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REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. XV, nº 878, 30 de junio de 2010

[Serie  documental de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

CONJECTURAS SOBRE O DESEMPREGO A PARTIR DO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA  

 

Fábio Fonseca Figueiredo
Economista, doutorando em Geografia Humana, Universidade de Barcelona
fabiofonsecafigueiredo@gmail.com


Conjecturas sobre o desemprego a partir do desenvolvimento tecnológico na sociedade contemporânea (Resumo)

O texto discute a categoria desemprego na sociedade contemporânea a partir do desenvolvimento tecnológico na atividade industrial. É certo que existe uma relação direta entre avanço tecnológico e aumento do desemprego, entretanto o discurso que referencia esta relação necessita de sustentação visto que a tecnologia ainda não é a principal causa para o desemprego. A estratégia de enfrentamento ao desemprego através da qualificação profissional dos trabalhadores tampouco se constitui numa assertiva pois embora qualificados, as estatísticas indicam que mais trabalhadores estão em situação de exclusão no mercado laboral. Nesse contexto, verifica-se um intenso processo de reprodução do capital, em escala global, através da precarização nas condições de trabalho e do empobrecimento da população.

Palavras-chave: desemprego; desenvolvimento tecnológico; qualificação profissional; precarização do trabalho; empobrecimento da população


Conjeturas sobre el desempleo a partir del desarrollo de la tecnología en la sociedad contemporánea (Resumen)

El texto discute el desempleo en la sociedad contemporánea a partir del desarrollo de la tecnología en la actividad industrial. Es cierto que hay una relación directa entre el avance tecnológico y el aumento del desempleo, pero el discurso que justifica tal relación necesita de sustentación, ya que la tecnología no es todavía la principal causa del desempleo. La estrategia de hacer frente al desempleo a través de la calificación profesional de los trabajadores tampoco resulta muy clara pues aunque calificados, las estadísticas indican que cada vez más trabajadores están en situación de exclusión en el mercado laboral. En este sentido, se verifica un intenso proceso de reproducción del capital, a escala global, a través de la precariedad en las condiciones del trabajo y empobrecimiento de la población.

Palabras-clave: desempleo; desarrollo tecnológico; calificación profesional; precariedad del trabajo; empobrecimiento de la población


Conjectures about unemployment related to technological development in contemporary society (Abstract)

The paper discusses the unemployment in the contemporary society related to technological development in industrial activity. In fact there is a direct relationship between technological advance and rising unemployment, though the discussion that references this relationship needs support because technology is not the main cause of unemployment. The strategy to cope with unemployment by qualification of workers nor constitutes an assertion as though qualified, the statistics indicate that more workers are suffering exclusion in the labor market. In this context, there is an intense process of capital reproduction on a global scale, through the precarious working conditions and the impoverishment of the population.

Key-words: unemployment; technological development; quality; Precarious work; impoverishment of the population


Uma das temáticas que mais tem alimentado a produção científica de economistas e sociólogos, que discutem a categoria trabalho nas últimas décadas, é como criar as condições necessárias à geração de emprego na sociedade contemporânea. De Keynes (1996)[1] e sua utopia do pleno emprego ao discurso da qualificação profissional, passando pela Teoria do Capital Humano formulada por Friedman (1984)[2] e seus seguidores, os estudos e informes produzidos tentam demonstrar, teórica e empiricamente, que o emprego é um indicativo de pujança econômica, sendo, portanto, imprescindível para vigorar as economias nacionais.

A premente necessidade de se pensar formas de geração de emprego sugere que o desemprego venha se constituindo em um empecilho ao planejamento das políticas públicas de emprego. Mas, então, porque existe o desemprego? Se pensarmos que no sistema econômico capitalista, ao menos do ponto de vista da sua concepção filosófica, as decisões dos agentes econômicos são norteadas pela racionalidade dos investimentos (Ferguson, 1982), porque estes agentes não elaboram estratégias para criar empregos e visando dinamizar a economia?

Recentemente, tem-se apontado o desenvolvimento tecnológico[3] como o principal fator limitante na geração de emprego. Todavia, não há nada de novo nessa interpretação visto que tanto a economia neoclássica do século dezenove (Heilbroner, 1996), quanto a teoria critica (Marx, 1996)[4] já relacionaram as categorias tecnologia e desemprego como questões de análise. Portanto, o contexto atual seria um retorno à situação anteriormente registrada no sistema capitalista? Ou será que existe elementos novos a serem analisados? Desde uma perspectiva teórica, pode-se indiciar a tecnologia como causa direta dos elevados índices de desemprego nas sociedades contemporâneas?

Paralelamente, a qualificação profissional está sendo requerida como condição de enfrentamento ao desemprego ocasionado pelo avanço tecnológico (Tesser, 2002). Contudo, embora qualificados, os trabalhadores não estão conseguindo inserir-se no mercado de trabalho, Esta situação supõe anomalias já que, discursivamente, a qualificação profissional é uma garantia à empregabilidade, entretanto, o mercado de trabalho não está conseguindo absorver o contingente de profissionais qualificados. Como alternativa ao desemprego, os trabalhadores vêm se submetendo a diversas estratégias de sobrevivência, atuando no mercado laboral de maneira precarizada (Antunes, 1999)[5]. Esta situação tem exacerbado o processo de empobrecimento da população, visualizado nos menores rendimentos obtidos pelos trabalhadores. Portanto, não seria a qualificação profissional uma estratégia de exploração do capitalista sobre o trabalho, de maneira clássica (Marx, 1996), ou seja, precarizando as condições laborais dos trabalhadores?

A partir destas conjecturas iniciais, discutimos a questão do desemprego na sociedade contemporânea, a partir do desenvolvimento tecnológico dos processos produtivos. O texto está dividido em três partes e começa por explicitar a relação entre o avanço tecnológico na esfera produtiva e a redução da força de trabalho, o qual a qualificação profissional é apresentada como alternativa ao desemprego. A segunda secção debate a estratégia de reprodução do capital através da precarização do trabalho e o conseqüente empobrecimento da população, fenômeno que ocorre de maneira global. Por último, as conclusões, que encerra as discussões levantadas no presente artigo.

O desenvolvimento tecnológico e a redução da força de trabalho: A qualificação profissional como alternativa ao desemprego?

A crise paradigmática da atividade industrial ocorrida na década de setenta levou o capital a desenvolver novas formas de reprodução que remetessem às especificidades de cada região (Kon, 2004)[6]. Antigos termos usados pela Economia Política Clássica como vantagens comparativas e divisão internacional do trabalho (Heilbroner, 1996) voltaram a fazer parte do dicionário econômico contemporâneo. Em um novo contexto da economia internacional, o capitalismo conseguiu reunir as condições necessárias para seu fortalecimento no interior das economias nacionais, promovendo o desenvolvimento/crescimento econômico das nações por meio do novo-velho laissez faire, laissez pasé.

Nesse ínterim, ocorreu o processo de intensificação tecnológica na atividade produtiva. O discurso que justificava a opção pelo uso intensivo da tecnologia alega que o objetivo central desse processo tenciona o aprimoramento da produção industrial. Impulsionado por melhores condições estruturais, também pelo elevado nível de qualificação profissional dos trabalhadores, o uso das novas tecnologias na atividade industrial começara necessariamente nos países centrais, derivando, em seguida, para os demais países, em estágios inferiores de desenvolvimento industrial.

A inovação tecnológica implica mudança na combinação dos fatores de produção, onde o trabalho humano é substituído progressivamente pela utilização das máquinas, o que desencadeia dois processos: a) o aumento da produtividade e maior precisão na atividade produtiva e b) a correspondente diminuição dos postos de emprego. Se a inovação tecnológica potencializa a capacidade da produção da indústria, seu efeito colateral é elevar o desemprego. Autores como Pochmann (2001), Rifkin (1995) e Habermas (1975), dentre outros, reconhecem a crise do emprego atual e são categóricos em afirmar que a sociedade industrial caminha para se tornar uma sociedade onde a categoria trabalho vai perder sua centralidade. Esses autores argumentam que, com o advento da tecnologia, o exército industrial de reserva[7] aumentará devido a maior substituição do trabalho pela tecnologia na atividade produtiva.

Se estamos discutindo o desenvolvimento tecnológico como gerador de desemprego, temos que referenciar as formulações teóricas do grupo Krisis, da Alemanha. No texto Manifesto contra o trabalho, os estudiosos liderados por Robert Kunz, afirmam categoricamente que a produção de riqueza desvincula-se, cada vez mais, do uso da força de trabalho humano, devido à revolução da microeletrônica vivenciada na sociedade contemporânea. Conforme o Krisis (2008), a sociedade do trabalho chegará ao seu fim devido à autocontradição incurável do sistema produtor de mercadorias: “De um lado, ele [o sistema produtor de mercadorias][8] vive do fato de sugar maciçamente energia humana através do gasto de trabalho para sua maquinaria: quanto mais, melhor. De outro lado, contudo, impõe, pela lei da concorrência empresarial, um aumento de produtividade, no qual a força de trabalho humano é substituída por capital objetivado cientificizado"(p.15).

A corrente científica que relaciona a crise de empregabilidade à modernização na atividade produtiva entende que esse movimento ocorre de maneira uniforme, sendo impossível negar tal constatação. Para Rifkin (1995), o mundo está entrando em uma nova fase de sua história, na qual cada vez menos trabalhadores são necessários para produzir bens e serviços demandados pela população global. Para o autor, aos trabalhadores não lhes restam alternativas senão as filas do desemprego, situação que ele denominou de o exílio ao emprego:

As filas de desempregados e subempregados crescem diariamente na América do Norte, Europa e no Japão. Mesmo as nações em desenvolvimento estão enfrentando o desemprego tecnológico à medida que as empresas multinacionais constroem instalações de produção com tecnologia de ponta em todo o mundo, dispensando os trabalhadores de baixa remuneração, que não podem mais competir com a eficiência de custos, controle de qualidade e rapidez de entrega, alcançadas com a produção automatizada (op. cit.: 05).

As análises formuladas pela Escola de Frankfurt indicam que o mundo passa por transformações em ritmo intenso. Segundo Habermas (1975), na esfera econômica, a produção da riqueza social tornou-se independente da mais-valia extraída da força de trabalho dos produtores imediatos, passando os trabalhadores a depender do progresso técnico-científico. Sendo assim, uma vez que o desenvolvimento tecnológico avança, não tardará que se concretize o fim da sociedade industrial; ou que a sociedade industrial seja muito menos dependente da força de trabalho do que foi durante a primeira e segunda revolução industrial.

Nesta mesma linha de raciocínio, Offe (1989) argumenta que já no início da década de oitenta não parecia irrealístico antecipar uma redução drástica do potencial de absorção no mercado de trabalho em todo o mundo, devido à evolução tecnológica produtiva. Para o autor, a crise atual do mundo do trabalho é, na verdade, a conseqüência de uma sociedade caracterizada pelo desenvolvimento tecnológico potencializado. Todavia, Cano (1995) enfatiza que o caráter paradigmático da tecnologia na sociedade contemporânea se fundamenta pela mais pela produtividade que pela inovação. Neste sentido, a terceira fase da revolução industrial se diferencia da primeira e segunda fases que, na análise do autor, se caracterizaram pela inovação dos processos produtivos.

Em um contexto mudanças estruturais na atividade produtiva que reflete no aumento do desemprego, a qualificação profissional dos trabalhadores surge como alternativa à falta de empregos. Arrais Neto (1999) indica que foi a partir de meados dos anos oitenta que surgiram conceitos como empregabilidade, ou seja, que o trabalhador teria que acompanhar as tendências do mercado de trabalho, buscando sua plena e contínua qualificação para novos modelos de reengenharia industrial tais como kanban, just-in-time, etc. Atualmente, o discurso prega que o trabalhador terá condições de inserção e ascensão profissional a partir da sua qualificação, o que requer, além da formação específica, a capacidade de polivalência, característica que a pedagogia empresarial definiu como competência (Tesser, 2002).

O discurso das competências se encaixa perfeitamente em um cenário de desenvolvimento tecnológico industrial, marcado ainda pela crise econômica internacional e conseqüente aumento nos índices de desemprego. Vale mencionar que recentes estatísticas oficiais do Departamento Europeu de Estatísticas (EUROSTAT, 2009)[9] têm apresentado seguidos aumentos nas taxas de desemprego nos países da Comunidade Européia, região onde a população possui níveis de qualificação profissional satisfatórios.

Nesse sentido, qual o impacto da qualificação profissional na geração de emprego para os trabalhadores desempregados devido o desenvolvimento tecnológico? Para Antunes (1999), Arrais Neto (1999) e Chesnais (1996), a crise do emprego que assola o mundo atual não pode ser explicada apenas pelo incremento da tecnologia nas atividades produtivas, tampouco pela falta de qualificação profissional dos trabalhadores. Para esses autores, afirmar que os trabalhadores ficam desempregados, ou que atuam em atividades de subemprego devido sua incapacidade de acompanhar os avanços tecnológicos, não se qualificando de maneira eficaz para ocupar os novos postos de trabalho que têm surgido, ao que indica, constitui-se em análise parcial e equivocada.

Ao discutir as mudanças no mercado de trabalho dos países periféricos, a partir do final dos anos noventa, quando houve a ascensão das políticas neoliberais nestes países, Pochmann (2001) acena para o fato de que a periferização geográfica da indústria promoveu o deslocamento das atividades menos complexas para os países menos desenvolvidos economicamente. Analisando, especificamente, o mercado de trabalho brasileiro, o autor apresenta índices que demonstram que, a partir da década de noventa houve maior demanda por empregos em atividades consideradas informais, em setores econômicos menos favorecidos. O autor afirma, ainda, que a polarização da atividade industrial provocou no Brasil a estagnação da capacidade da economia na geração de empregos que requerem mão-de-obra qualificada.

Conforme Tesser (2002), a exigência de qualificação profissional é a estratégia utilizada pelo capital para maquiar o processo de exclusão do mercado de trabalho, a que estão sendo submetidos elevados contingentes de trabalhadores. No entanto, o discurso oficial brasileiro ressalta a qualificação profissional como alternativa ao desemprego. Assim que desde os anos noventa que são lançados, no país, programas oficiais como o já extinto Programa Estadual de Qualificação (PEQ), que teve o objetivo de elevar a qualificação profissional do trabalhador. Para o autor, programas com o PEQ possuem uma eficácia baixa em relação a seus objetivos devido ao pouco impacto causado no mercado de trabalho nacional[10].

Dados do Ministério da Educação da Espanha, citados por Diego (2008), revelam que somente quarenta por cento dos estudantes que terminam cursos de licenciatura no país conseguem trabalho de acordo com seu nível de estudos. Estes dados se revelam nos índices de desemprego da população espanhola entre 25 e 34 anos que, no ano de 2006, foi de onze por cento, bem superior a media européia que no mesmo período foi de seis por cento. Apesar das estatísticas oficiais apontarem para a ineficiência da qualificação profissional como garantia de emprego na Espanha, o número de estudantes matriculados nas universidades do pais no ano letivo 1994-1995 foi de 1.446.472, e saltou para 1.525.989 entre 2001-2002.

Neste sentido, não seria o discurso da qualificação profissional uma forma encontrada pelo capital para intensificar seu processo de exploração da forca de trabalho?

Reprodução do capital através da precarização do trabalho e empobrecimento da população: Um fenômeno global.

Em suas análises sobre a reprodução geográfica do capital, Chesnais (1996) vislumbra que a liberalização do comércio exterior e o movimento de capitais impôs às classes operárias dos países centrais, a flexibilização dos direitos trabalhistas, o que levou conseqüentemente à perda das conquistas trabalhistas. Também, ao rebaixamento salarial e à redução acentuada dos postos de trabalho. O autor destaca, ainda, que a tendência é para o alinhamento nas condições desfavoráveis aos assalariados e condições laborais em todo o mundo:

A mundialização – ou globalização – é o resultado de dois movimentos conjuntos, estritamente interligados, mas distintos. O primeiro pode ser caracterizado como a mais longa fase de acumulação ininterrupta do capital que o capitalismo conheceu desde 1914. O segundo diz respeito às políticas de liberalização, de privatização, de desregulamentação e de desmantelamento de conquistas sociais e democráticas, que foram aplicadas desde o início da década de 1980, sob o impulso dos Governos Thatcher e Reagan (p: 34).

O processo de empobrecimento médio da população mundial já pode ser visualizado, e sentindo, nos paises centrais. Segundo o Comitê Econômico e Social, do Parlamento Europeu, no ano de 2007, ter emprego na região da Comunidade Européia não significou a exclusão da pobreza. Para a referida comissão, o percentual de pessoas em risco eminente de pobreza continua elevado na região, mesmo para aqueles trabalhadores empregados (EUROPA, 2007)[11]. O EUROSTAT (2009)[12] confirma as apreciações formuladas pelo Parlamento Europeu, visto que os índice de reajuste salarial médio entre 2008 e 2009 na região foram de três e meio por cento. Excetua-se a Romênia (16,7%) e a Latvia (11,1%), paises que embora tenham conseguido elevar os salários mínimos a índices bastante superiores aos demais paises, possuem respectivamente o segundo e o terceiro menores salários mínimos da região (153€ e 232€).

Para Furtado (2002), os capitais produtivos internacionais migram para os países periféricos para obterem vantagem sob três aspectos: mercado consumidor de bens dos países centrais, abundância de recursos naturais ainda existentes nesses países e o baixo preço da mão-de-obra, este último aspecto favorecido pela desregulamentação trabalhista. Dessa forma, se em uma região do mundo a melhor remuneração capitalista ocorre através do implemento de alta tecnologia, então a tecnologia de ponta será intensivamente utilizada. Por outro lado, se o uso das tecnologias ultrapassadas e a maior utilização de mão-de-obra de baixa qualificação for a combinação que remunere de maneira mais satisfatória o capital empresarial, logo será esta a forma de organização do trabalho a ser utilizada.

Esse movimento de encaixe de combinações de formas diversas de produção industrial possui como conseqüências os elevados índices de desemprego e o empobrecimento da população. Conforme dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), extraídos do estudo elaborado por Carvalho (2001), no início da presente década estimava-se que aproximadamente três bilhões de pessoas estavam desempregadas ou não ganhavam o necessário para sustentar a família acima do nível da pobreza. Na América Latina e Caribe, as taxas médias oficiais de desemprego se mantiveram entre nove e dez por cento, a partir da segunda metade da década de noventa. Já os salários industriais na região estagnaram-se aos níveis do início da década ou diminuíram a patamares inferiores aos do início dos anos oitenta.

Ao debater os processos educativos em uma sociedade que, pretensamente, necessita de indivíduos com altíssima qualificação profissional, Arrais Neto (1999) afirma que a intervenção do processo econômico permitiu o aprofundamento da exploração capitalista do trabalho, aumentando a produtividade por meio do que ficou conhecido como produção flexível: “No capitalismo atual, a valorização do capital utiliza uma combinação de procedimentos para a extração de mais-valia, tanto absoluta quanto relativa, através do rebaixamento dos níveis salariais, da intensificação da produtividade do trabalho, do uso de novos materiais e da integração dos novos mercados de trabalho e consumo” (p. 36).

Para Antunes (1999), o que se vê no quadro atual é o desemprego em dimensão estrutural, fato que leva à precariedade do trabalho de modo ampliado e em escala globalizada. O autor cita que, na nova denominação do mundo do trabalho “os trabalhadores informais poderiam ser enquadrados como parciais por fazerem parte de uma atividade industrial, porém sem nenhum vínculo empregatício. São trabalhadores terceirizados, sub-contratados ou part-time” (p: 104).

O mais recente informe elaborado pela OIT (2007)[13] mostra que apesar do comércio internacional ter representado mais de sessenta por cento do produto interno bruto mundial no ano de 2007, percentual que dobrou nas últimas duas década, a geração de emprego se manteve a patamares inferiores aos do crescimento economia dos países. Para a OIT, estes resultados contribuíram para o declínio nas condições de trabalho, também, ao aumento do setor informal da economia, tanto nos países centrais quanto nos países periféricos. Complementando as análises da OIT, de acordo com o estudo produzido pela Comissão Econômica e Social para a Ásia e o Pacífico, entidade da Organização das Nações Unidas (ONU, 2010)[14], a crise econômica global pode levar vinte e um milhões de pessoas na Ásia e Pacífico à extrema pobreza até 2010. Segundo o estudo, estas pessoas podem chegar a viver com menos de USD 1,25 dólares americanos ao dia.

No caso brasileiro, identificamos diversos arranjos produtivos como estratégia de reprodução do capital através da precarização do trabalho e diminuição na renda salarial dos trabalhadores. Como exemplo, citamos os arranjos das indústrias têxteis que possui sua matriz tecnológica no centro sul do país, embora mantenha em sua cadeia produtiva relações com agentes que produzem de maneira semi-artesanal e rudimentar, tais como os micro-produtores de fibra de tecidos do Rio Grande do Norte[15], estado do nordeste do Brasil. Cavalcanti e Ferreira (2002)[16] demonstraram que apesar das potencialidades econômicas, localização geográfica estratégica e ainda a existência de generosos estímulos governamentais, a atratividade do estado do Rio Grande do Norte para investimentos está em função dos baixos salários pagos aos trabalhadores. Para as autoras, a precária escolaridade da população tende a reafirmar uma inserção espúria do estado no âmbito econômico nacional e internacional.

Mattoso (2001) indica que o desemprego e a precarização das condições e relações de trabalho são um fenômeno de amplitude nacional, de extraordinária intensidade e jamais ocorrido na história do Brasil. Conforme o autor, “o país nunca conviveu com um desemprego tão elevado, tampouco com um grau crescente de deterioração das condições de trabalho, com o crescimento vertiginoso do trabalho temporário, por tempo determinado, sem renda fixa ou em tempo parcial, enfim, os milhares de bicos que se espalharam pelo país” (p: 09).

Nesse contexto de intensa exploração do capital, tem-se observado o retorno a formas de exploração do trabalho que se assemelham às formulações clássicas sobre o processo de extração de mais-valia na sociedade capitalista, que conforme Marx (1996): “A mais-valia produzida pelo prolongamento da jornada de trabalho chamo de mais-valia absoluta; a mais-valia que, ao contrário, decorre da redução do tempo de trabalho e da correspondente mudança da proporção entre os dois componentes da jornada de trabalho chamo de mais-valia relativa” (p: 432).

Exemplo desse retorno às formas clássicas de exploração da mais-valia absoluta e relativa na sociedade contemporânea ocorre na indústria de reciclagem dos países periféricos, que utiliza elevado contingente de separadores de materiais, que atuam em condições laborais de extrema precariedade e com jornadas laborais superiores a dez horas. No entanto, os separadores de recicláveis são remunerados com a ínfima parte da movimentação econômica da atividade da reciclagem nestes paises (Bosi, 2008; Figueiredo, 2007).


Conclusões

A sociedade contemporânea passa por um momento que se aprofundam as contradições do sistema capitalista. Como marcas deste processo, verifica-se o desemprego estrutural, a precariedade do trabalho, a intensificação da disparidade dos rendimentos; também a heterogeneidade no mercado de trabalho e o agravamento da pobreza a nível internacional.

Neste período de crise do capital, pensamos que o cerne da discussão não deve repousar em culpar o desenvolvimento tecnológico como causa direta e inexorável do desemprego. Tampouco propor a qualificação profissional como alternativa ao desemprego, visto que a propalada qualificação não está promovendo a inserção dos trabalhadores no mercado laboral. Contudo, as discussões que se proponham a analisar o atual momento da sociedade global devem situar-se no entendimento dos elementos que alimentam a contradição fundamental do capitalismo, que é a reprodução do sistema através da intensa exploração do trabalho pelo capital.


Notas

[1] Ver primeira edição da obra Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, de John Maynard Keynes, publicada em 1936.

[2] Ver primeira edição do livro Capitalismo e liberdade, de Milton Friedman, publicada em 1962.

[3] Embora não sejam sinônimos perfeitos, neste texto usaremos a denominação desenvolvimento tecnológico tanto para referirmos à inovação quanto para citar processos que aumentam a produtividade da atividade industrial, sem, contudo, relacioná-se a evolução tecnológica.

[4] Ver primeiro volume da edição original em alemão, Das Kapital, de Karl Marx, publicado em 1867.

[5] No Brasil, o termo precarização do trabalho foi usado por primeira vez por Antunes (1999) para referenciar as péssimas condições laborais a que estão sendo submetidos os trabalhadores.

[6] Kon (2004) realiza uma análise interessante sobre a crise paradigmática do setor industrial, que rompeu com o modelo industrial fordista e passou a adicionar novos e diversificados modelos de produção industrial.

[7] Conceito definido por Marx (1996) para explicar que o capital consegue rebaixar a remuneração da força de trabalho ao nível mínimo necessário à reprodução individual através de elevados contingentes de trabalhadores desempregados.

[8] Sublinhado adicionado.

[9] As informações do EUROSTAT (2009) mostram que em novembro de 2009 a taxa média de desemprego nos 16 países da zona do euro (relaciona os países que utilizam o euro como moeda oficial) foi de 10 por cento. Este é o valor mais alto registrado desde agosto de 1998. Estimativas do Departamento indicam que 22,8 milhões de pessoas estavam sem trabalho na União Européia (relaciona a todos os vinte e sete países que formam a Comunidade Européia), dos quais, 15,7 milhões na zona do euro. A Holanda é o país com a porcentagem mais baixa de desempregados (3,9 por cento da população economicamente ativa), enquanto que os índices de desemprego mais elevados foram registrados na Letônia (22,3%) e Espanha (19,4%). Ver EUROSTAT (2009) <http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/product_results/search_results?mo=containsall&ms=Euro+area+unemployment+up+to+8.9%25&saa=&p_action=SUBMIT&l=us&co=equal&ci=,&po=equal&pi=,>.

[10] Em 1998 o autor deste artigo participou como estagiário de uma pesquisa que verificou os impactos na renda dos trabalhadores que haviam participado dos cursos de formação profissional promovido pelo PEQ no estado do Rio Grande do Norte, no ano de 1997. Como resultados daquele trabalho, constatou-se o fato dos trabalhadores haverem realizados diversos cursos de qualificação não resultou em aumento nos rendimentos. Também, chamou a atenção o fato de que a formação oferecida pelo PEQ priorizou a formação a atividades laborais de baixo nível de qualificação técnica.

[11] Parlamento Europeu debate salários mínimos da UE: entre os €92 e os €1570, (EUROPA, 2007) <http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?language=PT&type=IM-PRESS&reference=20070913STO10373>.

[12] Population and social conditions, EUROSTAT (2009) <http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/product_details/publication?p_product_code=KS-QA-09-029>.

[13] Ver informe La globalización y el empleo en el sector informal en los países en desarrollo, OIT (2007) <http://www.oitbrasil.org.br/topic/employment/doc/oit_omc_116.pdf>.

[14] Crise pode levar 21 milhões de pessoas à pobreza na Ásia, ONU (2010)  <http://www.unmultimedia.org/radio/portuguese/detail/176544.html>.

[15] No ano de 1997 o autor deste artigo realizou uma visita a cidade de Jardim de Piranhas, interior do estado do Rio Grande do Norte, para coletar dados sobre os micro produtores de fibra têxteis da cidade. Foram registradas as péssimas condições sanitárias de trabalho daqueles trabalhadores, sendo que alguns deles compravam maquinas usadas pelas indústrias têxteis de São Paulo na década de sessenta para realizar a produção domestica das fibras. Também foram destacados baixos rendimentos obtidos entre quinze e dezoito horas diária de trabalho.

[16] Cavalcanti e Ferreira (2002) <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119-71.htm>.

 

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Recursos digitais

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[Edición electrónica del texto realizada por Miriam-Hermi Zaar]



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Ficha bibliográfica:

FIGUEIREDO, Fábio Fonseca. Conjecturas sobre o desemprego a partir do desenvolvimento tecnológico na sociedade contemporânea. Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. XV, nº 878, 30 de junio de 2010. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-878.htm> [ISSN 1138-9796].