentos no mesmo tempo como uma continuidade histórica, mas também como uma ruptura contemporânea, numa problemática do câmbio e da permanência. Nesse quadro, os trabalhos do Paul-André Rosental sobre as migrações na França no século XIX foram de uma grande ajuda porque mostram que um pensamento pertinente sobre as migrações é aquele que tenta entender tanto os que saem como os que ficam. Assim, a sedentaridade também pode ser analisada na sua complexidade: "A sedentaridade não aparece mais como um fenômeno natural, como o complemento natural da ruralidade; torna-se, ao contrário, o produto de processos múltiplos" (p. 197).

Assim, entender a complexidade dos movimentos dos filhos de colonos presentes nas frentes pioneiras amazônicas parece ser possível a partir da utilização de um paradigma da mobilidade que procura dar conta tanto dos fenômenos de mobilidade como das sedentarizações dos jovens. É isso que vou tentar estudar agora.
 

As mobilidades dos jovens, um fenômeno que deve ser analisado numa escala familiar.

Tentei, na parte precedente, construir e escolher uma perspectiva teórica para analisar as tensões entre mobilidade e sedentaridade das famílias das frentes pioneiras, sem partir de categorias mal adaptadas à realidade. Agora, vamos apresentar os resultados do trabalho de campo e das primeiras análises e ter que escolher um escala social para analisar os movimentos dos jovens.

Coleta de dados e construção de categorias de análise estatísticas.

Alain Tarrius propõem ferramentas úteis pró-trabalho de campo. São essas ferramentas que usei na coleta de dados, com a idéia de observar os movimentos dos jovens numa perspectiva sócio-espacial, que considera a situação atual dos jovens a partir da localização vista na trajetória histórica de suas famílias. Nessa parte, vamos analisar a localização e deixar a parte histórica para mais tarde.

Por isso, questionei famílias de 3 localidades diferentes. Encontrei pais e mães de famílias para saber onde estavam os filhos deles: falar com os pais era o único meio para conseguir informações sobre jovens que saíram para a cidade ou que foram para outras regiões. Os questionários tratavam principalmente da situação dos filhos deles, levando em conta a idade deles, sua localização, sua "atividade profissional", o passado migratório das famílias e dos jovens, o nível de estudo… Havia também uma parte sobre a situação econômica dos pais, a localização da família dos pais… Paralelamente, transformei esse questionário em entrevista semidiretiva com famílias que pareciam abertas a um trabalho mais longo, com gravação em fita magnética.

Encontrei 50 famílias que tinham filhos (ou filhas) casados (-as). As 3 localidades nas quais fui eram diferentes por razões devidas à história da colonização ou à riqueza dos solos. As 3 localidades foram colonizadas nos anos 70 e no inicio dos anos 80; escolhi essas localidades para trabalhar sobre o futuro de zonas de mais de 20 anos de idade, em relação às teorias das migrações das famílias expostas na introdução. Tentei ser exaustivo nas localidades e encontrar todas as famílias que têm filhos casados.

Os questionários me permitiram recolher dados sobre 350 jovens das 50 famílias. O problema foi, depois, tratar aqueles dados construindo categorias aptas para isso. Ora, encontrei nessa etapa um problema essencial: o que é um jovem? Quais indicadores estatísticos podem caracterizar o jovem como migrante potencial? Mostrei a vontade de não transferir conceitos urbanos, sedentários e europeus para realidades da frente pioneira. Essa dúvida aumentou no momento de fazer tabelas estatísticas. Quando que um jovem é um migrante potencial? Quais indicadores? Tratava-se, como dizem Demazière e Dubar (1997), de não colocar categorias científicas sobre categorias naturais (ou populares).

Nessa etapa, as entrevistas semi-dirigidas que realizei permitiram, depois de analisadas a partir do método de Dubar et Demazière, a construção de categorias que permitem determinar o que podemos chamar de jovem. Podemos, para resumir essas análises, ler um pedaço de uma entrevista feita com um colono (José Diorato) que tem hoje 7 filhos (3 filhos e 4 filhas) casados ou na idade de casar:

José: Eu nasci na Bahia, não é? E trabalhava eu e o meu pai, plantando cacau e tudo. Depois surgiu o negócio do INCRA, aí eu vim aqui pro Pará, por minha conta.
"Xavier: Sem o pai?".
"José: Sem o pai. Somente eu e a minha família. 7 filhos. Aí eu cheguei aqui e arrumei terra no INCRA. Aí fui trabalhar. Arrumei esse lote aqui e fui trabalhar, não é? Mas sem condições de trabalhar. Aí vem trabalhando mais os meus filhos, os meus filhos foi crescendo, e nós vamos tocando pimenta, criadouro, não é?, e aí surgiu o meu filho foi casado, o maior foi casado. Nós fiquemos trabalhando, eu comprei dois lotes mais, cedilhou um para eles e fiquei com o outro. Dois lotes. Aí nós fiquemos. Sempre lá lutando com a vida. Aí foi indo, eles se separaram tudo de mim e fico sozinho mais a velha. A que está em casa. E as meninas se casaram também e foi todas para os lugares delas e nós fiquemos aqui. E aí nós vem tocando. Tocando. E sempre eu ficando mais velho, mais fraco, não é… e aí fui ficando doente. Como estou hoje doente, sem poder me tratar. A condição não dá. Se for vender tudo para me tratar acaba. Aí daí nós fiquemos aqui, vivendo assim…
 

A primeira coisa que aparece quando se trata essas entrevistas é a diferença que é feita entre o sexo dos filhos: ele dá um lote aos rapazes, mas as filhas vão "nos lugares delas". Isso corresponde ao que observei nas outras entrevistas: primeiro, os pais fazem a diferença entre os filhos e as filhas; as filhas, quando casam, não ficam nos lotes dos pais mas vão para a terra dos maridos. Por essa razão, deve-se diferenciar no tratamento estatístico os homens das mulheres.

Uma outra coisa que aparece nessa entrevista é que o casamento dos filhos é um momento importante na vida da família. Antes do casamento, o pai trabalha com os filhos e pode até fazer cultivos rentáveis (tais como pimenta ou gado). Depois, quando o filho mais velho casa ("Aí surgiu o meu filho foi casado"), ele ou ela separa-se dos pais. Os jovens que migram são, portanto, os filhos ou as filhas casados. O período antes do casamento ainda é a dependência dos filhos aos pais.

Mas parece que todos os filhos que saíram não são casados e que nem todos os filhos casam. Decidi então levar em conta também os solteiros que estão na idade de casar. Ora, apareceu em todas as discussões que o casamento acontece muitas vezes antes de 25 anos, idade a partir da qual pode-se considerar que uma filha não casará mais e que um filho já seria casado. Ao risco de simplificar um pouco, fiquei com essa idade de 25 anos.

Uma vez definida a categoria dos jovens sobre uma base do casamento (o dos solteiros depois dos 25 anos) e das diferenças de gênero, fiz tabelas para localizar esses jovens. Ficaram 241 "casos estatísticos", número pouco elevado mas suficiente para ter uma idéia do que fazem os filhos de colonos das áreas de colonização antiga (20 e 30 anos de idade).

Localização dos jovens e análise de dados.

Ao se tentar localizar estatisticamente os jovens encontram-se evidentemente os mesmos problemas da construção das categorias estatísticas: que lugares considerar para a localização?

A análise do discurso aparece como uma ferramenta que complexifica a situação mais do que a simplifica. Como veremos mais tarde, as situações dos jovens, e sobretudo os discursos dos pais em relação a essas situações, são variáveis segundo as famílias. Se a categoria "jovem" parece comum às famílias, a da localização deles é problemática e variável. Tive que escolher uma configuração para realizar o tratamento, mas mais tarde nessa apresentação analisaremos esses discursos.

Primeiro, estabeleci uma distinção entre os jovens que moram na cidade e os que estão na área rural e coloquei mais uma categoria para falar dos que "andam no mundo". Dentro das duas primeiras categorias, distingui entre várias outras categorias: para os que estão nas cidades, coloquei de um lado os que estão nas pequenas cidades da região e do outro lado os que estão nas capitais de Estados. Para os que moram na área rural, fiz a diferença entre os que estão nos lotes dos pais, seja diretamente no lote onde moram os pais ou num lote dado por eles aos filhos; os que moram no mesmo travessão dos pais; os que moram num travessão vizinho; os que estão numa outra região rural, quer dizer, muitas vezes uma outra frente pioneira.

Construí então a tabela seguinte (tabela 1): são representadas as situações de 241 jovens (última linha).

Podemos tirar quatro conclusões principais dessa tabela:

1. Não se pode falar exatamente de êxodo rural: 64 por cento dos jovens ficam na área rural, contra 35 por cento nas cidades e 1 por cento "andando no mundo". Para os jovens casados, o gênero não parece ser um critério de diferenciação pertinente nesse nível. Portanto, é importante em relação aos solteiros de mais de 25 anos: o número de filhas no mundo é muito importante; da mesma forma, as mulheres solteiras ficam pouco na casa dos pais, preferem ir para a cidade. Os solteiros vão, tanto na área rural, como nas cidades.

2. Os jovens que ficam na área rural localizam-se sobretudo (60%) perto de seus pais. Nesse nível, uma diferença de gênero parece essencial: 56 por cento dos jovens e 10 por cento das filhas ficam no lote dos pais, o que confirma as conclusões da análise do discurso acima citada. Os solteiros moram quase todos no lote dos pais. É o contrário para as mulheres que vão morar no lote do marido; os rapazes que moram no travessão são menos numerosos do que as meninas. As meninas morando nos outros travessões da região são mais numerosas, devido à residência dos maridos também. De forma geral, os filhos nunca moram longe da casa de seus pais. Podemos concluir que os filhos que ficam na área rural ficam geograficamente perto dos pais.

3. Os jovens que moram numa outra área rural ou numa outra frente pioneira são poucos. O fato é estranho em relação ao que apresentamos acima sobre a história de migrações. Na verdade, isso não significa que as frentes pioneiras não continuam a avançar. Ao contrário, isso mostra que os jovens não vão sozinhos, quer dizer sem a família deles, colonizar áreas novas. Famílias inteiras podem ter saído, e por essa razão não as encontramos.

4. A maioria dos jovens que mora na cidade está nas cidades da região, quer dizer perto dos pais deles. Só 27 por cento dos homens casados e 17 por cento das filhas estão nas capitais de Estados (e na maioria dos casos no capital do Estado de origem dos pais deles, onde eles têm família).

São essas quatro conclusões que vou tentar analisar agora.
 

A importância dos fatores sociais e da escala familiar na localização dos filhos

Os dados que acabei de apresentar foram analisados numa escala individual, quer dizer que apesar de terem sido coletados a partir das famílias, tratei cada filho como um caso estatístico independente. Ora, mesmo assim a análise de dados mostrou que os pais para os rapazes e os sogros para as meninas são muito importantes para explicar a localização dos jovens: é na casa deles que mora a maioria dos jovens no meio rural, é perto dos pais que moram mais de 90 por cento dos filhos (são excluídos dessas porcentagens os filhos que moram numa outra zona rural ou numa capital de Estado).

Se analisarmos a saída do meio rural a partir de uma escala que não seja individual mas familiar, podemos constatar que a maioria dos filhos que saíram para a cidade são originários das mesmas famílias: 18 famílias sobre as 50 são atingidas pelo êxodo rural, e 39 dos 53 jovens que saíram são originários de 7 famílias. Podemos visualizar isso a partir da tabela 2:
 
 

 
Tabela 2 - Número de filhos por família que saíram do mundo rural
% de filhos na cidade Numero de famílias % de famílias
0 32 64
12 - 18 5 10
25 - 50 7 14
60 - 85 6 12
TOTAL 50 100

Fonte: dados pessoais, 2000. Elaboração própria


Podemos perceber com essa tabela que a escala familiar é essencial para analisar as migrações dos jovens. Isso corrobora conclusões a que chegaram análises feitas sobre as migrações (em particular, Dupont e Guilmoto, 1993). Mas isso não responde a questão de saber quem fica e quem vai embora, a questão da causa das migrações. Com efeito, dizer que as pessoas migram em família não é suficiente para explicar como funciona a migração: os jovens que vão embora poderiam ser originários de famílias cuja situação econômica é muito difícil. Nesse caso, a migração seria o resultado de uma decisão racional tomada por um indivíduo que responde a problemas econômicos, do tipo do homo œconomicus. O fato de a migração ser ligada à família seria só a imagem dessa dificuldade econômica. É o que pensam Laurian e al.: as migrações dos filhos de agricultores nas frentes pioneiras do Equador "parecem ser uma escolha formulada por indivíduos a partir dos caracteres pessoais deles, dos gostos e das experiências deles, apesar de as necessidades dos pais e as capacidades deles para ser agricultores só influenciarem pouco" (1998, p. 188, a tradução é nossa).

Poderíamos, para situarmo-nos naquele debate, tratar os dados estatísticos já apresentados a partir da riqueza das famílias dos jovens. Precisaria, então, decidir o que é uma família rica e o que é uma família pobre. Depois de discussões com os colegas da UFPa, concluímos que uma família rica, na zona considerada (colonização antiga, quer dizer de onde já saíram bastante famílias), tem menos de 35 gados e nenhuma cultura perene, enquanto uma família bastante rica tem mais de 80 gados e / ou culturas perenes.

Podemos fazer, da mesma forma que foi feita com a tabela 2, uma apresentação em função da porcentagem de filhos por família que saíram do meio rural, a partir nessa vez do ratio número de famílias ricas sobre número de famílias pobres. O resultado está apresentado na tabela 3.
 
 
 

Tabela 3
Riqueza das famílias e êxodo rural
% de filhos na cidade Ratio rico-pobre
0 1,3
12 - 18 1
25 - 50 0,75
60 - 85 1

Fonte: dados pessoais, 2000. Elaboração própria


Esses dados devem ser analisados com muita prudência devido ao pequeno número de famílias considerado. Mas mesmo assim, podemos constatar que o ratio não permite estar nem perto de 0, nem muito elevado, o que permite fazer a hipótese de que a riqueza das famílias não parece ser um dado explicativo importante.

Podemos fazer o mesmo tipo de hipótese com a análise das tabelas 4 e 5. Essas tabelas foram realizadas da mesma forma do que a tabela 1, só que dessa vez diferenciamos a partir da riqueza econômica das famílias. O número de famílias é mais elevado do que na tabela 3, mas ainda tem poucos casos (92 e 62 jovens), o que requer a mesma prudência da tabela precedente. Em particular, devemos aguardar na comparação das duas tabelas como diferença significativa uma diferença ao menos de 10 por cento (um mínimo de 10 jovens).
 



 


Com uma diferença significativa de 10 por cento, podemos concluir que para os jovens casados, não há diferença significativa entre os dois tipos de famílias em relação à saída do campo: uma diferença de 5 por cento é insuficiente para poder concluir. Para as filhas casadas, as diferenças são mais significativas: as filhas de colonos mais ricos saem mais facilmente. Senão, o resto dos dados não deixa aparecer diferenças significativas.

A riqueza econômica das famílias não parece ser um elemento de comparação muito pertinente das migrações entre os jovens. Não permite explicar todos os movimentos, mas só alguns. Podemos comparar essas duas tabelas com tabelas do mesmo tipo mas discreteadas em função de duas categorias da literatura da antropologia do parentesco brasileira (Woortmann, 1996) e reconhecidas localmente como importante, a diferença entre agricultores do Nordeste (nordestinos) e agricultores do Sul (sulistas).
 



 


Nesse caso também, temos que adotar níveis de diferenciação estatística elevados: mas mesmo com 20 por cento, as diferenças entre quase todas as linhas são significativas (só na coluna total geral que não há diferença muito visível). Em comparação com as tabelas 4 e 5, as diferenças são bem mais significativas. Ora, as categorias de nordestinos e sulistas se referem não a diferenças econômicas mas a diferenças sociais, a respeito, em particular, ao funcionamento da família (Woortmann, 1996).

Podemos dizer que os fatores sociais são mais importantes para diferenciar as famílias do que os fatores econômicos. Isso permite concluir que a estabilização dos filhos de agricultores no mundo rural não é unicamente dependente da riqueza das famílias, mas do meio social e, em particular, familiar. É isso que queremos desenvolver agora.
 

Migração e reprodução familiar.

A análise estatística permitiu mostrar que as localizações atuais dos jovens explicam-se sobretudo por fatores sociais e, em particular, familiares. Essa escala de análise deveria permitir-nos entender quais são os jovens que saem e quais são os que ficam. Mas não se pode dar conta dos fatores sociais e familiares sem, do nosso ponto de vista, fazer com uma análise estatística. É por isso que analisei as entrevistas biográficas que fiz com os agricultores.

Essas entrevistas sobre a história das famílias permitem entender como se decidem as migrações que trazem as pessoas para a frente pioneira. A história das famílias parece, como supúnhamos na primeira parte dessa apresentação, um elemento importante na explicação das razões tanto das migrações como das sedentarizações.

História das famílias e decisão de migrar

A partir das análises das entrevistas com as famílias, conseguimos perceber que as famílias que encontramos na frente pioneira têm histórias bastante semelhantes. Os colonos que encontramos nas áreas de colonização antigas da Transamazônica explicam que as migrações deles não foram decididas por causa da ausência de terra (como é o caso em outras frentes pioneiras) mas por causa da falta de terra para instalar os filhos. Temos muitos discursos sobre isso, mas o do Cassiano Ritter é interessante porque é claro e representativo:

Xavier: Aí não entendo. Você diz que no Paraná tinha terra...
Cassiano: Quando cheguei lá comprei terra.
Xavier: Tinha terra?
Cassiano: Duas, duas terras no Paraná. Boa terra.
Xavier: Mas porque você se mudou para cá?
Cassiano: Porque o meu cunhado achou que dava, aí eu tinha três meninos homens, os três mais velhos eram homens; digo eu vou mudar para lá, dar uma terra para cada um porque lá dizia que a terra era barata, e na verdade era, tinha muita terra. Lá tinha duas mas não dava o tamanho dessa daqui. Aí eu mudei e vim com ele para cá, com o cunhado.

A migração do Cassiano foi decidida no momento do casamento do filho mais velho. Constatamos isso com muitos agricultores da nossa amostra, até um tal ponto que podemos dizer que a chegada à idade adulta do primeiro filho homem de uma família corresponde ao momento no qual decide-se uma migração. O original é que os filhos não migram sozinhos: toda família vai junto. Isso confirma o que dissemos acima sobre o fato de que são poucos os filhos que vão sozinhos numa nova frente pioneira, sem os pais deles. Quando dão terras, é sempre perto do lote dos pais; se precisam, migram.

Ora, os pais não podem dividir as terras se eles têm rapazes demais. Eles têm que comprar terras novas. Então, há duas soluções: ou a família é suficientemente capitalizada para comprar um número suficiente de lotes na localidade de origem (muitas vezes, eles precisam ao menos 2 lotes); ou ela tem que migrar. É isso que fez o Cassiano quando saiu do Paraná: vendeu a terra dele para comprar mais terras na Amazônia; sobre essas terras, ele instalou os filhos dele.

Podemos constatar também, quando toma-se em conta a história dos colonos sobre várias gerações, que esse tipo de movimento pode acontecer a cada geração: o avô e o pai do Cassiano migraram para conseguir mais terras. O pai do Cassiano migrou quando o seu filho mais velho (Cassiano) casou. O caso do Cassiano só é um exemplo: na maioria das biografias que conseguimos gravar ou anotar, pudemos constatar que a migração faz parte da história das famílias e acontece no momento do casamento do filho mais velho.

Então, podemos nos perguntar: o movimento deveria parar agora? É isso que fez a Anne Le Borgne – David em sua tese de doutorado sobre o caso dos agricultores sulistas. Tratar-se-á aqui de prolongar o questionamento dela para ver se o movimento reproduz-se ou não, se os fatores que iniciam as migrações ainda são eficientes.

Análise de discurso e realização de uma tipologia indutiva das famílias.

Para analisar esse fenômeno, precisamos apresentar o método que seguimos. As entrevistas foram feitas com 21 famílias, escolhidas no início a partir de suas disponibilidades e depois a partir de hipóteses de diferenciação das famílias. Essas entrevistas foram semi-dirigidas, mesmo se muitas vezes foi bastante difícil e tive que inserir outras questões. Tratava-se, num primeiro tempo, de conhecer um pouco da história das famílias, e depois de perguntar o que faziam os filhos, e o que eles fizeram.

Essas entrevistas foram analisadas a partir do método que propõem Demazière e Dubar (1997). Tratava-se de entender "os sistemas de valores, as normas, as representações e os símbolos" relativos à mobilidade e à família do grupo dos agricultores familiares. A diferenciação que conseguimos fazer entre os discursos a propósito do que fazem os filhos e das maneiras de contar a história das famílias permitiu entender as estratégias dos pais e apontar o que chamamos as representações dos pais a propósito do futuro dos filhos. entender Conseguimos então fazer uma tipologia das famílias a partir de três traços: localizações dos filhos, discursos dos pais, estratégias familiares. Segui os princípios de Dubar e Demazière para realizar uma "tipologia indutiva": tratava-se de classificar as famílias em função das análises de discurso sem fazer hipóteses preliminares. Essa tipologia baseava-se na constatação que discursos, representações e estratégias eram consideravelmente diferentes.

Com certeza, as famílias têm características comuns. O mais visível é, sem dúvida, a importância da família. Pensamos que isso não é unicamente uma conseqüência do nosso protocolo, centrado sobre a família. Quando, de uma forma não dirigida, os agricultores contam a história, eles falam das migrações e da família. Outro ponto comum: o trabalho familiar até o casamento dos filhos. Até quando os filhos estudam, eles trabalham com os pais, os rapazes na roça, as meninas em casa. Mas depois do casamento aparecem elementos que permitem diferenciar os homens das mulheres.

Podemos, comparando as análises de discurso, identificar as originalidades de cada entrevista e os pontos comuns. Essa tipologia, baseada na a diferença entre as representações dos pais, as práticas dos filhos e o que podemos entender das estratégias parentais, permite concluir que a localização dos filhos é lógica se comparamos aos itinerários familiares.

Tipologia das lógicas familiares

A tipologia é constituída de 5 tipos. Como podíamos esperar, há um tipo para os agricultores originários do Sul do país (tipo 5). Mas os 4 outros tipos são todos nordestinos, o que mostra, em relação ao futuro dos filhos, a diversidade da agricultura familiar além das diferenças nordestino – sulista. Podemos representar essa tipologia sob a forma de uma tabela (tabela 8).

Tabela 8.
Tipologia das famílias.

 

Chamei o primeiro tipo de família patriarcal. Nesse tipo, a família unida e trabalhando junto é o valor essencial, aquele que permite o pai avaliar o que fazem os filhos dele, mas também o que faz com que ele procure terra perto do seu lote para instalar os filhos. Os filhos casados moram num lote cedido pelo pai. A grande maioria deles é agricultor e trabalha por parte do tempo com e para o pai. Se ele é rico, pode até guardar as filhas perto com os maridos, que trabalham com ele. São poucos os filhos que saíram para a cidade. Esse tipo entra perfeitamente no quadro migratório desenhado acima, e o movimento parece continuar hoje se os colonos não têm dinheiro suficiente para comprar terra (cf. tipo 2).

Esse tipo opõe-se a um outro tipo, o dos agricultores do Sul do país (tipo 5). Para esses agricultores, a família unida é o valor essencial, mas eles praticamente não trabalham juntos: pais e filhos casados (com a exceção do caçula) trabalham separadamente mesmo se podem trocar dias de trabalho. Mas os filhos são instalados perto do pai, pois a proximidade geográfica é muito importante. Mas as condições da instalação são completamente diferentes, e, sobretudo, nem todos os filhos são agricultores: com efeito, o pai pode ajudar alguns ter uma outra profissão, as filhas estudar… só que eles devem ficar perto dos pais. Os agricultores desse tipo têm um passado migratório importante, mas parece parar hoje: Anne Le Borgne – David mostra que os jovens preferem assalariar-se a continuar avançando na mata, preferência que constatei muitas vezes.

Além desses dois tipos, "tradicionais", identificamos três outros tipos. Dois (tipos 2 e 3) são derivados do tipo 1: as famílias desses tipos têm representações da família comparáveis (unida e trabalhando junto), mas os filhos deles saem da roça. Essas saídas são, do nosso ponto de vista, a conseqüência das mobilidades sociais dos pais. Mas essas mobilidades são opostas, a situação dos filhos que saíram não são as mesmas, o que justifica diferenciar dois tipos.

O primeiro tipo (tipo 2) é constituído por famílias que podemos chamar, ao nível das intenções, de patriarcais, mas cujos filhos moram na "terras de outros", como meeiros, assalariados ou agregados. Esses agricultores não têm recursos para comprar terras para os filhos e esperam que os filhos, trabalhando fora, possam comprar terras. A outra solução é fazer uma outra migração, o que está preparando uma família desse tipo. Podemos dizer que se não há migração, os filhos estão saindo da agricultura familiar, ao menos temporariamente.

O outro tipo (tipo 3) é constituído por famílias que correspondem ao padrão patriarcal, mas cujos filhos moram na cidade. Podemos constatar que todos os agricultores desse tipo têm mais de 80 gados e têm vários lotes que gostariam de dar aos filhos. Mas esses não querem, o que provoca uma reação (discurso) muito dura dos pais. Mas uma análise de discurso um pouco aprofundada revela que esses agricultores não se reclamam da agricultura familiar. Todos eles têm representações da família como sendo muito importante, mas eles não se identificam como agricultores ou trabalhadores de roça, mas fazendeiros, atravessadores, sindicalistas… Podemos dizer que esses pais já saíram da agricultura familiar. Isso se revela pelo fato de eles incentivarem os filhos a estudar, mandando-os à cidade por isso. Muitas vezes os filhos não estudaram, mas tampouco voltaram para ser agricultores, como desejavam os pais. Então, podemos dizer que esses filhos seguem uma trajetória de saída da agricultura familiar já começada pelos pais. Nesse caso, há uma saída da agricultura familiar consecutiva a um câmbio da identidade dos pais: a mobilidade dos pais provocou um deslocamento geográfico dos filhos.

O tipo 4 também corresponde a uma crise da identidade, mas claramente afirmada pelos pais e que explica práticas estratégicas: os pais não queriam ser agricultores, e dizem que "foi obrigado"; eles dizem que não podem sair da agricultura por causa da falta de estudo. Então, eles incentivam os filhos a sair para fazer o que eles não fizeram: estudar. Os filhos saem da agricultura familiar, mas seguindo o caminho indicado pelos pais. Essas famílias, e isso é uma originalidade, são constituídas por jovens pais que moraram ao menos 10 anos na região antes de casar. Será que os jovens que vão instalar-se hoje vão fazer a mesma coisa?

De qualquer forma, podemos dizer ter identificado alguns dos fatores que explicam porque os filhos de colonos ficam ou vão embora da localidade de origem deles para ir para a cidade ou mais à frente. A coesão familiar, que precisa de recursos suficientes para comprar terra e vontade de estabilizar os filhos, explica que as famílias que não têm muitos filhos rapazes estabilizam-se atrás das frentes pioneiras. Mas quando a coesão familiar está ameaçada pela falta de recursos, a solução pode ser migrar ou aceitar os filhos assalariar-se na esperança de poder comprar terra. Da mesma forma, a coesão pode ser ameaçada quando os pais saem da agricultura familiar e incentivam os filhos a fazer a mesma coisa. Enfim, a falta de interesse no trabalho de roça explica saídas de jovens.

Como supus em minha dissertação de Mestrado (Arnauld de Sartre, 1999), os itinerários dos filhos parecem, olhando-os a través do que dizem e fazem os pais, lógicos. Trabalhando a partir das teorias da reprodução social e da ação (em particular, Bourdieu, 1980), podemos dizer, sem negar o aspecto voluntário da escolha dos jovens, que as localizações deles são explicáveis em boa parte pelo ambiente no qual evoluíram os jovens.

A família, pelo seu funcionamento e pelas práticas que ela determina, é, como espero ter mostrado, um agente social essencial para explicar as localizações. Assim, migrações como sedentarizações não são unicamente o resultado da escolha de um indivíduo racional e independente, mas a manifestação de lógicas familiares da mobilidade tanto social como geográfica.
 

Conclusão

O conceito de lógicas familiares da mobilidade parece interessante para entender as mobilidades dos filhos de agricultores nas frentes pioneiras da Amazônia e, espero, de outros contextos. Permite, em particular, entender tanto as sedentarizações como as migrações que pudemos observar. Os agricultores familiares estão, sobretudo, procurando terras para desenvolver nelas as relações familiares: migrar não é um prazer para eles, mas eles o fazem se a coesão familiar está ameaçada pela falta de terra; se tem como comprar terra, então a estabilização é a solução preferida.

Esse conceito de lógica familiar das mobilidades mostra que a mobilidade dos jovens não é o resultado de uma escolha individual e racional, mas coloca no primeiro plano o ambiente social em que se decide a migração. A trajetória da família, que passa pela coleta de biografias de famílias, e a sua situação atual, parece explicar melhor do que uma teoria baseada sobre um paradigma neoclássico do tipo do homo œconomicus, as localizações dos jovens. Em particular, a mobilidade social das famílias parece ser um elemento importante dos movimentos.

A mobilidade das famílias hoje presentes nas áreas de colonização dos anos 70 da frente pioneira amazônica parece ser a manifestação das trajetórias sociais das famílias. A estabilização com os filhos perto é o sinal de uma trajetória social positiva, enquanto a estabilização sem filhos perto pode ser o sinal tanto de uma ascensão econômica, como de uma trajetória descendente não compensada por uma migração nas novas frentes pioneiras. Nesse caso, a migração em direção de uma outra frente pioneira é uma maneira de reproduzir o grupo familiar, dando terras aos filhos.

Podemos dizer, enfim, que esse conceito não pode explicar todos os movimentos. Com efeito, vimos nas tipologias que alguns filhos não entram nas lógicas familiares. Nesse caso, parece interessante usar esse conceito de lógica familiar da mobilidade como um modelo que dá conta de uma boa parte, mas não de todos, os movimentos. As diferenças podem ser analisadas em referência ao modelo.
 

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Nota del autor

Agradeço o Christophe Albaladejo, do INRA-SAD Toulouse, quem orienta o trabalho de tese e ajudou na realização do trabalho; e a Raquel Lopes, Professora da Universidade Federal do Pará, quem aceitou corrigir a versão portuguesa desse trabalho.

Trabalho realizado no quadro das atividades e com o apoio de:
UR Systèmes Agraires de Développement, Institut National de la Recherche Agronomique, Toulouse (França).
Núcleo de Estudos sobre a Agricultura Familiar, Universidade Federal do Pará, Belém (Brasil).
 

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